Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FERREIRA LOPES | ||
Descritores: | EXONERAÇÃO DO PASSIVO RESTANTE SUSTENTO MINIMAMENTE DIGNO DO DEVEDOR SUBSÍDIOS DE FÉRIAS E DE NATAL | ||
Data do Acordão: | 12/03/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUIZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTºS 236º E 239º DO CIRE. | ||
Sumário: | I- Se no despacho inicial proferido no incidente de exoneração do passivo restante se decidiu que “se considera cedido ao fiduciário o rendimento disponível que a devedora venha a auferir a qualquer título (…) com exclusão do que seja razoavelmente necessário para o seu sustento, que fixo em valor correspondente ao salário mínimo nacional”, também os valores recebidos a título de subsídio de Férias e de Natal devem ser entregues ao fiduciário. II - Assim é por tais complementos da retribuição não serem indispensáveis a assegurar o “sustento minimamente digno do devedor”. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª secção do Tribunal da Relação de Coimbra A… apresentou-se à insolvência e requereu o benefício da exoneração do passivo restante. Por despacho de 15.02.2018 foi o pedido de exoneração do passivo restante liminarmente admitido e, em cumprimento do disposto no art. 239º do CIRE, determinado: Que nos cinco subsequentes ao encerramento do processo, o rendimento disponível que a devedora venha a auferir se considera cedido ao fiduciário; Considero rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título à devedora, com exclusão dos previstos nas alíneas a) e b) do nº 3 do art. 239º do CIRE, nomeadamente do que seja razoavelmente necessário para o sustento do seu agregado familiar, que fixo em valor correspondente a um salário mínimo nacional. Em 26 de Março de 2019 o Sr. Fiduciário veio apresentar o 1º relatório anual, nos termos do art. 240º/2 do CIRE, em que dava conta que a devedora entregou o montante de €589,57, quando deveria ter entregue €1.899,98. Notificada para se pronunciar sobre o relatório, a devedora veio requerer a retificação dos cálculos feitos pelo Sr. Fiduciário, para serem excluídos do rendimento disponível (ou incluídos no rendimento indisponível) os montantes correspondentes aos subsídios de férias e de Natal. Pretensão indeferida, tendo a Sr.ª Juiz considerado que as importâncias recebidas a título de subsídios de férias e Natal devem também ser cedidas ao Fiduciário. É deste despacho que vem interposto o presente recurso, no qual a Devedora pugna pela revogação do despacho recorrido para ser substituído por decisão que ordene a retificação dos cálculos feitos pelo Fiduciário. A Recorrente remata as suas alegações com as seguintes conclusões úteis: 1ª. A vexata quaestio que subjaz ao presente recurso limita-se apenas a saber se, em face da parte dispositiva do mui douto despacho de exoneração do passivo restante, o conceito de salário mínimo nacional aí empregue deve ser interpretado no sentido da insolvente reter a retribuição mínima nacional igual à mensal (multiplicada por 14 e dividida por 12), doze vezes ao ano ou, no sentido da insolvente poder reter apenas quantia correspondente ao salário mínimo nacional 12 vezes ao ano. 2ª. Por um lado, o segmento decisório do douto despacho de exoneração do passivo restante proferido nos autos, não exclui expressamente do rendimento indisponível os rendimentos provenientes de subsídios de férias e de natal. 3ª De todo o modo, também não seria necessário que o fizesse uma vez que o próprio ordenamento jurídico garante que qualquer retribuição mínima nacional é necessariamente recebida 14 vezes em cada ano civil. 4ª. Daí que, como vem sendo jurisprudência cada vez mais actual, mesmo “se, o juiz, ao fixar o valor do rendimento indisponível disser que esse valor será retido 12 vezes ao ano, então esse valor não deverá ser inferior à retribuição mínima nacional anual (ou seja, € 580x14) a dividir por doze.” 5ª. Tudo porque – ao contrário do que propugna o despacho recorrido (salvo o muitíssimo respeito), “Os subsídios de férias e de Natal são parcelas de retribuição do trabalho e não extras para umas férias ou um Natal melhorados. A retribuição mínima nacional anual é constituída pela retribuição mínima mensal garantida multiplicada por 14, pelo que o salário mínimo nacional garantido mensalizado corresponde à retribuição mínima mensal garantida multiplicada por 14 e dividida por doze. É, no mínimo, deste valor médio mensal que o trabalhador dispõe para o seu sustento; e é este valor médio mensal que o Estado fixa como o mínimo necessário ao sustento minimamente digno.” 6ª. Obviamente que só se poderá permitir a exoneração do passivo restante se houver uma contrapartida meritória, sendo esta constituída pela assunção de uma vida pautada pela privação e poupança possíveis a favor dos credores durante cinco anos; 7ª. Contudo, não se crê que essa privação tenha que passar a barreira do que é necessário à existência condigna, e que tem reflexo, em termos quantitativos, no salário mínimo nacional que, anualmente, é garantidamente (pela legislação laboral em vigor) pago 14 vezes por ano, 8ª. A retribuição mínima nacional, por efeito dos subsídios de férias e de natal, é assim garantida pelo sistema jurídico concretizada em 14 prestações auferidas em cada ano civil, pelo que também os subsídios de férias e de natal, como 13.ª e 14.ª prestações, se incluem necessariamente no conceito de subsistência minimamente condigna, não fazendo sentido, salvo o devido respeito, considerar tais subsídios como qualquer extra além da subsistência condigna. 9ª. Ao referir-se o predito despacho de exoneração do passivo restante ao salário mínimo nacional, como o que “seja razoavelmente necessário para o sustento do seu agregado familiar”, dentro da necessária unidade do sistema jurídico, deve o conceito de “salário mínimo nacional” empregue no despacho de exoneração do passivo restante ser necessariamente integrado por toda a retribuição que a legislação laboral garante em termos mínimos - como o mínimo dos mínimos imprescindível à subsistência - aos trabalhadores em cada ano. 10ª. O despacho recorrido violou os artigos 9.º do Cód. Civil, o Art.º 239, n.º 3 b), i) do CIRE, os artigos 263.º, 264.ºe 273.º do Cód. do Trabalho e o Art.º 1.º da Constituição da República Portuguesa.
Não foram apresentadas contra alegações. Dispensados os vistos, cumpre apreciar e decidir. A questão a decidir é de saber se o rendimento indisponível, isto é, a parte dos rendimento excluído da obrigação de entrega ao fiduciário, que no caso foi “o montante mensal do salário mínimo nacional”, deve ser calculado multiplicando o valor do s.m.n. por 14 e depois dividido por 12, ou como decidiu o despacho recorrido no valor correspondente ao salário mínimo nacional, fixado para cada ano. Fundamentação. O despacho liminar que admitiu o pedido de exoneração do passivo restante assentou nos seguintes factos: - A Insolvente nasceu em 08 de Novembro de 1980; - Casou-se em 3 de Setembro de 2006 e divorciou-se em 6 de Outubro de 2010; - Em 2018 auferia a remuneração mensal de €687,13; - O seu passivo vencido ascende a €25.577,89 O direito. A exoneração do passivo restante é instituto previsto no Código da Insolvência e a Recuperação de Empresas (CIRE), aprovado pelo DL 53/2004, de 18 de Março, que visa a protecção do devedor pessoa singular, concedendo-lhe uma nova oportunidade, permitindo-lhe libertar-se do passivo que não consiga pagar no âmbito de processo de insolvência. Sempre que o pedido de exoneração do passivo restante não seja liminarmente indeferido nem rejeitado, o juiz profere despacho inicial de admissão do pedido, do qual deve constar que durante os cinco anos subsequentes ao encerramento do processo de insolvência – chamado período de cessão – considera-se cedido ao fiduciário o rendimento disponível que o devedor venha a auferir (arts. 239º/1 e 236º/1). Nos termos do art. 239º: (…) 3. Integram o rendimento disponível todos os rendimentos que advenham a qualquer título ao devedor, com exclusão: a) (…); b) Do que seja razoavelmente necessário para: i) o sustento minimamente digno do devedor e do seu agregado familiar, não devendo exceder, salvo decisão fundamentado do juiz em contrário, três vezes o salário mínimo nacional. No caso, a Sr.ª Juiz considerou que “o sustento minimamente digno da insolvente deve ser assegurado com o montante mensal do salário mínimo nacional.” Considerando a situação pessoal da devedora, nada a censurar a esta decisão, que aliás, não está em causa no recurso, pois que, como tem sido constantemente afirmado pela jurisprudência, a exoneração do passivo restante não pode ocorrer sem algum sacrifício dos devedores, os quais, no período de cessão, apenas têm direito a dispor do que for estritamente necessário para lhes garantir, com dignidade, o sustento (Ac. da Relação de Coimbra de 17.06.2014, CJ, III, pag. 28, entre outros). E não pode afirmar-se que o salário mínimo nacional não permite um sustento minimamente digno (Ac. Relação Coimbra de 31.01.2012, P. 3638/10). Quando no despacho inicial se decidiu que o sustento minimamente digno da devedora seria assegurado com o montante mensal do salário mínimo nacional, estava, parece-nos que sobre isso não pode haver dúvidas, a considerar o valor fixado por lei anualmente para o valor do s.m.n.. Os subsidio de férias e de Natal, que são complementos da retribuição, com a finalidade de ajudar ao gozo das férias e de auxílio nas despesas normalmente acrescidas da quadra Natalícia, não são imprescindíveis à satisfação das necessidades básicas da insolvente, e nesse sentido devem integrar o rendimento disponível a entregar ao fiduciário. Que os valores recebidos a título de subsídio de férias de Natal devem, por via de regra, integrar o rendimento disponível, é a posição claramente maioritária da jurisprudência (cf. Acórdãos desta Relação de 11.02.2014, de 17.03.2015 e de 16.10.2018, da Relação do Porto de 07.05.2018 e da Relação de Évora de 26.09.2019, todos disponíveis em dgsi.pt). Termos em que improcedem as conclusões da Recorrente. Decisão: Pelo exposto, nega-se provimento à apelação e confirma-se a decisão recorrida. Coimbra, 03.12.2019 (Ferreira Lopes) (Freitas Neto) (Carlos Barreira)
|