Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1163/22.0T8ACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RICARDO
Descritores: MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
COMPRA E VENDA
RESTITUIÇÃO DA COMISSÃO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 06/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE ALCOBAÇA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 19.º, N.º 1, DA LEI N.º 15/2013, DE 8-2, 473.º, N.ºS 1 E 2, 474.º E 482.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – Não tendo sido concluído o negócio de compra e venda que esteve na génese da celebração de um contrato de mediação imobiliária, deve a comissão paga à mediadora ser restituída ao cliente da mesma com base no instituto do enriquecimento sem causa (art. 473º do Código Civil).
II – Tal restituição não tem lugar se tiver decorrido o prazo de prescrição previsto no art. 482º do Código Civil.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:

Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I – RELATÓRIO.

        AA instaurou no Juízo Local Cível de Alcobaça acção comum contra P..., Ldª, pedindo que a ré seja condenada a pagar ao autor a quantia de 8.610,00 € (oito mil seiscentos e dez euros), acrescida de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento.

         Para fundamentar a pretensão supra referida, alegou, em resumo, o seguinte:

        - O autor é herdeiro e cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de BB, sendo igualmente igualmente herdeiro e cabeça-de-casal da herança aberta por óbito de CC;

         - A ré, no exercício da sua actividade, foi contratada pelo referido BB para que aquela promovesse a venda de dois prédios urbanos de que este era titular, tendo, nessa sequência, sido celebrado em 7/8/2016 um contrato de mediação imobiliária, com vista à comercialização de tais imóveis;

        - Na altura corria termos uma acção de interdição na qual o cabeça-de-casal, tutor provisório do aludido BB, requereu autorização para proceder à venda dos mencionados prédios, autorização que foi negada por decisão proferida em 12/7/2017;

        - A ré colocou um dos imóveis à venda e baixou o respectivo preço, o que motivou a que aparecesse um interessado na respectiva aquisição;        

- Apesar de a ré ser conhecedora da situação de incapacidade do proprietário dos imóveis bem como da existência do referido processo judicial, não se inibiu de redigir um contrato-promessa de compra e venda, pressionando as partes para que o mesmo fosse assinado;

         - Aquando da celebração do dito contrato-promessa de compra e venda, o promitente comprador entregou à ré a quantia de 15.000,00 € a título de sinal e princípio de pagamento;

         - No momento da outorga do contrato, a ré, sem autorização do autor, apoderou-se da quantia de 8.610,00 €, que corresponde a 5% do valor do negócio (140.000,00 €), com IVA, fazendo-se desse modo pagar de uma comissão como se o negócio se viesse a concretizar.

        - Não tendo sido autorizada a venda dos imóveis, o promitente comprador exigiu a restituição do sinal em singelo, tendo o autor devolvido ao mesmo o montante de 15.000.00 €;

         - A ré não devolveu ao autor a quantia de que se apoderou, não obstante ter sido interpelado para o efeito por diversas vezes.


***

         A ré contestou, arguindo as excepções de ilegitimidade activa e de prescrição, mais tendo impugnado parte da factualidade alegada na petição inicial.

***

        Em resposta, o autor pronunciou-se no sentido da improcedência das invocadas excepções, concluindo como na petição inicial.

***

        Em 30/5/2023, foi proferido despacho saneador, que julgou improcedente a invocada excepção de ilegitimidade activa, prosseguindo os autos para audiência final, que se realizou com observância do formalismo legalmente prescrito.

***

        Em 4/1/2024, foi proferida sentença que julgou a acção totalmente improcedente, sendo a ré absolvida do pedido formulado pelo autor.

***

         Não se conformando com a decisão proferida, o autor interpôs o presente recurso, no qual formula as seguintes conclusões:

(…).


***

         A ré não apresentou contra-alegações.

***

         Questões objecto do recurso.

         Não obstante o recorrente referir, em sede de alegações, que o presente recurso versa sobre matéria de facto e de direito, a verdade é que o acervo factual que consta da sentença recorrida não foi impugnado, sendo irrelevante, para o efeito, a circunstância de o apelante não concordar com o thema decidendum [1].

         Deste modo, está unicamente em causa o enquadramento jurídico do litígio, devendo ser apreciada a matéria que o recorrente carreou para os autos em sede de conclusões.


***

         II – FUNDAMENTOS.

         2.1. Factos provados.

         A 1ª instância considerou assentes os seguintes factos:

         1) O Autor é herdeiro e cabeça de casal da herança aberta por óbito de BB, tendo o autor da herança falecido no dia 28-01-2020;

2) O Autor é herdeiro e cabeça de casal da herança aberta por óbito de CC, tendo a autora da herança falecido no dia 12-02-2021;

3) A Ré é uma sociedade de mediação imobiliária, exercendo com fins lucrativos a actividade de Mediação e administração de imóveis por conta de outrem, sendo titular da licença AMI n.º ...48, ...) Em 07 de Agosto de 2016, entre a Ré, na qualidade de “Mediadora”, e BB, na qualidade de “Segundo Contraente” e “Proprietário” foi firmado um acordo escrito, denominado “Contrato de Mediação Imobiliária”;

5) Do acordo referido em 4), cujo teor se considera integralmente reproduzido, constam, entre o mais, as seguintes cláusulas:

a. Cláusula 1ª

(Identificação do Imóvel)

O segundo Contratante é proprietário e legitimo possuidor do prédio urbano destinado a habitação, sendo constituído por 1/5 divisões assoalhadas, com uma área total de 166 m², sito na Rua ..., em ..., ..., descrito na Conservatória do registo Predial ..., sob a ficha n.º ...96, com a licença de utilização n.° ______, emitida pela Câmara Municipal ..., em __/__/__ e inscrito na matriz predial urbana com o artigo n.º...83 da Freguesia ... omisso na matriz___, com classificação energética, Certificado N°___, expira em___ e certificação energética com classificação energética D,

Certificado N° ...25, expira em 23/03/2026.;

b. Clausula 2ª

(Identificação do negócio)

1- A Mediadora obriga-se a diligenciar no sentido de conseguir interessado na compra pelo preço de Euros 168000€ (cento e sessenta oito mil euros), desenvolvendo para o efeito, ações de promoção e recolha de informações sobre os negócios pretendidos e características dos respetivos imóveis.

2- Qualquer alteração ao preço fixado no número anterior deverá ser comunicado de imediato e por escrito à mediadora.;

c. Clausula 5ª

(Remuneração)

1 - A remuneração só será devida se a Mediadora conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato (…).

2-O segundo Contratante obriga-se a Pagar à Mediadora a titulo de Remuneração:

a quantia de 5% calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado acrescida de IVA à taxa legal em vigor. (5.000€ + IVA caso o a quantidade de imóvel seja vendido abaixo dos 100.000€)

(…)

O pagamento da remuneração apenas será efetuado nas seguintes condições:

(…)

O total da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa.

O direito à remuneração não é afastado pelo exercicio de direito legal ou contratual de preferência sobre o [im]óvel;  

        6) Em 5 de Dezembro de 2016, entre a Ré e BB, este representado pelo seu filho e aqui Autor, foi firmado um novo acordo escrito, denominado “Adenda a Contrato de Mediação Imobiliária”;

 7) Do acordo referido em 6), cujo teor se considera integralmente reproduzido, consta, entre o mais, o seguinte:

a. Considerando que:

1. Entre as partes foi celebrado um contrato de mediacao imobiliaria com data de 7 Agosto de 2016, para venda do imovel sito em Rua ... em ..., ..., pelo preco de 168.000C.

2. A ... ira promover ... que irao decorrer entre 28 de Dezembro de 2016 e 28 de Fevereiro de 2017.

3. O(s) Segundo(s) Contratante(s) estao de acordo em participarem na referida campanha de ....

E celebrado a presente adenda ao contrato de mediacao imobiliaria referido no primeiro considerando que se regera pelas clausulas seguintes:

b. 1ª

(Alteracao do preco)

Pela presente adenda, o proprietario aceita alterar o preco de venda do imovel objecto do contrato de mediacao para 157.500C, exclusivamente no periodo de 28 de Dezembro de 2016 a 28 de Fevereiro de 2017.

c. 2ª  

(Condicoes de contratacao)

1. A reducao do preco apenas sera valida para os interessados compradores que efectuarem o Contrato de Promessa de Compra e venda ou escritura, no periodo de SALDOS.

d. 3ª

(Remuneracao)

Em tudo o mais vigorara o estipulado no contrato de mediacao.;

         8) Em data não concretamente apurada, mas antes de 12.07.2017, corria termos um apenso aos autos de interdição/inabilitação, no Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo Local Cível ..., Juiz ..., com o Processo n.º 909/16...., na sequência de o Autor, na qualidade de tutor provisório de BB, ter requerido autorização judicial para proceder à venda do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia ..., e do prédio urbano sito na Rua ..., ..., alegando que a venda era uma oportunidade de negócio que poderia não se repetir;

        9) No âmbito do referido apenso, em 12.07.2017, foi proferida sentença, no sentido de não autorizar o Autor, na qualidade de tutor de BB, a proceder à venda do prédio urbano sito na Rua ..., ..., inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ...83 e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ...96, e do prédio urbano sito na Rua ..., ..., ..., inscrito na matriz predial urbana sob o n.º ...82 e descrito na Conservatória de Registo Predial sob o n.º ...07, ...0) Em 15.02.2017, a Ré, através da agente imobiliária DD, emitiu uma declaração com o seguinte teor:

..., 15 de Fevereiro de 2017,

ASSUNTO: Declaração

        Eu DD, agente imobiliária de ..., Venho por este meio, declarar que o Sr. BB, residente em Praça ..., em ... portador do B.I nº: ...12 dirigiu-se à agência imobiliária ..., de ... para entregar a angariação do seu bem imóvel, em Julho de 2016.

O senhor BB entregou-me alguns documentos, não tendo na altura assinado o referido contrato de mediação. Em visitas posteriores, registei a sua descompensação e hesitação quanto ao interesse de venda e ou arrendamento. Posteriormente, ao tomar conhecimento da situação, AA, seu filho e tutor judicial, entrou em contacto comigo e tudo foi tratado por ele.

O imóvel situa-se na Rua ..., ..., concelho .... Acordou-se no valor de venda 168000€. Contudo, apos várias visitas sem sucesso, o imóvel entrou na campanha dos saldos de 28 de Dezembro a 28 de Fevereiro. O preço do imóvel baixou para 157 500 euros.

No dia 6 de Fevereiro 2017, um cliente comprador ao fazer uma visita a moradia mostrou interessado na moradia e resolveu fazer uma proposta de 130000 €, na qual o proprietário fez uma contra-proposta de 140000€.

Em suma, ambas as partes, concordaram com o preço final de venda de 140000€.;

        11) Através de documento escrito, denominado “Minuta de Contrato-Promessa de Compra e Venda de Imóvel”, em 17.02.2017, BB e CC, o primeiro representado pelo seu tutor provisório AA, ora Autor, declararam prometer vender os dois imóveis identificados em 5);

        12) Do acordo referido em 11), cujo teor se considera integralmente reproduzido, constam, entre o mais, as seguintes cláusulas:      

a. Cláusula Terceira

(Preço)

O preço acordado para a prometida compra e venda é de € 140.000 (cento e quarenta mil euros) para o prédio identificado na Cláusula Primeira a) é de € 115.000 (cento quinze mil euros) e para o prédio identificado na Cláusula Primeira b) € 15.000 (quinze mil euros) e € 10.000 (dez mil euros) para a mobília e equipamento de cozinha;

         b. Cláusula Quarta

   (Condições de Pagamento)

1. O pagamento dos preços referidos na cláusula anterior, no interesse e de acordo com a vontade de todos os contratantes, será feito e imputado da seguinte forma

a) - Na data da assinatura do presente contrato, a título de sinal e princípio de pagamento, a quantia de € 15.000 (quinze mil euros), imputando-se a quantia de € 12.500 (doze mil e quinhentos) ao prédio identificado na Cláusula Primeira a) e a quantia de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros) ao prédio identificado na Cláusula Primeira b), através de cheque, de que os Promitentes Vendedores darão quitação após boa cobrança da mesma:

b) - O remanescente dos preços, no montante global de € 125.000 (cento vinte cinco mil euros), será liquidado pelos Promitentes Compradores aos Promitentes Vendedores na data da outorga da competente Escritura Pública de Compra e Venda (ou documento particular autenticado), através de cheque visado ou bancário.;      

         c. Cláusula Quinta        

         (Escritura Pública ou Documento Particular Autenticado)

1. Os Promitentes Compradores declaram conhecer que a escritura pública de compra e venda (ou documento particular autenticado) objecto do presente contrato só poderá ser outorgada quando e se obtida e transitada em julgado, autorização judicial, uma vez que corre seus termos no Tribunal das ..., acção de interdição por anomalia psíquica do Promitente Vendedor, a qual tem o nº 909/16.... da INSTÂNCIA LOCAL CIVEL - Juiz ....

2. O tutor provisório obriga-se a apresentar, quanto antes, o pedido da referida autorização para a venda do prédios identificados na Cláusula Primeira e a diligenciar no sentido da sua obtenção com a celeridade possível, devendo informar os Promitentes Compradores logo que obtida a certidão da sentença de autorização.

3. A escritura poderá ser outorgada, em data, hora e local a fixar pelos Promitentes Compradores, os quais notificarão os Promitentes Vendedores por qualquer meio susceptível de confirmação de recepção, expedido com a antecedência mínima de 15 (quinze) dias, para a morada dos mesmos, logo que obtida a referida certidão da sentença de autorização.

4. A escritura terá de ocorrer até 180 (cento e oitenta) dias a contar da data da assinatura do presente contrato.;

         d. Cláusula Décima-Primeira

           (Intervenção Imobiliária)

As partes contratantes declaram, nos termos do Art.º 40 da Lei n.º 15/2013, de 08 de Fevereiro, que a compra e venda ora prometida realizar, teve a intervenção da Mediadora Imobiliária, P... Lda. com a licença AMI n.º ...48..., ...3) Desde, pelo menos, o dia 15 de Fevereiro de 2017, a Ré sabia que a venda dos imóveis dependia de autorização judicial, face à incapacidade do proprietário BB;

        14) Aquando da celebração do acordo referido em 11), o promitente comprador, EE, entregou à Ré a quantia de € 15.000,00 a título de sinal e princípio de pagamento;

        15) A Ré, sem autorização do Autor, fez sua a quantia de € 8.610,00, a título de comissão imobiliária;

         16) Não sendo possível a venda dos prédios identificados em 5), o promitente comprador exigiu o valor do sinal em singelo;

        17) Foi devolvida a quantia de € 15.000,00 ao promitente comprador, que este tinha entregue a título de sinal e princípio de pagamento;

         18) A Ré não devolveu o valor de € 8.610,00;

        19) A Ré emitiu, em 04.04.2017, a factura n.º ...6, no valor de € 8.610,00;

        20) A Ré entregou ao Autor o valor de € 6.390,00, correspondente à diferença de valores entre o que recebeu do promitente comprador e o valor de € 8.610,00;

         21) Os imóveis identificados em 5) têm a respectiva propriedade registada a favor do Autor.


**

2.2. Factos não provados.


        Pelo Tribunal a quo foi considerada não provada a seguinte matéria:

        a) A Ré pressionou as partes para assinarem um contrato-promessa de compra e venda, na ânsia de receber uma comissão que não era devida;    b) O Autor devolveu ao promitente comprador a quantia de € 15.000,00;

       c) O Autor viu-se desapossado do valor de € 8.600,00, que foi apoderado pela Ré;

         d) O Autor é uma pessoa muito conceituada, conhecida nas ..., e, por isso, preferiu devolver a quantia em singelo ao promitente comprador;

        e) O Autor, porque se sentiu injustiçado, interpelou a Ré para devolver a quantia de que se apoderou.


***

         2.3. Enquadramento jurídico.        

        Defende o apelante que a factualidade que a 1ª instância considerou assente deveria conduzir à procedência do pedido que o mesmo deduziu nos autos, o que decorre, de acordo com as respectivas conclusões, da circunstância de não ter sido concretizado o negócio (compra e venda) que se tinha em vista aquando da celebração do contrato de mediação imobiliária a que o presente litígio se reporta.

         Na tese do recorrente, a ré está obrigada a devolver a comissão que, sem autorização do autor, integrou na sua esfera jurídica aquando da outorga da promessa de compra e venda que vem aludida nos pontos 11 e 12 dos factos provados, opondo-se, desta forma, à fundamentação jurídica que o Tribunal recorrido verteu na sentença impugnada.       

         A este propósito, a 1ª instância fez constar na decisão recorrida os seguintes fundamentos:

         “Compulsada a matéria de facto dada como assente, dúvidas inexistem que o acordo firmado entre BB e a Ré, em 07 de Agosto de 2016, se traduz na outorga de um contrato de mediação mobiliária, que se rege pela Lei n.º 15/2013, de 8 de Fevereiro.

         A actividade de mediação imobiliária vem definida no artigo 2.º, n.º 1, da referida Lei, como a que se traduz na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis.

        Compulsada a factualidade dada como provada, resulta de forma cristalina que o Autor não é – nem foi – parte no referido contrato. Teve, sim, intervenção, em momento posterior a tal outorga, na qualidade de tutor provisório de BB. Deste modo, não resultam, para o Autor, quaisquer direitos e/ou deveres contratuais relacionados com tal relação contratual existente entre o (falecido) BB e a Ré.   

        Assim sendo, tendo-se presente que o Autor litiga em nome próprio e pessoal, peticionando, em seu proveito e para si, a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 8.610,00, não sendo parte no referido contrato de mediação imobiliária, fica inviabilizada a (eventual)

devolução do valor retido pela Ré a título de comissão no âmbito de tal contrato (tal como resulta da decisão de apreciação da legitimidade activa do Autor proferida em sede de despacho saneador e artigo 2091.º do Código Civil).”.

         Sendo certo que o autor não é parte no contrato em apreço, não é menos verdade que é herdeiro do primitivo outorgante, sendo ainda cabeça-de-casal da correspondente herança.

         Uma vez que estamos perante uma relação jurídica, com contornos patrimoniais, que não se extinguiu com a morte do respectivo titular, o fenómeno sucessório daí decorrente faz com que se deva apreciar a matéria que se prende com as obrigações resultantes do contrato de mediação imobiliária, em particular a obrigação de restituição que está causa no presente litígio (cf. nomeadamente, os arts. 2024º, 2025º, “a contrario”, 2031º, 2132º, 2133º, nº1, alínea a), e 2089º todos do Código Civil) [2].

         De acordo com o disposto no art. 19º, nº1,  da Lei nº15/2013, de 8-2 (diploma que regula a actividade de mediação imobiliária [3]), “A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.”.

        Por sua vez, acrescenta o nº 2 do mesmo art. 19º que “É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.”.

         No caso em análise, verifica-se que o contrato de mediação não foi celebrado em regime de exclusividade [4], sendo, por isso, apenas aplicável o regime previsto no nº1 do art. 19º da Lei nº15/2013.

         Ora, no que diz respeito à remuneração, foi acordado que a mesma deveria ser paga aquando da celebração do contrato-promessa, circunstância que, efectivamente, ocorreu, embora sem intervenção directa do recorrente, dado que o correspondente montante foi retirado, por iniciativa da ré, do sinal liquidado pelo promitente-comprador.

         O negócio visado pelo contrato de mediação – compra e venda – não se veio a concretizar, pelas razões indicadas no ponto 9 da factualidade provada, o que significa que a comissão deixou de ser devida, atento o preceituado no art. 19º, nº1, da Lei nº15/2013, e o que resulta da cláusula 5ª, nº1, do vínculo contratual em apreço.

         Neste tipo de situações, nasce uma obrigação de restituição por força do princípio geral consagrado no art. 473º do Código Civil [5] [6], norma esta que apresenta o seguinte teor:    

         “1. Aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou.

         2. A obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que for indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou.”.

         Contudo, a ré, em sede de contestação, sustentou que a obrigação em causa se mostra prescrita, de acordo com o art. 482º do Código Civil.     

        No preceito invocado estabelece-se que “O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do enriquecimento.”.

        Os elementos fácticos carreados para os autos inculcam que o prazo referido no art. 482º terá decorrido, dado que no ano de 2017 [7] foi proferida sentença que negou a autorização para a venda dos respectivos imóveis e a presente acção apenas foi instaurada em 20/5/2022.

         O recorrente, pronunciando-se sobre esta matéria, sustentou que a obrigação de restituição decorre da relação contratual e do regime previsto no art. 17º, nº3, do DL 211/2004 de 20/08 [8], não sendo aplicável o regime do enriquecimento sem causa, que tem caráter subsidiário.

         Não podemos concordar com a tese defendida pelo apelante.

         Sendo certo, face ao preceituado no art. 474º do Código Civil [9], que a obrigação fundada em enriquecimento sem causa tem natureza subsidiária, a verdade é que não resulta do contrato de mediação qualquer dever de restituir a mencionada importância em virtude de se ter frustrado o negócio pretendido, ou seja, as partes não acordaram – caso em que existiria uma obrigação contratual – que a comissão paga à mediadora seria restituída se ocorresse o facto que veio a impossibilitar a venda dos imóveis.

         Por outro lado, a apelada não está obrigada a restituir a comissão com base na disposição legal que o recorrente cita, uma vez que a mesma faz parte de um diploma que foi revogado pela Lei nº15/2013, de 8-2 [10].

         Deste modo, considerando a prescrição que ocorre no caso em apreço, improcede o pedido formulado pelo recorrente, devendo decidir-se em conformidade com o exposto.


***

         III – DECISÃO.

        Nestes termos, com fundamentos diversos, decide-se julgar a apelação improcedente e, em consequência, confirmar a sentença recorrida.

         Custas pelo apelante.

                                  Coimbra, 4 de Junho de 2024


(assinado digitalmente)

Luís Manuel de Carvalho Ricardo

(relator)

António Domingos Pires Robalo

(1º adjunto)

Maria Teresa Albuquerque

(2ª adjunta)


  SUMÁRIO.

         (…).


[1] Não se trata, aqui, de matéria de facto, mas das questões a decidir no âmbito do processo e que fazem parte do seu objecto.
[2] Art. 2024º do Código Civil:; “Diz-se sucessão o chamamento de uma ou mais pessoas à titularidade das relações jurídicas patrimoniais de uma pessoa falecida e a consequente devolução dos bens que a esta pertenciam.”.
- Art. 2025º do Código Civil: “1. Não constituem objecto de sucessão as relações jurídicas que devam extinguir-se por morte do respectivo titular, em razão da sua natureza ou por força da lei.
2. Podem também extinguir-se à morte do titular, por vontade deste, os direitos renunciáveis.”.
- Art. 2031º do Código Civil: “Se o falecido não tiver disposto válida e eficazmente, no todo ou em parte, dos bens de que podia dispor para depois da morte, são chamados à sucessão desses bens os seus herdeiros legítimos.”.
- Art. 2132º do Código Civil: “São herdeiros legítimos o cônjuge, os parentes e o Estado, pela ordem e segundo as regras constantes do presente título.”.
- Art. 2133º, nº1, alínea a): “A ordem por que são chamados os herdeiros, sem prejuízo do disposto no título da adopção, é a seguinte: a) Cônjuge e descendentes;”
- Art. 2089º do Código Civil: “O cabeça-de-casal pode cobrar as dívidas activas da herança, quando a cobrança possa perigar com a demora ou o pagamento seja feito espontâneamente.”.
[3] A actividade de mediação imobiliária encontra-se definida no art. 2º, nºs 1 e 2, da Lei nº15/2013, nos seguintes moldes: “1 - A atividade de mediação imobiliária consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objeto bens imóveis.
2 - A atividade de mediação imobiliária consubstancia-se também no desenvolvimento das seguintes ações:
a) Prospeção e recolha de informações que visem encontrar os bens imóveis pretendidos pelos clientes;
b) Promoção dos bens imóveis sobre os quais os clientes pretendam realizar negócios jurídicos, designadamente através da sua divulgação ou publicitação, ou da realização de leilões.”.
[4] Cf. cláusula 4ª do documento nº 4 junto com a petição inicial.
[5] No sentido que defendemos, cf. o Acórdão da Relação de Lisboa de 7/7/2022, disponível em http://www.gde.mj.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/eecc8eab36d672d18025888b003e1320?OpenDocument
[6] Sobre a problemática do enriquecimento sem causa, cf. Inocêncio Galvão Teles, “Direito das Obrigações”, 6ª ed., 1989, págs. 179 a 194, António Menezes Cordeiro, “Direito das Obrigações”, 2º Vol. reimpressão de 1990, págs. 43 a 69, João de Matos Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, Vol. I, 7ª ed., 1991, págs. 456 a 507, Mário Júlio de Almeida Costa, “Direito das Obrigações”, 8ª ed., 2000, págs. 439 a 464, e Luís Manuel Teles de Menezes Leitão, “Direito das Obrigações”, Vol. I, 10ª ed., 2013, págs. 371 a 437.
Com amplo desenvolvimento, consultar, com muita utilidade, Luís Manuel Teles de Menezes Leitão “O Enriquecimento sem Causa no Direito Civil”, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, nº176, edição do Centro de Estudos Fiscais (Direcção-Geral das Contribuições e Impostos, Ministério das Finanças), 1996
[7] 12/7/2017.
[8] Referência legislativa baseada, segundo o recorrente, no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães proferido no Proc. nº 474/12.7TBAMR.G1 (Relatora: Manuela Fialho).
[9] Art. 474º do Código Civil: “Não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento.”.
[10] Art. 43º da Lei nº15/1013: “São revogados:
a) O Decreto-Lei n.º 211/2004, de 20 de agosto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 69/2011, de 15 de junho;
b) A Portaria n.º 1324/2004, de 19 de outubro;
c) A Portaria n.º 1326/2004, de 19 de outubro;
d) A Portaria n.º 1327/2004, de 19 de outubro;
e) A Portaria n.º 66/2005, de 25 de janeiro;
f) O despacho conjunto n.º 707/2004, de 3 de dezembro.”.