Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ARLINDO OLIVEIRA | ||
Descritores: | EMBARGO DE OBRA NOVA EFEITO ÚTIL DA PROVIDÊNCIA PROVIDÊNCIA CAUTELAR DE SUSPENSÃO DA EFICÁCIA DO ATO ADMINISTRATIVO CUMULAÇÃO DE PROVIDÊNCIAS | ||
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Data do Acordão: | 03/14/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 397.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E 128.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO NOS TRIBUNAIS ADMINISTRATIVOS | ||
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Sumário: | I – A providência cautelar de embargo de obra nova – em que se pede a “suspensão imediata das obras” – não é de indeferir com fundamento em o interesse que se pretende acautelar já ter sido alcançado, na jurisdição administrativa, com a citação da parte requerida, no âmbito de providência cautelar de suspensão da eficácia do ato administrativo que licenciou a obra que se pretende embargar, nos termos do disposto no art. 128.º, n.º 1, do CPTA.
II – Trata-se de possibilidades de reação cumulativas: na jurisdição administrativa, o lesado não pode pretender o reconhecimento dos seus direitos de índole privada e nos tribunais comuns não pode atacar a legalidade do ato de licenciamento da obra. Por isso, não lhe está vedado que, em cada uma de tais jurisdições, faça valer o seu direito, por reporte aos correspondentes fundamentos. | ||
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Decisão Texto Integral: | Relator: Arlindo Oliveira 1.º Adjunto: Emídio Francisco Santos 2.º Adjunta: Catarina Gonçalves Processo n.º 4422/22.8T8LRA.C1 – Apelação Comarca de Leiria, Leiria, Juízo Local Cível
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
AA e BB, ambos residentes na Estrada ..., ..., ... ... instauraram o presente procedimento cautelar de embargo de obra nova contra a A... – SOCIEDADE IMOBILIÁRIA, S.A., com sede no ..., lote ...8, ......, ..., ..., ..., pedindo que seja declarado o embargo da obra nova da requerida, sita na Travessa ..., ..., com dispensa de contraditório. Para tanto, alegam, em síntese, que são comproprietários de um prédio urbano, composto com dependência e logradouro, sito no Largo ..., ..., da União das Freguesias ..., que esse prédio confronta com o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...48 propriedade da sociedade A..., que foi aprovada a execução de uma obra de alteração aos dois edifícios; que em 30 junho 2020, a Câmara Municipal ... emitiu, no âmbito daquele processo administrativo n.º ...6, o alvará de obras de alteração; que o Requerente dirigiu, em 10 outubro 2022, por carta registada com aviso de receção, um pedido de embargo à Câmara Municipal ..., ao qual não obteve, até ao momento, qualquer resposta; que a Requerida iniciou a intervenção no edifício que confina com a propriedade dos Requerentes, a denominada “casa que serviu de moinho”, dando início aos trabalhos na cobertura, construção dos beirados, que nessa sequência os Requerentes instauraram, nos passados dias 03 e 04 novembro 2022, uma providência cautelar de suspensão de eficácia de atos administrativos e a respetiva ação administrativa de impugnação dos atos administrativos e condenação na prática dos atos de reconhecimento de que a obra levada a cabo pela A... não é suscetível de licenciamento e bem ainda na prática de ato que ordene a demolição parcial do edificado e que que tal obra conflitua com o seu direito de propriedade e de privacidade. * Foi proferido despacho indeferindo-se a dispensa do contraditório, ordenando a citação da Requerida. * Regularmente citada, a Requerida deduziu oposição, defendendo-se por exceção: - de caducidade do direito, alegando, em síntese, que os requerentes tiveram conhecimento da obra em início de outubro de 2022, pelo que estão ultrapassados os 30 dias para requerer o embargo da obra; - por exceção de conclusão da obra, alegando que a obra está exteriormente terminada, restando apenas colocar caixilharia, redes internas, acabamentos e revestimentos interiores e - por exceção de inutilidade do procedimento cautelar, alegando, para o efeito, de que os requerentes instauraram uma providência cautelar de suspensão de eficácia de ato administrativo e a respetiva ação administrativa de impugnação de atos administrativos, que corre termos sob o n.º 1022/22.... no Tribunal Administrativo e Fiscal ..., ..., que nesse procedimento cautelar administrativo os contrainteressados foram citados a 21-11-2022 e que, nos termos do artigo 128.º do CPTA, a obra encontra-se suspensa desde aquela data. A Requerida defendeu-se, ainda, por impugnação. * Os Requerentes, no âmbito do exercício do contraditório quanto às exceções invocadas pela Requerida, pugnaram pela sua improcedência.
Conclusos os autos à M.ma Juiz a quo, foi proferida a decisão de fl.s 143 a 146, na qual se decidiu o seguinte: “Perante tudo o exposto, decide-se: c) Dar sem efeito a audiência final agendada para o dia 10-01-2023, pelas 14h00, desconvocando-se todos os intervenientes processuais.”.
Inconformados com a mesma, interpuseram recurso os requerentes AA e BB, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito suspensivo (cf. despacho de fl.s 163), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões: 1ª) Nos presentes Autos, vieram os Recorrentes demandar a Requerida A..., requerendo o embargo de obra nova da Requerida, sita na Travessa ..., em .... 2ª) Alegaram, para tanto, que são comproprietários de um prédio urbano, composto com dependência e logradouro, sito no Largo ..., ..., da União das Freguesias ..., ..., ... e ..., inscrito na matriz predial urbana daquela freguesia, sob o Artigo ...22, e descrito sob o número ...14, na Conservatória do Predial ...; prédio que confronta com o prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...48, e inscrito na matriz predial urbana, da União das Freguesias ..., ..., ... e ..., sob o Artigo ...17..., propriedade da sociedade Requerida. 3ª) Em 10 outubro 2022, o Recorrente AA dirigiu, por carta registada com aviso de receção, um pedido de embargo à Câmara Municipal ..., ao qual não obteve qualquer resposta. Desde então, a Requerida iniciou a intervenção no edifício que confina com a propriedade dos Recorrentes, a denominada “casa que serviu de moinho”, em concreto os trabalhos na cobertura, construção dos beirados. 4ª) As obras em curso limitam o exercício do direito de gozo, uso e fruição que venha a ser dados pelos Recorrentes, além de outros direitos, designadamente, de vistas e de privacidade. 5ª) Enquanto diretamente lesados nos seus direitos ou interesses pelos atos administrativos praticados, os Recorrentes instauraram, em 03 e 04 novembro 2022, uma providência cautelar de suspensão de eficácia de atos administrativos e a respetiva ação administrativa de impugnação dos atos administrativos e condenação na prática dos atos de reconhecimento de que a obra levada a cabo pela Requerida não é suscetível de licenciamento e bem ainda na prática de ato que ordene a demolição parcial do edificado. 6ª) Ainda não foi proferida decisão final quanto à providência cautelar administrativa e, por isso os Recorrentes não contam a seu favor com qualquer decisão judicial que defina como ilegais ou legais as obras em causa, ainda que em termos perfunctórios ou precários. 7ª) Foi proferido despacho indeferindo-se a dispensa do contraditório e, regularmente citada, a Requerida deduziu oposição, defendendo-se por exceção de caducidade do direito, por exceção de conclusão da obra, e por exceção de inutilidade do procedimento cautelar. Notificados, em sede de exercício do contraditório, vieram os Recorrentes pugnar pela improcedência das exceções arguidas. 8º Face ao que antecede, foi proferida decisão, donde resultou o indeferimento da presente providência cautelar de embargo de obra nova, por inutilidade da mesma, por falta de interesse em agir e de necessidade de tutela judiciária. 9ª) No essencial, o Tribunal a quo valorou, com índole processual, que: “(…) suspensão da obra decorre de uma providência cautelar administrativa e que assim se manterá até decisão definitiva da ação principal da que depende aquela providência, pelo que não se trata de uma mera suspensão da execução da obra por motivos relacionados com a obra, mas por uma imposição legal – tal e qual ao que aconteceria caso a presente providência tivesse procedência. (…) De resto, é certo porquanto trazido aos autos pelos próprios Requerentes que estes reagiram junto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, instaurando uma providência cautelar com vista suspender a eficácia do ato administrativo que licenciou a obra e que terá por efeito a suspensão execução da mesma até que a ação principal esteja decidia onde será apreciada a legalidade daquele licenciamento. (…) “Os Requerentes, no caso dos autos, pedem a paralisação da obra, mediante embargo, porque entendem que aquela viola o seu direito de propriedade; Porém, resulta dos autos que aquela obra já está parada, no âmbito da providência cautelar administrativa também por si instaurada, pelo que o efeito útil deste procedimento de embargo de obra nova mostra-se inexistente”. (…) “face à suspensão da obra cujo embargo ora se peticiona verifica-se, igualmente, enquanto pressuposto processual atípico da instância cautelar, a ausência de interesse em agir, face à ausência de necessidade de tutela jurídica precisamente porque o objetivo pretendido com o presente embargo já foi alcançado por efeito legal (…)”. 10ª) Sucede que, analisando o caso concreto, constata-se que não verifica inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido formulado. 11ª) A tese defendida na sentença recorrida teria, a nosso ver, perfeito acolhimento se já tivesse sido proferida decisão no processo cautelar, que corre termos sob o n.º 1022/22.... no Tribunal Administrativo e Fiscal ..., .... Mais … assumindo-se o decretamento da providência, que a mesma já tivesse transitado em julgado. 12ª) Porém, não havendo decisão proferida nos Autos administrativos a determinar a suspensão da obra, parece-nos que a citação da providência cautelar administrativa não coloca o Tribunal em situação de proferir uma decisão inútil e não determina, como se decidiu, a inutilidade da lide. 13ª) Socorremo-nos da posição vertida no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 26 março 2009, no processo nº 927/07.9TBBNV.L1-8, no qual a decisão recorrida considerou que o facto de se ter obtido procedência parcial de uma pretensão cautelar apreciada pelo TAF de Leiria implicava inutilidade superveniente da lide (o que difere neste ponto com os presentes autos): “Quanto à medida inibitória que foi decretada pelo Tribunal Administrativo, com fundamento nos arts. 112º, nº 2, al. a), e 128º do CPTA, a mesma apresenta em comum com o embargo de obra nova a sua natureza preventiva e conservatória. Tem essa natureza, o que não significa que possua os mesmos efeitos. Não se nega, aliás, que entre o pretendido embargo de obra nova e as medidas cautelares que já foram determinadas pelo TAF de Leiria existe uma convergência de objectivos. Mas dessa convergência não decorre necessariamente uma situação de inutilidade superveniente do embargo. Desde logo porque o procedimento cautelar que correu termos no TAF é instrumental em relação a um direito que será objecto de uma acção interposta ou a interpor pela Requerente D nos Tribunais Administrativos. Em que o pedido e a causa de pedir não coincidirão, por certo, com a da acção instaurada em Tribunal Judicial. A tal facto acresce que a subsistência da providência cautelar que nele for decretada está necessariamente dependente das vicissitudes por que vier a passar a acção nesse Tribunal Administrativo. (…) O que se pretende com isto dizer é que, para essa circunstância, sempre se justificaria a prossecução dos autos na instância judicial. Ou seja: estando em causa uma providência cautelar, e como tal, de natureza cautelar e provisória, não se vislumbra como é que uma decisão não definitiva numa acção administrativa pode ter repercussões na acção cautelar judicial a ponto de determinar a extinção da instância por inutilidade. Diferentemente já seria se estivéssemos perante uma acção definitiva, ou não o sendo, em que se verificassem reunidos os requisitos legais do caso julgado ou de litispendência. (…) Por outro lado, também a causa de pedir é diversa, porquanto o procedimento que correu termos no TAF se funda naturalmente na violação de normas de interesse e ordem pública administrativa, enquanto que no embargo de obra nova, do Tribunal Judicial, o que está em causa é a violação de regras ambientais com afectação de interesses difusos que a Agravante, na sua qualidade de assistente, pretende salvaguardar. (…) Tal impossibilidade, acrescida dos factores atrás enunciados, é suficiente para se concluir que não existem fundamentos legais para se determinar, in casu, a inutilidade superveniente da lide, devendo esta prosseguir a sua normal tramitação”. 14ª) Por outro lado, o Artigo 128.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, com a epígrafe “proibição de executar o ato administrativo”, visa dar resposta à demora do próprio processo cautelar, procurando acautelar a situação do requerente da suspensão da eficácia durante a própria pendência do processo cautelar. Isto significa que a proibição de executar o ato administrativo cessa se, em primeira instância, for julgado improcedente o pedido de suspensão da eficácia. 15ª) Na perspetiva dos efeitos práticos, não se vislumbra qualquer situação definitiva de facto consumado, mas apenas uma situação que pode perdurar enquanto não for proferida a decisão final do processo cautelar. 16ª) Tendo em conta o que vem dito, não se pode confundir a proibição do Artigo 128.º, nº 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, de “não iniciar ou prosseguir a execução” do ato, com o decretamento de uma providência cautelar, essa sim apta a verdadeiramente suspender a execução da obra. 17ª) Ao assim apreciar e interpretar o âmbito Artigo 128º, nº 1, Código de Processo nos Tribunais Administrativos, como o fez, o Tribunal a quo, na prática, atribuiu aquela disposição legal os mesmos efeitos que se logram obter através do decretamento provisório de uma providência. O que manifestamente se rejeita. 18ª) Acresce que, “a providência cautelar será justificada mesmo nos casos em que a obra fique suspensa no decurso da sua execução, na medida em que se verifique um receio, juridicamente relevante, de que a obra possa vir a ser retomada” (cfr. Providência Cautelares, de Marco Carvalho Gonçalves, página 299). 19ª) A decisão de que ora se recorre, está ferida de erro no julgamento. Conforme se extrai do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa (in www.dgsi.pt, processo n.º 11959/2006-1 e número do documento RL, de 06/06/2006), o Juiz não está submetido ao enquadramento jurídico que as partes preconizam para as questões que têm de apreciar. Se qualificar mal uma determinada questão, aplicar uma lei inapropriada ou interpretar mal a lei, haverá erro de julgamento, mas não uma nulidade da sentença por omissão de pronúncia. 20ª) Atento a todo o exposto anteriormente, é suficiente para se concluir que não existem fundamentos legais para se determinar, in casu, a inutilidade superveniente da lide, inutilidade devendo esta prosseguir a sua normal tramitação. NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO QUE V. EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, EM CONSEQUÊNCIA, REVOGADA A SENTENÇA PROLATADA PELO TRIBUNAL A QUO, PROFERINDO-SE NOVA DECISÃO QUE DECRETE O EMBARGO DE OBRA NOVA EM CAUSA. FAZENDO-SE DESTA FORMA A COSTUMADA JUSTIÇA!
Contra-alegando, a requerida pugna pela manutenção da decisão recorrida, aderindo aos fundamentos na mesma expendidos.
Dispensados os vistos legais, há que decidir. Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se é de indeferir a presente providência cautelar de embargo de obra nova, em virtude de o interesse que se pretende acautelar já ter sido alcançado com a citação da requerida, no âmbito de providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo que licenciou a obra que se pretende embargar, nos termos do disposto no artigo 128.º do CPTA.
A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório que antecede.
Se é de indeferir a presente providência cautelar de embargo de obra nova, em virtude de o interesse que se pretende acautelar já ter sido alcançado com a citação da requerida, no âmbito de providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo que licenciou a obra que se pretende embargar, nos termos do disposto no artigo 128.º do CPTA. Como resulta do exposto, incumbe averiguar das consequências que para os presentes autos advêm do facto de os aqui requerentes, para além desta providência cautelar de embargo de obra nova, com os fundamentos aqui para tal expostos, terem, também, intentado, no Tribunal Administrativo, uma providência cautelar de suspensão da eficácia do acto administrativo que licenciou a obra que está na génese dos presentes autos e que consiste no respectivo licenciamento. Entendeu-se na decisão que recorrida que decorrendo do disposto no artigo 128.º do CPTA, que após a citação, o beneficiário do acto, não pode prosseguir a execução do mesmo e como na presente providência cautelar, os requerentes apenas pedem a “suspensão imediata das obras”, a presente providência deixa de ter interesse porque “o objectivo pretendido já foi alcançado”, concluindo-se “pela inutilidade do procedimento cautelar, porquanto o efeito útil já se mostra alcançado, sendo inútil o prosseguimento da presente instância cautelar”. Contrapõem os recorrentes que a decisão aqui a proferir só seria inútil no caso de já haver decisão definitiva no processo administrativo, pois só em tal caso se verificaria a proibição de executar o acto administrativo, no caso da respectiva procedência, sendo, também, diferentes os interesses e fundamentos utilizados em cada uma das referidas providências cautelares.
Dispõe o artigo 128.º, 1, do CPTA que: “Quando seja requerida a suspensão da eficácia de ato administrativo, a entidade administrativa e os beneficiários do ato não podem, após a citação, iniciar ou prosseguir a execução, salvo se, mediante remessa ao tribunal de resolução fundamentada na pendência do processo cautelar, reconhecer que o diferimento da execução seria gravemente prejudicial para o interesse público”. Decorre, pois, daqui, que, como regra, intentada providência cautelar de suspensão da eficácia de um acto administrativo, após a citação, o beneficiário do acto, de forma quase automática, fica impedido de prosseguir a execução do mesmo, in casu ficou a requerida impedida de prosseguir com as obras que aqui, igualmente, se pretendem embargar, se pretendem suspender na sua execução. Assim, é certo, como se concluiu na decisão recorrida que o efeito aqui pretendido já foi, por agora, obtido na providência cautelar de índole administrativa, podendo, em certos casos, tal bastar para que o interesse do requerente fique acautelado. Mas, também, pode assim não suceder. Efectivamente, os fundamentos usados em cada uma das referidas providências são absolutamente distintos (embora conduzam ou possam conduzir, ao mesmo efeito): - no Tribunal Administrativo aprecia-se a legalidade/ilegalidade da concessão da licença de obras, com fundamento na alegada violação de regras/normas de índole pública, designadamente na violação das normas urbanísticas vigentes para determinado local, ao passo que; - no embargo de obra nova, intentado nos Tribunais comuns, está em causa a violação dos direitos previstos no artigo 397.º, n.º 1, do CPC, de natureza privada. Consequentemente, aquele que vê violado um seu direito, em consequência de obra nova, tem dois caminhos para reagir contra tal violação, consoante os respectivos fundamentos para tal, sejam de índole pública ou privada. Concretamente, se existir a violação das normas administrativas que regulam o licenciamento de obras particulares, o lesado pode lançar mão da providência de suspensão da eficácia do acto de licenciamento de tais obras, no Tribunal Administrativo. Mas pode, igualmente, em caso de o licenciamento violar, também, um dos direitos referidos no citado artigo 397.º, n.º 1, lançar mão do procedimento cautelar de embargo do obra nova nos Tribunais comuns. Efectivamente, nos Tribunais administrativos, o lesado não pode pretender o reconhecimento dos seus direitos de índole privada e nos comuns não pode atacar a legalidade do acto de licenciamento da obra. Pelo que, não lhe está vedado que, em cada uma de tais jurisdições, faça valer o seu direito, por reporte aos pertinentes fundamentos para tal. Isto é, tais possibilidades de reacção contra a violação do seu direito não são alternativas, mas sim cumulativas. O lesado, consoante o fundamento invocado, pode recorrer a qualquer de tais meios ou a ambos, simultaneamente. Face ao que, se impõe concluir que os presentes autos de providência cautelar de embargo de obra nova, continuam a ter utilidade, atentos os diferentes fundamentos usados nas diferentes jurisdições, devendo, em consequência, os mesmos prosseguir para serem apreciadas as questões suscitadas, não podendo, por isso, manter-se a decisão recorrida. Assim, o presente recurso tem de proceder.
Nestes termos se decide: Julgar procedente o presente recurso de apelação e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida, devendo os autos prosseguir os seus ulteriores termos. Custas, a fixar a final. Coimbra, 14 de Março de 2023.
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