Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
228/08.5SAGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ELISA SALES
Descritores: OFENSA À INTEGRIDADE FÍSICA
RETORSÃO
DISPENSA DE PENA
Data do Acordão: 05/11/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.ºS 143º, N.º 3, AL. B) E 74º, N.ºS 1 E 3, AMBOS DO C. PENAL
Sumário: No crime de ofensa à integridade física simples, a dispensa de pena prevista em caso de retorsão (cfr. art.º 143º, n.º 3, al. b), do C. Penal) só tem lugar se, no caso, se verificarem os requisitos contidos nas alíneas do n.º 1, do art.º 74º, do mesmo Código, nomeadamente, se o dano tiver sido reparado (al. b)).
Decisão Texto Integral: I - RELATÓRIO

No processo comum n.º 228/08.5 SAGRD do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Guarda, após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu julgar a acusação e o pedido de indemnização civil parcialmente procedentes e, em consequência:

a) absolver os arguidos JG..., MC... e AF... da prática de um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1, do Código Penal;

b) condenar a arguida IS... como autora material um crime de ofensa à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1 e n.º 3, al. b), do Código Penal, dispensando-a de pena;

c) condenar a demandada IS... a pagar à demandante NL..., a título de danos não patrimoniais, a quantia de 500,00€ (absolvendo-a do demais peticionado, absolvendo os demais demandados do pedido).


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O Ministério Público discordando da parte da sentença que decidiu dispensar de pena a arguida IS..., fora das situações legalmente admissíveis, interpôs o presente recurso, tendo extraído da motivação as seguintes conclusões:

1- A douta sentença recorrida condenou a arguida IS... como autora material de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. no art. 143°, n.º 1 do Código Penal e, considerando verificada a previsão do n.º 3, al. b), do mesmo artigo, dispensou a arguida da pena.

2- Porém, resulta dos autos que o dano decorrente da prática do crime de ofensas à integridade física pelo qual a arguida foi condenada não foi ainda repara­do.

3- A sentença condenou a arguida IS... a pagar à ofendida, a título de danos não patrimoniais a quantia de 500,00 Euros, o que mani­festamente revela que da prática dos factos pela arguida resultaram danos para a ofendida NL… e que os mesmos não foram ainda reparados.

4- Em nosso entender, ressalta do n.º 3, do art. 74°, do Código Penal que quando uma norma admitir, com carácter facultativo, a dispensa da pena, esta só tem lugar se no caso se verificarem os requisitos contidos nas alíneas do n.º 1, do mesmo artigo.

5- De entre os requisitos impostos pelo n.º 1, artigo 74°, do Código Penal, para a dispensa da pena, exige-se que o dano tenha sido reparado.

6- Não se verificando no caso em apreço a reparação do dano não é legal­mente admissível a dispensa da pena, admitida com carácter facultativo no art. 143º, n.º 3, do Código Penal.

7- A decisão recorrida ao dispensar da pena a arguida IS... violou ou interpretou de forma incorrecta o disposto no artigo 74°, n.º 1, al. b) e n.º 3, e 143°, n.º 3, todos do Código Penal.

8- A douta sentença recorrida deverá ser substituída por outra que condene a arguida IS... como autora material de um crime de ofensa à integridade física, p. e p. no art. 143°, do Código Penal, numa pena de multa, a qual poderá ser substituída pela pena de admoestação, nos termos do art. 60°, n.º 1, do Código Penal.

Nestes termos e nos demais de direito, deverá o presente recur­so ser julgado procedente e, em consequência, revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que condene a argui­da numa pena pela prática do crime de ofensa à integridade física previsto e punível no art. 143°, n.º 1, do Código Penal.


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A arguida não respondeu.

Nesta instância a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.

Os autos tiveram os vistos legais.


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II- FUNDAMENTAÇÃO

Da sentença recorrida consta o seguinte (por transcrição):

A) Factos Provados

Discutida a causa, com relevo para a decisão, o tribunal julga provados os seguintes factos:

1. No dia 29 de Maio de 2008, cerca das 10h30m, os arguidos encontravam-se na  …na Guarda, a carregar lenha de pinho para uma carrinha de caixa aberta com a matrícula … ;

2. Tal Quinta pertencia a uma pessoa, cuja identidade não foi possível apurar, que, na altura, a tinha entregado aos cuidados da assistente e dos seus familiares;

3. No momento em que a assistente chegou ao local, os arguidos tinham a carrinha já carregada de lenha por cima da altura dos taipais, encontrando-se o arguido JG...em cima da carroçaria da carrinha a receber e a arrumar a lenha que as arguidas lhe chegavam;

4. A assistente, ao passar pelo local, com as ovelhas que pastoreava, apercebeu-se de tal facto e perguntou aos arguidos se tinham autorização para o que andavam a fazer e que sem autorização não levavam a lenha dali;

5. Após uma breve troca de palavras, onde a arguida IS...afirmava que levavam a lenha, a assistente dirigiu-se a esta para impedir de continuar a carregar lenha para a carrinha, tendo empurrado esta, após o que se envolveu corporalmente com esta, deitando-lhe os óculos ao chão;

6. Encontrando-se ambas envolvidas corporalmente, as mesmas caíram ao chão e rebolaram no chão, tendo a arguida IS...desferido murros e pontapés na assistente, até ao momento em que as arguidas MC...e AF...se intrometeram no meio da contenda, tendo aquelas se separado uma da outra;

7. Em consequência da conduta da arguida IS..., a assistente dirigiu-se, na tarde do mesmo dia, ao Hospital Sousa Martins, na Guarda, onde foi assistida com apresentação de dores moderadas na cervical, nos ombros, na região frontal, no abdómen e nos membros inferiores, tendo tido alta no mesmo dia, com AF... ;

8. Tais lesões determinaram para a sua cura um período de 8 dias de doença, com afectação da capacidade de trabalho geral nos primeiros seis dias, sem quaisquer consequências permanentes;

9. Os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo a arguida IS...que o seu comportamento era proibido e punido criminalmente;

Mais se provou que:

10. A assistente sentiu dores;

11. A lenha carregada pelos arguidos era composta por galhos de pinheiros e gravetos que se encontravam caídos no chão;

12. Os arguidos, depois da reacção da assistente e da chegada da polícia ao local, descarregaram a lenha no local e foram-se embora;

13. O arguido JG...encontra-se actualmente preso, exercendo, antes de preso, a profissão de ajudante de motorista;

14. Vivia com a arguida MC…, sua companheira, que é doméstica, e com a filha AF...;

15. A arguida MC...tem recebido apoio da segurança social, auferindo rendimentos no valor de 418,00€ mensais;

16. As arguidas IS...e AF..., devido às graves necessidades educativas especiais, derivadas da deficiência intelectual de que são portadoras, frequentam a CERCIG, a primeira desde o ano lectivo de 1995/96 e a segunda desde o ano lectivo 2004/05;

17. Foram sujeitas a Junta Médica na Sub-Região de Saúde da Guarda, que lhes atestou uma deficiência orgânica, que lhes confere uma desvalorização de 60%;

18. Nasceram no seio de uma família disfuncional, com necessidades de apoio social permanente;

19. A arguida IS...completou na CERCIG o equivalente ao 4º ano de escolaridade, com curriculum alternativo;

20. Apenas sabe escrever o seu nome e lê palavras simples mas com dificuldade;

21. Sabe contar apenas até 39 e não sabe fazer cálculos;

22. Reconhece apenas os meses de Janeiro, Fevereiro, Junho e Julho;

23. As dificuldades da esfera cognitiva perduram desde o seu nascimento;

24. Encontra-se a viver com uma família de acolhimento;

25. Frequenta o centro de dia da CERCIG;

26. Padece de debilidade mental ou oligofrenia;

27. Consegue distinguir o bem do mal e consegue prever as consequências dos seus actos, determinando-se de acordo com essas apreciações;

28. No contexto da sua debilidade mental, tem alguma perturbação no controlo dos seus impulsos;

29. A arguida AF...sabe escrever o seu nome, mas não possui capacidade de leitura ou de interpretação;

30. Padece de debilidade mental ligeira, onerada num contexto familiar deficitário, que veio condicionar o seu ulterior desenvolvimento psico-social;

31. O apoio prestado pela CERCIG veio operar uma inflexão positiva no seu desenvolvimento integral e nas suas perspectivas de futuro apoiado;

32. Distingue o bem do mal, embora com controlo deficitário das suas emoções, sobretudo dos comportamentos impulsivos;

33. Os arguidos não têm antecedentes criminais.


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B) Factos não provados

Com relevo para a decisão da causa, não se provaram quaisquer outros factos, nomeadamente que:

1. O arguido JG… tivesse dito à assistente “isto é tudo nosso” e que, em acto contínuo, tivesse desferido um murro que atingiu a ofendida na cabeça, fazendo com que ela caísse ao solo;

2. No momento em que a ofendida caiu ao solo, os arguidos desferiram vários murros e pontapés que atingiram a ofendida nas pernas, braços e tronco;

3. As agressões só terminaram quando o arguido JG...disse “já chega, já está a sangrar”;

4. A assistente, com a actuação dos arguidos, tivesse sofrido uma ferida contusa na região médioparietal com 2 cm, uma equimose de 10x4 cm no primeiro terço da coxa da perna direita, duas equimoses arroxeadas e puniformes no primeiro terço externo da perna direita, uma equimose arroxeada de 2x2 cm na perna direita e duas equimoses puntiformes na parte interna da coxa da perna esquerda;

5. Os arguidos JG…, MC…  e AF...tivessem actuado com intenção de atingir o corpo e a saúde da ofendida, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei;

6. Os arguidos tivessem parado de agredir a assistente quando se aperceberam das marcas do sangue vertido por esta;

7. Os arguidos tivessem quebrado ainda um dente incisivo à assistente;

8. Os arguidos JG…, MC… e AF...tivessem causado à assistente lesões que foram causa directa e necessária de 8 dias de doença, seis deles com incapacidade para o trabalho;

9. A violência e o modo de actuação dos arguidos tivessem provocado na assistente preocupação, receio, inquietação e medo;

10. A assistente tivesse vivido momentos de angústia e de tristeza;

11. A perda de parte do dente afectou a sua imagem, fazendo-a sentir-se triste e envergonhada;

12. Em consequência da conduta dos arguidos, a ofendida perdeu um dos brincos que na altura trazia consigo, inutilizando o par, cujo valor se situa em 95,00€;

13. A assistente tivesse apelidado os arguidos de ladrões, filhos da puta, ao mesmo tempo que dizia isto aqui não é baldio;

14. O arguido JG...lhe tivesse perguntado se a lenha era dela, se queria que lha pagassem, ao que a mesma respondeu que não queria nada, mas que se fossem embora dali;

15. O arguido JG...tivesse chamado a polícia por telemóvel.


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C) Convicção do Tribunal

O tribunal fundamentou a sua convicção na globalidade da prova produzida em audiência, que, na ausência de testemunhas presenciais dos factos, impôs a ponderação dos depoimentos prestados pela assistente e pelos arguidos, tendo o tribunal considerado os mesmos na sua globalidade, para considerar mais coerentes, lógicos e racionais os prestados pelos arguidos, contrariamente à postura processual assumida pela assistente ao longo do processo (incoerências entre a queixa, a acusação e o pedido de indemnização) e em audiência, que revelou muitas incoerências e contradições.

Assim:

- Relevou o depoimento prestado pelo arguido JG…, o qual depôs de forma serena, coerente, lógica e credível, tendo confirmado ter-se deslocado ao referido local com as arguidas para apanharem lenha, onde já teria ido noutras ocasiões com autorização do dono da quinta; referiu que não cortaram pinheiros, tendo apenas apanhado lenha miúda que se encontrava no pinhal, que reclamava limpeza; referiu que se encontrava em cima da carrinha a arrumar a lenha que as arguidas lhe chegavam, quando surgiu a assistente, com o seu rebanho, munida de um pau, interrogando-os se aquilo era deles, se tinham autorização e que dali não levavam nada; referiu que a assistente empurrou a sua filha IS..., tendo-lhe dado com o pau, após o que se envolveram, tendo sido separadas pelas demais arguidas; referiu que permaneceu em cima da carrinha, que não se envolveu na contenda e que as arguidas MC...e AF...quiseram apenas afastar as contendoras; referiu que a polícia veio ao local, que descarregou a lenha e que se foram embora; negou que tivesse agredido a queixosa, bem como as arguidas MC...e AF…, tendo a arguida IS...reagido ao empurrão da queixosa;

- Relevou o depoimento da arguida MC…, que corroborou o depoimento do seu companheiro, o arguido, referindo que a queixosa veio com um pau e deu com ele na arguida IS..., após o que se “enrolaram”, tendo ela e a arguida AF...separado as contendoras; referiu que nem o arguido, nem ela ou arguida AF...bateram na queixosa;

- Relevou o depoimento prestado pela arguida IS..., que referiu que a queixosa lhe deu com o pau na cabeça, tendo-lhe deitado os óculos ao chão, após o que a empurrou, se envolveram corporalmente e rebolaram no chão, até serem separadas pelas demais arguidas; assegurou que o seu pai permaneceu afastado da contenda;

- Relevaram os depoimentos prestados pelas testemunhas JJ… e HH…, agentes da Polícia de Segurança Pública, os quais, embora sem terem presenciado a contenda, referiram que foram ao local, após solicitação, tendo visto a queixosa muito exaltada, que referia que tinha sido agredida pelas “arguidas”, tendo a arguida IS...referido que “também tinha sido agredida”; referiram que o arguido ainda tinha a lenha carregada na carrinha, mas que era lenha sem qualquer valor, composta por lenha “galhada”, que devia ter sido já levada antes, porque o pinhal se encontrava com falta de limpeza; referiram que o arguido descarregou a lenha no local e se foram embora; ambos referiram não ter visto lesões nas pessoas envolvidas;

- No episódio de urgência constante a fls. 15, que documenta as queixas apresentadas pela assistente, no mesmo dia da ocorrência dos factos, não documentando qualquer ferida na cabeça ou noutras partes do corpo, qualquer desinfecção ou tratamento realizado, tendo a queixosa tido alta com “AF...” – o que torna incompreensível o teor do relatório pericial efectuado a fls. 8 a 10 e 65 e 66 quanto às lesões alegadamente causadas pelos arguidos, tendo por base o mencionado episódio de urgência.

Os depoimentos prestados pelas testemunhas BC... e DP... relevaram apenas por terem tido intervenção no final dos acontecimentos, tendo chamado ao local a Polícia de Segurança Pública, após pedido da queixosa; referiram, em todo o caso, não terem presenciado as agressões, por terem decorrido ainda bastante longe do local onde se encontravam, e não terem visto quaisquer lesões. A testemunha BC... referiu, ainda, que a queixosa trazia com ela um “varapau”.

O depoimento prestado pela queixosa/assistente revelou-se cheio de contradições e incoerências, quer com os depoimentos prestados pelos arguidos, quer com o episódio de urgência e exame pericial efectuado, razão pela qual apenas lhe atribuímos relevância na parte em que o seu depoimento foi de encontro ao dos arguidos.

Os factos relativos às condições pessoais dos arguidos e à sua situação económica ficaram a dever-se às declarações prestadas pelos mesmos, bem como ao teor dos exames periciais efectuados e dos CRC juntos aos autos.

Os factos não provados ficaram a dever-se à ausência de elementos probatórios, em conformidade com a convicção supra exposta.


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APRECIANDO

O âmbito do recurso define-se pelas conclusões que os recorrentes extraem das respectivas motivações, de acordo com o estabelecido no art. 412º, n.º 1 do CPP, sem prejuízo, contudo, das questões de conhecimento oficioso.

No presente recurso apenas vem suscitada a questão dos pressupostos da dispensa da pena, concretamente, saber se, atento ao disposto no artigo 74º, n.º 1, al. b) do CP, é legalmente admissível dispensar de pena a arguida IS..., quando tendo sido condenada pela prática de um crime de ofensas à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1 do Código Penal e no pagamento de indemnização civil à demandante e ofendida, a título de danos não patrimoniais, mas tais danos não foram reparados.


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Como resulta da sentença recorrida, foi a arguida IS... condenada como autora material de um crime de ofensas à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1 do Código Penal, na pessoa da ofendida NL....

Porém, face à matéria dada como provada, entendeu o tribunal a quo que estamos perante uma situação de retorsão a que alude a alínea b) do n.º 3 deste preceito, porquanto ficou demonstrado que antes de a arguida agredir a ofendida (dando-lhe murros e pontapés), esta empurrou-a, após o que se envolveram corporalmente. Ou seja, a actuação da arguida veio na sequência da conduta da ofendida.

Com efeito, no que ao crime de ofensas à integridade física simples respeita, indica o n.º 3 do citado artigo 143º quais as situações em que ao tribunal é conferida a faculdade de dispensar o arguido de pena. São elas:

a) Tiver havido lesões recíprocas e se não tiver provado qual dos contendores agrediu primeiro; ou

 b) O agente tiver unicamente exercido retorsão sobre o agressor.

Ora, esta é uma das normas a que se refere o n.º 3 do artigo 74º do CP, nos termos da qual “Quando uma outra norma admitir, com carácter facultativo, a dispensa de pena, esta só tem lugar se no caso se verificarem os requisitos contidos nas alíneas do número 1.”.

E, os requisitos cumulativos previstos nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 74º são: que a ilicitude do facto e a culpa do agente sejam diminutas, o dano tenha sido reparado e à dispensa da pena se não oponham razões de prevenção.

Portanto, no crime de ofensas à integridade física a dispensa da pena, para além das circunstâncias referidas no artigo 143º, n.º 3, está dependente das condições previstas no artigo 74º, n.º 1 do CP.

Como mencionámos, um desses pressupostos é que o dano tenha sido reparado.

Como refere Figueiredo Dias ([1]) “de um ponto de vista político-criminal, a exigência de reparação efectiva liga-se substancialmente ao requisito (…) de que à dispensa da pena se não oponham exigências de prevenção”.

No caso vertente, a ofendida NL... deduziu pedido de indemnização civil contra a arguida (e, bem assim, contra os demais arguidos, que vieram a ser absolvidos), requerendo a sua condenação no pagamento de determinada importância a título de indemnização pelos danos não patrimoniais por si sofridos em consequência da agressão de que foi vítima.

O tribunal recorrido veio a fixar tal indemnização em 500,00€.

Acontece que não decorre dos autos que a arguida tenha reparado tais danos.

Sendo certo que os pressupostos de que depende a dispensa de pena devem estar verificados no momento da sentença ([2]), também o Mmº a quo não encontrou razões para crer que a reparação do dano estivesse em vias de se verificar, caso em que teria adiado a sentença, conforme o previsto no n.º 2 do artigo 74º do CP.

Deste modo, não se verificando o pressuposto legal da reparação dos danos que a arguida causou com a sua apurada conduta, não haveria lugar à dispensa de pena.


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Defendeu o recorrente que deverá a arguida ser condenada “numa pena de multa, a qual poderá ser substituída pela pena de admoestação, nos termos do art. 60°, n.º 1, do Código Penal”.

O crime de ofensa à integridade física tipificado no artigo 143º do Código Penal é portador de alguma maleabilidade da moldura penal – prisão de 30 dias a 3 anos ou pena de multa de 10 a 360 dias – permitindo que o juiz gradue a pena consoante a culpa e a gravidade objectiva do acto ilícito.

No caso vertente, e quanto à escolha da pena, tendo em conta os critérios definidos pelos artigos 70º e 40º, n.º 1 do CP, também se nos afigura que a pena de multa representa suficiente censura relativamente aos factos cometidos.

Todavia, contrariamente ao alegado pelo recorrente, também pelo facto de não ter havido reparação dos danos causados, nos termos do que dispõe o n.º 2 do artigo 60º do CP, não poderá ser aplicada a arguida a pena de admoestação.

No que respeita à determinação da medida concreta da pena de multa, há que fazer apelo aos critérios definidos pelos artigos 71º e 47º, n.º 1 do Código Penal, nos termos dos quais, tal medida será encontrada dentro da moldura penal abstractamente aplicável, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo ainda a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente.

Como refere Figueiredo Dias (Consequências Jurídicas do Crime, pág. 227 e seg) a propósito da questão da medida da pena, a finalidade da aplicação desta reside primordialmente na tutela dos bens jurídicos e, na medida do possível na reinserção do agente na comunidade. A determinação da medida da pena é, assim, a conjugação da expectativa da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida que se consubstancia com a ideia de prevenção geral positiva e as exigências derivadas da inserção social e reintegração do agente na comunidade.

Tal conjugação terá como parâmetro a culpa que constitui um limite máximo que não pode ser ultrapassado.

Face ao exposto e, à factualidade dada como provada nos pontos 16. a 28., afigura-se-nos que deve ser aplicada à arguida o limite mínimo da pena, ou seja, 10 dias de multa.

E, conforme o estabelecido no nº 2 do artigo 47º, em função da sua situação económica, fixa-se a taxa diária no mínimo de 5,00€.


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III- DECISÃO

Face ao exposto, acordam os juízes da secção criminal deste Tribunal da Relação em:

- Conceder provimento ao recurso e, em consequência:

a) revogar a sentença recorrida na parte em que dispensou de pena a arguida IS..., por não se verificar o requisito previsto na alínea b) do n.º 1 do artigo 74º do CP;

b) condenar a arguida IS..., pela prática do crime de ofensas à integridade física simples p. e p. pelo artigo 143º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 10 (dez) dias de multa, à taxa diária de 5,00€ , o que perfaz o montante total de 50,00€.

c) no mais, manter a sentença recorrida.

Sem tributação.

                                                                 *****                                                                            

Elisa Sales (Relatora)

Paulo Valério


[1] - in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pág. 319.
[2] - Maia Gonçalves, Código Penal Português anotado, 10ª ed. , pág. 286.