Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
6922/21.8T8BRG-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: SERVIÇOS PÚBLICOS ESSENCIAIS
SERVIÇO DE COMUNICAÇÕES ELECTRÓNICAS
CRÉDITOS DO PRESTADOR DE SERVIÇOS POR INCUMPRIMENTO CONTRATUAL
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Data do Acordão: 09/26/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO LOCAL CÍVEL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: INDEFERIDA
Legislação Nacional: ARTIGO 309.º DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGO 10.º, 1 E 4, DA LEI 23/96, DE 26/7
Sumário: 1. - O preceito do art.º 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, de 26-07, tem finalidade protetiva do utente na sua relação contratual com o prestador de determinados serviços públicos essenciais, como o serviço de comunicação eletrónica, razão pela qual o legislador estabeleceu, nesta latitude do sistema, um regime prescricional especial, fixando um curto prazo de prescrição – de seis meses – para os créditos do prestador do serviço referentes ao «preço do serviço prestado», regime este também abrangente do preço dos equipamentos necessários à adequada prestação de tal serviço.
2. - Porém, se o crédito do prestador do serviço tiver natureza indemnizatória/sancionatória – de penalização pelo incumprimento contratual –, o que o afasta do crédito pelo preço do serviço prestado ou dos equipamentos necessários a essa prestação (mera contrapartida contratual, de âmbito sinalagmático, e não sancionatório/indemnizatório, sujeito por isso a um regime prescricional diverso), o prazo de prescrição aplicável é o de vinte anos (art.º 309.º do CCiv.).
Decisão Texto Integral: ***
Acordam, em Conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra

I - Por decisão sumária – datada de 21/06/2023 (com Ref. 10880059) – proferida pelo Relator ao abrigo do disposto no art.º 656.º do NCPCiv., foi decidido «julgar em parte procedente a apelação e, em consequência, alterar a decisão recorrida», conhecendo-se da «deduzida exceção da prescrição» de crédito, esta apenas em parte julgada procedente (improcedendo quanto ao mais), nos seguintes termos:

I – Relatório

A..., S. A.”, com os sinais dos autos,

intentou ação declarativa condenatória, com forma de processo comum, contra

B..., UNIPESSOAL, LDA”, também com os sinais dos autos,

alegando factos e alinhando razões para pedir no sentido de:

«a) condenar-se a R. ao integral pagamento dos serviços de Global Connect Pack e M4O Flash, cuja faturação perfaz o valor de € 5.257,08;

b) bem como no pagamento de juros de mora vencidos, no valor de € 488,55 e, ainda, nos juros de mora vincendos e custas».

Como causa de pedir, invocou, grosso modo:

- ter contratado com a R. a prestação de serviços de telecomunicações (contrato designado “Global Connect Pack”, celebrado em 14/07/2020), incluindo os equipamentos correspondentes, que discriminou, com período de fidelização acordado, com renovação automática e sucessiva e pagamento mensal (mensalidade acordada), sendo que a inobservância do período de fidelização pela R. conferia à A. o direito de exigir a recuperação dos custos suportados;

- a R. não pagou os valores das seguintes faturas, emitidas em seu nome, a esta enviadas e não devolvidas (no montante total de € 4.769,03):

Data de emissão                   N.º fatura                               Data de pagamento até        Valor

20/09/2020          P003208280             12/10/2020         3,27

20/10/2020          P003221194             10/11/2020         4,41

22/02/2021          0000000704109962      10/03/2021         179,58

22/03/2021          0000000704161229      07/04/2021         178,93

22/04/2021          0000000704212767      08/05/2021         178,93

24/05/2021          0000000704264489      09/06/2021         178,93

24/06/2021          0000000800080961      24/07/2021         4.044,98;

- as partes celebraram ainda entre si, em 27/03/2020, um contrato designado “M4O Flash”), incluindo os equipamentos correspondentes, que discriminou, com período de permanência e atribuição de condições promocionais no valor da mensalidade;

- prestado o serviço, que foi utilizado pela R., aquele foi desativado por falta de pagamento por esta, restando por pagar a seguinte fatura, emitida em seu nome:

Data de emissão                   N.º fatura                               Data de pagamento até        Valor

11/06/2021          A745106824             19/06/2021         491,32;

- são devidos os montantes aludidos e juros de mora à taxa legal de 7% ao ano.

A R. contestou, deduzindo, para além do mais, a exceção da prescrição de toda a invocada dívida – sustentou-se no disposto no art.º 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, de 26-07 –, assim concluindo pela improcedência da ação e sua decorrente absolvição do pedido.

A A., em observância do princípio do contraditório, pugnou pela improcedência da exceção da prescrição, para o que argumentou, no essencial, que uma parte das faturas em causa respeita a mensalidades quanto a equipamentos – e não propriamente a serviço de telecomunicações –, enquanto a parte restante (duas faturas) se refere a indemnização pelo incumprimento do período de fidelização acordado, o que afasta o prazo de seis meses de prescrição, sendo aplicável o prazo ordinário de prescrição (de 20 anos).

Dispensada a audiência prévia, foi proferido despacho saneador, datado de 20/02/2023, julgando improcedente a exceção perentória deduzida da prescrição, com o consequente prosseguimento dos autos, por se considerar necessária a produção de provas.

Inconformada, a R. recorre do decidido em matéria de prescrição, apresentando alegação, onde formula as seguintes

Conclusões ([1]):

«I. Em 27/03/2020 foi entre A. e R. celebrado um contrato designado M4O (Flash), que tinha por objeto a prestação de serviços por parte da A. à R. de serviços de televisão, internet, telefone fixo e telefone móvel.

II. O Contrato de adesão ao serviço/Pacote designado M4O (Flash) (Doc.11 da P.I.) tinha como “Produtos e Serviços” “TV + NET + Telefone + Telemóvel”, sendo prestados os serviços de contato fixo ...69, contactos móveis ...99, ...37 e ...38, Internet Fibra e televisão.

III. Em face da insuficiência de tais serviços para fazer face às necessidades da R., em 14/07/2020 foi entre A. e R. celebrado, em substituição do anterior, um contrato designado “Global Connect Pack”, que tinha por objeto a prestação de serviços por parte da A. à R. de serviços de televisão, internet, telefone fixo e telefone móvel, e um site.

IV. Sendo que o local da prestação dos serviços é o mesmo – Rua ..., ... ..., e os contactos telefónicos também coincidem – v.g. ...69, ...37 e ...38.

V. Com a celebração dos referidos contratos foi acordada a cedência de equipamento sem o qual os serviços não poderiam funcionar, v.g. box e telefone fixo, tendo estes o custo correspondente a 7,88% do montante devido pelo pacote (11,47 x 100 / 145,47)

VI. Os serviços objeto de contrato entre A. e R. em causa nos presentes autos são serviços públicos essenciais e/ou conexos a estes, nomeadamente nos termos e em conformidade com o disposto na al. d) do n.º 2 do art. 1.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, e tendo em consideração o disposto nas als. ff) e gg) do art. 3.º da revogadoa Lei n.º 5/2004, de 10/02 e ss) rr) e qq) do n.º 1 do art. 3.º da Lei n.º 16/2022, de 16/08, sendo de aplicar os prazos de prescrição e caducidade previstos no art. 10.º da referida Lei n.º 23/96, de 26 de Julho.

VII. Em relação ao contrato celebrado em 27/03/2020, que tem por objeto o pacote de serviços M4O (FLASH), o contrato foi resolvido em agosto de 2020, quando iniciou a vigência do contrato celebrado em 14/07/2020, que tinha por objeto o pacote “GlobalConnect Pack”.

VIII. Considerando ainda os factos alegados pela A., que os serviços prestados findaram em 05/08/2020, e que a ação deu entrada no dia 17/12/2021, temos que se encontra prescrito o direito de a A. exigir o pagamento de uma qualquer quantia com referência a este contrato, prescrição que foi expressamente invocado pela R..

IX. Em relação ao contrato celebrado em 14/07/2020, que tem por objeto o pacote de serviço designado “GlobalConnect Pack”, o contrato foi resolvido através de carta datada de 28/08/2020, com efeitos a partir de 31/08/2020, sendo que desde o dia .../.../2020 que nunca mais foi prestado qualquer serviço pela A. à R..

X. O direito de a A. exigir as quantias peticionadas com referência ao contrato celebrado com a R. em 14/07/2020 e que cuja prestação terá iniciado no início do mês de agosto de 2020, ou mesmo de propor a competente ação judicial, encontra-se prescrito pelo menos desde o dia 13 de maio de 2021 (considerando a suspensão dos prazos em consequência da Pandemia decretada pela Organização Mundial de Saúde, em razão da propagação de infeções do aparelho respiratório de origem viral, causadas pelo agente Coronavírus (SARS-Cov-2 e COVID19, entre 22/01/2021 e 06/04/2021), prescrição que foi expressamente invocado pela R..

XI. Na mera hipótese académica e que apenas por mero dever de patrocínio se concede, de se considerar para o efeito a confirmação da resolução contratual por parte da A. através de missiva enviada pela A. à R. que se encontra anexa como Doc.2 da contestação apresentada pela R., temos que o direito de a A. exigir as quantias peticionadas com referência ao contrato celebrado em 14/07/2020, ou mesmo de propor a competente ação judicial, se encontra prescrito desde o dia 20/11/2021 (ou seja, 6 meses desde que a A. confirmou de forma inequívoca a não prestação de qualquer serviço à R.), prescrição que foi expressamente invocado pela R..

XII. Quanto aos factos (e inerentes valores) a que se aplicam os mencionados prazos de prescrição e caducidade, é jurisprudencialmente aceite que tal se aplica, quer aos serviços propriamente ditos, quer a cláusulas acessórias, quer de fidelização, quer de indemnização por incumprimento de obrigações assumidas (de entre as quais prazos mínimos), sendo que o direito de peticionar qualquer quantia a titulo de incumprimento se encontra igualmente prescrito, prescrição que foi expressamente invocado pela R..

XIII. Decidiu mal o Tribunal a quo, verificando-se um erro notório na apreciação da prova, ao considerar que, da análise das faturas e dos contratos celebrados entre Recorrente e Recorrida, em 27/03/2020 e 14/07/2020, que tinham por objeto, respetivamente, pacote de serviços designado “M4O (Flash)” e “GlobalConnect Pack”, se verifica que o que foi contratualizado foi a disponibilização de equipamentos, e não de prestação de serviços.

XIV. A Autora, ora Recorrida, não forneceu uma televisão à Recorrente, nem forneceu telemóveis à Recorrente, antes prestou os serviços acessíveis através dos mesmos.

XV. Andou mal o Tribunal a quo ao considerar que os serviços prestados pela Autora à Ré, subjacente aos contratos em causa nos presentes autos, celebrados entre Recorrente e Recorrida, em 27/03/2020 e 14/07/2020, que tinham por objeto, respetivamente, pacote designado “M4O” e “GlobalConnect Pack”, não são públicos essenciais na aceção da Lei n.º 23/96, de 26/07, v.g. al. d) do n.º 2 do art. 1.º.

XVI. O Tribunal a quo desvirtuou a realidade contratual, pois que, conclui, em termos práticos e ao contrário do que decorre dos contratos celebrados, propostas apresentadas, faturas emitidas e e-mails enviados pelas partes, das duas uma: Ou que o serviço M4O Flash se encontrou em vigor ao mesmo tempo que o serviço “GlobalConnect Pack”, de maneira a que um dizia respeito aos serviços e o outro aos equipamentos; Ou que a Recorrente contratou à Recorrida a disponibilização de router, box e cartões sim, e em nessa senda, a Recorrida cedeu os serviços de internet, televisão e de chamadas telefónicas para dar utilidade aos equipamentos contratados.

XVII. Sendo que, como comprovado está nos autos – quer com base nas alegações das partes, quer com base nos documentos incertos nas peças processuais, nenhuma das duas situações corresponde à realidade factual.

XVIII. Afigura-se-nos que o Tribunal a quo interpretou o serviço M4O como sendo o de disponibilização de serviços públicos essenciais, e o GlobalConnect Pack como sendo de disponibilização de equipamentos, quando na verdade, e conforme decorre de forma cristalina dos presentes autos, dizem respeito a contratos que não vigoraram em simultâneo, e que através do qual a Autora, ora Recorrida, se obrigou a prestar serviços públicos essenciais de internet, televisão e de telefone fixo e móvel à Ré, ora Recorrente, incluídos na mesma morada e para os mesmos equipamentos/n.ºs de contacto.

XIX. Nem tão-pouco se percebe como pode o Tribunal a quo ter entendido que as faturas emitidas em causa nos presentes autos diziam respeito à disponibilização de equipamentos, e ao mesmo tempo ordenar a notificação da Autora, ora Recorrida, para vir esclarecer aos autos o valor atribuído ao serviço de internet de 500Mbps de velocidade, no âmbito do referido pacote GlobalConnect Pack (cfr. V “Dos Meios Probatórios” do Despacho Saneador.

XX. O Tribunal a quo analisou erradamente os documentos juntos nos presentes autos, nomeadamente Faturas, propostas comerciais e contratos celebrados juntos como Doc.1 a 11 da P.I., bem como inc. nos documentos juntos como Doc.1, Doc.4, Doc.5 e Doc.6 da contestação apresentada pela Ré, pois que, do teor da proposta comercial, contratos celebrados pela Recorrente e Recorrida e das faturas emitidas juntas como Doc.1 a 11 da P.I. e nos documentos juntos como Doc.1, Doc.4, Doc.5 e Doc.6 da contestação apresentada pela Ré, pois que da sua análise impunha-se ao Tribunal a quo dar como assente que as faturas emitidas e contratos celebrados dizem respeito à prestação de serviços públicos essenciais ou serviços conexos, aos quais – inclusive à indemnização por incumprimento contratual – é de aplicar o prazo de prescrição e caducidade previstos no art. 10.º (n.ºs 1 e 4) da Lei n.º 23/96, de 26 de julho.

XXI. Em face do raciocínio levado a cabo pelo Tribunal a quo, no sentido de, por um lado, assumir que “dúvidas inexistem que a autora, com os contratos dos autos, facultou à ré serviços de comunicações eletrónicas – que consubstancia um serviço público essencial, face ao estatuído no art. 1º n.º 1 al. d) do identificado diploma legal”, e por outro que “os valores peticionados nos autos não o são pela prestação dos serviços referidos (…) mas sim pela disponibilização dos equipamentos aí mencionados”, temos que a decisão tomada pelo Tribunal a quo quanto à improcedência das exceções peremtórias de prescrição invocadas pela Ré, ora Recorrente, revela uma oposição entre os fundamentos e a decisão, ou pelo menos que a mesma seja ambígua ou obscura, tornando a decisão inteligível, o que determina a sua nulidade, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 615.º do C.P.C., nulidade que expressamente se argui para os devidos e legais efeitos.

XXII. Além do mais, sempre se dirá que o Tribunal a quo decidiu julgar não verificadas as exceções de prescrição invocada pela Ré, ora Recorrente, apenas e só se tendo pronunciando quanto ao pacote designado “GlobalConnect Pack”, subjacente ao contrato celebrado entre Recorrente e Recorrida em 14/07/2020.

XXIII. O Tribunal a quo decidiu julgar não verificada a exceção de prescrição invocada pela Ré, ora Recorrente, no entanto em momento algum se pronunciou ou fez qualquer referência ao pacote designado “M4O”, subjacente ao contrato celebrado entre Recorrente e Recorrida em 27/03/2020.

XXIV. Pelo que estamos ainda perante uma nulidade da decisão por omissão de pronúncia e falta de fundamentação, pois que o Tribunal a quo omitiu a fundamentação de facto e de direito em que ancorou a decisão, pelo menos quanto ao contrato celebrado em 27/03/2020, referente ao serviço designado “M4O (FLASH)”e que configura causa de pedir e pedido da Autora, ora Recorrida, conforme plasmado em 18.º da P.I. e com referência à fatura A745106824, nulidades que expressamente se arguem para os devidos e legais efeitos.

XXV, Pelo que o Despacho Saneador proferido pelo Tribunal a quo é nulo, nos termos do disposto na al. d) do n.º 1 do art. 615.º, n.º 2 do art. 608.º e n.º 3 do art. 595.º, todos do C.P.C., nulidades que expressamente se arguem para os devidos e legais efeitos, e com as devidas e legais consequências daí advindas.

XXVI. Da análise correta e cabal dos elementos probatórios constantes dos presentes autos, nomeadamente faturas emitidas pela Recorrida, contratos celebrados entre a Recorrente e a Recorrida, e propostas comerciais apresentadas, concretamente Proposta e Contratos de Adesão / cessação / portabilidade juntos como Doc.1, 2 e 11 da P.I., bem como as faturas juntas como Doc. 4 a 10 da P.I.; missiva, e-mail e documentos juntos como Doc. 1, Doc.4, Doc. 5 e Doc.6 da contestação apresentada pela R., deveria o Tribunal a quo ter decidido que os serviços prestados pela Autora à Ré são serviços públicos essenciais ou conexos, aos quais é de aplicar os prazos de prescrição e caducidade de 6 meses previstos no art. 10.º da Lei n.º 23/96, e não o prazo regra de 20 anos previsto no art. 309.º do C.C..

XXVII. Numa correta aplicação do direito ao caso concreto, de acordo com a factualidade constante nos presentes autos e confessada pela A. nas peças processuais por esta apresentadas, deveria o Tribunal a quo ter decidido que os serviços prestados pela Autora à Ré, subjacente aos contratos nos presentes autos, se tratam de serviços públicos essenciais ou serviços conexos a estes, sendo de aplicar o prazo de prescrição e caducidade previstos no art. 10.º da Lei n.º 23/96, e não o prazo regra de 20 anos previsto no art. 309.º do C.C..

XXVIII. E, consequentemente, numa correta aplicação do direito ao caso concreto, deveria o Tribunal a quo ter julgado verificada a prescrição dos direitos da Autora, ora Recorrida, ao recebimento dos montantes peticionados nos presentes autos.

XXIX. Assim, o Tribunal a quo praticou erro notório na apreciação e valoração das provas e erro de julgamento na decisão da matéria de facto e da factualidade dada como assente, acabando a decisão recorrida por fazer também e consequentemente uma errónea interpretação e aplicação do direito ao caso concreto, acabando por violar entre outros, o disposto nos n.ºs 3, 4 e 5 do artigo 607.º do C.P.C.

XXX. Nesta senda, violou o Tribunal a quo o disposto a) no n.º 3, 4 e 5 do art. 607.º, al. a) e b) do n.º 1 do art. 595.º, als. c) e d) do n.º 1 do art. 615.º, n.º 2 do art. 608.º , todos do C.P.C., b) na al. d) do n.º 2 do art. 1.º e n.ºs 1 e 4 do art. 10.º, ambos da da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho, c) nas als. ff) e gg) do art. 3.º da revogada Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro; d) nas als. ss), rr) e qq) do n.º 1 do art. 3.º da Lei n.º 16/2022, de 16 de agosto, e) art. 309.º do C.C.

XXXI. Em suma, em face de todo o exposto deveria o Tribunal a quo ter julgado verificada a prescrição dos direitos da Autora, ora Recorrida, ao recebimento dos montantes peticionados nos presentes autos, absolvendo a Ré, ora Recorrente, dos pedidos formulados contra si nos presentes autos.

XXXII. Deve ser concedido provimento ao presente Recurso de Apelação, consequentemente, deve o douto Despacho recorrido ser revogado e substituído por um outro que decida que os serviços prestados pela Autora à Ré, subjacente aos contratos em causa nos presentes autos, se tratam de serviços públicos essenciais ou serviços conexos a estes, e, em consequência, julgue verificadas as exceções perentórias de prescrição dos direitos da Autora, ora Recorrida, ao recebimento dos montantes peticionados nos presentes autos, absolvendo a Recorrente dos pedidos formulados pela Recorrida, o que se Requer a V. Exas. Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra.».

Pugna, pois, pela revogação da decisão recorrida, de molde a julgar-se verificada a exceção da prescrição, absolvendo-se a R./Recorrente do peticionado.

Foi junta contra-alegação recursiva, concluindo a A./Recorrida pela total improcedência do recurso interposto.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo, motivo pelo qual ocorreu remessa do processo a este Tribunal ad quem, onde resulta mantido o regime recursório.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir quanto ao objeto do mesmo, em decisão sumária, como referido, dada a simplicidade da questão que vem colocada.

II – Âmbito do recurso

Sendo o objeto dos recursos delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo respetivo – como é consabido, são as conclusões da parte recorrente que definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. –, está em causa na presente apelação saber:

a) Se incorreu a 1.ª instância nas invocadas nulidades da sentença (despacho saneador), seja por «oposição entre os fundamentos e a decisão, ou pelo menos», ambiguidade ou obscuridade, «tornando a decisão [in]inteligível, o que determina a sua nulidade, nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art. 615.º do C.P.C.» (conclusão XXI), seja já por «omissão de pronúncia e falta de fundamentação» (invocando a Recorrente a «al. d) do n.º 1 do art. 615.º»);

b) Se, tendo a Recorrente afirmado que «o Tribunal a quo praticou erro notório na apreciação e valoração das provas e erro de julgamento na decisão da matéria de facto e da factualidade dada como assente», ocorreu, ou não, válida impugnação da decisão relativa à matéria de facto e, em caso afirmativo, se merece procedência;

c) Se devia, ou não, em matéria de direito, proceder a deduzida exceção da prescrição do direito peticionado.

III – Fundamentação

A) Das causas invocadas de nulidade da decisão recorrida

1. - Oposição entre fundamentos e decisão ou ambiguidade/obscuridade, fonte de ininteligibilidade

Invoca, desde logo, a parte recorrente o(s) vício(s) de contradição, ambiguidade e obscuridade, gerador(es) da nulidade da sentença, nos termos do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv..

Ora, o art.º 615.º, n.º 1, do NCPCiv. comina, quanto às suas al.ªs b) e c),  com a nulidade da sentença as situações em que, respetivamente, (i) faltem os fundamentos da decisão ou (ii) estes, existindo, estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível.

Trata-se de normação inovadora apenas quanto ao fundamento de nulidade da sentença traduzido na existência de ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível, pois que no anterior art.º 668.º, n.º 1, al.ª c), do CPCiv. revogado apenas se aludia ao vício de oposição entre os fundamentos e a decisão e na al.ª b) desse dispositivo do Cód. revogado apenas se previa, como agora, a não especificação dos fundamentos, de facto e de direito, justificativos da decisão.

Em qualquer caso, serão vícios internos da decisão, no plano dos respetivos fundamentos e decorrente dispositivo, constituindo anomalia a extrair da leitura da sentença – vista em si própria –, ante a forma como se mostra elaborada.

Como é consabido, por ser orientação dos Tribunais Superiores, a nulidade da decisão (sentença ou despacho), tal como prevista no dispositivo citado – a problemática a considerar é sempre, com efeito, a dos fundamentos da decisão, seja pela sua falta ou contradição ou ainda por falta de sintonia com o dispositivo –, segundo o qual “a sentença é nula quando os fundamentos estejam em manifesta oposição com a decisão, sanciona o vício de contradição formal entre os fundamentos de facto ou de direito e o segmento decisório da sentença. Como se sabe, a sentença deve conter os fundamentos, devendo o Juiz discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes (art. 659º, nº2, do CPC). Ora, constituindo a sentença um silogismo lógico-jurídico, de tal forma que a decisão seja a conclusão lógica dos factos apurados, aquela nulidade – como tem sido unanimemente afirmado na doutrina e na jurisprudência – só se verifica quando das premissas de facto e de direito se extrair uma consequência oposta à que logicamente se deveria ter extraído” ([3]).

Ora, nos moldes em que invocada em sede de conclusões de recurso, a dita contradição respeitará – pretensamente – a uma oposição entre fundamentos, mas não entre fundamentos, por um lado, e dispositivo, por outro, o que afasta o vício de contradição/oposição ([4]).

Restaria o vício de ambiguidade ou obscuridade, que só relevaria se tornasse ininteligível o sentido da decisão.

Parece querer referir a Apelante que não é inteligível assumir, por um lado, não restarem “dúvidas de que a autora, com os contratos dos autos, facultou à ré serviços de comunicações eletrónicas – que consubstancia um serviço público essencial (…)” e, por outro, que “os valores peticionados nos autos não o são pela prestação dos serviços referidos (…) mas sim pela disponibilização dos equipamentos aí mencionados”.

O que tornaria incompreensível a decisão de improcedência da exceção da prescrição.

Apreciando, dir-se-á que não se vê, com todo o respeito devido, onde esteja a ininteligibilidade/incompreensibilidade de tal argumentação e decisão do Tribunal a quo.

Com efeito, o assumir que os contratos dos autos se reportam a serviços de comunicações eletrónicas, o que consubstancia um serviço público essencial, não impede que se coloque o enfoque na «disponibilização dos equipamentos», de forma onerosa, a que tais contratos também se referem. Ou seja, estes também são objeto dos contratos, o que permite, em termos lógicos, a conclusão de que “os valores peticionados nos autos não o são pela prestação dos serviços referidos (…) mas sim pela disponibilização dos equipamentos aí mencionados”.

Se esta conclusão é correta ou errada é já matéria de impugnação de direito, que, reportada à exceção material/perentória da prescrição, se direciona para ao mérito da decisão e não para o aspeto formal das nulidades da sentença.

Inexiste, pois, ininteligibilidade, o que logo afasta a pretendida nulidade.

2. - Falta de fundamentação e omissão de pronúncia

Considera ainda a Apelante, em matéria de nulidade da decisão recorrida, que existe falta de fundamentação, para além de ali não se ter conhecido de questão de que deveria conhecer-se, ao não se ter levado em conta, no âmbito da prescrição invocada, o contrato referente ao pacote designado “M4O” (celebrado em 27/03/2020), posto apenas se ter considerado o outro contrato (pacote designado “GlobalConnect Pack”, subjacente ao contrato celebrado em 14/07/2020).

Apreciando.

Desde logo, cabe dizer que o vício de falta de fundamentação não se pode ter por verificado, posto a decisão em crise apresentar fundamentação, a que se segue o dispositivo, de sentido conforme/harmónico a essa fundamentação.

Acresce que o vício de falta de fundamentação [art.º 615.º, n.º 1, al.ª b), do NCPCiv.] só existe no caso de uma falta total ou absoluta de fundamentos da decisão ([5]), o que, manifestamente, não é aqui o caso, posto os fundamentos, in casu, se encontrarem vertidos, embora de forma sucinta, em mais de meia página da decisão em crise, com exposição dos motivos da decisão.

Resta a pretendida omissão de pronúncia [al.ª d) do n.º 1 do dito art.º 615.º].

Trata-se, pois, da invocação da causa de nulidade da sentença a que alude aquele preceito legal, que comina com a nulidade da decisão judicial o vício que se traduz em o juiz deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou, ao invés, conhecer de questões de que não pudesse tomar conhecimento, sendo aquela primeira vertente a aqui em causa.

Na 2.ª parte do n.º 2 do art.º 608.º do mesmo NCPCiv. prescreve-se que não pode o juiz ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, questões essas que, naturalmente, deverá apreciar, a não ser que devam ter-se por prejudicadas.

Vem sendo entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência o de que somente as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o thema decidendum, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal.

De acordo com Amâncio Ferreira, “trata-se de nulidade mais invocada nos tribunais, originada na confusão que se estabelece com frequência entre questões a apreciar e razões ou argumentos aduzidos no decurso da demanda” ([6]).

E, segundo Alberto dos Reis, “são na verdade coisas diferentes: deixar de conhecer de questão de que devia conhecer-se e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte. Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” ([7]).

Ora, no caso dos autos não pode proceder a invocação de que não se conheceu das questões suscitadas pelas partes, posto a única questão de que se impunha conhecer, no âmbito em análise, era a da excecionada prescrição.

E foi dessa questão que se conheceu, julgando-se improcedente a exceção.

Não se impunha, pois, que fossem analisadas – esgotadas – todas as razões ou fundamentos invocados em matéria de prescrição: o que importava era que fosse decidida a questão posta, a da prescrição; e foi-o. Por isso, não tinha de se «apreciar todos os fundamentos ou razões» em que a parte apoiava a exceção deduzida.

Termos em que não existe omissão de pronúncia em matéria de prescrição, improcedendo, então, toda a vertente recursiva de invocação de nulidades da decisão em crise.

B) Da eventual impugnação da decisão de facto

Tendo a R./Recorrente, em sede conclusiva, parecido aludir a uma eventual impugnação da decisão de facto, deixando expresso que houve «erro notório na apreciação e valoração das provas e erro de julgamento na decisão da matéria de facto e da factualidade dada como assente» (conclusão XXIX), com análise errada «dos documentos juntos», importa saber, desde logo, se ocorreu, ou não, válida impugnação da decisão relativa à matéria de facto (questão da admissibilidade) e, em caso afirmativo, se merece procedência.

Cabia à R. deixar, para tanto, suficientemente observados os ónus a seu cargo, a que alude a norma imperativa do art.º 640.º, n.º 1, al.ªs a) a c), do NCPCiv., âmbito em que incumpriu – diga-se desde já – o ónus legal de especificação, sob pena de rejeição, dos concretos pontos fácticos que considerasse incorretamente julgados e, bem assim, a diversa decisão a dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas [ditas al.ªs a) e c)], isto é, quanto a este último aspeto, a indicação, de forma clara/inequívoca, de qual a decisão de facto que pretende ver adotada (concreto factualismo que pretende seja julgado como provado ou não provado), o que é manifestamente diverso da análise das provas, esta tendente à formação da convicção do julgador.

Na verdade, das conclusões da presente apelação não logra, no plano fáctico, retirar-se qual o concreto factualismo sob impugnação, nem o sentido decisório pretendido.

Ora, é sabido que, ao impugnar a decisão da matéria de facto, o recorrente deve indicar, para além dos concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados, enunciando-os na motivação de recurso e sintetizando-os nas respetivas conclusões, os concretos meios probatórios que, constantes do processo, impunham decisão diversa da adotada quanto aos factos impugnados ([8]).

É que, em sede de impugnação da decisão de facto, cabe ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria litigiosa, face aos elementos a que teve acesso, tratando-se, assim, da verificação quanto a um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas (formação e fundamentação da convicção), aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento.

Para tanto, se o Tribunal de 2.ª instância é chamado a fazer o seu julgamento dessa específica matéria de facto, o mesmo é comummente restrito a pontos concretos questionados – os objeto de recurso, no mesmo delimitados –, procedendo-se a reapreciação com base em determinados elementos de prova, concretamente elencados, designadamente certos depoimentos indicados pela parte recorrente.

Como explicita Abrantes Geraldes ([9]), “A motivação do recurso é de geometria variável, dependendo tanto do teor da decisão recorrida como do objectivo procurado pelo recorrente, devendo este tomar em consideração a necessidade de aí sustentar os efeitos jurídicos que proclamará, de forma sintética, nas conclusões”. E acrescenta que se, “para atingir o resultado declarado o tribunal a quo assentou em determinada motivação, dando respostas às diversas questões, as conclusões devem elencar os passos fundamentais que, na perspectiva do recorrente, deveriam ter sido dados para atingir os objectivos pretendidos” ([10]).

Especificamente em matéria de impugnação da decisão de facto, à luz do art.º 640.º do NCPCiv., refere o mesmo Autor:

“… podemos sintetizar da seguinte forma o sistema que agora passa a vigorar sempre que o recurso envolva a impugnação da decisão sobre a matéria de facto:

a) Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões;

(…)

d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto” ([11]).

Para depois concluir: “Importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça. Rigor a que deve corresponder o esforço da Relação quando, debruçando-se sobre pretensões bem sustentadas, tenha de reapreciar a decisão recorrida …” ([12]).

Assim sendo, constituindo as conclusões o mecanismo de delimitação do âmbito do recurso, delas deve constar o respetivo objeto, também em matéria de impugnação da decisão de facto, seja quanto ao âmbito fáctico da impugnação recursória (concretos pontos de facto impugnados, por incorretamente julgados), seja quanto ao objetivo pretendido (indicação clara da decisão que, em concreto, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, os factos concretos que deverão, finalmente, ser julgados provados, não provados ou alterados/reformulados no seu conteúdo).

É certo que vem sendo entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça – cfr. Ac. STJ de 19/02/2015 ([13]) – que:

«… a exigência da especificação dos concretos pontos de facto que se pretendem questionar com as conclusões sobre a decisão a proferir nesse domínio tem por função delimitar o objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto.

Por sua vez, a especificação dos concretos meios probatórios convocados, bem como a indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, além de constituírem uma condição essencial para o exercício esclarecido do contraditório, serve sobretudo de parâmetro da amplitude com que o tribunal de recurso deve reapreciar a prova, sem prejuízo do seu poder inquisitório sobre toda a prova produzida que se afigure relevante para tal reapreciação, como decorre hoje, claramente, do preceituado no n.º 1 do artigo 662.º do CPC.  

É, pois, em vista dessa função, no tocante à decisão de facto, que a lei comina a inobservância daqueles requisitos de impugnação com a sanção da rejeição imediata do recurso, ou seja, sem possibilidade de suprimento, na parte afetada, nos termos do artigo 640.º, n.º 1, proémio, e n.º 2, alínea a), do CPC.

Não sofre, pois, qualquer dúvida que a falta de especificação dos requisitos enunciados no n.º 1 do referido artigo 640.º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada.».

Nesta perspetiva, os ónus a que aludem as al.ªs a) e c) do n.º 1 do art.º 640.º do NCPCiv. – especificação dos pontos de facto concretos considerados incorretamente julgados e sentido da decisão a proferir sobre a respetiva impugnação (concreto factualismo a julgar como provado ou não provado pelo Tribunal de recurso) – têm uma função delimitadora do objeto do recurso sobre a impugnação da decisão de facto, razão pela qual devem constar, necessariamente, das conclusões da apelação.

Ora, vistas as conclusões da aqui Apelante, delas não consta – repete-se – a especificação de cada um dos factos impugnados, nem da decisão fáctica a dever ser proferida no âmbito da reapreciação recursória.

Assim, o acervo conclusivo é omisso quanto a esses parâmetros, designadamente o sentido das alterações pretendidas à matéria fáctica, não se sabendo qual o teor das respostas fácticas substitutivas pretendidas, resta a dívida insuperável sobre que decisão pretenderiam os Recorrentes fosse proferida nesta parte, que concretos factos haveriam de ser julgados diversamente e em que sentido.

Ora, tal como, por força do princípio do pedido, não pode haver condenação sem pedido, nem em quantidade superior ou objeto diverso do peticionado (cfr. art.ºs 552.º, n.º 1, al.ª e), e 609.º, ambos do NCPCiv.), também, por força do ónus que a al.ª c) do n.º 1 do art.º 640.º do NCPCiv. coloca a cargo recorrente, não pode conhecer-se de uma impugnação da decisão de facto em que não se especifique qual a decisão pretendida, aquela que deverá ser proferida sobre o factualismo impugnado ([14]), caso em que resta aplicar a legal cominação, a da rejeição desta parcela recursória ([15]).

C) Da factualidade apurada

Na 1.ª instância foi considerada apurada ([16]) a seguinte materialidade de facto:

1. - Em causa está relação contratual de prestação de serviços de telecomunicações, estabelecida entre as partes.

2. - A A., com os contratos dos autos, facultou à R. serviços de comunicações eletrónicas, a que se reportam as faturas juntas ao processo.

3. - As partes firmaram acordo denominado “Global Connect Pack”, no âmbito do qual a A. entregou à R. os equipamentos que lhe permitiram aceder, além do mais, à internet mediante o pagamento da mensalidade acordada, como resulta das faturas juntas sob os n.ºs 6 a 9 – fls. 45 v.º a 53 ([17]) –, com reporte ao pagamento das mensalidades pelo serviço contratado, composto pelos diversos equipamentos, descritos em cada uma das referenciadas faturas.

B) Substância jurídica do recurso

Da verificação da prescrição

Na decisão recorrida expendeu-se assim:

«Diremos que dúvidas não restam que em causa está um contrato de prestação de serviços de telecomunicações, tendo aqui aplicação o regime previsto na Lei n.º 23/96 de 26/07, que visou criar no nosso ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais.

Inexistem duvidas de que a autora, com os contratos dos autos, facultou à ré serviços de comunicações electrónicas – que consubstancia um serviço público essencial, face ao estatuído no art. 1º n.º 1 al. d) do identificado diploma legal.

Igualmente se mostra pacífico, perante o contrato constante dos autos e as facturas peticionadas e que instruem a petição inicial, que o acordo que as partes firmaram se denomina “Global Connect Pack” no âmbito do qual a autora entregou à ré os equipamentos que lhe permitiram aceder, além do mais, à internet mediante o pagamento da mensalidade acordada, ressumando das facturas juntas sob os n.ºs 6 a 9 – fls. 45 v a 53 – que as mesmas se reportam ao pagamento das mensalidades pelo serviço contratado (…) composto pelos diversos equipamentos, descritos em cada uma das referenciadas facturas, e não referente ao pagamento de um especifico serviço de comunicação electrónica.

Assim, e sem embargo dos serviços prestados pela autora se subsumirem ao conceito de comunicação electrónica a verdade é que os valores peticionados nos autos não o são pela prestação dos serviços referidos, como atesta a descrição de cada uma das referidas facturas, mas sim pela disponibilização dos equipamentos aí mencionados, o que só por si afasta a aplicabilidade, a estas facturas, do regime previsto na Lei n.º 23/96 de 26/07, com a consequente aplicabilidade do prazo regra de 20 anos, previsto no art. 309º do Código Civil.

E o mesmo se diga, mutatis mutandis, relativamente aos valores titulados pela factura FT 80/0080961, junta sob o n.º 10, constante de fls. 53 v. e no valor total de € 4.44,98, não correspondendo este montante à prestação de qualquer serviço mas sim à penalização pelo incumprimento contratual.

Ante o exposto conclui-se, pois, pela não verificação da apontada prescrição.» (destaques aditados).

Discorda a Apelante, desde logo, da argumentação do Tribunal recorrido assente na distinção, no quadro da excecionada prescrição, à luz do disposto no art.º 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, de 26-07, entre faturação de «um específico serviço de comunicação electrónica» e faturação referente à «disponibilização dos equipamentos».

Ora, dispõe este normativo legal – que prevê um prazo especial (de curta duração) de prescrição de direitos de crédito, com intuitos protetivos da parte considerada tipicamente frágil ([18]) – que: «O direito ao recebimento do preço do serviço prestado prescreve no prazo de seis meses após a sua prestação.» (itálico aditado).

E, segundo o n.º 4 do mesmo art.º 10.º: «O prazo para a propositura da acção ou da injunção pelo prestador de serviços é de seis meses, contados após a prestação do serviço ou do pagamento inicial, consoante os casos.».

Ora, quanto à distinção, operada na decisão recorrida entre, por um lado, preço/faturação de um determinado serviço de comunicação eletrónica e, por outro, preço/faturação referente à disponibilização dos equipamentos usados pelo utente/cliente, fornecidos pelo prestador dos serviços, no âmbito dessa relação contratual, cabe dizer que a mesma parece não dever ter lugar, em termos de limitar o prazo protetivo de prescrição de curta duração à contrapartida pelo serviço de comunicação eletrónica (somente), deixando o preço/crédito pela disponibilização dos equipamentos sujeito ao prazo ordinário de prescrição, de 20 anos, a que alude o art.º 309.º do CCiv..

Com efeito, como defendido já nesta Relação:

«1. A Lei dos Serviços Públicos Essenciais (Lei nº 23/96 de 26/7) é aplicável à relação que se estabelece entre a concessionária do serviço de comunicações electrónicas e o utilizador de tais serviços.

2. A box é um elemento imprescindível para o serviço de televisão prestado pela concessionária, fazendo parte da rede de transmissão do seu sinal.» ([19]).

Quer dizer, neste âmbito protetivo do utente, não deve distinguir-se, para efeitos de prazo prescricional do crédito do prestador do serviço, entre preço/faturação do serviço de comunicação eletrónica, em si, e preço/faturação referente à disponibilização dos equipamentos usados pelo utente, mediante fornecimento pelo prestador do serviço, no âmbito da relação contratual, para obtenção de uma efetiva qualidade daquele serviço de comunicação eletrónica ([20]).

Assim, a razão protetiva vale, do mesmo modo, para ambas as situações, pelo que interpretação contrária reduziria injustificadamente aquele âmbito de proteção no seio da relação contratual e navegaria ao arrepio da intenção do legislador ([21]).

Nesta perspetiva interpretativa, a que se adere, ocorre prescrição, in casu, quanto às faturas juntas referentes a setembro e outubro de 2020, e fevereiro a maio de 2021, por, quanto a estes créditos, ter decorrido o prazo de prescrição aplicável de seis meses.

Por isso, nesta parte deve proceder o recurso, com revogação da decisão recorrida, por ocorrer extinção creditória por prescrição, com a consequente absolvição da R..

Não assim quanto às duas restantes faturas, uma com data de emissão de 11/06/2021 – a fatura n.º A/745106824 –, no montante de € 491,32, e outra com data de emissão de 24/06/2021 – a fatura n.º 80/0080961 –, no montante de € 4.044,98, por se referirem, diversamente, a penalização por incumprimento contratual (perfazendo um total de € 4.536,30).

Quer dizer, agora já não se trata do «preço do serviço prestado», a que alude a lei, nem (do preço) dos equipamentos necessários à cabal efetivação da prestação do serviço, no âmbito da relação contratual, que se quer vantajosa e profícua para ambas as partes, designadamente a parte considerada frágil (carecida da proteção legal).

Diversamente do preço (contrapartida pelo prestado), trata-se, então, de uma sanção por via de incumprimento contratual (uma penalização por inadimplemento). Se tal inadimplemento existe ou é imputado abusivamente, é questão que já transcende a matéria da prescrição, apenas relevando para o conhecimento de fundo.

À prescrição apenas interessa, pois, a natureza do crédito, no pressuposto de que exista.

Ora, uma sanção por via de incumprimento contratual em nada se prende já com o preço devido pelo serviço prestado, pelo que extravasa a previsão legal do dito art.º 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, como entendido na sentença, não sendo aplicável a tal crédito, pela sua natureza (que já não é de contraprestação pelo fornecimento do serviço), o curto prazo prescricional, mas o prazo ordinário da prescrição (o de vinte anos).

Como entendido no Ac. TRL de 07/06/2011 ([22]):

«I - O direito ao pagamento do preço pela prestação do serviço móvel de telefone, prescreve no prazo de seis meses (artigo 10º, nº 1, da Lei nº 23/96, de 26 de Julho), sendo essa prescrição de natureza liberatória ou extintiva;

II - Se, no concernente contrato, as partes estipularam uma cláusula de fidelização ao serviço, por certo período de tempo, a preterição dessa cláusula é susceptível de acarretar, para o utente, obrigação de indemnizar (artigo 798º do Código Civil);

III - Ao abrigo da autonomia da vontade é permitido às partes estipularem, por acordo, uma cláusula penal prevenindo a hipótese do incumprimento do vínculo de fidelização firmado (artigo 810º, nº 1, do Código Civil);

IV - O direito ao recebimento dessa indemnização (da quantia estipulada como cláusula penal) não está sujeita à prescrição de seis meses, referida em I-, mas antes ao prazo ordinário de prescrição de vinte anos (artigo 309º do Código Civil).».

Ora, é esta natureza indemnizatória/sancionatória – de penalização pelo incumprimento contratual – que afasta o correspondente crédito de um crédito pelo preço do serviço prestado ou dos equipamentos necessários a essa prestação (mera contrapartida contratual, de âmbito sinalagmático, e não sancionatório/indemnizatório, sujeito por isso a um regime prescricional diverso) ([23]).

Em suma, só não ocorre prescrição, vista a diversa natureza do invocado crédito – sujeito por isso a diverso regime prescricional –, quanto às duas faturas aludidas, com data de emissão de 11/06/2021 – a fatura n.º A/745106824 –, no montante de € 491,32, e com data de emissão de 24/06/2021 – a fatura n.º 80/0080961 –, no montante de € 4.044,98, perfazendo um total de € 4.536,30.

Donde que deva a decisão recorrida ser alterada em conformidade, procedendo em parte a apelação.


***

IV – Concluindo:

(…).


***

V – Decisão

Pelo exposto, decide-se julgar em parte procedente a apelação e, em consequência, alterar a decisão recorrida nos seguintes termos:

a) Julga-se improcedente a deduzida exceção da prescrição quanto ao crédito referente às faturas aludidas n.º A/745106824, com data de emissão de 11/06/2021, no montante de € 491,32, e n.º 80/0080961, com data de emissão de 24/06/2021, no montante de € 4.044,98, perfazendo um total de € 4.536,30;

b) No mais, julga-se procedente tal exceção da prescrição, ao abrigo do disposto no art.º 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, de 26-07, com a consequente absolvição da R./Recorrente do pedido nessa parte.

Custas da apelação por R./Recorrente e A./Recorrida, na proporção do respetivo decaimento, dependente de simples cálculo aritmético (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.)..

II - Discordando do assim decidido – na parte em que improcedeu a exceção da prescrição –, vem a Apelante reclamar para a Conferência, ao abrigo do disposto no art.º 652.º, n.º 3, do NCPCiv., para que sobre a matéria da decisão singular proferida recaia acórdão deste Tribunal da Relação, concluindo, nesta ótica, pela recursiva prolação de distinto veredicto “quanto à questão da indemnização por incumprimento da obrigação de permanência/cláusula de fidelização”.

A contraparte nada veio dizer.

III - Apreciando

Não tem razão – salvo sempre o devido respeito – a parte Recorrente/Reclamante.

A qual vem oferecer as seguintes linhas de argumentação:

a) Não se trata de questão recursiva simples, termos em que não seria caso de prolação de decisão singular (não se verificariam os pressupostos do art.º 656.º do NCPCiv.);

b) Ocorrem divergências jurisprudenciais sobre a matéria da prescrição, devendo seguir-se entendimento oposto ao adotado na decisão reclamada, quanto ao aplicado prazo prescricional de vinte anos.

Vejamos, então.

1. - A parte começa por invocar questão formal, sem bulir, num primeiro momento, com a substância do objeto recursivo ou com a fundamentação da proferida decisão sumária.

Na verdade, concentra-se, desde logo, na opção do Relator no sentido de proferir – como proferiu – decisão sumária, em vez de elaborar projeto de acórdão para decisão colegial.

Admitirá – assim se crê – a Recorrente/Reclamante que o art.º 656.º do NCPCiv. permite a prolação de decisão sumária “quando o relator entender que a questão a decidir é simples” (destaque aditado).

E foi precisamente isso que o relator entendeu in casu, fazendo constar do cabeçalho da decisão sob reclamação que, «Ao abrigo do disposto no art.º 656.º do Código de Processo Civil (…), segue decisão sumária, face à simplicidade da questão a decidir.».

Mas será que se trata mesmo de questão simples (a objeto do recurso, quanto a direito substantivo)?

Tal questão – recorde-se, no plano que agora importa – era (apenas) a da exceção da prescrição creditória, nos termos seguintes: «(…) Se devia, ou não, em matéria de direito, proceder a deduzida exceção da prescrição do direito peticionado».

Ora, salvo o devido respeito, uma tal questão revestia-se de simplicidade, bastando interpretar e aplicar, no essencial, determinados normativos referentes à prescrição, de molde a discernir se o crédito, ou alguma parcela do mesmo, se mostrava prescrito, tendo em conta, designadamente, o prazo ordinário da prescrição (de 20 anos).

Para o efeito, foi necessário proceder a uma basilar clarificação: não dever distinguir-se, em matéria de «prazo prescricional do crédito do prestador do serviço, entre preço/faturação do serviço de comunicação eletrónica, em si, e preço/faturação referente à disponibilização dos equipamentos usados pelo utente, mediante fornecimento pelo prestador do serviço, no âmbito da relação contratual, para obtenção de uma efetiva qualidade daquele serviço de comunicação eletrónica».

Ora, o Ac. TRC de 24/09/2019, Proc. 106/19.2YRCBR (Rel. Fernando Monteiro), disponível em www.dgsi.pt, constituindo jurisprudência desta Relação que foi seguida nesta parte da decisão singular objeto de reclamação, foi subscrito, como adjunto, pelo aqui Exm.º 1.º Adjunto (Desembargador Carlos Moreira).

Isto é, na decisão singular seguiu-se jurisprudência desta Relação e jurisprudência defendida por um dos aqui Adjuntos, com a qual concorda o ora Relator.

Assim, tal vertente da questão concreta dos autos, neste âmbito recursivo, assumia-se como efetivamente simples, por o Relator ter entendido seguir a dita jurisprudência desta Relação e jurisprudência defendida por um dos aqui Adjuntos.

Ou seja, ainda que existisse outra jurisprudência em sentido diverso, tendo o aqui Relator entendido adotar aquela específica posição jurisprudencial desta Relação de Coimbra, já subscrita, aliás, por um dos aqui Exm.ºs Adjuntos, a questão decidenda tornava-se, neste particular, claramente simples.

No mais, é certo, como refere a Apelante/Reclamante, haver alguma divergência jurisprudencial, tendo o Relator seguido, de forma fundamentada, o entendimento que lhe pareceu, normativamente, mais correto.

Todavia, não constituindo a matéria suscitada da prescrição creditória questão complexa (em si, e como única questão de direito substantivo a demandar resposta), não era a necessidade de opção por uma das correntes jurisprudenciais – já bem definidas/sedimentadas nos seus contornos e fundamentos – que aportava complexidade ao caso decidindo.

Daí que, sem necessidade de outras considerações, seja justificada a opção pela prolação de decisão singular, perante o que a parte recorrente sempre poderia – como fez – reclamar para a Conferência, em nada, por isso, resultando diminuídas as suas garantias inerentes ao direito ao recurso.

Donde que não colha nesta parte, salvo sempre o devido respeito, a censura da Reclamante.

2. - Depois, vem invocada a existência da aludida divergência jurisprudencial, o que o Relator não deixou de ponderar no quadro da decisão singular proferida, mas o que, todavia, não impedia – nem impede – que, sendo a questão simples, o Relator tivesse uma posição formada sobre a matéria, a qual deixou devidamente fundamentada.

Pretende a Apelante o reexame da questão no âmbito da prolação de acórdão, com a intervenção, pois, dos Exm.ºs Desembargadores Adjuntos, no intuito de ver adotado, não o entendimento jurisprudencial em que se centrou o Relator, mas um entendimento jurisprudencial contrário.

Ora, procedendo a tal reexame, cabe dizer que este Coletivo de Desembargadores sufraga a posição decisória plasmada na decisão singular reclamada.

Com efeito, é inequívoco que as «duas restantes faturas, uma com data de emissão de 11/06/2021 – a fatura n.º A/745106824 –, no montante de € 491,32, e outra com data de emissão de 24/06/2021 – a fatura n.º 80/0080961 –, no montante de € 4.044,98», se referem «a penalização por incumprimento contratual (perfazendo um total de € 4.536,30)».

Por isso, aqui “já não se trata do «preço do serviço prestado», a que alude a lei, nem (do preço) dos equipamentos necessários à cabal efetivação da prestação do serviço, no âmbito da relação contratual, que se quer vantajosa e profícua para ambas as partes, designadamente a parte considerada frágil (carecida da proteção legal).

Diversamente do preço (contrapartida pelo prestado), trata-se, então, de uma sanção por via de incumprimento contratual (uma penalização por inadimplemento). Se tal inadimplemento existe ou é imputado abusivamente, é questão que já transcende a matéria da prescrição, apenas relevando para o conhecimento de fundo.

À prescrição apenas interessa, pois, a natureza do crédito, no pressuposto de que exista.

Ora, uma sanção por via de incumprimento contratual em nada se prende já com o preço devido pelo serviço prestado, pelo que extravasa a previsão legal do dito art.º 10.º, n.º 1, da Lei n.º 23/96, como entendido na sentença, não sendo aplicável a tal crédito, pela sua natureza (que já não é de contraprestação pelo fornecimento do serviço), o curto prazo prescricional, mas o prazo ordinário da prescrição (o de vinte anos).”.

Esta se nos afigura – como antes se afigurou ao Relator – a melhor jurisprudência, a que melhor se coaduna com os dados legais, na sua normatividade vinculante, perante os elementos relevantes do caso concreto e a adequada disciplina dos interesses ali refletidos, não podendo confundir-se ou assimilar-se, para o efeito em questão (prescrição), um crédito por incumprimento contratual (de natureza indemnizatória/sancionatória) com um crédito pelo preço devido pelo serviço prestado (mera prestação/contrapartida contratual).

A tal obsta, como mencionado, a diversa natureza dos créditos, a impor uma diversa solução normativa em termos de prazo prescricional.

Daí as legais consequências.

Em suma, remetidos os autos, na legal tramitação, à Conferência, importa acordar, na improcedência da reclamação in totum, na afirmação, sem qualquer alteração, da decisão singular em apreço, cujas conclusões são de subscrever.

(…)

V - Decisão

Termos em que se decide, em Conferência, indeferir a reclamação, mantendo, no seu preciso teor, a decisão sumária em apreço, com procedência em parte da apelação e decorrente alteração da decisão recorrida nos moldes ali expressos, aqui dados por integralmente reproduzidos.

Custas pela Reclamante/Apelante.

Coimbra, 26/09/2023

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Vítor Amaral (Relator)

Carlos Moreira (1.º Adjunto)

Luís Cravo (2.º Adjunto)


([1]) Que se deixam transcritas (com destaques retirados).
([2]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([3]) Cfr., por todos, o Ac. Rel. Lisboa, de 01/10/2013, Proc. 4638/08.0TCLRS.L1-7 (Rel. Maria do Rosário Morgado), em www.dgsi.pt. No mesmo sentido os Acs. do STJ, de 14/01/2010, Proc. 1885/04.7TBMTS.S1 (Cons. Alberto Sobrinho), da mesma data mas no Proc. 2299/05.7TBMGR.C1.S1 (Cons. Oliveira Vasconcelos) e de 25/03/2009, Proc. 09B0412 (Cons. Maria dos Prazeres Beleza), todos em www.dgsi.pt.
([4]) Aliás, os fundamentos da decisão apontam no sentido da inexistência de prescrição, o que está em sintonia com o dispositivo respetivo, onde se julgou pela não verificação da exceção de prescrição.

([5]) É, com efeito, pacífico o entendimento de que a fundamentação insuficiente ou deficiente da sentença não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, mas apenas a falta absoluta da respetiva fundamentação. Assim, a causa de nulidade referida na al.ª b) do n.º 1 do art.º 615.º do NCPCiv. (art.º 668.º do CPCiv. revogado) ocorre quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido ou uma exceção, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (cfr. art.º 208.º, n.º 1, CRPort., e art.º 158.º, n.º 1, do CPCiv. aplicável). Como refere, a este propósito, Teixeira de Sousa – cfr. Estudos sobre o Processo Civil, p. 221 –, “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”. Também Lebre de Freitas – cfr. Código de Processo Civil, p. 297 – esclarece que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”. Por sua vez, Alberto dos Reis já ensinava – cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 140 – que deve distinguir-se “a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”.

([6]) Cfr. Manual dos Recursos em Processo Civil, 9.ª ed., p. 57.
([7]) Vide Código de Processo Civil, Anotado, vol. V, p. 143.
([8]) Cfr. art.º 640.º do NCPCiv., bem como Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, ps. 126 e segs., e Recursos em Processo Civil, Novo Regime, 3.ª ed., Almedina, Coimbra, p. 153, e ainda, no mesmo sentido, Luís Correia de Mendonça e Henrique Antunes, Dos Recursos, Quid Juris, Lisboa, ps. 253 e segs.. Vide também Luís Filipe Brites Lameiras, Notas Práticas ao Regime dos Recursos em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2008, p. 80. No mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência do STJ, podendo ver-se, por todos, os Ac. desse Tribunal Superior de 04/05/2010, Proc. 1712/07.3TJLSB.L1.S1 (Cons. Paulo Sá), e de 23/02/2010, Proc. 1718/07.2TVLSB.L1.S1 (Cons. Fonseca Ramos), ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
([9]) Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., p. 115. 
([10]) Op. cit., p. 118, com itálico aditado. 
([11]) Op. cit., ps. 126 e seg., com negrito e itálico aditados. 
([12]) Cfr. op. cit., ps. 128 e seg..
([13]) Proc. 299/05.6TBMGD.P2.S1 (Cons. Tomé Gomes), disponível em www.dgsi.pt, com itálico e sublinhado aditados. 
([14]) Obviamente, não poderia o Tribunal de recurso remeter-se a uma posição – e a um incómodo papel – de procurar intuir, arriscando o erro, qual a decisão pretendida (pelos impugnantes) mas não esclarecida, quando está em causa/crise uma decisão judicial.

([15]) Como vem entendendo a jurisprudência dominante do STJ, “no âmbito do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto, não cabe despacho de convite ao aperfeiçoamento das respectivas alegações” – cfr. Ac. STJ de 09/02/2012, Proc. 1858/06.5TBMFR.L1.S1 (Cons. Abrantes Geraldes), disponível em www.dgsi.pt, com itálico aditado, bem como demais jurisprudência ali citada. No mesmo sentido, à luz do NCPCiv., cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., ps. 127 e seg..
([16]) Embora sem uma expressa demarcação factual, como tal.
([17]) Cfr. o que consta de fls. 71 a 75, 78 a 81 e 84 a 86 do processo físico de recurso em separado.
([18]) É patente a finalidade da Lei n.º 23/96, constando do respetivo preâmbulo que «Cria no ordenamento jurídico alguns mecanismos destinados a proteger o utente de serviços públicos essenciais», contando-se entre eles o «Serviço de comunicações electrónicas». Na verdade, resulta do respetivo art.º 1.º, n.º 1, que «A presente lei consagra regras a que deve obedecer a prestação de serviços públicos essenciais em ordem à protecção do utente», sendo o «Serviço de comunicações electrónicas» um dos «serviços públicos abrangidos» [como decorre do n.º 2, al.ª d)]. Já o n.º 4 do mesmo art.º 1.º reza assim (quanto à contraparte): «Considera-se prestador dos serviços abrangidos pela presente lei toda a entidade pública ou privada que preste ao utente qualquer dos serviços referidos no n.º 2, independentemente da sua natureza jurídica, do título a que o faça ou da existência ou não de contrato de concessão».
([19]) Assim, o sumário do Ac. TRC de 24/09/2019, Proc. 106/19.2YRCBR (Rel. Fernando Monteiro), disponível em www.dgsi.pt. Na fundamentação deste aresto refere-se que o serviço de comunicações eletrónicas «pode ser definido como o serviço oferecido em geral mediante remuneração, que consiste total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações eletrónicas, incluindo os serviços de telecomunicações (serviços de telefone fixo, telefone móvel, internet fixa, internet móvel e televisão por subscrição) e os serviços de transmissão em redes utilizadas para a radiodifusão». E, mais adiante, expende-se assim:
“Devemos considerar que a lei visou medidas adequadas para assegurar o equilíbrio das relações jurídicas que tenham por objeto serviços essenciais, medidas destinadas a proteger o utente de serviços públicos essenciais. // Daí que procure assegurar um bom funcionamento regular do serviço. // Para isso, a relação criada envolve mais do que a simples disponibilidade do fornecimento, implicando também o acesso a uma determinada rede, em processamento regular. // A prestação do serviço de comunicações electrónicas pressupõe a instalação prévia das redes de encaminhamento do sinal respetivo. // A box é um elemento imprescindível para o serviço de televisão prestado pela concessionária, fazendo parte da sua rede de transmissão do seu sinal. // A sua integração no serviço decorre também do previsto no art. 3º, alíneas dd) e ff) da Lei 5/2004, de 10.2 (dd) «Rede de comunicações electrónicas» os sistemas de transmissão e, se for o caso, os equipamentos de comutação ou encaminhamento e os demais recursos, nomeadamente elementos de rede que não se encontrem activos, que permitem o envio de sinais por cabo, meios radioeléctricos, meios ópticos, ou por outros meios electromagnéticos, incluindo as redes de satélites, as redes terrestres fixas (com comutação de circuitos ou de pacotes, incluindo a Internet) e móveis, os sistemas de cabos de electricidade, na medida em que sejam utilizados para a transmissão de sinais, as redes de radiodifusão sonora e televisiva e as redes de televisão por cabo, independentemente do tipo de informação transmitida; ff) «Serviço de comunicações electrónicas» o serviço oferecido em geral mediante remuneração, que consiste total ou principalmente no envio de sinais através de redes de comunicações electrónicas, incluindo os serviços de telecomunicações e os serviços de transmissão em redes utilizadas para a radiodifusão, sem prejuízo da exclusão referida nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 2.º).”.
([20]) Tais equipamentos constituem parte integrante do serviço de comunicações eletrónicas contratualizadas, com vista a assegurar o seu funcionamento – cfr. Ac. TRE de 01/03/2012, Proc. 383222/10.0YIPRT.E1 (Rel. José Lúcio), em www.dgsi.pt – ou a otimizar a sua qualidade.
([21]) Veja-se também, inter alia, o Ac. TRL de 27/01/2022, Proc. 67360/19.5YIPRT.L1-8 (Rel. Luís Correia de Mendonça), disponível em www.dgsi, em cujo sumário, defendendo interpretação abrangente (e não restritiva), pode ler-se: «I. Ao regular o regime dos chamados serviços públicos essenciais o legislador estabeleceu um regime específico de protecção dos utentes de alguns serviços que são essenciais para a vida, e para a participação e integração social. // II. O serviço de MEO TAXI é um serviço conexo contemplado no âmbito dos serviços de comunicações eletrónicas. // III. Não há razão para submeter a prestação de serviços conexos a um regime menos favorável ao consumidor final daquele que decorre dos serviços de comunicações eletrónicas propriamente ditos. // IV. O regime prescricional previsto para os créditos decorrentes da prestação de serviços de comunicações electrónicas aplica-se ao referido serviço.».
([22]) Proc. 2360/06.0YXLSB.L1-7, tendo como Relator Luís Lameiras (e Adjuntos Roque Nogueira e Abrantes Geraldes), disponível em www.dgsi.pt.
([23]) Neste sentido, cfr. também, entre diversos outros, o Ac. TRL de 15/02/2011, Proc. 3084/08.0YXLSB-A.L2-7 (Rel. Gouveia Barros), em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: «Não é aplicável à indemnização decorrente da violação da cláusula de fidelização estabelecida nos contratos de prestação de serviço telefónico, o prazo prescricional previsto no nº 1 do artigo 10º da Lei nº 23/96, mas antes o do artigo 309º do CC, porquanto não procedem quanto a tal crédito as razões que determinaram o legislador a encurtar o prazo de cobrança dos serviços telefónicos.». E na fundamentação deste aresto pode ainda ler-se: «(…) a referida lei apenas estabelece mecanismos destinados a conceder protecção ao utente de serviços públicos essenciais, “traduzida num regime que visa evitar a acumulação de dívidas de fácil contracção (cfr. acórdãos do STJ de 5/6/2003 e de 13/5/2004), obrigando os prestadores de serviços a manter uma organização que permita a cobrança em momento próximo do correspondente consumo” (citámos Ac. Uniformizador de 3/12/2009). // Mas se em tal justificação encontra arrimo a fixação de tão escasso prazo prescricional para o preço dos serviços prestados, por que haveria de estender-se tal prazo ao crédito emergente do incumprimento de outras obrigações assumidas no contrato, por qualquer dos outorgantes? (…) // Por conseguinte e tal como a recorrente refere e na esteira da jurisprudência que cita, a indemnização emerge de uma cláusula penal, fixada por acordo, ao abrigo e de harmonia com o disposto no artigo 810º do CC, sendo-lhe aplicável o prazo ordinário de prescrição fixado no artigo 309º do CCivil. // A nossa lei estabelece prazos de prescrição para os direitos emergentes da responsabilidade extracontratual (artigo 498º do CC), os quais, todavia, não são aplicáveis à responsabilidade civil contratual que se rege pelas regras gerais da prescrição (STJ, Ac. de 25/6/86, BMJ, 358º/570).».