Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
100226/20.4YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: CONTRATO DE SUBEMPREITADA
INDETERMINAÇÃO DO PREÇO DAS OBRAS A REALIZAR
ACORDO QUANTO AO PREÇO DAS OBRAS EFECTUADAS
POSTERIORMENTE À SUA REALIZAÇÃO
OBRAS EFECTUADAS COM DEFEITO
INEXISTÊNCIA DE RECUSA DA OBRA POR PARTE DO EMPREITEIRO
Data do Acordão: 03/28/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE PORTO DE MÓS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 342.º, 1; 883.º; 1208.º; 1211.º, 1; 1213.º; 1220.º; 1221.º E 1222.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – O facto de não se encontrar determinado em nenhum dos contratos celebrados o valor das obras a realizar, tal não impede a qualificação de tais contratos como de subempreitada, nem tal determina a sua nulidade.

II – A aplicação dos critérios enumerados no artigo 883.º, 1, do Código Civil, só tem lugar caso as partes não acordem no preço dos trabalhos realizados, posteriormente à sua realização.

III – Para que o empreiteiro (aqui no papel de dono da obra) possa exercer qualquer um dos direitos que a lei lhe confere face à execução de uma obra defeituosa, não tendo recusado a sua entrega, tem que proceder à denúncia dos defeitos ao subempreiteiro, nos termos do artigo 122º.º do Código Civil

Decisão Texto Integral:
Relatora: Sílvia Pires

Adjuntos: Henrique Antunes

                 Cristina Neves


Autora: S..., Unipessoal, Lda.
Autora: S..., Unipessoal, Lda.

Ré: S..., S.A.

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  Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra
A Autora intentou a presente ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 10.800,00, acrescida de juros vencidos e vincendos, até integral pagamento, a título de diversos serviços que lhe prestou, bem como de € 150,00 a título de outras quantias.

A Ré contestou, dizendo que a Ré não executou alguns dos trabalhos contratados e aqueles que executou apresentavam defeitos.
Mais invocou a compensação do montante de € 1.843,80 devidos pela Autora pela permanência de dois técnicos da Ré em obra para fazer face ao incumprimento da autora.

Veio a ser proferida sentença que julgou a ação nos seguintes termos:
Face ao exposto, julgo parcialmente procedente, por provada, a presente ação e, em consequência, condeno a ré S..., S.A. a pagar à autora S..., Unipessoal, Lda. a quantia de € 6.100,00 (seis mil e cem euros) acrescido do montante do catalisador referido no ponto 41) dos factos provados nos termos que se vierem a apurar em sede de liquidação de sentença, a título de capital, acrescida de € 40,00 a título de indemnização prevista no art.º 7.º do Decreto-lei n.º 62/2013, de 10 de maio e acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, de acordo com as taxas que foram e venham a resultar da aplicação da Portaria n.º 277/2013, de 26 de agosto, desde as datas de vencimentos das faturas n.º ...78, ...79 e fatura n.º ...76, absolvendo-se a ré do demais peticionado.

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A Ré interpôs recurso, formulando as seguintes conclusões:
1. Não foi feita uma adequada aplicação das normas de direito aplicáveis ao caso sub judice nem uma correta interpretação da prova feita em sede de audiência de julgamento;
2. E nesse sentido, não podia o tribunal dar como provado o que deu, no que concerne aos valores constantes das faturas identificadas.
3. A sentença identificou as seguintes questões a apreciar:
a. Incumprimento contratual das partes;
b. Da compensação dos créditos
4. Mas não foi aferida a existência do contrato entre as Partes, que deu origem às sobreditas faturas, o que, no nosso entender, antecede qualquer conclusão, já que só depois de apreciar a sua existência seria possível pôr em causa o seu alegado incumprimento.
5. Ficando em falta a apreciação de elementos tão essenciais, como a existência desse contrato, nos termos concretos das suas obrigações, designadamente as de preço e pagamento.
6. Pelo que nos parece existir fundamento para invocar a nulidade prevista na primeira parte da alínea d) do n.º1 do art.º 615.º do CPC, na medida em que o tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre questões que deveria ter-se pronunciado.
7. A A./Recorrida reclama o pagamento de faturas, que enviou, mas que reconhece a sua devolução pelo R./Requerente.
8. Nessas faturas não é alegado pela Recorrida quantidades de trabalho contratados, nem preços acordados, nem meios de execução.
9. E nada refere quanto ao acordo das partes, nem meios de pagamento, nem prazos, nem valores desses trabalhos – sendo, no entanto, a retribuição um elemento essencial do contrato de (sub)empreitada – cfr. fls. 11 da sentença.
10. Motivo pelo qual o Tribunal não poderia ter dado como bom o valor indicado nas faturas emitidas pela Recorrida, de forma arbitrária.
11. Até porque, nos termos do art.º 342.º do CC, era a Recorrida que cabia alegar e provar o tal consenso relativamente ao preço estipulado entre as Partes – o que não fez.
12. E cabendo também ao tribunal ad quo apreciar da existência desse consenso, isto é, das obrigações contratuais estabelecidas entre as Partes – o que não fez.
13. Omissão essa que inquina toda a decisão em recurso: se não há obrigações assumidas inter partes, como pode haver incumprimento?
14. Não se trata de um facto instrumental, mas essencial. Aliás, instrumental e/ou complementar é a fatura. Essencial é o acordo ou a falta de acordo por detrás dessa fatura, e os seus concretos termos, nomeadamente preço.
15. O tribunal basta-se com a existência das faturas. O que não pode acontecer.
16. Verificando-se, em suma, uma omissão de pronúncia sobre um facto essencial.
17. Devendo nessa medida, ser atribuída nulidade à sentença para os devidos e legais efeitos.
18. Consagra o art.º 607.º do CPC o princípio da livre apreciação da prova.
19. No entanto, a Apelante funda a sua discordância, quer ao nível da convicção formada pelo tribunal a quo, e ao juízo indutivo que conduziu à decisão, quer ainda quanto à valoração de provas e, finalmente, quanto à subsunção jurídica.
20. Que, corretamente valoradas, determinavam uma resposta à matéria de facto no sentido inverso àquele em que o tribunal decidiu.
21. Por tais razões, a Recorrente impugna a douta sentença, na dupla vertente de impugnação de facto e de direito.
22. O presente recurso abrange quer a impugnação da decisão da matéria de facto com base na reapreciação da prova, quer a sentença, porque não julgou como deveria;
23. Não se conformando a Recorrida com a decisão, nomeadamente, que considerou provados os pontos n.º 7 e 38 – quando não deveriam tê-lo sido.
24. O tribunal deu como provado no ponto n.º 7 que, “Pelos serviços prestados, foi emitida pela autora e enviada à Ré a fatura n.º ...79, no valor de € 2.300,00.”
25. Contudo, se é inegável que essa fatura foi emitida, também o é que não provou a quantidade de trabalhos realizados, nem o preço acordado.
26. Assim a Recorrida tinha de provar que esta fatura não só não tinha sido paga pela Recorrente, mas especialmente que tal valor lhe era devido.
27. Apenas se poderia ter considerada provada a emissão da fatura. Nada mais.
28. Pelo que, não existindo alegação nem se fazendo prova desse consenso, não poderá haver condenação.
29. A fatura é um mero documento contabilístico e unilateral, pelo que não liberta a Recorrida no ónus probatório dos factos constitutivos do direito invocado, intrinsecamente ligada ao art.º 342.º do CC.
30. Em momento algum a prova testemunhal foi no sentido de comprovar os termos do negócio, mormente, preços, quantidades, etc.
31. Dai que a fatura seja manifestamente insuficiente, para, só por si, levar a procedência do pedido.
32. Assim, por quanto foi dito, o facto considerado como PROVADO “7.Pelos serviços prestados, foi emitida pela autora e enviada à Ré a fatura n.º ...79, no valor de € 2.300,00.” deve ser reduzido apenas a: “foi emitida pela autora e enviada à Ré a fatura n.º ...79, no valor de € 2.300,00”, devendo considerar-se como NÃO PROVADO: “Pelos serviços prestados”, nos termos da alínea c) do n.º1 do art.º 640º do CPC.
Além disso, devendo considerar-se provada apenas a emissão da fatura, não comporta por si só que o valor nela previsto seja devido, pelo que a decisão terá de comportar a absolvição e não a condenação no pagamento da fatura n.º ...79, no valor de € 2.300,00.
33. O Tribunal recorrido deu ainda como provado o ponto nº 38. “Pelas deslocações efetuadas, produto adquirido e o trabalho desenvolvido, a Autora emitiu e enviou a fatura n.º ...76, no valor de € 1.300,00”.
34. O que é, de todo, inaceitável.
35. Pois, se é inegável que essa fatura foi emitida, também o é que não provou a quantidade de trabalhos realizados, nem o preço acordado.
36. Assim, apenas se poderia considerar como provada a emissão da fatura e nada mais.
37. O que leva à conclusão obvia que, não existindo alegação e nem se fazendo prova desse consenso, não poderá haver condenação.
38. Aqui, e uma vez mais, as testemunhas ouvidas em sede de audiência de julgamento desconheciam os termos do negócio, mormente, preços, quantidades, etc.
39. Pelo que o facto considerado como PROVADO “38. Pelas deslocações efetuadas, produto adquirido e o trabalho desenvolvido, a Autora emitiu e enviou a fatura n.º ...76, no valor de € 1.300,00.”, deve ser reduzido apenas a: “a Autora emitiu e enviou a fatura n.º ...76, no valor de € 1.300,00”, devendo considerar-se como NÃO PROVADO: “Pelas deslocações efetuadas, produto adquirido e o trabalho desenvolvido”, nos termos da alínea c) do n.º1 do art.º 640º do CPC.
40. Além disso, devendo considerar-se provada apenas a emissão da fatura, não comporta por si só que o valor nela previsto seja devido, pelo que a decisão terá de comportar a absolvição e não a condenação no pagamento da fatura n.º ...76, no valor de € 1.300,00.
41. Andou mal, o tribunal ad quo, ao proferir a decisão conforme o fez.
42. Até porque, considera a decisão em recurso o seguinte: “(…) no que tange às obras Condomínio ... e ETA de ... resultou provado que a autora executou os trabalhos acordados, mas que o fez de forma deficiente, tendo-se apurado diversos defeitos na sua execução”.
43. Pelo que não apurou, nem se poderia considerar provado, os valores constantes das faturas.
44. Uma vez que, nada é vertido na decisão que se recorre sobre a efetiva afixação do preço acordado.
45. Bastando-se, novamente, o tribunal ad quo, com a emissão da fatura, o que não se pode admitir
46. Assim, andou mal o tribunal ad quo considerar que “(…) em termos de ónus de prova que impendem sobre cada umas das partes resulta que o empreiteiro somente tem que alegar e provar que executou a obra e que procedeu à entrega da obra ao seu dono”.
47. Porquanto, uma coisa é alegar e provar que executou a obra, outra bem diversa é que lhe é devido determinado montante por esse facto.
48. Pelo que, cabia à Recorrida e somente a ela, provar o montante acordado entre as Partes – que não se verifica.
49. Aliás, a retribuição é um elemento essencial do contrato – cfr. fls 12 da sentença.
50. Contudo, sempre se perguntará, por tudo quanto foi dito, que retribuição??
51. A mais, decorre dos factos provados no n.º 5 e 37 ““5.A areia aplicada pela autora desagregou, ficando levantada, e o pavimento ficou com inertes Sobrepostos” e “37.A autora gastou todo o material de primário que foi enviado para obra tendo a ré sido obrigada a, a expensas suas, a recorrer a outra empresa para refazer o primário que a ré executou e concluir os trabalhos desta última que tinha ficado inacabados, com o acréscimo de consumo de produto e demora na conclusão da obra” (sublinhado nosso).
52. Não se vislumbrando como pode a sentença focar se numa obrigação acessória, quando se encontra provado que a obrigação principal da execução da obra não foi cumprida.
53. No caso do facto n.º 5, relativo a obra do Condomínio ..., encontram-se provados defeitos;
54. Bem como, no facto do n.º 37, relativo a obra da ETA de ..., encontra se provado que os trabalhos ficaram “inacabados”.
55. O que traz a colação o disposto no 1208.º do CC, nomeadamente, o dever de o (sub)empreiteiro dever executar as obras sem vícios e aptas ao uso ordinário.
56. Ora, os defeitos comprovados na sentença, são incompatíveis com a aptidão plasmada no 1208.º CC.
57. Ademais, também o argumento utilizado pelo tribunal ad quo relativo à aceitação da obra mediante a falta de comunicação de defeitos terá que cair por terra.
58. Porquanto que, conforme o vertido nos articulados n.º 140 ao 145 (transcrições) revelam, de forma inequívoca, as incontáveis vezes que foram levadas ao conhecimento do autor todos os defeitos, bem como a possibilidade de os sanar.
59. Assim, formulou o tribunal ad quo, em juízo errado, ao considerar que os defeitos não foram denunciados, pois resulta da alegação da Recorrente bem como da prova por si produzida, designadamente do depoimento da testemunha AA, que este ligou várias vezes ao legal representante da Recorrida, para virem colmatar defeitos e vícios
60. Até porque, atendendo à informalidade da contratação e das comunicações entre as partes, não se admira, nem se pode considerar desajustado que tal denúncia tenha sido feita por telefone, o que é perfeitamente aceitável para o crivo do homem médio, no indicado contexto.
61. Por último, e no que concerne á obra do Restaurante do Estoril, e aos factos dados como provados, andou mal o tribunal ad quo ao considerar o valor como devido.
62. Uma vez que, a emissão da fatura não é só por si, suficiente, para levar a procedência do pedido.
63. Pelo que, o facto considerado como PROVADO “48. Pela autora foi emitida e enviada a fatura n.º ...78, no valor de € 2.500,00.” Não importa, por si só, que o valor nela constante seja devido à Recorrida, mas tão só que a fatura – mero documento contabilístico – foi emitida. Acresce que, também se encontra provado que “49.A ré devolveu a referida fatura”, o que significa que a Recorrente não aceitou o valor imputado.
Assim, nos termos e para os efeitos do disposto na aliena c) do n.º1 do art.º 640º do CPC, provada apenas a emissão da fatura, e não que o valor nela previsto seja devido, a decisão terá de comportar a absolvição e não a condenação no pagamento da fatura n.º ...78, no valor de € 2.500,00.
64. Ademais, o tribunal reconhece expressamente que os trabalhos adjudicados à recorrida foram só feitos em parte, cfr. fls 9 da decisão.
65. O que resulta também claro do depoimento vertido nos articulados n.º 172 e 173.
66. O tribunal considerou que: “(…) competia à autora provar a execução dos trabalhos e a entrega da obra à ré, o que fez”. Ora, tal não pode considerar-se.
67. Não resulta provado que a Recorrida tenha executado trabalhos correspondentes ao valor de € 2.500,00.
68. Resulta claro do depoimento da testemunha AA, que o Tribunal considerou credível, que esse valor de € 2.500,00 seria para toda a obra, em todo o restaurante, e que a Recorrida apenas executou trabalhos na casa de banho, em cerca de 5 m2.
69. Resulta claro ainda desse depoimento que a Recorrida forneceu apenas mão de obra.
70. Pelo que apenas se pode concluir que a Recorrida não terminou os trabalhos, e os abandonou, não se verificando qualquer entrega.
71. Assim, nos termos e para os efeitos do disposto na aliena c) do n.º1 do art.º 640º do CPC, não provado o valor dos trabalhos executados, e não provado que a esses trabalhos corresponde à Recorrida o direito de receber da Recorrente o valor de € 2.500,00, a decisão terá de comportar a absolvição e não a condenação no pagamento da fatura n.º ...78, no valor de € 2.500,00.
72. Ademais, e novamente o argumento utilizado pelo tribunal ad quo relativo à aceitação da obra mediante a falta de comunicação de defeitos terá também que cair por terra.
73. Conforme resulta dos depoimentos vertidos no articulado 182.
74. Logo, não poderia o tribunal ad quo dar como provada a entrega da obra, por um lado, nem a aceitação da mesma pela Recorrente.
75. Assim, mais do que extravasar a prova testemunhal, o tribunal decidiu em ainda em termos totalmente inversos ao depoimento testemunhal ao qual veio a reconhecer credibilidade;
76. Andou mal o Tribunal quando considerou que os defeitos não foram denunciados, pois resulta da alegação da Recorrente bem como da prova por si produzida, designadamente do depoimento da testemunha AA, que este ligou várias vezes ao legal representante da Recorrida, para virem colmatar defeitos e vícios.
77. Assim sendo, a decisão que deve ser proferida é de considerar a não aceitação das obras, porque resulta dos factos provados que a obra do Estoril tem defeitos e que não foi concluída, e que a Recorrente várias vezes contactou a Recorrida no sentido de reclamar esses defeitos e vícios.
78. Por tudo isto,
79. Tais factos impõem necessariamente a alteração da decisão do Tribunal a quo sobre a matéria de facto, nos termos do art.º 662.º do C.P.C., e, atenta a prova efetivamente produzida, que se julgue como provado que, no caso em apreço, a Recorrente não está obrigada a pagar a A. o que quer que seja;
80. Deve assim este Venerando Tribunal concluir pela procedência do presente recurso revogando integralmente a decisão proferida em sede de 1ª Instância e, consequentemente, alterar a decisão relativa à matéria de facto e de Direito nos termos supra alegados e assim absolver a R./recorrente.
81. Só assim se obterá uma decisão justa e perfeita.

Não foi apresentada resposta.

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1. Do objeto do recurso
Considerando que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas as questões a apreciar são as seguintes:
- Se a sentença é nula por omissão de pronúncia?
- Se devem ser alterados os factos julgados provados com os n.º 7 e 38?
- Se não se provou a celebração de qualquer contrato de subempreitada uma vez que não se provou que tenha sido acordado o pagamento de um preço?
- Se a Ré não tem a obrigação de pagar as obras do Condomínio ... e na ETA de ..., apesar da sua execução defeituosa?
- Se a Ré não tem a obrigação de pagar as obras no Restaurante no Estoril, apesar de não terem sido concluídas?


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2. Da nulidade da sentença
A Ré invoca a nulidade da sentença, por esta não se ter pronunciado sobre a formação do contrato e dos seus elementos, designadamente o preço.
Da leitura da sentença resulta que esta considerou que foram celebrados vários contratos de subempreitada pelas partes, tendo relativamente a cada um deles ponderado qual seria o preço devido, tendo em consideração os valores inseridos nas faturas emitidas e os trabalhos realizados.
Na contestação apresentada a Ré não havia impugnado a celebração daqueles contratos, nem os valores constantes das faturas, limitando-se a alegar a não realização ou a realização defeituosa das obras, pelo que não cumpria à sentença recorrida resolver qualquer questão nesta sede que não lhe havia sido colocada, não se verificando, por isso, uma situação de omissão de pronúncia.
Improcede, pois, a arguição de nulidade da sentença.

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2. Os factos
2.1. Impugnação da matéria de facto
A Ré discorda do julgamento como provados dos factos 7º e 38º, pretendendo que, após reapreciação dos meios de prova que indica, sejam alterados.
Estes factos são:
7. Pelos serviços prestados, foi emitida pela autora e enviada à Ré a fatura n.º ...79, no valor de € 2.300,00.
38. Pelas deslocações efetuadas, produto adquirido e o trabalho desenvolvido, a Autora emitiu e enviou a fatura n.º ...76, no valor de € 1.300,00.
O facto n.º 7 respeita à obra Condomínio ... onde a Autora executou trabalhos, como decorre do depoimento prestado pelo seu representante legal e conformado pela testemunha BB.  Estes depoimentos diferem unicamente no que respeita à boa execução desses trabalhos que é uma realidade diferente dos mesmos terem sido prestados ou não. A prova produzida permite, com segurança, concluir que a Autora prestou serviços nessa obra, não curando aqui apurar da sua boa execução, nem sendo o facto em causa contraditório com algum dos demais julgados provados.
Assim, mantem-se como provado o facto n.º 7.
No que respeita ao facto 38º não descortinamos – atento o seu conteúdo – qual o motivo da discordância da Ré. Na oposição apresentada a Ré, não impugna a realização dos trabalhos em causa pela Autora nesta obra nem o seu valor, discordando somente da sua obrigação de os pagar, porquanto na sua perspetiva os mesmos foram realizados deficientemente. Ora, como acima dissemos a posição da Ré não colide com a prova do facto, sustentada pelos documentos juntos aos autos e depoimentos prestados, pelo que se mantem o seu julgamento nos moldes como foi efetuado na primeira instância.
Por esta razão, julga-se improcedente a impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

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2.2. Os factos
Os factos provados são os seguintes:
1. A Autora é uma sociedade unipessoal por quotas que se dedica a pintura de edifícios, construção civil e obras públicas.
2. No exercício das atividades de ambas, a pedido da ré a autora prestou-lhe serviços em diversas obras durante o ano de 2020.
3. Na obra do Condomínio ..., a Autora foi contactada quando parte do trabalho pretendido já havia sido desenvolvido por terceiros, tendo sido contactada para conclusão da mesma.
4. Nesta obra, a Autora efetuou trabalhos em pavimento no qual aplicou terraway (areia natural e resinas transparentes).
5. A areia aplicada pela autora desagregou, ficando levantada, e o pavimento ficou com inertes sobrepostos.
6. Facto que levou a que o cliente da ré não aceitasse os trabalhos e a ré tivesse, a expensas suas e em substituição da autora, de fazer novamente os trabalhos.
7. Pelos serviços prestados, foi emitida pela autora e enviada à Ré a fatura n.º ...79, no valor de € 2.300,00.
8. A ré devolveu à autora a referida fatura.
9. Na obra do Continente em ..., a Autora foi contactada porquanto o pavimento no hall de entrada, no exterior, se encontrava danificado, tendo sido solicitada a sua intervenção para proceder à limpeza do pavimento, à sua preparação, à aplicação de primário e de uma resina.
10.A Autora deslocou-se ao local e aplicou uma demão de primário.
11.A autora saiu da obra e ainda que interpelada para tal, não manifestou vontade em voltar e concluir os trabalhos, pelo que a ré teve de, a expensas suas, refazer o trabalho.
12.Pela autora foi emitida e enviada a fatura n.º ...83, no valor de € 950,00.
13.A ré devolveu a referida fatura.
14.Na obra do Montepio de ... os trabalhos foram efetuados num armazém, sendo que o Sr. CC, sócio gerente teve necessidade de aí se deslocar por várias vezes.
15.A Ré transmitiu à Autora que a necessidade da sua intervenção se prendia com o facto de o pavimento na entrada, que foi aplicado em betão por terceiros, se ter danificado após chuvas, sendo que lhe foi solicitada a sua reparação.
16.Para o efeito, o Sr. AA solicitou que a Autora levasse uma máquina de cortes de betão, o que sucedeu, tendo a mesma sido utilizada.
17.Numa segunda deslocação foi efetuada a reparação do pavimento, com o desgaste do betão e aplicação de verniz.
18.Na obra do Montepio da ... a autora executou trabalhos apenas no valor de € 550,00, que foram faturados e pagos pela ré.
19.Pela autora foi emitida e enviada a fatura n.º ...73, no valor de € 1.200,00
20.A ré devolveu a referida fatura.
21.Nas caves de Vila Nova de Gaia a deslocação do Sr. CC àquele local foi efetuada de urgência, uma vez que se encontrava em Aveiras, para dar início a um trabalho quando recebeu o telefonema do Sr. AA.
22.Ali chegado, apercebeu-se de que o betão no pavimento estava mais elevado em determinadas zonas, sendo necessária uma máquina apropriada.
23.A autora não dispunha de uma máquina com aquelas exatas características.
24.A máquina por si utilizada, como previsível, não logrou desgastar o betão na totalidade, pelo que não logrou terminar a intervenção.
25.Pelos gastos de material, nomeadamente com discos de corte, e ainda com a deslocação, foi emitida e enviada a fatura n.º ...74, no valor de € 800,00.
26.A ré devolveu a referida fatura.
27.Na obra do hotel da Portela, foi solicitada a intervenção da Autora num vão de escadas no interior, sendo que posteriormente foi solicitada a mesma intervenção em vão de escadas no exterior.
28.A Autora efetuou os necessários e solicitados tratamentos com aplicação de epoxy.
29.Na obra hotel da Portela a autora executou trabalhos apenas no valor de € 1.297,66 que foram faturados e pagos pela ré.
30.Pela autora foi ainda emitida e enviada a fatura n.º ...75, no valor de € 800,00.
31.A ré devolveu a referida fatura.
32.Na obra da ETA em ..., foi solicitada com urgência a comparência da Autora para aplicação de epoxy no pavimento.
33.Ao chegar ao local, o Sr. CC apercebeu-se de que o pavimento se encontrava com bastante água, pelo que de imediato avisou o Sr. AA, que solicitou que aquela adquirisse um produto adequado à aplicação em pavimento com água.
34.Para aquisição do referido produto, o Sr. BB deslocou-se ao Porto e a Leiria.
35.Após o que efetuou a aplicação de primário, barreira de vapor e a referida epoxy.
36.Ao aplicar tais materiais a autora sujou paredes e outros elementos que estavam junto ao pavimento.
37.A autora gastou todo o material de primário que foi enviado para obra tendo a ré sido obrigada a, a expensas suas, a recorrer a outra empresa para refazer o primário que a ré executou e concluir os trabalhos desta última que tinha ficado inacabados, com o acréscimo de consumo de produto e demora na conclusão da obra.
38.Pelas deslocações efetuadas, produto adquirido e o trabalho desenvolvido, a Autora emitiu e enviou a fatura n.º ...76, no valor de € 1.300,00.
39.A ré devolveu a referida fatura.
40.Na obra do E. Leclerc de ..., o Sr. AA solicitou a intervenção da Autora porquanto o pavimento havia estalado, sendo necessária a sua reparação.
41.Chegado ao local, o Sr. BB concluiu que se encontrava em falta um componente necessário – catalisador – que, assim, foi por ele fornecido.
42.Pela autora foi emitida e enviada a fatura n.º ...77, no valor de € 950,00.
43.A ré devolveu a referida fatura.
44.Na obra do Restaurante no Estoril foi solicitada a intervenção da Autora em pavimento e paredes.
45.Nessa sequência, a Autora efetuou trabalhos de preparação, usou máquinas, aplicou primário e efetuou enchimento das paredes
46.A ré colocou um técnico em obra enviado pela marca dos produtos a serem aplicados pela autora para indicar o procedimento de aplicação.
47.O cliente da ré contratou outra empresa para refazer esses trabalhos.
48.Pela autora foi emitida e enviada a fatura n.º ...78, no valor de € 2.500,00.
49.A ré devolveu a referida fatura.

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3. O direito aplicável
3.1. Da indeterminação do preço das obras
A Autora através da presente ação pretende que a Ré lhe pague o preço de diversas obras que efetuou a pedido desta.
A Ré contestou a ação, alegando que não é devedora do valor peticionado, porque a Autora não realizou algumas daquelas obras e as outras realizou-as de forma incompleta ou defeituosa.
A sentença recorrida condenou a Ré a pagar apenas parte do valor peticionado, correspondente ao preço das obras realizadas pela Ré, a solicitação da Autora.
No recurso interposto pela Ré, esta começa por questionar que se encontre provada a formação entre as partes de qualquer contrato de subempreitada, dotado dos seus elementos essências, designadamente do preço.
Consta da matéria de facto provada que a Autora é uma sociedade unipessoal por quotas que se dedica a pintura de edifícios, construção civil e obras públicas e que, no exercício desta atividade, a solicitação da Ré, prestou-lhe diversos serviços em obras que esta se encontrava a realizar. Tendo a Autora realizado esses serviços no exercício da sua atividade comercial, a sua realização era necessariamente remunerada, pelo que estamos perante a outorga de contratos de subempreitada previstos no art.º 1213º do C. Civil.
O facto de não se encontrar provado em nenhum desses contratos que tenha sido acordado o valor do preço das obras a realizar, não impede a qualificação contratual acima efetuada, uma vez que a não determinação de uma prestação, sendo esta determinável, não tem como consequência a nulidade do contrato, mas sim a aplicação do disposto no art.º 883º do C. Civil, por remissão do art.º 1211º, n.º 1, do mesmo diploma.
Mas a aplicação dos critérios enumerados no art.º 883º do C. Civil só tem lugar caso as partes não acordem no preço dos trabalhos realizados, posteriormente à sua realização.
Conforme consta da matéria de facto provada, relativamente aos contratos de subempreitada apurados, a Autora quando concluía a realização das obras contratadas, enviava uma fatura à Ré com o respetivo preço por ela determinado.
Apesar da Ré ter devolvido essas faturas, na contestação apresentada nesta ação, não contestou nenhum desses valores com o fundamento de que discordava do preço, por ser excessivo, mas sim porque entendia que as obras não tinham sido realizadas integralmente ou tinham sido realizadas defeituosamente, pelo que, tacitamente, aceitou aqueles valores como correspondendo ao preço das obras descritas em cada uma das faturas.
Não revelando a devolução das faturas um desacordo quanto à determinação do preço das obras acordadas, pode, pois, concluir-se que nesta ação se verifica um acordo tácito de vontades sobre esse preço, pelo que devem considerar-se todos os contratos de subempreitadas celebrados entre as partes dotados de todos os elementos essências à sua validade e eficácia.

3.2. Da execução defeituosa das obras no Condomínio ... e na ETA de ...
 Relativamente às obras realizadas pela Autora no Condomínio ... e ETA de ..., a Recorrente questiona o dever de pagar o preço dessas obras, dado ter-se provado que as mesmas foram deficientemente realizadas.
Efetivamente provou-se, relativamente à obra realizada no Condomínio ..., que a areia aplicada pela autora desagregou, ficando levantada, e o pavimento ficou com inertes Sobrepostos (facto provado n.º 5), assim como se provou, relativamente á obra realizada na ETA de ... que a autora gastou todo o material de primário que foi enviado para obra tendo a ré sido obrigada, a expensas suas, a recorrer a outra empresa para refazer o primário que a ré executou e concluir os trabalhos desta última que tinha ficado inacabados, com o acréscimo de consumo de produto e demora na conclusão da obra (facto provado n.º 137).
A sentença recorrida não relevou estas deficiências na execução das obras contratadas, atendendo a que a Ré não alegou e consequentemente não provou ter recusado a aceitação da obra, ter comunicado atempadamente os defeitos verificados e ter exercido o iter ressarcitório previsto nos art.ºs 1221.º e 1222.º do C. Civil, designadamente solicitando em prazo razoável a sua eliminação e reparação, dando à autora a possibilidade de os reparar. Antes se provou que a ré, motu proprio procedido à eliminação dos defeitos por si ou através de terceiro.
A Ré alega que:
(...) Não se vislumbra como pode a sentença focar se numa obrigação acessória, quando se encontra provado que a obrigação principal da execução da obra não foi cumprida.
No caso do facto n.º 5, relativo a obra do Condomínio ..., encontram-se provados defeitos;
Bem como, no facto do n.º 37, relativo a obra da ETA de ..., encontra se provado que os trabalhos ficaram “inacabados”.
O que traz a colação o disposto no 1208.º do CC, nomeadamente, o dever de o (sub)empreiteiro dever executar as obras sem vícios e aptas ao uso ordinário.
Ora, os defeitos comprovados na sentença, são incompatíveis com a aptidão plasmada no 1208.º CC.
Ademais, também o argumento utilizado pelo tribunal ad quo relativo à aceitação da obra mediante a falta de comunicação de defeitos terá que cair por terra.
Porquanto que, conforme o vertido nos articulados n.º 140 ao 145 (transcrições) revelam, de forma inequívoca, as incontáveis vezes que foram levadas ao conhecimento do autor todos os defeitos, bem como a possibilidade de os sanar.
Assim, formulou o tribunal ad quo, em juízo errado, ao considerar que os defeitos não foram denunciados, pois resulta da alegação da Recorrente bem como da prova por si produzida, designadamente do depoimento da testemunha AA, que este ligou várias vezes ao legal representante da Recorrida, para virem colmatar defeitos e vícios
Até porque, atendendo à informalidade da contratação e das comunicações entre as partes, não se admira, nem se pode considerar desajustado que tal denúncia tenha sido feita por telefone, o que é perfeitamente aceitável para o crivo do homem médio, no indicado contexto.
Se é verdade que o subempreiteiro tem o dever de realizar as obras contratadas sem quaisquer vícios e de acordo com o que foi contratado - art.º 1208º do C. Civil -, o empreiteiro (aqui no papel de dono da obra), para que possa exercer qualquer um dos direitos que a lei lhe confere face à execução de uma obra defeituosa, não tendo recusado a entrega da obra defeituosamente realizada, tem que proceder à denúncia dos defeitos ao subempreiteiro, nos termos do art.º 1220º do C. Civil.
O ónus de alegação e prova da efetivação da denúncia compete ao dono da obra - neste caso o empreiteiro -, atenta a sua natureza de condição de exercício dos direitos deste - art.º 342º, n.º 1, do C. Civil[1].
A Ré na contestação apresentada não alegou que alguma vez tivesse comunicado à Autora a existência dos comprovados defeitos, tendo-se limitado a referir quanto à obra do Condomínio ...: (...) facto que levou a que o Dono de Obra não aceitasse os trabalhos e a Requerida se tivesse visto na contingência de, a expensas suas e em substituição da Requerente, fazer novamente os trabalhos, pelo que não é devida à Requerente a factura ...79, razão pela qual a Requerente devolveu a mesma (art.ºs 5.º e 6.º da contestação); e quanto à obra da ETA de ...: (...) é falso que a Requerente executou tais trabalhos pontualmente e que tenha direito a ver os mesmos remunerados, já que, devido à humidade existente, a Requerida não aplicou resina na obra e, no mesmo dia, encomendou à empresa C... uma “barreira paravapor” para ser aplicado pela Requerente em substituição. Mas, no entanto, a Requerente aplicou defeituosamente esse produto, tendo sujado paredes e outros elementos que estavam junto ao pavimento. Assim e para além de não executar pontualmente a empreitada de acordo com as regras da arte e indicações da Requerida, A Requerente gastou todo o material de primário que foi enviado para obra, tendo a Requerida sido obrigada, a expensas suas, a recorrer a outra empresa para refazer o primário que a Requerida defeituosamente executou e concluir os trabalhos desta última que tinha ficado inacabados, com o acréscimo de consumo de produto e demora na conclusão da empreitada, pelo que não é devida à Requerente a factura ...76, razão pela qual a Requerente devolveu a mesma (art.ºs 24.º a 29.º da contestação).
Perante a falta de alegação e consequente prova de qualquer comunicação dos defeitos à Autora na 1.ª instância, não é possível gora à Ré, em sede de recurso, alegar essa comunicação e pretender que a mesma seja considerada provada com base num depoimento testemunhal prestado na audiência de julgamento.
Além da falta de denúncia, o facto da Ré ter contratado com terceiro a eliminação dos defeitos da obra, também não a eximia de pagar o preço desta, mas apenas lhe poderia, eventualmente, conferir um direito de indemnização, por incumprimento definitivo do dever do subempreiteiro proceder a essa eliminação, após interpelação para o efeito.
Por estas razões improcede também este fundamento do recurso.

3.3. Da execução defeituosa das obras no Restaurante no Estoril
Relativamente às obras realizadas pela Autora no Restaurante no Estoril, a Recorrente questiona o dever de pagar o preço dessas obras, dado não se ter provado que as mesmas foram totalmente realizadas.
Consta da matéria de facto provada, relativamente à obra realizada no Restaurante no Estoril:
- foi solicitada pela Ré a intervenção da Autora em pavimento e paredes.
- Nessa sequência, a Autora efetuou trabalhos de preparação, usou máquinas, aplicou primário e efetuou enchimento das paredes
- a Ré colocou um técnico em obra enviado pela marca dos produtos a serem aplicados pela autora para indicar o procedimento de aplicação.
- o cliente da ré contratou outra empresa para refazer esses trabalhos.
- pela autora foi emitida e enviada a fatura n.º ...78, no valor de € 2.500,00.
- a ré devolveu a referida fatura.
Relativamente à realização desta obra considerou a sentença recorrida:
Por fim, quanto à obra Restaurante no Estoril resultou provado que a autora efetuou trabalhos de preparação, usou máquinas, aplicou primário e efetuou enchimento das paredes, mais tendo resultado provado que o cliente da ré contratou outra empresa para refazer esses trabalhos.
Quanto às demais vicissitudes do contrato de empreitada, nada se provou atenta a circunstância de a ré, tendo alegado de forma eminentemente conclusiva uma execução deficiente e fora de tempo, quando convidada a concretizar factualmente as concretas expressões utlizadas, ignorou tal convite, ainda que expressamente advertida para as eventuais consequências da não concretização factual da matéria de exceção invocada.
Ora, conforme vai resultando de forma evidente de tudo quanto se disse e para o qual se remete, competia à autora provar a execução dos trabalhos e a entrega da obra à ré, o que fez. Por seu turno, impunha-se à ré desde logo provar a não aceitação – expressa ou tácita – da obra, os eventuais defeitos verificados e a sua denúncia atempada à autora acompanhada da manifestação do direito que pretendia exercer.
Manifestamente a ré não cumpriu qualquer dos ónus de alegação e prova que sobre se impendiam – na medida em que se trata de matéria de exceção. Ora, segundo o disposto no art.º 799.º n.º1 do C. Civil, incumbe ao devedor provar que a falta de cumprimento não procede de culpa sua. Vendo os factos assentes nos autos, a ré não afastou a presunção que sobre si impendia, pelo que também a fatura n.º ...78, no valor de € 2.500,00 será devida pela ré à autora.
Alega a Ré:
(...) o tribunal reconhece expressamente que os trabalhos adjudicados à recorrida foram só feitos em parte, cfr. fls 9 da decisão.
O que resulta também claro do depoimento vertido nos articulados n.º 172 e 173.
O tribunal considerou que: “(…) competia à autora provar a execução dos trabalhos e a entrega da obra à ré, o que fez”. Ora, tal não pode considerar-se.
Não resulta provado que a Recorrida tenha executado trabalhos correspondentes ao valor de € 2.500,00.
Resulta claro do depoimento da testemunha AA, que o Tribunal considerou credível, que esse valor de € 2.500,00 seria para toda a obra, em todo o restaurante, e que a Recorrida apenas executou trabalhos na casa de banho, em cerca de 5 m2.
Resulta claro ainda desse depoimento que a Recorrida forneceu apenas mão de obra.
Pelo que apenas se pode concluir que a Recorrida não terminou os trabalhos, e os abandonou, não se verificando qualquer entrega.
Assim, nos termos e para os efeitos do disposto na aliena c) do n.º1 do art.º 640º do CPC, não provado o valor dos trabalhos executados, e não provado que a esses trabalhos corresponde à Recorrida o direito de receber da Recorrente o valor de € 2.500,00, a decisão terá de comportar a absolvição e não a condenação no pagamento da fatura n.º ...78, no valor de € 2.500,00.
Ademais, e novamente o argumento utilizado pelo tribunal ad quo relativo à aceitação da obra mediante a falta de comunicação de defeitos terá também que cair por terra.
Conforme resulta dos depoimentos vertidos no articulado 182.
Logo, não poderia o tribunal ad quo dar como provada a entrega da obra, por um lado, nem a aceitação da mesma pela Recorrente.
Assim, mais do que extravasar a prova testemunhal, o tribunal decidiu em ainda em termos totalmente inversos ao depoimento testemunhal ao qual veio a reconhecer credibilidade;
Andou mal o Tribunal quando considerou que os defeitos não foram denunciados, pois resulta da alegação da Recorrente bem como da prova por si produzida, designadamente do depoimento da testemunha AA, que este ligou várias vezes ao legal representante da Recorrida, para virem colmatar defeitos e vícios.
Assim sendo, a decisão que deve ser proferida é de considerar a não aceitação das obras, porque resulta dos factos provados que a obra do Estoril tem defeitos e que não foi concluída, e que a Recorrente várias vezes contactou a Recorrida no sentido de reclamar esses defeitos e vícios.
Ora, dos factos provados resulta que a Autora realizou os trabalhos contratados.
Apesar de também se encontrar provado que o dono da obra veio a refazê-los, nada se provou quanto às razões pelas quais se procedeu desse modo.
É certo que a Ré alegou nos art.ºs 34.º a 38.º da contestação o seguinte:
(...) é falso que a Requerente executou tais trabalhos pontualmente e que tenha direito a ver os mesmos remunerados.
De facto, não só a Requerente iniciou os trabalhos contratados após a data prevista, como, tendo a Requerida colocado um técnico em obra enviado pela marca dos produtos a serem aplicados pela Requerente para indicar o procedimento de aplicação, o certo é que esta última, após a saída desse técnico, ignorou todas as indicações que este havia dado e aplicou defeituosamente o material,
Sendo que, devido à má aplicação dos produtos pela Requerente, a obra ficou executada defeituosamente e o cliente da Requerida contratou outra empresa para refazer os trabalhos, custo cujo pagamento depois exigiu da Requerida e esta pagou – cfr.
Assim não é devida à Requerente a factura ...78, razão pela qual a Requerente devolveu a mesma.
Estes factos não foram incluídos nem na lista dos factos provados, nem na lista dos factos provados.
No entanto, não se justifica que se determine a ampliação da matéria de facto sujeita a julgamento, uma vez que, mesmo vindo a provar-se a alegada execução defeituosa da obra, também neste caso não se alegou a denúncia da mesma, não sendo idónea a sua alegação em sede de recurso, como, mais uma vez a Ré vem tentar, aludindo a depoimentos efetuados na audiência de julgamento.
Por essa razão, mesmo vindo a provar-se a realização defeituosa da obra, essa circunstância, só por si, não seria idónea a determinar a alteração da decisão recorrida quanto à obrigação da Ré pagar o preço desta obra, pelo que também improcede este fundamento do recurso.

                                       *
Decisão
Pelo exposto, julga-se improcedente o recurso interposto pela Ré, confirmando-se a decisão recorrida.

                                       *
Custas do recurso pela Ré.

                                       *
                                                                     28.3.2023






[1] Pires de Lima e Antunes Varela, C. Civil Anotado, vol. II, 4.ª ed., Coimbra Editora, 1997, p. 895, João Cura Mariano, Responsabilidade Contratual do Empreiteiro pelos Defeitos da Obra, 7.ª ed., Almedina, 2020, p. 105, Pedro de Albuquerque e Miguel Assis Raimundo, Contrato de Empreitada, Almedina, 2012, p. 420, Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, vol. XII, Almedina, 2018, p. 948.