Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
504/19.1T8MGR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RUI MOURA
Descritores: COMPRA E VENDA
VÍCIOS DA COISA
VENDA POR INSTITUIÇÃO BANCÁRIA
CONSUMIDOR
Data do Acordão: 09/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA MARINHA GRANDE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 2.º, 3.º; 4.º, 5.º E 5.º-A, DO DL67/2003, DE 8/4
ARTIGOS 323.º, 2; 342.º, 2; 344.º, 1; 408.º; 487.º, 2; 763.º; 798.º; 799.º, 1 E 2; 837.º; 879.º, B); 913.º; 914.º E 916.º, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I - A venda, por uma instituição bancária, das oito fracções autónomas de edifício, destinadas à habitação, cuja propriedade lhe foi adjudicada, ainda por terminar, em processo de falência de um devedor – empresa dedicada à construção civil e colocação no mercado para venda das respectivas fracções -, e que depois a instituição bancária mandou concluir a outro construtor civil, deve considerar-se compreendida no seu objecto com a consequente aplicação do regime jurídico de defesa do consumido, em acção intentada pelo condomínio com vista a fazer reparar os defeitos existentes nas partes comuns.
II - A tais vendas, ocorridas antes da instalação do condomínio que teve lugar em 30-11-2015, deve aplicar-se o regime previsto no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08.04, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21.05, antes de vir a ser revogado pelo DL nº 84/21, de 18 de Outubro, e não exclusivamente, o regime geral da venda de coisa defeituosa, previsto no art. 913.º e seguintes do C.C..
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes na 2ª Secção Judicial do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - RELATÓRIO

i)-

Em 8 de Agosto de 2019 veio o CONDOMÍNIO DO PRÉDIO SITO NA Travessa ..., ..., representado pelo seu administrador AA, a notificar em apartado ...67, ... ..., intentar acção declarativa de condenação com processo comum demandando:
(1) Banco 1..., S.A., adiante designada por “Banco 1...”, com sede em Rua ..., ... ...,
(2) Banco 2..., S.A., adiante designada por “Banco 2...”, com sede em Rua ..., ... ...,
(3) A..., S.A., adiante designada por “A...”, com sede Rua ..., ... ...,
Pedindo que sejam as Rés condenadas a eliminar os defeitos referidos nos artigos 10º e documento n.º 8 detetados nas partes comuns do prédio identificado artigo 2º do presente articulado, concedendo-lhes prazo para o efeito, nunca superior a 30 dias.

Para o efeito alega:


Entre as Rés Banco 1..., A... e Banco 2... ocorreu fusão, ficando a Ré A... a gerir os ativos,
razão pela qual o autor demanda as três sociedades na presente ação.

A Ré Banco 1... foi a dona da obra/construtora/vendedora do edifício de habitação colectiva sito na Rua ..., Quinta ..., Loteamento ..., freguesia e concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo n.º ...35 e registado na Conservatória ... sob o n.º ...63, do qual solicitou o pedido de utilização e constituição de propriedade horizontal.

Tudo conforme demostram os docs. n.ºs 1, 1 A, 2, 3, 4, 5 e 6.

O Autor é o condomínio criado em tal prédio em 30/11/2015 – cifra doc. n.º 6 A -, pois as rés interpelaram condóminos no sentido de procederam à criação de condomínio, pois eram elas (as rés) que até aquela data (30/11/2015) que cuidavam de todo o prédio e em particular todas as partes comuns – cfr. doc. n.º 6, carta essa datada de 5/10/2015.

Data essa (Outubro/Novembro de 2015) que se deve considerar como entrega do imóvel de longa duração por parte do construtor/vendedor.

Os condóminos criaram o condomínio, o Autor, e por ata data de 12/12/2018 decidiram mandatar a administração para interpelar as Rés no sentido de reparar os defeitos/patologias existentes nas partes comuns do prédio, recorrendo à via judicial – cfr. acta como doc. n.º 7.

O Autor, na pessoa do seu administrador, procedeu à notificação das Rés (em 20/8/2018, expedida a 21/8/2018) no sentido de apresentar os defeitos/anomalias existentes nas partes comuns do prédio, afim de serem reparadas por elas - cifra docs. n.ºs 8, 9, 10, 11, 12 e 13.

Pois as partes comuns têm vários defeitos de construção.

Tendo o Autor enviado carta registada com aviso de receção a interpelar as Rés dos defeitos que existem, denunciando-se dessa forma, e concedendo prazo para os eliminar, carta essa cujo conteúdo aqui se reproduz para os devidos efeitos legais – cfr. carta como doc. n-º , com as inerentes fotos.
10º
Tais defeitos nas partes comuns identificam-se por:
“- fissuras nas paredes (foto 1 à foto 6;
- infiltração de água, anchas, zonas com humidade, telas levantadas, remates de telhas incompletos e varandas com os tectos a descolar reboco (foto 7 à foto 12;
- pintura a degradar-se em paredes, nomeadamente paredes com falta de tinta em
diversas zonas e maus acabamentos na pintura – foto 13 à foto 20;
- caixa de serviços essenciais sem fecho, ou com restos de cimentos e entulho de obra, sistemas de segurança inoperacionais, portões individuais a danificar conduta geral de saneamento, janelas e vãos de escadas que não abrem e falta a grelha de ventilação que não foram instaladas – foto 21 à foto 28.”
11º
Ou seja, perante tais problemas, o Autor interpelou as Rés no sentido de estas efetuarem as necessárias reparações dos defeitos.
12º
Contudo, a Ré não procedeu à reparação dos defeitos e nada disse ao Autor.
13º
Pelo que, há que reparar os defeitos enunciados no artigo 10º supra.
14º
O Autor diligenciou por solicitar orçamento e o valor da reparação foi orçado em 41.453,00€, valor sem IVA – cfr. anexo 16 da acta junta como doc. n.º 7.
15º
Tais defeitos estão visíveis, sendo certo que tais defeitos são provenientes de má execução da obra e/ou deficiente execução da mesma.
16º
Por outro lado, verificam-se, de dia para dia, no interior e exterior do prédio, um número muito superior de defeitos do mesmo género que se têm vindo a agravar.
17º
As Rés têm conhecimento destes problemas, tendo sido interpeladas para procederem à sua reparação integral.
18º
No entanto as Rés nada fizeram.
19º
A Ré é responsável pela eliminação dos defeitos existentes nas partes comuns do edifício dada a garantia do mesmo (imóvel de longa duração), nos termos, nomeadamente e entre outros, dos artigos 879º e ss, 913º e ss e 1207º e ss, todos do C. Civil.
20º
O prédio foi edificado pelas rés, pelo que são proprietárias, donas da obra e vendedoras da mesma,
21º
sob suas expensas e com a finalidade de o vender, e, assim, obter lucro.
22º
Tal como prevê o Acórdão do STJ, de 29/11/2011, processo n.º 121/07.TBALM.L1.S1, 1ª Seção – cfr. em www.dgsi.pt:
“I - A contagem do prazo de 5 anos para denúncia dos defeitos de edifícios ou outros imóveis destinados por sua natureza a longa duração, previsto no art. 1225.º, n.º 1, do CC, inicia-se no momento da entrega do prédio por parte do construtor/vendedor.
II - Tal entrega considera-se feita no momento em que o vendedor entrega o prédio à assembleia de condóminos, ou seja, no momento a partir do qual o vendedor deixa de ter poder para determinar ou influir sobre o curso das decisões dos condóminos constituídos em assembleia de interesses autónomos e identificados com os interesses comuns.
III - Este momento – da cisão do vendedor do prédio vendido – pode coincidir, ou não, com a constituição da assembleia de condóminos, sendo que, se quando esta for constituída o prédio estiver entregue, será a partir deste momento que se passará a contar o prazo de 5 anos, se o prédio não estiver concluído e não estando em condições de ser entregue à assembleia de condóminos para que esta possa exercer todos os direitos de fiscalização sobre as partes comuns, o dies a quo a partir do qual deve ser contado o inicio do prazo dos 5 anos deverá ser a partir da entrega do prédio para uma entidade/administração distanciada do vendedor e com plena autonomia para denunciar os eventuais defeitos existentes na obra.
IV - O legislador, no caso de imóveis destinados a longa duração, pôs à disposição do dono da obra e do terceiro adquirente: um prazo de 5 anos, durante o qual, se forem descobertos defeitos, os pode denunciar (prazo de garantia supletivo), e outro prazo de 1 ano, a partir do seu conhecimento, para os denunciar, o que valerá por dizer que o dono da obra tem um prazo – de 5 anos – em que se ocorrer a descoberta de um defeito o pode denunciar, mas que exaurido esse prazo, e não tendo operado qualquer denúncia, queda peado o direito à denúncia de defeitos.
V - O dono da obra ou o terceiro adquirente, para fazer valer com êxito uma pretensão para reparação de defeitos detectados numa obra de longa duração, terá de: 1) denunciar os defeitos no prazo de garantia da obra, ou seja 5 anos após a entrega da mesma; b) propor a acção, caso o empreiteiro ou vendedor do imóvel não aceitem proceder à reparação dos defeitos, no prazo de 1 ano a partir do momento em que efectuou a denúncia.
VI - De harmonia com as regras do ónus probatório (arts. 342.º e segs. do CC), será ao empreiteiro ou vendedor que, pretendendo fazer extinguir o direito do dono da obra à eliminação de alegados defeitos, cabe arguir e provar que o direito foi exercitado para além dos prazos supra indicados.
VII - O legislador não violou o princípio da proporcionalidade, um dos desdobramentos que conferem densidade pratica e material ao princípio da igualdade contido no art. 2.º da CRP, na fixação do prazo previsto no n.º 2 do art. 1225.º do CC – dentro do qual o comprador de imóvel de longa duração pode, decorridos os 5 anos de garantia, intentar acção contra o empreiteiro/vendedor para que este proceda à eliminação dos defeitos denunciados dentro do mencionado prazo –, dado que o exigem razões e critérios de diferenciação das respectivas posições, nomeadamente de índole económica, e compatibilização das exigências de conformidade do produto vendido com as regras de boa fé e confiança, sabendo-se que, tratando-se de produtos duráveis e duradouros, os defeitos podem não emergir em curtos lapsos de tempo, mas tão só ao fim de uma utilização continuada e da incidência de factores naturais sobre a estrutura construída, materiais usados e modo de aplicação”
23º
O Autor como administrador do condomínio e representante dos condóminos, que adquiriram o prédio por frações para nelas habitar e, à data, a mesma sofre nas partes comuns de notórios vícios que a desvalorizam e impedem nas partes comuns a realização, as qualidades, do fim a que se destina.
24º
O Autor face ao acórdão supra, está e prazo e tem direito ao que pede na presente demanda.
25º
Pelo que, as Rés são responsáveis perante o Autor em proceder à eliminação de todos os defeitos nas partes comuns do edifício e acima identificados.
25º
De fato, as partes comuns estão com patologias/defeitos sérios, que põe em causa a habitabilidade do prédio e dos condóminos que habitam nas suas frações, o que é notório.
26º
Pelo que, devem as Rés, enquanto responsáveis pela eliminação dos defeitos existentes nas partes comuns, repará-los, nos termos, nomeadamente e entre  outros, no disposto nos artigos 879º e ss e 913º e ss e 1.207º e ss, todos do C. Civil, pois estão em garantia.
Juntou documentos e procuração.

ii)-

A Ré Banco 2..., SA, invocou a incorporação da Ré Banco 1..., SA na Ré Banco 2..., em 27/12/2017, requerendo a actualização dos autos, sem necessidade de prévio incidente de habilitação. Contestou a acção, invocando excepção peremptória impeditiva da caducidade do
direito de acção, alegando que para além da denúncia dos defeitos em Agosto de 2018 e a instauração da acção decorreu, existe ainda o prazo de um ano para exercer o direito de denúncia, e que esse prazo não se encontra cumprido. Mais impugna que o Banco Réu seja o dono da obra e construtor do edifício sobre o qual está constituído o condomínio Autor, alegando que o imóvel não foi construído pelo Banco Réu, o qual é apenas vendedor, não assumindo a qualidade de empreiteiro, nem de dono da obra. Mais alega inexistir quaisquer defeitos aquando a recepção do prédio ao empreiteiro. Alega ainda que o prédio foi edificado pela Sociedade B..., Lda, de quem, no decurso do processo de insolvência vieram a ser adjudicados ao Banco 1..., em Julho de 2008 os imóveis hipotecados em garantia do crédito reclamado. Mais alega que em 2009 foi celebrado entre o Banco 1... e a sociedade C... Lda, um contrato de empreitada para conclusão da obra, obra fiscalizada pela sociedade D..., Lda, decorrente do contrato de prestação de serviços de fiscalização celebrado entre aquela sociedade e o Banco 1.... Mais alega que também a sociedade C..., Lda entretanto foi declarada insolvente, tendo os trabalhos contratados com a referida sociedade como objecto “pequenos trabalhos para acabamento do prédio”. Conclui alegando que os defeitos invocados não são defeitos ou vícios de construção, mas sim falta ou deficiente manutenção realizada pelo Autor condomínio, defeitos provocados pela deterioração normal do prédio, como consequência da falta de manutenção e conservação de ausência de medidas correctivas.
Juntou documentos e procuração.

*
A Ré A..., SA arguiu a ilegimitidade passiva, alegando que a Ré não se encontra a gerir quaisquer activos atinentes ao prédio objecto do litígio, alegando que todas as fracções, como as partes comuns, foram alienadas. Mais alega que a Ré A... como sociedade gestora de fundos de investimento mobiliário não tem personalidade jurídica, tratando-se de um património autónomo com afectação especial, tendo a Ré dissolvido e liquidado o fundo Popular Arrendamento – Fundo de Investimento Fechado para Arrendamento em 21/2/2017. No mais impugnou a matéria vertida na PI, negando ter edificado ou sido dona da obra pugnando pela improcedência do pedido.
Juntou documentos e procuração.

*
No exercício do contraditório, o Autor alegou ter interpelado a Ré para reparar os defeitos, tendo a acção dado entrada em 9/8/2019, com pedido de citação urgente das rés, que foram citadas em 19/8/2019, tendo a acção dado entrada antes de decorrido um ano e dentro dos cinco anos de garantia do imóvel.

iii)-

Por despacho foi julgada a desistência do pedido contra as Rés Banco 1... e A... procedente.

*
A acção passou a seguir apenas contra Banco 2..., S.A..

*
Saneou-se o processo.
Foi fixado o valor da causa, fixado o objecto do litígio e identificados os temas da prova.
Foi ordenada a realização de perícia aos danos invocados pelo Autor no prédio sobre o qual está constituído o condomínio.

O relatório e conclusões da perícia singular fazem fls. 160 a 178.

iv)-

Realizou-se audiência final com gravação dos trabalhos.

Produziu-se douta sentença – ref. citius 99098762, em 25-04-2022.

*

Nela dão-se como provados os seguintes factos:

1. Em 27 de Dezembro de 2017 operou-se a incorporação do Banco 1... SA (sociedade incorporada) no Banco 2..., SA, (sociedade incorporante);
2. Em data não concretamente apurada, as fracções “A” e “G” pertenceram ao Fundo Popular Arrendamento, administradas pela A... SA;
3. O Fundo Popular Arrendamento – Fundo de Imobiliário Fechado para Arrendamento Popular foi dissolvido e liquidado em 21/2/2017;
4. Por requerimento apresentado em 20/8/2011, Banco 1..., SA, na qualidade de proprietário do edifício sito na Rua ..., Quinta ... (Loteamento ...), freguesia e concelho ..., inscrito na matriz sob o artigo ...35 e registado na Conservatória ... sob o n.º ...63, pediu autorização de utilização de edifício e pedido de certidão para constituição da propriedade horizontal;
5. Em 9 de Dezembro de 2011 foi certificado por arquitecto do Município ... que o prédio identificado em 4. foi licenciado e reúne as condições para ser submetido ao regime da propriedade horizontal;
6. Por escritura pública de 22 de Outubro de 2012, o Banco 1..., SA, como dono e legítimo possuidor de 5 lotes sitos na Rua ..., ... estabeleceu e constituiu em propriedade horizontal os referidos prédios, contando o n.º 39 da TRAVESSA ... 8 fracções independentes, identificadas da letra “A” à letra “H”;
7. Em 5 de Outubro de 2015 a A..., SA enviou ao proprietário da fracção “E” comunicação, onde se pode ler que a A... “vendeu a V.ª Exª., em 4/6/2014 a fracção autónoma designada letra “E” correspondente ao 2.º direito. Verificando que na presente data o imóvel continua a carecer de estrutura de organização de condomínio legalmente prevista, nomeadamente sem a correspondente constituição e respectiva nomeação de administração, vem informar V.ª Exª., que irá promover no espaço de 30 dias a contar da presente, pela denúncia de todos os contratos de fornecimento relacionados com as áreas (partes) comuns ainda em vigor nessa estrutura imobiliária, e que pelo motivo antes saliente ainda se encontram na nossa titularidade. Admitindo que esta decisão que sempre se pretendeu evitar possa provocar transtornos funcionais aos que residem no imóvel, permitimo-nos sugerir que sejam propulsionados desde já os meios necessários à constituição do Condomínio.”;
8. O Autor Condomínio do Prédio sito na Travessa ... encontra-se registado no Registo Nacional de Pessoas Colectivas desde 30/11/2015, sob o NIPC ...;
9. Pela Acta n.º 4, do dia 12 de Dezembro de 2018, no ponto 8 da ordem de trabalho foi deliberado, por unanimidade, após informada a assembleia da omissão de resposta por parte do Banco 2... que incorporou o Banco 1..., recorrer a processo judicial para responsabilizar o Banco pelas reparação
necessárias e urgentes nas partes comuns do edifício que tem vindo a aumentar desde o envio da carta;
10. No dia 20 de Agosto de 2018, por carta registada com AR, foi enviado escrito particular, com o assunto “apresentação de defeitos/anomalias nas partes comuns ao abrigo da Lei das Garantias (V.Ref.ª:IMOB/CII/500-2015/0273)” e onde se pode ler: “Na qualidade de administradores do condomínio (…) vimos por este meio solicitar a reparação de algumas anomalias que surgiram nas partes comuns do edifício (…), detectamos várias zonas de fissuras nas paredes (fotos 1 à foto 6), infiltrações de água, manchas, zonas com humidade, tela levantadas, remates de telhas incompletos e varandas com tectos a descolar reboco, nas partes comuns (foto 7 à foto 12), pintura a degradar-se em paredes, nomeadamente paredes com falta de tinta em diversas zonas das partes comuns, e ou maus acabamentos na pintura; (foto 13 à foto 20), caixas de serviços essenciais sem fecho, e ou com restos de cimento e entulho de obras, sistemas de segurança inoperacionais, portões individuais a danificar conduta geral de saneamento, janelas do vão de escadas que não abrem e falta de grelhas de ventilação que não foram instaladas (fotos 21 à 28)”;
11. Por escrito particular com o logotipo “...”, epigrafado “orçamento n.º ...”, datado de 7/12/2018 encontra-se proposta: a pintura geral exterior, interior caixa de escada e acesso a apartamentos, interior caixa de escada e acesso a garagens e ainda colocação de 6 fechaduras de quadros electricos e limpeza de aro e colocação de silicone na porta de entrada no R/C direito; pelo valor global de €47,349,19, com IVA a 6% e 23% incluído;
12. No prédio descrito em 4., foram identificadas as seguintes desconformidades nas partes comuns:
- Várias zonas nas paredes exteriores com fissuras e descasque de pintura, designadamente na zona da cobertura, incluindo caixa de escadas e nos três alçados do prédio, com origem na falta de qualidade do reboco e na pintura utilizada na construção;
- Infiltrações de água, manchas, zonas com humidade, designadamente no interior da caixa de escadas e na parte inferior das varandas, com origem nas telas descoladas na cobertura, assim como na fissuração existente nas paredes;
- Infiltrações de água, manchas, zonas com humidade nas varandas com origem na falta de qualidade do reboco e da pintura utilizada na construção;
- Telas de isolamento levantadas na zona da cobertura, designadamente na zona da cobertura da caixa das escadas, com origem na deficiente colagem;
- Remates de telhas incompletos, designadamente na zona de acesso à cobertura, junto à caixa de escadas, com origem em mau acabamento, quando deveria ter sido terminada em telha de acabamento;
- Varandas com os tectos a descolar o reboco no 3º andar, sendo visíveis as armaduras do ferro, com origem na falta de qualidade do reboco e da pintura utilizada na construção;
- Pintura a degradar-se em paredes, nomeadamente paredes com falta de tinta em diversas zonas das partes comuns, em paredes exteriores, com maus acabamentos na pintura, com origem na falta de qualidade do reboco e na pintura utilizada na construção;
- Pintura a degradar-se em paredes em zonas comuns interiores, com origem na má execução da pintura, sendo visível maus acabamentos, com tinta sobreposta sobre os aros da entrada do R/C direito e elevador da cave;
- Sistemas de segurança inoperacionais, designadamente duas caixas de areia na cave sem areia;
- Portões individuais que quando abrem tocam na rede geral de saneamento, danificando a conduta geral de saneamento, na cave;
- Janelas do vão de escadas que não abrem, designadamente 3 janelas a partir do r/c, com origem no acabamento de madeira colocado, que com a humidade aumentou de volume;
- Falta de uma grelha de ventilação no alçado tardoz, que aparenta nunca ter sido colocada;
- Escoamento deficiente nas zonas das palas das varandas na cobertura, o qual têm como origem uma eventual falha na conceção / construção, uma vez que deveria ser previsto um tubo de recolha de maior diâmetro;
13. Para a eliminação das deficiências apontadas serão necessários os seguintes trabalhos:
a) Pintura exterior da totalidade do edifício, com reparação prévia das zonas fissuradas e sem reboco;
b) Pintura interior da zona da caixa de escadas a partir do r/c, com tratamento prévio das zonas fissuradas e com infiltrações;
c) Remoção da tinta da parede nos aros das portas do r/c dto e elevador da cave;
d) Substituição das telas descoladas na zona da cobertura da caixa de escada;
e) Execução de remates em telha no telhado;
f) Colocação de fechos nas caixas dos quadros de serviços comuns;
g) Remoção de restos de cimento e entulho nos quadros de serviços comuns;
h) Colocação de areia nas caixas existentes na cave;
i) Colocação de limitador de abertura nos dois portões da cave que interferem com a rede de saneamento;
j) Remoção do acabamento em madeira junto às janelas na caixa de escadas (a partir do r/c);
k) Colocação de grelha em falta no alçado tardoz;
l) Colocação de tubo com maior diâmetro para escoamento das águas das palas das varandas na cobertura.
14. O imóvel foi edificado pela sociedade B..., Lda, a quem, em processo de insolvência n.º 4119/04.... o Banco 1... veio a adjudicar em Julho de 2008 os imóveis hipotecados em garantia do crédito reclamado;
15. Por acordo escrito outorgado em 21/12/2010, entre Banco 1... SA, primeiro outorgante e dono da obra e D..., Lda, segundo outorgante ou fiscalização foi outorgada ao segundo outorgante a fiscalização da empreitada de conclusão da urbanização designada por “blocos habitacionais e comerciais 1, 2, 3, 4 e 6, sita em Rua ... – ... – ...;
16. A sociedade C... foi declarada insolvente com declaração de encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente em 14/5/2013;
17. A má execução da pintura na moldura da porta do R/C dto e moldura do elevador na cave já era visível aquando a constituição do condomínio em 30/11/2015.

Nela dá-se como não provado o seguinte facto:

a) Que em 2009 tenha sido celebrado entre o Banco 1... e a sociedade C..., um contrato de empreitada para conclusão da obra.

Motivou-se a decisão sobre a matéria de facto.

*

Aplicado o direito aos factos provados, decidiu-se do mérito e a final deu-se a acção como totalmente procedente.
Em consequência condenou-se a Ré Banco 2..., SA a eliminar as desconformidades identificadas em 12. da matéria de facto julgada provada , devendo proceder à:
a) Pintura exterior da totalidade do edifício, com reparação prévia das zonas fissuradas e sem reboco;
b) Pintura interior da zona da caixa de escadas a partir do r/c, com tratamento prévio das zonas fissuradas e com infiltrações;
c) Remoção da tinta da parede nos aros das portas do r/c dto e elevador da cave;
d) Substituição das telas descoladas na zona da cobertura da caixa de escada;
e) Execução de remates em telha no telhado;
f) Colocação de fechos nas caixas dos quadros de serviços comuns;
g) Remoção de restos de cimento e entulho nos quadros de serviços comuns;
h) Colocação de areia nas caixas existentes na cave;
i) Colocação de limitador de abertura nos dois portões da cave que interferem com a rede de saneamento;
j) Remoção do acabamento em madeira junto às janelas na caixa de escadas (a partir do r/c) k) Colocação de grelha em falta no alçado tardoz;
l) Colocação de tubo com maior diâmetro para escoamento das águas das palas das varandas na cobertura;
tendo para o efeito o prazo máximo de 30 dias para iniciar as obras de reparação, termo inicial a partir do qual se contarão 60 dias para concluir os trabalhos de reparação;

As custas focaram pela Ré Banco 2..., SA..

v)-

Inconformada, recorre a Ré, recurso que foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.

Alega e conclui assim:

A. Vem o presente recurso interporto da decisão que julgou a acção totalmente procedente e, em consequência, condenou o Recorrente a eliminar as desconformidades contantes do ponto 12. da matéria de facto julgada provada, tendo, para o efeito, o prazo máximo de 30 dias para iniciar as obras de reparação, termo inicial a partir do qual se contarão 60 dias para concluir todos os trabalhos de reparação.
B. Da fundamentação gizada, resulta claramente que o Tribunal a quo aplicou o regime jurídico da compra e venda de bens de consumo, acrescido de uma evidente tutela para o Recorrido em virtude de considerá-lo um consumidor, por isso beneficiário do regime previsto no Decreto-Lei n.º 67/2003, de 8 de Abril.
C. Sucede que, no entender do Recorrente e salvo o devido respeito, esta distinção é inócua, porquanto, independentemente do regime legal aplicável, o prazo de denúncia dos defeitos – que é aquele que o Recorrido não respeitou relativamente a alguns dos defeitos alegados –, é sempre de 1 (um) ano após o conhecimento dos mesmos.
D. Distinção verdadeiramente relevante é a de saber se as patologias julgadas provadas eram detectáveis ab initio (desde o momento da constituição do Condomínio: 30.11.2015), portanto, patologias aparentes, ou se se tratavam, todas elas, de patologias ocultas (com excepção da desconformidade constante do ponto 17. da matéria de facto julgada provada).
E. O que surge absolutamente cristalino é que o Tribunal a quo acabou por lançar mão de dois pesos e de duas medidas para patologias da mesma ordem e natureza.
F. Um Condomínio medianamente diligente e sagaz, mesmo que se limite a exercer a sua actividade no âmbito de uma administração ordinária e básica, assim se entendendo como uma administração medida pela bitola do bonus pater familiae, tinha o dever de ter verificado:
(a) a existência de remates de telas incompletos (porquanto, se incompletos, nunca foram terminados);
(b) paredes com falta de tinta (porquanto, se com falta de tinta, nunca foram pintadas);
(c) pintura a degradar-se, “sendo visível maus acabamentos” (porquanto, se com maus acabamentos, os mesmos eram detectáveis desde o início);
(d) que os portões das garagens individuais tocam na rede geral de saneamento, danificando-a – seria certamente visível desde a constituição do Condomínio (30.11.2015) mediante uma vistoria perfunctória das zonas comuns, sem necessidade de especiais conhecimentos técnicos, até pela presumível utilização dos mesmos pelos condóminos desde antes daquela data;
(e) “a falta de grelha de ventilação no alçado tardoz, que aparenta nunca ter sido colocada” (pois se nunca foi colocada, seria detectável desde 30.11.2015);
(f) escoamentos deficientes nas zonas das palas das varandas na cobertura (igualmente detectável com as chuvas que se iniciaram pela altura em que o Condomínio foi constituído).
G. Todas estas patologias enquadram-se nos defeitos detectáveis ab initio, logo, defeitos notórios e patentes perante qualquer condómino que ali residisse e perante o próprio Condomínio que, nos termos da Lei Civil, tem o dever de administrar as zonas comuns dos prédios constituídos sob o regime da propriedade horizontal.
H. Bem sabemos que os defeitos que se evidenciaram dentro do prazo de 5 (cinco) anos após a entrega do prédio presumem-se existentes desde o início; o que não podemos olvidar é que, nesse lapso temporal, tem o interessado o prazo de 1 (um) ano para denunciar os vícios a partir do conhecimento dos mesmos.
I. É este prazo de denúncia que o Recorrente considera ter sido largamente ultrapassado, o que devia ter inviabilizado, pelo menos parcialmente, a procedência dos pedidos formulados contra o ora Recorrente.
J. O equilíbrio das relações contratuais impõe que o Condomínio minimamente diligente tome conhecimento imediato das patologias encontradas, tendo condições para fazê-lo, não deixando, como claramente sucedeu, para o termo dos cinco anos a respectiva denúncia, sob pena de entrarmos no domínio do abuso do direito.
K. Ora, não tendo o Recorrido denunciado as referidas patologias dentro do prazo
de 1 (um) ano seguinte à sua constituição, daí se retira um acto concludente de concordância expressa com a obra executada e entregue, bem como a intempestividade da denúncia, estando, nesta parte, esgotado o prazo de caducidade legalmente previsto.
L. O ponto fulcral do presente recurso é, portanto, este: seriam as patologias julgadas provadas no ponto 17. da matéria de facto as únicas visíveis e patentes desde 30.11.2015, ou muitas outras – as que elencámos supra – também eram necessariamente visíveis desde essa data e, por isso, sujeitas ao mesmo período de denúncia?
M. Neste âmbito, será útil convocar os números 1 e 2 do artigo 1219.º, do Código Civil, os quais prevêem que o empreiteiro não responde pelos defeitos conhecidos da obra, presumindo-se conhecidos os defeitos aparentes.
N. Do n.º 2 do artigo 5.º, do CPC, resulta que, além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz, no momento de elaborar a sentença, os factos instrumentais, os factos que sejam complemento ou concretização dos anteriormente alegados e os factos notórios.
O. Por sua vez, do n.º 4 do artigo 607.º, do CPC, resulta que o juiz deve analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais, devendo ainda compatibilizar toda a matéria de facto adquirida e extrair dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras da experiência.
P. Em suma, não podia o Tribunal a quo dar como provado que determinado tipo de patologias aparentes e, por isso, conhecidas do Recorrido, não foram denunciadas dentro do prazo de um ano após a constituição do Condomínio, e, relativamente a outro tipo de patologias, que a lógica impõe que se qualifiquem como igualmente aparentes e, portanto, conhecidas do Recorrido desde a data da sua constituição, que as mesmas apenas podiam ter sido conhecidas entre 20.08.2017 e 20.08.2018.
Q. Por fim, quanto à falta de manutenção das zonas comuns:
R. Um Condomínio minimamente diligente estava em perfeitas condições de tomar conhecimento de todas as patologias (intempestivamente) denunciadas no ano seguinte à sua constituição.
S. Do artigo 1436.º, alínea f), do Código Civil, resulta que é função do administrador realizar os actos conservatórios dos direitos relativos aos bens comuns.
T. Sucede que o Recorrido não logrou provar o cumprimento deste dever de conservação, não sendo despiciendo considerar que a falta de manutenção das zonas comuns do prédio potenciou a respectiva degradação e a ocorrência de algumas das patologias não aparentes ou ocultas.
U. E cabia claramente ao Recorrido fazer essa prova, nos termos do disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, porquanto essa matéria de excepção foi devidamente alegada pelo Recorrente.
V. De facto, qualquer dos regimes legais cuja aplicabilidade foi ponderada pelo Tribunal a quo, independentemente da natureza da tutela que consagram, assentam na ideia de que quem constrói um imóvel, ou quem o vende a consumidores, deve responder pelas desconformidades do imóvel em causa.
W. Contudo, nenhum material – como tintas, telas, rebocos e telhas –, por melhor que seja a sua qualidade, é imune ao desgaste provocado pelo decurso do tempo, sendo do mais elementar senso comum que qualquer pintura, telha, tela ou reboco acaba por se degradar se não for mantido ou substituído.
X. O que o Tribunal a quo validou com a Sentença recorrida foi a ideia de que o desgaste desse tipo de materiais, claramente provocado pelo decurso do tempo, pela utilização e pela omissão de actos de conservação e manutenção, é, ainda assim, atribuível à sua falta de qualidade ou a defeitos de construção – ideia que não parece ter qualquer respaldo na instrução da causa, à luz das mais básicas regras da experiência.
Normas violadas: artigos 334.º, 342.º, n.º 1, 1219.º, n.os 1 e 2, 1436.º, alínea f), todos do Código Civil; artigos 2.º, n.º 3, e 5.º-A, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 67/2009, de 8 de Abril; artigos 5.º, n.º 2, e 607.º, n.os 3 e 4, do CPC.

Pugna por ser a decisão recorrida revogada e substituída por outra que absolva o Recorrente relativamente aos pedidos formulados quanto às patologias relativamente às quais o prazo de denúncia claramente não foi cumprido e elencadas anteriormente.

*
Contra-motiva o Autor, referindo:

1ª De fato a douta decisão julgou, e bem, o seguinte: “Pelo exposto, ao abrigo das disposições legais supra citadas, decide este Tribunal julgar a acção totalmente procedente e em consequência: I. Condenar a Ré Banco 2..., SA a eliminar as desconformidades identificadas em 12. da matéria de facto julgada provada , devendo proceder à: a) Pintura exterior da totalidade do edifício, com reparação prévia das zonas fissuradas e sem reboco; b) Pintura interior da zona da caixa de escadas a partir do r/c, com tratamento prévio das zonas fissuradas e com infiltrações; c) Remoção da tinta da parede nos aros das portas do r/c dto e elevador da cave; d) Substituição das telas descoladas na zona da cobertura da caixa de escada; e) Execução de remates em telha no telhado; f) Colocação de fechos nas caixas dos quadros de serviços comuns; g) Remoção de restos de cimento e entulho nos quadros de serviços comuns; h) Colocação de areia nas caixas existentes na cave; i) Colocação de limitador de abertura nos dois portões da cave que interferem com a rede de saneamento; j) Remoção do acabamento em madeira junto às janelas na caixa de escadas (a partir do r/c) k) Colocação de grelha em falta no alçado tardoz; l) Colocação de tubo com maior diâmetro para escoamento das águas das palas das varandas na cobertura; tendo para o efeito o prazo máximo de 30 dias para iniciar as obras de reparação, termo inicial a partir do qual se contarão 60 dias para concluir os trabalhos de reparação;”
2ª Lendo o douto recurso, o mesmo não é mais do que uma “opinião” por parte do réu, sem provas, interpretando os fatos, documentos e depoimentos da forma que lhe convém, sem qualquer substrato da realidade dos fatos.
3ª Face aos fatos dados como provados, a decisão do Tribunal a quo não poderia ser de forma diversa.
4ª Os fatos foram dados como provados e o douto recurso não os põe em causa.
5ª E aplicação do direito, face aos fatos dados como provados é irrepreensível.
6ª O recorrido Condomínio alega e peticiona a reparação de várias desconformidades em zonas comuns do prédio – paredes exteriores, paredes interiores, instalações eléctricas e ainda cobertura.
7ª No que respeita ao regime invocado patente no artigo 1225.º do CC, constata-se no n.º 4 pela limitação da aplicação daquele regime legal apenas nas circunstâncias em que o vendedor do imóvel o tenha construído, modificado ou reparado.
8ª Ora, constata-se que a recorrente Banco parte legítima através da incorporação, por fusão do Banco 1..., vendedora do imóvel, não é uma sociedade cujo objecto social integre a empreitada de construção de blocos habitacionais: na relação de empreitada, a Ré é vendedor e “dono da obra”.
9ª Por essa razão, o regime da empreitada não tem aplicação nestes autos.
10ª Mas a inaplicabilidade do regime de empreitada não invalida o recurso ao regime da compra e venda de coisas defeituosas, previsto no artigo 913.º e ss do CC e no Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado pelo Decreto-lei n.º 84/2008, de 21 de Maio (Cfr. Ac. TRE de 17-01-2008, Processo n.º 2093/07- 2).
11ª Com efeito, sem prejuízo do recorrido ter invocado expressamente o regime legal previsto no artigo 1225.º do CC, o Tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, cfr. artigo 5.º, n.º 2 do CPC.
12ª Assim, e no que respeita à qualidade de consumidor, encontra-se já pacificado na jurisprudência que o condomínio de prédio exclusivamente para habitação, ou desde que uma das fracções seja destinada a uso privado é considerado como consumidor (cfr. artigos 1.º-A, n.º 1 e 1.º-B, al. a), b) e c) e 4.º, n.º 6 do Decreto-lei n.º 67/2003 e Ac. STJ de 10-12-2019, processo n.º 4288/16.7T8FNC.L1.S2, disponível em dgsi.pt), e em virtude dessa especial qualidade de consumidor, o Autor condomínio cumula a tutela concedida no regime de empreitada e compra e venda de coisas defeituosas, previsto no Código Civil, com o regime previsto no Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado pelo Decreto-lei n.º 84/2008, de 21 de Maio.
13ª Porquanto a relação substantiva formou-se ao abrigo do Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado pelo Decreto-lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, revogado pelo DL n.º 84/2021, de 18 de Outubro, não se aplicará o novo regime dos Direitos do Consumidor na Compra e Venda de Bens, Conteúdos e Serviços Digitais, cfr. artigo 12.º, n.º 1 do CC. O artigo 3.º. n.º 1, al. a) da Lei de Defesa do Consumidor, estabelece que o consumidor tem direito à qualidade dos bens e serviços, prescrevendo o artigo 4.º do mesmo diploma legal que os bens e serviços destinados ao consumo devem ser aptos a satisfazer os fins a que se destinam e a produzir os efeitos que se lhes atribuem, de acordo com a legislação em vigor e de modo adequado às legítimas expectativas do consumidor.
14ª Por outro lado, prescreve o artigo 2.º do Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado e republicado pelo Decreto-lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, que o vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o convencionado pelas partes, estabelecendo o n.º 2 uma presunção de desconformidade (Calvão da Silva, in “Venda de Bens de Consumo”, Almedina, 2010, p. 83).
15ª Deste modo, presume-se a desconformidade com o contrato nas situações em que (1) não sejam conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo; (2) não sejam adequados ao uso específico
para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado; (3) não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo; (4) não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e eventualmente às declarações públicas sobre as suas características.
16ª Como sublinha Calvão da Silva, sem prejuízo da tónica colocada pela norma nas “expectativas razoáveis do consumidor”, os critérios supra elencados traduzem regras legais de integração dos contratos de consumo e concretizam uma concepção objectiva de conformidade integrativa da noção subjectiva da conformidade do bem com o contrato, no seio do qual as “razoáveis expectativas” deverão ser aferidas à luz do consumidor médio, em confronto com a natureza do bem (idade, uso, fragilidade) e as declarações públicas sobre as suas características concretas (publicidade ou rotulagem) (Calvão da Silva, in “Venda de Bens de Consumo”, Almedina, 2010, p. 88).
17ª O momento relevante para aferir da falta de conformidade constitui a entrega da coisa pelo vendedor (artigo 3.º, n.º 1 do Decreto-lei n.º 67/2003), presumindo-se que as faltas de conformidade que se verifiquem dentro de um determinado prazo após a entrega, já existiam à data, sem prejuízo de apenas se manifestarem depois, podendo ler-se que as faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois a cinco anos a contar da entrega de coisa móvel corpórea ou coisa imóvel, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.
18ª No que respeita ao caso sub judice, o momento relevante para aferir da falta de conformidade e termo inicial do prazo de caducidade, deverá contar-se a partir da constituição da administração do condomínio (cfr. Ac. STJ de 10-12-2019, processo n.º 4288/16.7T8FNC.L1.S2, disponível em dgsi.pt).
19ª Nos termos do artigo 5.º, n.º 1 do citado diploma legal, o consumidor tem o prazo de cinco anos para exercer qualquer um dos direitos previstos no artigo 4.º, quando se trate de coisa imóvel.
20ª Nestes termos, em face da constituição do condomínio em 30/11/2015 (factos
julgados provados em 8.) à que concluir-se que o Autor condomínio tinha até 30 de Novembro de 2020 para exigir da Ré um dos “remédios” previstos naquela norma, desde que o exercício desse direito não seja “impossível ou constituir abuso de direito, nos termos gerais”, artigo 4.º, n.º 5 do citado diploma legal. Para além da previsão de um prazo de garantia de conformidade de 1 ano para coisas móveis e 5 anos para coisas imóveis, o regime legal assinalado prevê também prazos mais curtos de caducidade, para denúncia do defeito ao vendedor e para exigir o cumprimento judicialmente.
21ª Assim, prescreve o artigo 5.º-A, n.º 2 e n.º 3 que o consumidor tem o prazo de 2 meses em coisas móveis e de um ano, em coisa imóvel, para denunciar os defeitos ao vendedor, tendo após a denúncia o prazo de 1 ano, para coisas móveis e o prazo de 3 anos em coisas imóveis para exercer judicialmente o direito, sob pena de caducidade.
22ª A Ré reclama ainda a caducidade do direito de acção, alegando ter sido citada apenas em 20/8/2019. Ora, como se evidencia, o direito de acção não se encontra caduco, tendo o Autor condomínio dado entrada da acção dentro do primeiro ano após a denúncia, muito dentro do prazo concedido por lei de três anos.
23ª Ainda no que respeita ao prazo de denúncia ao vendedor da desconformidade,
no prazo de um ano, aqui importa igualmente conhecer a tipologia das desconformidades. Deste modo, quando seja reconhecida a existência de defeito, a mesma pode ter origem em três situações distintas: pode ser um erro inerente à coisa (erro de concepção), pode ser uma desconformidade com o contrato ou pode ainda constituir má execução (Pedro Romano Martinez, in “Cumprimento Defeituoso em especial na Compra e Venda e na Empreitada”, Coimbra, 1994, p. 185).
24ª No que ao caso concreto respeita, verificamos que a Ré não logrou provar que qualquer dos defeitos fosse visível no período anterior a um ano antes da comunicação dos defeitos realizada por carta - 20 de Agosto de 2018, ou seja, que os defeitos fossem conhecidos ou possíveis de ser conhecidos por um condomínio prudente antes de 20 de Agosto de 2017.
25ª Salienta-se ainda, não ser ostensivamente visível qualquer das desconformidades invocadas – com excepção das molduras do elevador da cave da porta do R/C dto mal pintadas - , em face dos locais reservados onde as mesmas se encontram: a caixa dos serviços comuns sem fecho e com restos de entulho e cimento, a caixa de areia, sem areia (não sendo a areia um bem valiosa que valha a pena furtar, conclui-se necessariamente nunca ter a mesma sido depositada na caixa), a interferência dos portões das garagens na rede de saneamento – patente após várias utilizações.
26ª Constata-se assim por defeitos de concepção e por defeitos provenientes pela utilização de materiais de qualidade inferior ou mal aplicados, já existentes à data da conclusão do prédio, ainda que só se tenham evidenciado com o passar do tempo, tendo a má aplicação e os materiais de reduzida qualidade como consequência a degradação dos componentes de forma mais rápida que o normal, considerando o normal a utilização de materiais adequados e aplicados com rigor.
27ª Por esse motivo e tendo em consideração o pedido, das desconformidades julgadas provadas apenas podiam ter sido conhecidas pelos condóminos no período compreendido entre 20 de Agosto de 2017 e 20 de Agosto de 2018 e que melhor se visualizam na douta sentença.
28ª Constata-se assim pela existência de desconformidades que foram denunciadas dentro do prazo, cujo direito de acção não se encontra caduco, dentro do período previsto por lei de garantia de bom funcionamento.
29ª No que respeita às desconformidades julgadas provadas em 17., constatamos em relação a estas à caducidade do direito de denúncia, tendo o condomínio o prazo de um ano, a contar da sua constituição, para as denunciar à Ré, o que não fez.
30ª O Autor Condomínio pede a condenação da Ré Banco 2... a reparar as desconformidades assinaladas, no prazo máximo de 30 dias.
31ª Nos termos do artigo 4.º, n.º 1 do citado diploma legal, o consumidor tem ao seu dispor quatro remédios, sem obrigação de respeito pela ordem em que se encontram enumerados: a reparação, a substituição, a redução do preço ou a resolução do contrato. Prescreve o n.º 2, do artigo 4.º que tratando-se de bem imóvel, a reparação deve ser realizada dentro de um prazo razoável, tendo em consideração a natureza do defeito. Tendo em consideração que alguns dos trabalhos de reparação terão de ser realizados no exterior, considera-se adequada a contratação e o início de obras de reparação no prazo máximo de 30 dias após o trânsito em julgado da sentença.
32ª Por outro lado, verificado que importa reparar as zonas fissuradas e sem reboco nas paredes exteriores e ainda proceder à sua pintura, tendo em consideração que para essas obras de reparação é necessário estar bom tempo, ou pelo menos não chover, verificado que não nos encontramos num país particularmente chuvoso, sendo extremamente improvável a existência de chuva por mais de 2 semanas consecutivas nesta região do país, entende-se adequado conceder o prazo máximo de 60 dias para concluir as obras, sem prejuízo de entendimento expresso de outro prazo com o Autor, a celebrar por escrito.
33ª Nesses termos, impõe-se concluir pela procedência da acção, impondo-se em consequência condenar a Ré na reparação das desconformidades discriminadas, através das obras de reparação já identificada, tornando a douta sentença proferida de forma irrepreensível.
34ª Pelo que a douta sentença não merece qualquer reparo, devendo ser mantida, o que se requer para os devidos efeitos legais.

vi)-

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II- ENQUADRAMENTO JURÍDICO

Pelas conclusões das alegações do recurso se afere e delimita o objecto e o âmbito do mesmo.

III – OBJECTO DO RECURSO

As questões que se colocam ao julgador na apelação têm a ver com saber quais os factos a considerar e com aquilatar do acerto da decisão de mérito.

IV- mérito do recurso

1ª questão

Não se recorre da decisão sobre a matéria de facto, não se cumprindo os ónus do artigo 640º do CPC.

Os factos a ter em conta são os já dados como provados no 1º grau, supra transcritos, para que se remete, que não cabe alterar oficiosamente nem padecem de contradição ou ambiguidade.

2ª questão

O Autor é o Condomínio do Prédio sito na Travessa ..., ..., ....
Tal prédio é constituído por oito fracções autónomas, destinadas à habitação, identificadas pelas letras “A” a “H”.
Foi constituído em propriedade horizontal por escritura pública de 22 de Outubro de 2012.
O imóvel integra uma urbanização maior. 
O imóvel foi edificado (mas não concluido) pela sociedade B..., Lda., a quem, em processo de insolvência com o n.º 4119/04.... o Banco 1... veio a adjudicar em Julho de 2008 os imóveis hipotecados em garantia do crédito reclamado; facto 14.
15. Por acordo escrito outorgado em 21/12/2010, entre Banco 1... SA, primeiro outorgante e dono da obra e D..., Lda, segundo outorgante foi outorgada ao segundo outorgante a fiscalização da empreitada de conclusão da urbanização designada por “blocos habitacionais e comerciais 1, 2, 3, 4 e 6, sita em Rua ... – ... – ...;
16. A sociedade C... foi declarada insolvente com declaração de encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente em 14/5/2013;

O Banco 1... SA mandou concluir o prédio, procedeu à venda ao consumidor final das fracções no ano de 2015 e passou a integrar o agora E..., por fusão, ocorrida a 27 de Dezembro de 2017.
 
O condomínio foi instadado a 30 de Novembro de 2015. Cfr. Artigo 4º da petição inicial.

O Banco 1... SA concedeu crédito bancário à B..., Lda., construtora civil da urbanização onde se encontra inserido o imóvel dos autos. Sobre o imóvel dos autos estava registada hipoteca a favor do banco mutuante. Mas a sociedade construtora foi declarada insolvente. No processo de insolvência o imóvel dos autos foi adjudicado ao Banco 1.... A obra não estava terminada. Este banco contratou outra empresa construtora para acabar a obra. Terminada a construção o Banco 1... vendeu ao consumidor final as fracções do prédio.
O Banco 1... integra hoje o Banco 2... SA, por fusão.

A presente acção corre apenas contra este último.

O Banco 2... SA não se dedica com carácter profissional e com escopo lucrativo à venda de imóveis, nem à sua construção por outrém (empreitada) para posterior venda ao público.
Na presente acção o Condomínio do prédio peticiona a condenação do Banco Réu na execução de obras para reparar os defeitos que o prédio apresenta nas partes comuns, alegadamente denunciados em tempo.
A relação jurídica da empreitada não vem apurada. Daí que, apesar de invocado, o regime do artigo 1225º do CC, foi postergado ao abrigo da máxima de que o tribunal não está obrigado, na escolha, interpretação e aplicação da lei, às alegações das partes.
Na sentença recorrida aplicou-se à situação dos autos o Decreto-Lei n.º 67/2003, de 08 de Abril, alterado pelo Decreto-Lei n.º 84/2008, de 21.05, antes de vir a ser revogado pelo DL nº 84/21, de 18 de Outubro, e não exclusivamente, o regime geral da venda de coisa defeituosa, previsto no art. 913.º e seguintes do C.C..
Considerou-se o Condomínio como consumidor final e a venda das fracções, vendas de bens de consumo.
Explicou-se: no que respeita à qualidade de consumidor, encontra-se já pacificado na jurisprudência que o condomínio de prédio exclusivamente para habitação, ou desde que uma das fracções seja destinada a uso privado é considerado como consumidor (cfr. artigos 1.º-A, n.º 1 e 1.º-B, al. a), b) e c) e 4.º, n.º 6 do Decreto-lei n.º 67/2003 e Ac. STJ de 10-12-2019, processo n.º 4288/16.7T8FNC.L1.S2, disponível em dgsi.pt).
Mas os bancos são instituições de crédito (alínea a) do artigo 3º do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro) e está legalmente consagrada como actividade profissional destes as “aquisições com vista ao reembolso de crédito concedido” (artigos 112º e 115º do Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro).
Os bancos, e o Banco Réu não é diferente dos demais, possuem carteiras de imóveis no seu activo, ou noutros veículos institucionais, por via do incumprimento, cuja alienação promovem profissionalmente. Sendo que quem compra tem, por via de regra, a qualidade de consumidores, caindo estes contratos no âmbito do regime jurídico de defesa do consumidor com as consequências jurídicas inerentes.
Daí que o enquadramento jus-conceptual efectuado no 1º grau esteja correcto.

Neste sentido já decidiu igualmente o TRE no Ac. de 17-01-2008, processo n.º 2093/07-2, e o TRP, no Ac. de 14-1-2020 (Relator José Igreja Matos), p. nº 15923/17.0T8PRT.P1, acessíveis no site da dgsi.net.  

Porquanto a relação substantiva formou-se – escreveu-se bem na sentença posta em crise – na vigência e ao abrigo do Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, alterado pelo Decreto-lei n.º 84/2008, de 21 de Maio, antes de ser revogado pelo DL n.º 84/2021, de 18 de Outubro.

*

O Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de Abril traspôs para a ordem jurídica lusa a Directiva n º 1999/44/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de Maio, que tem por objectivo a aproximação das disposições dos Estados membros da EU sobre certos aspectos da venda de bens de consumo e das garantias a ele relativas.
Esta transposição fez-se por diploma legal avulso, ficando a coincidir com outros regimes já existentes. Deixou-se intocado, por exemplo, o direito comum da compra e venda – o que é criticado por João Calvão da Silva, in Venda de Bens de Consumo, 3ª ed., Almedina, pág. 24.
O diploma transpôs um conjunto mínimo de regras equitativas para regular a compra e vende de bens de consumo. Os Estados podem ir mais além na legislação interna.
Cabe harmonizar, portanto, os simultâneos regimes que ao caso cabem.

*

O Autor demanda a Ré por cumprimento defeituoso do contrato de compra e venda devido a má execução da obra, que apresenta vícios vários, nas partes comuns, solicitando a reparação dos mesmos.
Dispõe o artigo 913º do C. Civil:
1. Se a coisa vendida sofrer de vício que a desvalorize ou impeça a realização do fim a que é destinada, ou não tiver as qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização daquele fim, observar-se-á, com as devidas adaptações, o prescrito na secção precedente, em tudo quanto não seja modificado pelas disposições dos artigos seguintes.
2. Quando do contrato não resulte o fim a que a coisa vendida se destina, atender-se-á à função normal das coisas da mesma categoria.

Ora, na execução da obrigação, o devedor deve respeitar escrupulosamente o contrato – artigos 408º e 763º do CC -, pela entrega da coisa – artigo 879º, b) do CC -  convencionada, não podendo o comprador ser constrangido a receber coisa diversa da devida  (artigo 837º).

O objecto a entregar deve ser a coisa prevista no contrato, conforme as estipulações e especificações das partes.
Se a coisa entregue não apresentar as características - qualidade, quantidade, categoria, tipo – supostas ou previstas pelas partes, dir-se-á em desconformidade com o contrato, e o comprador não obterá a satisfação esperada. Desconformidade, falta de conformidade ou não-conformidade que se manifestará, pois, pela comparação ente a coisa convencionada e a coisa oferecida ou posta à disposição do comprador, a poder recebê-la ( sem ou com reservas ) ou antes a exigir uma coisa com as qualidades esperadas, em exacto cumprimento do contrato, sob pena de a recusar. Cfr. João Calvão da Silva, in Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 4ª ed., Almedina, pág. 20.

A lei não se refere a vícios ocultos e vícios aparentes ou reconhecíveis, respondendo o vendedor ainda e também pelos segundos- João Calvão da Silva, in Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 4ª ed., Almedina, pág. 49.

A lei posterga a definição conceitual e privilegia a idoneidade do bem para a função a que se destina, ciente de que o importa é a aptidão da coisa, a utilidade que o adquirente dela espera.
Daí a noção funcional: vício que desvaloriza a coisa ou impede a realização do fim a que se destina; falta das qualidades asseguradas pelo vendedor ou necessárias para a realização do fim ¬a que a coisa se destina.
Nesta medida, diz-se defeituosa a coisa imprópria para o uso concreto a que é destinada contratualmente - função negocial concreta programada pelas partes - ou para a função normal coisas da mesma categoria ou tipo se do contrato não resulte fim a que se destina (art. 913°, nº 2). Mesma obra, pág. 42.

*
Vem provado que:
12. No prédio descrito em 4., foram identificadas as seguintes desconformidades nas partes comuns:
- Várias zonas nas paredes exteriores com fissuras e descasque de pintura, designadamente na zona da cobertura, incluindo caixa de escadas e nos três alçados do prédio, com origem na falta de qualidade do reboco e na pintura utilizada na construção;
- Infiltrações de água, manchas, zonas com humidade, designadamente no interior da caixa de escadas e na parte inferior das varandas, com origem nas telas descoladas na cobertura, assim como na fissuração existente nas paredes;
- Infiltrações de água, manchas, zonas com humidade nas varandas com origem na falta de qualidade do reboco e da pintura utilizada na construção;
- Telas de isolamento levantadas na zona da cobertura, designadamente na zona da cobertura da caixa das escadas, com origem na deficiente colagem;
- Remates de telhas incompletos, designadamente na zona de acesso à cobertura, junto à caixa de escadas, com origem em mau acabamento, quando deveria ter sido terminada em telha de acabamento;
- Varandas com os tetos a descolar o reboco no 3º andar, sendo visíveis as armaduras do ferro, com origem na falta de qualidade do reboco e da pintura utilizada na construção;
- Pintura a degradar-se em paredes, nomeadamente paredes com falta de tinta em diversas zonas das partes comuns, em paredes exteriores, com maus acabamentos na pintura, com origem na falta de qualidade do reboco e na pintura utilizada na construção;
- Pintura a degradar-se em paredes em zonas comuns interiores, com origem na má execução da pintura, sendo visível maus acabamentos, com tinta sobreposta sobre os aros da entrada do R/C direito e elevador da cave;
- Sistemas de segurança inoperacionais, designadamente duas caixas de areia na cave sem areia;
- Portões individuais que quando abrem tocam na rede geral de saneamento, danificando a conduta geral de saneamento, na cave;
- Janelas do vão de escadas que não abrem, designadamente 3 janelas a partir do r/c, com origem no acabamento de madeira colocado, que com a humidade aumentou de volume;
- Falta de uma grelha de ventilação no alçado tardoz, que aparenta nunca ter sido colocada;
- Escoamento deficiente nas zonas das palas das varandas na cobertura, o qual têm como origem uma eventual falha na conceção / construção, uma vez que deveria ser previsto um tubo de recolha de maior diâmetro;

Ora, dispõe o artigo 2º do Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de Abril:
(Conformidade com o contrato)
1 - O vendedor tem o dever de entregar ao consumidor bens que sejam conformes com o contrato de compra e venda.
2 - Presume-se que os bens de consumo não são conformes com o contrato se se verificar algum dos seguintes factos:
a) Não serem conformes com a descrição que deles é feita pelo vendedor ou não possuírem as qualidades do bem que o vendedor tenha apresentado ao consumidor como amostra ou modelo;
b) Não serem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destine e do qual tenha informado o vendedor quando celebrou o contrato e que o mesmo tenha aceitado;
c) Não serem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo;
d) Não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo e que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem e, eventualmente, às declarações públicas sobre as suas características concretas feitas pelo vendedor, pelo produtor ou pelo seu representante, nomeadamente na publicidade ou na rotulagem.
3 - Não se considera existir falta de conformidade, na acepção do presente artigo, se, no momento em que for celebrado o contrato, o consumidor tiver conhecimento dessa falta de conformidade ou não puder razoavelmente ignorá-la ou se esta decorrer dos materiais fornecidos pelo consumidor.
4 - A falta de conformidade resultante de má instalação do bem de consumo é equiparada a uma falta de conformidade do bem, quando a instalação fizer parte do contrato de compra e venda e tiver sido efectuada pelo vendedor, ou sob sua responsabilidade, ou quando o produto, que se prevê que seja instalado pelo consumidor, for instalado pelo consumidor e a má instalação se dever a incorrecções existentes nas instruções de montagem.

Ora, à falta de outros elementos, vale o disposto no artigo 2º, 1 e 2, b), c) e d) do referido dispositivo.

Assim, presume-se que os bens de consumo – no caso as partes comuns do imóvel do condomínio Autor, não são conformes com o contrato de compra e venda, se – não forem adequados ao uso específico para o qual o consumidor os destina; não forem adequados às utilizações habitualmente dadas aos bens do mesmo tipo e ainda se não apresentarem as qualidades e o desempenho habituais nos bens do mesmo tipo que o consumidor pode razoavelmente esperar, atendendo à natureza do bem (…).

Todos os pontos do nº 12 dos factos provados, face à previsão desta norma, constituem defeitos de qualidade ou de conformidade e levam a concluir que o Banco Réu não cumpriu em conformidade e com pontualidade com o contrato relativamente a cada um deles.

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Ensina o STJ no Ac. de 25 de Outubro de 2012 prolatado no processo nº 3362/05.TBVCT.G1.S1 Relator Exmo. Sr. Conselheiro Álvaro Rodrigues, acessível no site da dgsi.net, que:

Há, todavia, que distinguir atentamente a simples venda de coisa defeituosa, de outra figura mais ampla e, por isso, mais abrangente, que é a do cumprimento defeituoso da obrigação.
Acolhemo-nos à lição do saudoso e emérito civilista que foi o Prof. Antunes Varela, no seu douto Parecer, Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda (a excepção do contrato não cumprido), onde o mesmo escreveu:
«Há venda de coisa defeituosa sempre que no contrato de compra e venda, tendo por objecto a transmissão da propriedade de uma coisa, a coisa vendida sofrer dos vícios ou carecer das qualidades abrangida no art. 913,° do Código Civil, quer a coisa entregue corresponda, quer não, à prestação a que o vendedor se encontra vinculado.
O cumprimento defeituoso da obrigação verifica-se não apenas em relação à obrigação da entrega da coisa proveniente da compra e venda, mas quanto a toda e qualquer outra obrigação, proveniente de contrato ou qualquer outra fonte.
E apenas se dá quando a prestação realizada pelo devedor não corresponde, pela falta de qualidades ou requisitos dela, ao objecto da obrigação a que ele estava adstrito» [Antunes Varela, Cumprimento Imperfeito do Contrato de Compra e Venda (a excepção do contrato não cumprido), Parecer publicado na Col. Jur., ano XII (1987), T. 4, pg. 30]
O artº 799º do Código Civil, como diz A. Varela, coloca o cumprimento defeituoso da obrigação ao lado da falta de cumprimento, dentro da categoria geral da falta culposa de cumprimento a que genericamente se refere o artº 798º do mesmo Código.
Não logrando o devedor ilidir a presunção de culpa contida no nº 1 do artº 799º do Código Civil, verifica-se o concurso de todos os pressupostos ou requisitos da sua responsabilidade contratual, na qualidade de devedor adstrito à obrigação de cumprir, nos termos explícitos no texto do acórdão ora sumariado.

É que - O contrato de compra e venda é um contrato instantâneo – ou se cumpre bem ou se cumpre mal – e, por isso mesmo, o cumprimento defeituoso da obrigação de entregar a coisa – al. b ) do art. 879º do CCivil – é em si mesmo, se o defeito é da coisa, o cumprimento defeituoso ... do contrato. Cfr. STJ agora no Ac. de 7 de Maio de 2009 prolatado no processo nº 09B0057 Relator Exmo. Sr. Conselheiro Pires da Rosa, acessível no mesmo site da dgsi.net.

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Ensina o STJ agora no Ac. de 4 de Novembro de 2004 prolatado no processo nº 04B086 Relator Exmo. Sr. Conselheiro Noronha do Nascimento, acessível no mesmo web-site, que:

Nestes casos o comprador tem à sua disposição vias jurídicas diversas para tutelar o seu direito.
Pode, na verdade, lançar mão do regime da venda de coisa defeituosa anulando o contrato (ou reduzindo o preço a pagar em casos específicos) e sendo indemnizado em função daqueles referidos parâmetros restritivos.
Trata-se de um modelo legal que, na prática, não funciona como elemento protector dos interesses do credor por força dessa restrição que a lei impõe aos requisitos constitutivos do direito indemnizatório.
Pode o comprador lançar mão da resolução contratual por se tratar de um contrato bilateral incumprido pela contraparte (arts. 432 e segs.)
Os efeitos resolutivos reconduzem-se, de igual modo, aos da anulação (arts. 433 e 289); simplesmente o âmbito indemnizatório é aqui mais vasto porque é determinado pelo interesse contratual negativo (ou seja, em função dos danos que o credor não teria se não tivesse outorgado o contrato) sem as limitações legais que o regime específico de venda de coisa defeituosa impõe ao credor - comprador.
Pode o comprador seguir, ainda, uma terceira via: exigir o cumprimento do contrato tal como foi acordado (art. 817).
O cumprimento em espécie não existe como regra no nosso ordenamento jurídico. Exceptuados casos limitados de execução específica (arts. 827 e segs.) o mais frequente dos quais se reporta a contratos - promessa (art.830) o devedor faltoso não é obrigado depois a cumpri-lo em espécie, mas - sim - em sucedâneo.
A execução específica do contrato promessa corresponde a um verdadeiro cumprimento em espécie já que é a própria prestação prometida que vai ser outorgada nos precisos termos acordados por quem se substitui ao devedor, seguindo-se neste ponto uma solução próxima daquela que a lei consagra como regra para a responsabilidade extra - contratual (a reconstituição natural prevista no nº 1 do art. 566).
Mas, à parte estes casos, o cumprimento contratual peticionado pelo credor reconduz-se à fixação indemnizatória sucedânea quantificada em função do interesse contratual positivo. Porque o devedor não pode ser forçado a cumprir em espécie o contrato que outorgou, o seu sucedâneo reconduz-se à indemnização que vai abranger os danos causados pelo incumprimento e os lucros cessantes que o credor extrairia do contrato caso este fosse cumprido.
Pode o comprador seguir ainda uma derradeira via em alguns casos: invocar a excepção de não cumprimento para sobrestar ao seu próprio cumprimento enquanto a contraparte não cumprir (arts. 428 e segs.)
Aqui, não há nem destruição nem execução do contrato; retarda-se tão-só dilatoriamente o cumprimento contratual.

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Dispõe o artigo 914º do C. Civil:
O comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela; (…)

Por sua vez o Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de Abril no seu artigo 4º, 1 dispõe que em caso de falta de conformidade do bem com o contrato, o consumidor tem o direito a que esta seja reposta sem encargos, por meio de reparação ou de substituição, à redução adequada do preço ou à resolução do contrato – sem hierarquizar o elenco das possibilidades.

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O Autor peticiona a eliminação destas desconformidades.
Ficou apurado em 13 que:
Para a eliminação das deficiências apontadas serão necessários os seguintes trabalhos:
a) Pintura exterior da totalidade do edifício, com reparação prévia das zonas fissuradas e sem reboco;
b) Pintura interior da zona da caixa de escadas a partir do r/c, com tratamento prévio das zonas fissuradas e com infiltrações;
c) Remoção da tinta da parede nos aros das portas do r/c dto e elevador da cave;
d) Substituição das telas descoladas na zona da cobertura da caixa de escada;
e) Execução de remates em telha no telhado;
f) Colocação de fechos nas caixas dos quadros de serviços comuns;
g) Remoção de restos de cimento e entulho nos quadros de serviços comuns;
h) Colocação de areia nas caixas existentes na cave;
i) Colocação de limitador de abertura nos dois portões da cave que interferem com a rede de saneamento;
j) Remoção do acabamento em madeira junto às janelas na caixa de escadas (a partir do r/c);
k) Colocação de grelha em falta no alçado tardoz;
l) Colocação de tubo com maior diâmetro para escoamento das águas das palas das varandas na cobertura.

Dispõe o artigo 914º do C. Civil:
O comprador tem o direito de exigir do vendedor a reparação da coisa ou, se for necessário e esta tiver natureza fungível, a substituição dela; mas esta obrigação não existe, se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece.

O imóvel adquirido não tem natureza fungível.

O comprador tem o direito, no caso de compra de coisa defeituosa, a nomeadamente, exigir a reparação da coisa.
Mas a obrigação não existe, se o vendedor desconhecia sem culpa o vício ou a falta de qualidade de que a coisa padece.
João Calvão da Silva, in Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 4ª ed., Almedina, a pág. 58, ensina: esse desconhecimento tem de ser alegado e provado pelo próprio vendedor, visto tratar-se de facto impeditivo do direito contra si invocado pelo comprador – artigo 342º, 2 do CC – e estar obrigado a prestar a coisa isenta de vícios ou defeitos. Tb. fls. 59 a 64 verso.

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Dispõe o artigo 916º do C. Civil:
1 - O comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este houver usado de dolo.
2 – A denúncia será feita até 30 dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa.
3 – Os prazos referidos no nº anterior são, respectivamente, de um e de cinco anos, caso a coisa vendida seja um imóvel.

O nº 3 foi introduzido pelo artigo 3º do DL 267/94, de 25-10, o qual entrou em vigor a 1-1-1995, igualando os prazos previstos na Lei do Consumidor - Lei nº 24/96.
Assim, na compra e venda de imóveis, o comprador tem o ónus de denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa dentro de 5 anos após a sua entrega e até um ano depois de conhecida a desconformidade. Cfr. João Calvão da Silva, obra referida, pág. 79.

Vale o disposto no artigo 5º do Decreto-lei n.º 67/2003, de 8 de Abril, que dita:
(Prazo da garantia)
1 - O consumidor pode exercer os direitos previstos no artigo anterior quando a falta de conformidade se manifestar dentro de um prazo de dois ou de cinco anos a contar da entrega do bem, consoante se trate, respectivamente, de coisa móvel ou imóvel.

Este prazo é aquele dentro do qual o consumidor tem direito a reagir face a uma manifestação de falta de conformidade do bem.

Já no artigo 5º-A, (aditado pelo Decreto-lei n.º 84/2008, de 21 de Maio) se dispõe:
(Prazo para exercício de direitos)
1 - Os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam no termo de qualquer dos prazos referidos no artigo anterior e na ausência de denúncia da desconformidade pelo consumidor, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - Para exercer os seus direitos, o consumidor deve denunciar ao vendedor a falta de conformidade num prazo de dois meses, caso se trate de bem móvel, ou de um ano, se se tratar de bem imóvel, a contar da data em que a tenha detectado.
3 - Caso o consumidor tenha efectuado a denúncia da desconformidade, tratando-se de bem móvel, os direitos atribuídos ao consumidor nos termos do artigo 4.º caducam decorridos dois anos a contar da data da denúncia e, tratando-se de bem imóvel, no prazo de três anos a contar desta mesma data.
(…)

Aqui estão previstos dois prazos adicionais, cujo não cumprimento leva à perda do direito pelo consumidor. O primeiro prazo diz respeito à denúncia da falta de conformidade do bem com o contrato, caducando o direito do consumidor no caso de esta não ser feita  temprestivamente.
O segundo prazo, é um prazo de caducidade da acção.
Cfr. Manual do Direito do Consumo, por Jorge Morais Carvalho, 7ª ed., Almedina, pág. 346.

Idêntico o regime de prazo de garantia e de prazo para o exercício do direito, no regime da compra e venda e no regime da venda de bens de consumo.

Entrega da coisa quer dizer entrega material da coisa, com recepção efectiva da coisa pelo comprador.
Conhecer o defeito não é suspeitar do vício, mas ter a certeza efectiva do mesmo, ter o conhecimento suficiente do mesmo.
 
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A responsabilidade contratual é subjectiva, e pressupõe a verificação dos pressupostos da responsabilidade civil: facto, ilícitude, culpa, dano e nexo de causalidade.
Compete ao credor a alegação e prova dos elementos constitutivos da responsabilidade – artigos 798 e 342º do CC.

O devedor, na responsabilidade contratual, afasta a presunção de culpa que sobre ele recai, quando demonstra que o incumprimento da prestação não derivou de culpa sua, ou que o mesmo é devido a falta do credor, a falta de terceiro, ou a caso fortuito ou de força maior. Artigos 799º, 1 e 344º, 1, do CC.
O devedor tem que provar que esse incumprimento objectivo não derivou de culpa sua, que foi cauteloso e usou do devido zelo, em face das circunstâncias concretas do caso, tal como faria uma pessoa normalmente diligente, sob pena de não lograr ilidir a presunção de culpa que sobre ele impende – artigos 799º, 2 e  487º, 2 do CC. 

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Sabendo o quadro normativo e os conceitos que enformam as normas, estamos em condições de voltar ao nosso caso.

As fracções do prédio do Autor foram adquiridas ao Banco Réu.
Trata-se de um contrato tipificado no CC – artigos 847º e ss. Factos 1 a 6, 14 a 16.
O imóvel foi entregue ao Autor em 30 de Novembro de 2015, data em que se constituiu o condomínio. Nessa altura passou o Autor a fazer a gestão das partes comuns, o que até aí era feito pelo Banco Réu.

Apresenta nas partes comuns as desconformidades referidas no ponto 12 dos factos provados ( no que ora interessa ). 

Trata-se de vícios que desvalorizam o imóvel e traduzem a falta de qualidade para assegurar o fim a que o mesmo se destina.

O Banco Réu vendeu ao Autor coisa defeituosa – artigo 913º do CC.

Seguido o DL 67/2003, temos o seu artigo 3.º:
(Entrega do bem)
1 - O vendedor responde perante o consumidor por qualquer falta de conformidade que exista no momento em que o bem lhe é entregue.
2 - As faltas de conformidade que se manifestem num prazo de dois ou de cinco anos a contar da data de entrega de coisa móvel corpórea ou de coisa imóvel, respectivamente, presumem-se existentes já nessa data, salvo quando tal for incompatível com a natureza da coisa ou com as características da falta de conformidade.

O Autor participou ao Banco Réu a existência desses defeitos por carta registada com a/r datada de 20 de Agosto de 2018 – facto 10, portanto dentro de 5 anos após a sua entrega, ocorrida em 30 de Novembro de 2015 (prazo de garantia a que alude o artigo 5º do DL 67/2003).

O consumidor que pretende exercer um dos direitos previstos na lei não tem a seu cargo o ónus da prova da existência da falta de conformidade do bem com o contrato no momento da entrega da coisa. Apenas tem de provar que a falta de conformidade se manifestou dentro do prazo previsto – coisa imóvel – 5 anos. Cfr. Manual do Direito do Consumo, por Jorge Morais Carvalho, 7ª ed., Almedina, pág. 343.

E o desiderato da falta de conformidade, o Autor alegou e provou - ponto 12 dos factos provados.

O artigo 5º-A, 2 determina que para exercer os seus direitos o consumidor deve denunciar a falta de conformidade no prazo de um ano, se a coisa for imóvel, a contar da data em que a tenha detectado.

O prazo conta-se a partir da data em que o consumidor detecta a falta de conformidade. Não releva a mera possibilidade de a conhecer. O prazo começa a contar a partir do momento em que o consumidor toma conhecimento suficiente de que o bem não se encontra em conformidade com o contrato - Cfr. Manual do Direito do Consumo, obra referida, pág. 348.

As desconformidades em causa se foram denunciadas e resultaram provadas, é porque existem, e se existem presumem-se retroagir ao momento da entrega (constituição do condomínio). Não se colhem elementos de facto que levem a operar a ressalva da parte final do nº 2  do artigo 3º.

O Autor denunciou ao Banco Réu a existência desses defeitos por carta registada com a/r datada de 20 de Agosto de 2018 – facto 10.

Atento o prazo do artigo 5ºA, 3 do aludido DL, a presente acção veio a ser intentada dentro do prazo de 3 anos após a denuncia das desconformidades, para as coisas imóveis, e de um ano para as coisas móveis, prazo este último que se esgotaria a 20 de Agosto de 2019.

A presente acção veio de facto a ser intentada a 8 de Agosto de 2019, mas o Autor, à cautela, peticionou  a citação dos Réus prévia à distribuição para poder beneficiar do revisto no artigo 323º, 2 do CC, e poder interromper o prazo prescricional em curso.

As Rés foram de facto citadas para a causa a 19-08-2019, como se vê de fls. 41 a 43 (a/r assinados).

Não se verifica a caducidade do direito de accionar o Banco Réu.

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Ainda neste âmbito, o banco Réu coloca a seguinte questão: o Autor estava em condições de conhecer da existência das anomalias do nº 12 dos factos provados, uma vez que existentes (por presunção ou não ) na data da entrega do imóvel, em 30 de Novembro de 2015, e só as denunciou em 20 de Agosto de 2018, tendo por lei  - o artigo 5º-A, nº 2 do DL 67/2003, para tal, o prazo de um ano (bem imóvel), a contar da data em que as tenha detectado.
Parte do princípio de que o Autor é um condomínio com a diligência normal.

Relativamente às deficiências a que alude na conclusão F) da minuta recursória, assevera mesmo que se trata de um facto notório assumir que o Autor delas tomou conhecimento em 30 de Novembro de 2015.

Assim, diz:

- quanto à existência de remates de telas incompletos (porquanto, se incompletos, nunca foram terminados);
- quanto a paredes com falta de tinta (porquanto, se com falta de tinta, nunca foram pintadas);
- quanto a pintura a degradar-se, “sendo visível maus acabamentos” (porquanto, se com maus acabamentos, os mesmos eram detectáveis desde o início);
- quanto aos portões das garagens individuais que tocam na rede geral de saneamento, danificando-a – seria certamente visível desde a constituição do Condomínio (30.11.2015) mediante uma vistoria perfunctória das zonas comuns, sem necessidade de especiais conhecimentos técnicos, até pela presumível utilização dos mesmos pelos condóminos desde antes daquela data;
- quanto “à falta de grelha de ventilação no alçado tardoz, que aparenta nunca ter sido colocada” (pois se nunca foi colocada, seria detectável desde 30.11.2015);
- quanto a escoamentos deficientes nas zonas das palas das varandas na cobertura (igualmente detectável com as chuvas que se iniciaram pela altura em que o Condomínio foi constituído).

Que dizer?

Já vimos que, face ao nº 2 do artigo 2º do DL 67/2003, se se verificar qualquer dessas circunstâncias, há desconformidade da coisa entregue face ao contrato.
Mas se a não conformidade for conhecida ou cognoscível pelo consumidor na data da entrega da coisa, nos termos do nº 3 desse dispositivo, então dá-se a não responsabilização do vendedor, porque o comprador aceita o produto tal qual é.
É a solução encontrada por João Calvão da Silva, in Venda de Bens de Consumo, 3ª ed., Almedina, pág. 69.
O consumidor não pode então prevalecer-se dos direitos resultantes da falta de conformidade.

A operatividade deste dispositivo exige que o consumidor não possa razoavelmente ignorar a desconformidade. Acontecerá, por exemplo, face a um  defeito evidente que  só por negligência grave o consumidor não topa.

É notório o facto percepcionado pela generalidade dos cidadãos directamente, pelo modo de percepção humana, que é na sua fonte sensorial; ou o facto decorrente de um facto assim directamente percepcionado, seguido de um raciocínio acessível a todas as pessoas da comunidade de cultura média – vd. Ac. TRL de 13-11-2014, p. 673/03.2TYLSB.L1-6, dgsi.net.  

Ora faltam elementos de facto para se poder considerar cada uma destas desconformidades como conhecidas ou cognoscíveis pelo Autor, na data da recepção do imóvel; para considerar caso a caso tal conhecimento um facto notório- não havendo, por isso, meio de fazer operar o nº 3 do referido artigo 2º do DL 67/2003, nem para fazer actuar a extemporaneidade da denúncia dos defeitos, na óptica do banco Réu.

Esses factos tinham de ser alegados, provados, ou até resultarem da instrução da causa, e, em última instância tinham de ser objecto de ampliação da decisão que recaiu sobre a matéria de facto – o que não acontece.

Assim, improcede a pretensão do banco Réu.

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O Autor demanda o banco Réu em acção de cumprimento, exigindo a reparação dos defeitos que a coisa adquirida apresenta nas partes comuns.
Esta pretensão mostra-se adequada, face às possibilidades que a lei faculta, não evidenciando de modo algum o exercício ilegítimo do direito por parte do Autor – cfr. artigo 334º do CC.
Estão provados os vícios do ponto 12.

Ora estes vícios constituem na responsabilidade civil contratual o facto.

O banco Réu ao vender o imóvel com vícios nas partes comuns actuou ilicitamente, não cumprindo o contrato e entregando ao Autor um imóvel sem as qualidades necessárias para o desempenho da função a que estava destinado, o que igualmente diminui o valor do imóvel, o que se não pode aceitar ético-juridicamente.
Há danos.
Está apurado o nexo de causalidade entre o facto e o dano, em termos da teoria da causalidade adequada, critério comum.

Como se viu a entrega da coisa defeituosa é também incumprimento contratual.

O incumprimento da prestação é ou não devido a culpa do banco Réu?

A culpa do devedor presume-se, mas pode o banco Réu provar que não teve culpa.

Esta prova é feita através de muitas circunstâncias.

Não vem provado que os defeitos se ficaram a dever a falta de manutenção e conservação das partes comuns por parte do Autor; a falta de medidas correctivas a implementar pelo Autor; à deterioração normal dos materiais pelo decurso do tempo – cfr. Artigo 43º da contestação.

O banco Réu não ilide a culpa no incumprimento do contrato, que se presume ser sua.

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Estão verificados os pressupostos da responsabilidade civil contratual, que é subjectiva, relativamente à obrigação do banco Réu reparar as desconformidades, para o que é necessário levar a cabo os correspondentes trabalhos.

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Improcedem por isso as conclusões da Apelação. 

V – decisão

Pelo que fica exposto, acorda-se neste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas na Relação, pelo Banco Réu, ora Apelante.

Valor da causa - € 41.453,00 -fls. 145.

Coimbra, 12 de Setembro de 2023.

(Rui António Correia Moura)

(João Moreira do Carmo)

(Fonte Ramos)