Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
281/24.4GDCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO GUERRA
Descritores: CRIME DE CONDUÇÃO DE VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ
ERRO SOBRE AS CIRCUNSTÂNCIAS DE FACTO E ERRO SOBRE A ILICITUDE
MEDIDA DAS PENAS – PRINCIPAL E ACESSÓRIA
DIREITO FUNDAMENTAL AO TRABALHO.
Data do Acordão: 03/12/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - JUÍZO LOCAL CRIMINAL DE COIMBRA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS 16º, Nº 1 E ART 17º; ARTº 65º, Nº 1, ARTº 69º, Nº 1, AL A), ARTº 71º; ARTº 292º, Nº 1, TODOS DO CÓDIGO PENAL; ARTIGO 410º, Nº 2 E ART 412º DO CPP.
Sumário: 1. O facto de não haver indícios de alcoolemia não significa que um arguido, condenado pelo artigo 292º do CP, não esteja alcoolizado.

2. O facto de se ter bebido pouco não significa que não haja outros factores a condicionar o resultado.

3. Há medicamentos que influenciam a condução e cujos efeitos nefastos são potenciados quando combinados com a ingestão de álcool, devido à interferência nos reflexos e atenção exigíveis para o exercício de tal actividade.

4. Por outro lado, há medicamentos que sendo metabolizados pelo fígado podem influenciar o tempo da eliminação do álcool do organismo.

5. Todavia, nenhum deles é susceptível de elevar a TAS detectada no teste de pesquisa quantitativa do sangue

6. O erro sobre a ilicitude ou sobre a punibilidade que exclui o dolo (artº 16º, nº 1 do CP) apenas se deve e pode referenciar aos crimes cuja punibilidade não se presume conhecida de todos os cidadãos.

7. Aos crimes cuja punibilidade se pode presumir que seja conhecida por todos os cidadãos, o eventual erro sobre a ilicitude só pode ser subsumível ao artº 17º do CP, em caso em que a culpa só é afastada se a falta de consciência da ilicitude do facto decorre de erro não censurável.

8. A censurabilidade só é de afastar se e quando se trate de proibições de condutas cuja ilicitude material não esteja devidamente sedimentada na consciência ético social.

9. Ora, o comum dos cidadãos não ignora que é proibido conduzir depois de se beber álcool, podendo até configurar-se dolo eventual na sua atitude (que não deixa de ser dolo).

10. A condução de veículo automóvel na via pública, com capacidades intelectuais diminuídas, nomeadamente a nível de atenção, rapidez de reflexos e coordenação motora, por o agente estar influenciado por elevados níveis de álcool ingerido, constitui um elevado risco para a sociedade, cuja segurança urge proteger através da aplicação de adequada pena acessória para evitar a reincidência neste crime rodoviário.

11. Não deve ser olvidado que o conteúdo essencial do direito ao trabalho que o arguido vê ofendido com a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor não é atingido, na medida em que a ponderação que resulte do confronto deste direito do trabalho com a protecção de outros bens - que fundamentam a sua limitação, através da aplicação das penas principal e acessórias infligidas - não redunda na aniquilação ou, sequer, na violação desproporcionada de qualquer direito fundamental ao trabalho, mas antes numa limitação temporária.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral:
Acordam, em conferência, na 5ª Secção – Criminal – do Tribunal da Relação de Coimbra:

            I – RELATÓRIO
           
             1. A CONDENAÇÃO RECORRIDA

No processo sumário nº 281/24.... do Juízo Local Criminal De Coimbra (J...), por sentença datada de 23 de Setembro de 2024, foi decidido:  
           «Condenar o arguido AA pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo artigoº 292º, nº 1 do Código Penal, na pena de 85 (oitenta e cinco) dias de multa, á taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz o total de € 510,00 (quinhentos e dez euros);
            b) Condenar o arguido na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor, pelo período de 4 (quatro) meses, nos termos do disposto no artº 69º, nº 1, alínea a) do Código Penal;
            c) Condenar o arguido no pagamento das custas do processo (artº 513º do Cód. Processo Penal e 8º, nº 5 do Regulamento das Custas Processuais), fixando a de taxa de justiça em 2 UC – artºs 374º, nº 4, 513º, nº 1 e 514º, nº 1, todos do Cód. Processo Penal».


            2. O RECURSO
Inconformado, o arguido AA recorreu da sentença condenatória, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões (transcrição):

«1. Decorrida a audiência de julgamento veio a Mm.ª Juiz do Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra – Juízo Local Criminal de Cantanhede:
2. Condenar o arguido BB pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. p. pelo artigo 292.º do Código Penal.
3. Impõem-se a reapreciação da prova e consequente apreciação da matéria constante dos Pontos 2, 3, 4 e 5 dos Factos Provados e da constante dos Factos Não Provados - que o arguido, sem que estivesse habituado, tomou, ao almoço dois copos de vinho e por volta das 17.00h duas cervejas, que influiriam no teor de álcool apurado; - que o arguido anda a tomar “ansiolíticos”, há algum tempo, para dormir melhor e se sentir mais calmo; - que o arguido é um condutor cauteloso, que procura pautar, e pauta, a respetiva conduta no mais estrito cumprimento das normas estradais; - que jamais ingeria quantidades de álcool que soubesse poderem interferir na sua condução; - que o arguido é uma pessoa de elevada educação e sensibilidade moral; - que sendo pessoa ordeira e pacata, muito respeitada e respeitadora; - que a carta de condução é um elemento imprescindível para que possa desempenhar a sua atividade profissional – porquanto do cruzamento dos depoimentos prestados pelo militar  CC – GNR (Início Gravação 00:13:000) -, pelas testemunhas arroladas pelo arguido – DD (Início 00:04:000) e EE(Início 00.023.2024) – com as declarações do arguido – AA (Início Gravaçã:00.000.2024) – não se compreende, como não possa o tribunal a quo ter sérias dúvidas:
4. Sobre o teor de álcool apurado no sangue do arguido (1,676g/l), uma vez que o teste de ar expirado não permite concluir se as partículas analisadas se referem a álcool ou qualquer outra substância, uma vez que o arguido anda a fazer medicação que interfere na metabolização do álcool,
5. Se foram garantidos todos os meios de defesa ao arguido, designadamente se lhe foi explicada e dada a possibilidade de efetuar contraprova através de análises ao sangue; e
6. Se o arguido atuou em erro sobre a ilicitude ou, caso assim não se entenda, em erro sobre as circunstâncias do facto, uma vez que desconhecia que as duas cervejas dariam a referida TAS
7. Pelo que, cruzada e valorizada a prova testemunhal e reapreciada a prova documental, deverá ser alterada para “Não Provada” a matéria de facto constante dos Factos Provados, Pontos 2, 3, 4 e 5 da douta sentença recorrida, e para “Provada” a matéria de facto constante dos Factos dados como Não Provados.
8.E aditado e dado como provado um Novo Facto com o seguinte teor: - O arguido, face à condução desempenhada, não representou como possível ser portador de uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,20g/l;
9. Por outro lado, verificou-se erro na aplicação do direito à matéria de facto dada como provada.
10. Estriba-se a sentença recorrida na conclusão de que o arguido circulava com excesso de álcool no sangue pelo que cometeu um crime de condução em estado de embriaguez, p. p. pelo artigo 292.º do C. Penal.
11. Face ao disposto na Lei Penal, ao que ficou prova e acima de tudo ao que não ficou provado e ainda à falta de prova complementar segura, não era possível à Mm.ª Juiz a quo, salvo o devido respeito, retirar as conclusões que sintetizam a condenação do arguido, quando tudo fazia prever o contrário, ou seja, a sua absolvição ou a redução das penas principal e acessória aplicadas, ao mínimo legal.
12. Do que se retira da sentença, o Tribunal a quo não levando em conta o depoimento do arguido, nem tendo esclarecido a exata taxa de álcool/medicamentos ingeridos por este, limitou-se a fazer uma dedução, com base em ténues provas, sem ter lançado mão de outros elementos complementares que, como ora se vê, se revelariam essenciais e imprescindíveis à descoberta da verdade, e teriam levado seguramente à absolvição do arguido, ou no limite à aplicação de uma pena reduzida ao mínimo legal.
13. Todavia, não nos parece que o critério adotado seja suficiente para se subsumir a atuação do arguido à norma em questão, pelo que não nos restam dúvidas que a Mm.ª Juiz condenou o arguido, não porque se provaram os elementos objetivos da norma em apreço, mas porque, analisando os elementos disponíveis, presumiu através de deduções subjetivas a suposta conduta do arguido.
14. Salvo o devido respeito, que é muito, as incertezas e dúvidas existentes, ao contrário do que seria esperado – a absolvição – jamais permitiriam condenar o arguido.
15. De toda a matéria produzida em audiência de julgamento, não havia, em nossa opinião, elementos que permitissem pensar, muito menos provar, que o arguido conduzia o referido veículo como teor de álcool de que vem acusado.
16. Verificou-se assim um erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito, já que não se mostram preenchidos os requisitos objetivos e subjetivos do respetivo normativo, tendo a Mm.º Juiz a quo violado a interpretação destes.
17. Estamos em crer, por tudo quanto foi aqui explanado que, mesmo a admitirem-se os factos relatados pelo Senhor Militar da GNR, o que só por mero raciocínio académico se admite, não estão preenchidos os elementos típicos do crime pelo qual vem o arguido acusado.
18. Mesmo que não se considerasse a prova nos termos em que se alega, isto é, ainda que não se aceite que a prova produzida impunha decisão diversa, não podemos deixar de considerar que a mesma cria fortes e insolúveis dúvidas, pelo que deveria o Tribunal a quo ter-se socorrido igualmente do princípio “in dúbio pro reo”.
19. Bem como do facto de o arguido ter atuado sem CONSCIÊNCIA DA ILICITUDE ficando a clara ideia – certeza absoluta – que o arguido conduzia de regresso a casa sem qualquer sintoma de que tinha álcool, ou pelo menos, 1,20g/l de álcool no sangue.
20. Caso assim não se entenda, sempre se haveria de admitir que o arguido atuou em erro sobre as circunstâncias do facto – artigo 16.º do CP.
21. O recorrente consumiu ao fim do dia duas cervejas, acreditando estar a ingerir bebidas alcoólicas de teor moderado de alcool;
22. Assim, jamais o arguido poderia ter sido condenado pela prática do crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p.p. pelo artigo 292.º do C. Penal.
23. A pena a que o arguido foi sujeito é, na opinião do mesmo, e salvo o devido respeito por interpretação diversa, infundada e injusta, quer quanto à pena de multa aplicada ao arguido (€510,00), quer quanto à pena acessória de proibição de conduzir (4 meses), o que não se compreende, quando além de outros, os tribunais – (i) Juízo de Competência Genérica de Anadia, para uma situação de teor de álcool identico (1,79g/l), já aplicou 3 meses e 15 dias (Veja-se Proc. nº 385/21.5GBAND – Elias Simões Hernandes); - (ii) Juízo Local Criminal do Barreiro – Juiz 1, para uma situação de teor de álcool de (1,51g/l), aplicou 3 meses (Veja-se Proc. nº 20/21.1PBMTA – Elmano da Silva Pereira Pedrosa) - (iii) e Recentemente o Juízo Local Criminal de Coimbra – Juiz 2, aplicou 3 meses para um teor de álcool de 1,518g/l (Veja-se Proc. nº 95.22.0GDCBR – José Filipe Fonseca Pereira), (iv) e o Tribunal da Relação do Porto Proc. 216/23.GBAND.P1 – Pedro Lebre Henriques, para uma situação de 1,397g/l, absolveu o arguido por o aparelho ter ultrapassado o prazo de validade e constituir prova proibida, e custas processuais (2Ucs) que se impõem revogadas.
24. Pelo que deverão V. Exas. Digníssimos Desembargadores dar provimento ao recurso, absolvendo o recorrente, ou, em alternativa, optar pela admoestação.
25. Como acima se disse, dúvidas acentuadas permanecem relativamente à prova do cometimento, enquanto conduzia, por parte do arguido, do crime de condução com álcool no sangue.
26. A pena aplicada ao recorrente não foi a melhor opção em termos de política de aplicação de penas.
27. Não atendeu ao Tribunal a quo à experiência e profissionalismo do arguido, à sua postura em tribunal, nem às demais circunstâncias referidas como determinantes, designadamente o facto de se encontrar, à data dos factos, a tomar medicação para tratar de depressão – ansiolíticos e antidepressivos – que interfere na metabolização do álcool.
28. Ora, a pena aplicada foi, para além de tudo, um severo castigo para o arguido, para a sua família, amigos e colegas, não levando em conta sequer a salvaguarda do trabalho do arguido, bem como a sua inserção na sociedade a que pertence, pelo que se quer revogada.
Face ao exposto, e à interpretação dada pelo Tribunal a quo, consideram-se desde logo violadas, salvo melhor opinião, e entre outras, as normas seguintes:
- Artigos 40.º, 71.º e 292.° do Código Penal;
- Artigo 32.º da Constituição da República Portuguesa;
- Artigo 82.º, nºs 1 a 6 do Código da Estrada.
- e, consequentemente, os basilares princípios de matriz constitucional do " in dúbio pro reo", da legalidade, de tipicidade e da culpa.
INDICA-SE, por mera facilidade de pesquisa, (i) lista dos equipamentos aprovados para uso na fiscalização do trânsito (ANSR e IPQ); (ii) Despacho IPQ nº 743/2016 de 15.01.2016; e (iii) Despacho ANSR nº 2960/2016 de 26.02.2016.
Termos em que, E nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve a Relação dar provimento   ao presente recurso, substituindo a douta decisão recorrida, tirada em primeira instância».

            3. O Ministério Público em 1ª instância respondeu ao recurso, opinando que o recurso não merece provimento, defendendo o sentenciado em 1ª instância.

4. Admitido o recurso e subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se, sendo seu parecer no sentido da negação de provimento ao recurso.

5. Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, após resposta do arguido, foram colhidos os vistos, após o que foram os autos à conferência, por dever ser o recurso aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, nº 3, alínea c) do mesmo diploma.

            II – FUNDAMENTAÇÃO
           
1. Poderes de cognição do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso

Conforme jurisprudência constante e amplamente pacífica, o âmbito dos recursos é delimitado pelas conclusões formuladas na motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso [cfr. artigos 119º, nº 1, 123º, nº 2, 410º, nº 2, alíneas a), b) e c) do CPP, Acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/1995, publicado em 28/12/1995 e, entre muitos, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 25.6.1998, in B.M.J. 478, p. 242, de 3.2.1999, in B.M.J. 484, p. 271 e de 28.4.1999, in CJ/STJ, Ano VII, Tomo II, pág.193, explicitando-se aqui, de forma exemplificativa, os contributos doutrinários de Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, vol. 3, Universidade Católica Editora, 2015, pág. 335 e Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos Penais, 8.ª ed., 2011, pág. 113].
Assim, é seguro que este tribunal está balizado pelos termos das conclusões formuladas em sede de recurso.
Também o é que são só as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas conclusões da respectiva motivação que o tribunal de recurso tem de apreciar - se o recorrente não retoma nas conclusões as questões que desenvolveu no corpo da motivação (porque se esqueceu ou porque pretendeu restringir o objecto do recurso), o Tribunal Superior só conhecerá das que constam das conclusões.
Mas também é grave quando o recorrente apresenta fundamentação nas conclusões que não tratou de modo nenhum na motivação.
Estas conclusões (deduzidas por artigos, nas palavras da lei) não devem trazer nada de novo; os fundamentos têm de estar no corpo motivador e são aqueles e só aqueles que são resumidos nas conclusões.
Assim sendo, são estas as questões a decidir por este Tribunal:
a. Há algum vício do artigo 410º, nº 2 do CPP?
b. Há algum erro de julgamento, a sindicar nos termos do artigo 412º, nº 3 e 4 do CPP, mormente por não se ter aplicado os artigos 16º e 17º do CP (situações de erro)?
c. Foi violado o princípio constitucional «in dubio pro reo»?
d. A pena principal foi excessiva, bastando a aplicação de uma admoestação?
e. A pena acessória foi excessiva?
f. Foi pesada a condenação em 2 Ucs de taxa de justiça (custas processuais)?

            2. DA SENTENÇA RECORRIDA

            2.1. O tribunal a quo considerou provados os seguintes factos, com interesse para a decisão deste recurso (transcrição):
1. «No dia 26/08/2024 pelas 18h13m o arguido conduziu o veículo automóvel ligeiro de mercadorias marca Citroen de matrícula ..-..-TS sua propriedade na via publica, mais concretamente, na Rua ... em ..., área desta comarca de Coimbra.
2. O arguido conduziu o veículo mencionado com uma taxa de álcool no sangue de, pelo menos, 1,672/l (correspondente à TAS registada de 1,76g/l deduzido o valor relativo ao erro máximo admissível).
3. O arguido bem sabia que a quantidade e qualidade das bebidas alcoólicas que havia ingerido, em momento anterior à condução, era superior a 1,2 g/l, e que, por isso, não podia conduzir o referido veículo na via pública.
4. O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida pela lei como crime.
5. O arguido é casado, trabalha por conta própria, na construção civil, aufere cerca de 1.000,00€/mês e a esposa doméstica.
6. No referido dia 26/08/2024, cerca das 18h13m, o arguido quando foi fiscalizado pelos Srs. Agentes regressava de casa do filho onde estiveram a festejar a revelação de que iria ser avô de uma menina.
7. O arguido é uma pessoa humilde e trabalhadora.
8. E goza de boa reputação entre as pessoas com quem habitualmente convive.
9. O arguido não tem antecedentes criminais».

2.2. São estes os factos NÃO PROVADOS (transcrição[1]):
1. «que o arguido, sem que estivesse habituado, tomou, ao almoço dois copos de vinho e por volta das 17.00h duas cervejas, que influiriam no teor de álcool apurado;
2. que o arguido anda a tomar “ansiolíticos”, há algum tempo, para dormir melhor e se sentir mais calmo;
3. que o arguido é um condutor cauteloso, que procura pautar, e pauta, a respetiva conduta no mais estrito cumprimento das normas estradais;
4. que jamais ingeria quantidades de álcool que soubesse poderem interferir na sua condução;
5. que o arguido é uma pessoa de elevada educação e sensibilidade moral;
6. que sendo pessoa ordeira e pacata, muito respeitada e respeitadora;
7. que a carta de condução é um elemento imprescindível para que possa desempenhar a sua atividade profissional».

2.3. Foi esta a motivação do tribunal (transcrição):
«Os factos acima provados assentaram, desde logo, nas declarações do arguido na parte em que confirmou ter ingerido bebidas alcoólicas, após o que conduziu o seu veículo, tendo sido fiscalizado no local supra mencionado.
Foram também valoradas as suas declarações no que concerne à sua situação sócio-económica.
Considerou-se também o depoimento da testemunha CC, Militar da G.N.R., a prestar serviço no Posto Territorial ..., o qual, de uma forma coerente e credível, descreveu as circunstâncias em que fiscalizou o arguido, altura em que detectou que o mesmo conduzia com álcool no sangue, após o que realizou o teste qualitativo, acusando a taxa supra mencionada. Mais esclareceu que após o resultado do teste informou o arguido que poderia solicitar a realização da contraprova, que o mesmo recusou.
Mais se valoraram os depoimentos prestados pelas testemunhas DD e FF, respectivamente filho e amigo do arguido, os quais explicaram o motivo que levou o arguido a ingerir bebidas alcoólicas momentos antes da fiscalização ocorrida, corroborando a versão apresentada pelo arguido. Pronunciaram-se ainda quanto à forma como este é visto no meio social onde está inserido.
Foram também valorados os documentos juntos aos autos a fls. 9, 10, 11 e 12 e o certificado do registo criminal junto a fls. 7.
Não se provou qualquer outra matéria para além da consignada supra, pois não se produziu mais nenhuma prova que permitisse acrescentar aos provados outros factos, além dos aludidos.
Com efeito, não se valorou a versão apresentada pelo arguido quando refere que nenhum dos Militares presentes na autuação lhe falou da possibilidade de requerer a contraprova, porquanto as suas declarações surgem contrariadas pelo depoimento prestado pelo militar da G.N.R. autuante que confirmou ter explicado ao arguido que dispunha de tal possibilidade, o que o mesmo recusou.
Acresce que o arguido assinou a notificação junta a fls. 12, referente à notificação por escrito do resultado do exame efectuado, das sanções legais decorrentes do resultado do exame e de que podia, de imediato, requerer a realização de contraprova, tendo declarado não pretender a realização de contraprova.
Da conjugação destes meios de prova é possível concluir que o arguido de forma consciente e após ter sido informado, quer pelo agente autuante, quer através da notificação que assinou, recusou a realização da contraprova»

           3. APRECIAÇÃO DO RECURSO

            3.1. SOBRE OS FACTOS

3.1.1. Foi o arguido condenado pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292º, nº 1 do Código Penal, doravante CP.
O recurso do arguido não abrange só matéria de DIREITO mas também de FACTO, na medida em que não aceita o teor de álcool registado pelo aparelho medidor, alegando ainda ter agido ao abrigo de um erro sobre a ilicitude ou de um erro sobre as circunstâncias de facto (que mexem com a factualidade, como é bem de ver).

3.1.2. É sabido que o Tribunal da Relação pode conhecer da questão de facto por duas formas:
· pela impugnação ampla (com apelo à prova gravada), se tiver sido suscitada - cfr. artigo 431º do CPP;
· pela análise dos vícios do nº 2 do artigo 410º do CPP.
Na 1ª situação estamos perante um típico erro de julgamento – ínsito no artigo 412º/3 – que ocorre quando o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado.
Aqui, nesta situação de erro de julgamento, o recurso quer reapreciar a prova gravada em 1ª instância, havendo que a ouvir em 2ª instância.
Neste caso, a apreciação não se restringe ao texto da decisão, alargando-se à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre dentro dos limites fornecidos pelo recorrente no estrito cumprimento do ónus de especificação imposto pelos nºs 3 e 4 do artigo 412º do CPP.
Nos casos de impugnação ampla, o recurso da matéria de facto não visa a realização de um segundo julgamento sobre aquela matéria, agora com base na audição de gravações, antes constituindo um mero remédio para obviar a eventuais erros ou incorrecções da decisão recorrida na forma como apreciou a prova, na perspectiva dos concretos pontos de facto identificados pelo recorrente.
Como bem acentua o Juiz Desembargador Jorge Gonçalves nos seus acórdãos desta Relação e da Relação de Lisboa, «o recurso que impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos “concretos pontos de facto” que o recorrente especifique como incorrectamente julgados. Para esse efeito, deve o tribunal de recurso verificar se os pontos de facto questionados têm suporte na fundamentação da decisão recorrida, avaliando e comparando especificadamente os meios de prova indicados nessa decisão e os meios de prova indicados pelo recorrente e que este considera imporem decisão diversa (sobre estas questões, cfr. os Acórdãos do STJ, de 14 de Março de 2007, Processo 07P21, e de 23 de Maio de 2007, Processo 07P1498, a consultar em www.dgsi.pt)».
E é exactamente porque o recurso em que se impugne (amplamente) a decisão sobre a matéria de facto não constituiu um novo julgamento do objecto do processo, mas antes um remédio jurídico que se destina a despistar e corrigir, cirurgicamente, erros in judicando ou in procedendo que o recorrente deverá expressamente indicar, é que se impõe a este o ónus de proceder à tríplice especificação prevista no artigo 412º, nº 3, do CPP.
A dita especificação dos «concretos pontos de facto» traduz-se na indicação dos factos individualizados que constam da sentença recorrida e que se consideram incorrectamente julgados, só se satisfazendo tal especificação com a indicação do conteúdo especifico do meio de prova ou de obtenção de prova e com a explicitação da razão pela qual essas «provas» impõem decisão diversa da recorrida.
O recurso que impugne a decisão sobre a matéria de facto não pressupõe, por conseguinte, a reapreciação total do acervo dos elementos de prova produzidos e que serviram de fundamento à decisão recorrida, mas antes uma reapreciação autónoma sobre a razoabilidade da decisão do tribunal a quo quanto aos «pontos de facto» que o recorrente especifique como incorrectamente julgados.
A delimitação dos pontos de facto constitui um elemento determinante na definição do objecto do recurso relativo à matéria de facto.
Ao tribunal de recurso incumbe confrontar o juízo sobre os factos que foi realizado pelo tribunal a quo com a sua própria convicção determinada pela valoração autónoma das provas que o recorrente identifique nas conclusões da motivação.
Já o deixámos escrito - o recurso, no que tange ao conhecimento da questão de facto, não é um segundo julgamento, em que a Relação, agora com base na audição de gravações, e anteriormente com base na leitura de transcrições, reaprecie a totalidade da prova.
E se é certo que perante um recurso sobre a matéria de facto, a Relação não se pode eximir ao encargo de proceder a uma ponderação específica e autonomamente formulada dos meios de prova indicados, não é menos verdade que deverá fazê-lo com plena consciência dos limites ditados pela natureza do recurso como remédio e pelo facto de se tratar de uma apreciação de segunda linha, a que faltam as importantes notas da imediação e da oralidade de que beneficiou o tribunal a quo.

3.1.3. Comecemos por sindicar a decisão com base nos vícios oficiosos do artigo 410º, nº 2 do CPP.
Na realidade, estabelece o artigo 410º, nº 2 do CPP que, mesmo nos casos em que a lei restringe a cognição do tribunal, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
1. A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
2. A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
3. Erro notório na apreciação da prova.
Tais vícios implicarão para o tribunal de recurso o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do artigo 426º do CPP.
Saliente-se que, em qualquer das apontadas hipóteses, o vício tem que resultar da decisão recorrida, por si mesma ou conjugada com as regras da experiência comum, não sendo por isso admissível o recurso a elementos àquela estranhos, para o fundamentar, como, por exemplo, quaisquer dados existentes nos autos, mesmo que provenientes do próprio julgamento (cfr. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal Anotado, 10. ª ed., 729, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª ed., 339 e Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6.ª ed., 77 e ss.), tratando-se, assim, de vícios intrínsecos da sentença que, por isso, quanto a eles, terá que ser auto-suficiente.
De facto, pressuposto comum à verificação de tais vícios é que os mesmos resultem do próprio texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum – nº 2 do artigo 410º do CPP.
Ao determinar-se que tais vícios sejam cognoscíveis com base no texto da decisão, adoptou-se uma solução de recurso-remédio e não de reexame da causa.
Este último, numa tese inicialmente defendida, permitiria uma maior amplitude do recurso, pela também possibilidade de análise da prova registada, mas uma tal solução poria em causa o princípio da imediação com que havia sido apreciada a prova na primeira instância, princípio cujo cumprimento seria de muito difícil alcance pelo tribunal de recurso.
Daí a solução intermédia, chamada de revista alargada.
Tal sindicância não deixa de ser, em bom rigor, uma actividade puramente jurídica, pois basear-se-á apenas no texto da decisão recorrida e não em qualquer prova que exista fora dele, seja ela documental ou outra.

3.1.4. Quais os vícios previstos no artigo 410º, nº 2 do CPP?
A “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea a), ocorrerá quando a matéria de facto provada seja insuficiente para fundamentar a decisão de direito e quando o tribunal não investigou toda a matéria de facto com interesse para a decisão – diga-se, contudo, que este vício se reporta à insuficiência da matéria de facto provada para a decisão de direito e não à insuficiência da prova para a matéria de facto provada, questão do âmbito do princípio da livre apreciação da prova, que é insindicável em reexame restrito à matéria de direito.
A “contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão”, vício previsto no artigo 410º, nº 2, alínea b), consiste na incompatibilidade, insusceptível de ser ultrapassada através da própria decisão recorrida, entre os factos provados, entre estes e os não provados ou entre a fundamentação e a decisão.
Tal ocorre quando um mesmo facto com interesse para a decisão da causa seja julgado como provado e não provado, ou quando se considerem como provados factos incompatíveis entre si, de modo a que apenas um deles pode persistir, ou quando for de concluir que a fundamentação conduz a uma decisão contrária àquela que foi tomada.
Finalmente, o “erro notório na apreciação da prova”, a que se reporta a alínea c) do artigo 410º, verifica-se quando um homem médio, perante o teor da decisão recorrida, por si só ou conjugada com o senso comum, facilmente percebe que o tribunal violou as regras da experiência ou de que efectuou uma apreciação manifestamente incorrecta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
O erro notório também se verifica quando se violam as regras sobre prova vinculada ou das legis artis (sobre estes vícios de conhecimento oficioso, cfr. Simas Santos e Leal-Henriques, Recursos em processo penal, 5.ª edição, pp.61 e seguintes).
Esse vício do erro notório na apreciação da prova existe quando o tribunal valoriza a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum ou, talvez melhor dito, ao juiz “normal”, ao juiz dotado da cultura e experiência que deve existir em quem exerce a função de julgar, devido à sua forma grosseira, ostensiva ou evidente (cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, Verbo, 2ª Ed., 341).
Trata-se de um vício de raciocínio na apreciação das provas que se evidencia aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão, e que consiste basicamente, em decidir-se contra o que se provou ou não provou ou dar-se como provado o que não pode ter acontecido (cfr. Cons. Simas Santos e Leal Henriques, Recursos em Processo Penal, 6ª Ed., 74).
Não se verifica tal erro se a discordância resulta da forma como o tribunal teria apreciado a prova produzida – o simples facto de a versão do recorrente sobre a matéria de facto não coincidir com a versão acolhida pelo tribunal não leva ao ora analisado vício.
Existe tal erro quando, usando um processo racional ou lógico, se extrai de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, irracional, arbitrária ou notoriamente violadora das regras da experiência comum.
Tal erro traduz-se basicamente em se dar como provado algo que notoriamente está errado, que não pode ter acontecido, ou quando certo facto é incompatível ou contraditório com outro facto positivo ou negativo (cfr. Acórdão do STJ de 9/7/1998, Processo nº 1509/97).
O vício de erro notório ocorre, não só quando um erro é evidente, crasso, escancarado à luz dos olhos do cidadão comum, mas também à luz da análise feita por um tribunal de recurso ou de um jurista minimamente preparado, de molde a considerar-se, sem margem para dúvidas, que a prova foi erroneamente apreciada.
Segundo os Juízes Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, tal erro ocorrerá "quando se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, quando se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, ou quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, ou ainda quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida”.
Consideram os mesmos autores que “existe igualmente erro notório na apreciação da prova quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos. Mas, quando a versão dada pelos factos provados é perfeitamente admissível, não se pode afirmar a verificação do referido erro".
Os conceitos podem confundir-se à primeira vista mas têm palco próprio e distinto entre si.
O erro de julgamento, os vícios de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e o erro notório na apreciação da prova ocorrem respectivamente quando:
a)- o tribunal considere provado um determinado facto, sem que dele tivesse sido feita prova pelo que deveria ter sido considerado não provado ou quando dá como não provado um facto que, face à prova que foi produzida, deveria ter sido considerado provado;
b)- os factos provados forem insuficientes para justificar a decisão assumida, ou, quando o tribunal recorrido, podendo fazê-lo, deixou de investigar toda a matéria relevante, de tal forma que essa matéria de facto não permite, por insuficiência, a aplicação do direito ao caso que foi submetido à apreciação do juiz - artº 410º nº 2 a) CPP;
c)- se retira de um facto dado como provado uma conclusão logicamente inaceitável, se dá como provado algo que notoriamente está errado, que não podia ter acontecido, quando, usando um processo racional e lógico, se retira de um facto dado como provado uma conclusão ilógica, arbitrária e contraditória, ou notoriamente violadora das regras da experiência comum, quando determinado facto provado é incompatível ou irremediavelmente contraditório com outro dado de facto (positivo ou negativo) contido no texto da decisão recorrida (cfr. Simas Santos e Leal Henriques Código de Processo Penal Anotado, II Vol., pág 740) ou quando se violam as regras sobre o valor da prova vinculada, as regras da experiência ou as legis artis, como sucede quando o tribunal se afasta infundadamente do juízo dos peritos.

3.1.5. Vejamos então.
O recorrente refere, a fls 1 da sua Motivação, que existe «insuficiência de prova para a decisão da matéria de facto», o que não é sinónimo do vício do artigo 410º, nº 2, alínea a) do CPP, como atrás já se escreveu (daí abordarmos a questão em sede de julgamento).
Analisada a sentença à luz desses vícios oficiosos do nº 2 do artigo 410º do CPP, temo-la como escorreita e correcta.
Concluímos, pois, que as alegações do recorrente não são compatíveis com os vícios em causa.
De facto, a sentença recorrida apresenta-se como uma peça processual com coerência lógica interna, explicando com suficiente nitidez quais as provas que convenceram o julgador, bem como aquelas que se mostrarem, em seu juízo, frágeis, por ilógicas e/ou desacompanhadas.
Não há erro na apreciação da prova quando o que os recorrentes invocam não é mais do que uma discordância sua quanto ao enquadramento da matéria provada.
É o que basta para concluir que a sentença passa no crivo do artigo 410º, nº 2 do CPP.

3.1.6. Resta saber agora se o tribunal errou ao não dar mais factos como provados de onde se retiraria a necessidade de aplicar os artigos 16º e 17º do CP.
É esse o âmago do recurso.
Fomos ouvir os 4 depoimentos referidos no recurso, em cumprimento mínimo das exigências do artigo 412º, nºs 3 e 4 do CPP.
Quanto ao depoimento do arguido:
Refere ele que não tinha quaisquer sintomas de estar alcoolizado, sentir-se bem, tendo apenas bebido duas taças de vinho ao almoço e duas cervejas ao fim da tarde como festejo pelo facto de ter sabido que iria ser avô de uma menina.
Ora, o tribunal deu como provado a factualidade descrita no FP nº 6, não tendo ficado convencido do facto NP nº 1.
Nada a objectar pois o tribunal entendeu, na livre apreciação da prova que fez, à luz do artigo 127º do CPP, não acreditar que foi só isso que ele bebeu naquele dia.
Diga-se ainda que até pode ter só bebido isso e tal não invalida o teor da TAS detectada.
Retomemos aqui o por nós relatado no aresto desta Relação, datado de 19/10/2011 (Pº 138/10.6GBTNV):
«Após alguma investigação mais científica, chegaram-se às seguintes conclusões:
Chama-se alcoolemia à presença de álcool no sangue e exprime-se, habitualmente, por gramas de álcool puro num litro de sangue.
A esta permilagem chama-se taxa de alcoolemia no sangue (TAS), sendo a medida mais habitual para avaliar a intensidade da concentração alcoólica no organismo num dado momento.
Em termos orgânicos, uma TAS de, por exemplo, 0.30g/l significa que o indivíduo, no momento em que é submetido ao teste de alcoolemia, possui 0,30 gramas de álcool puro por litro de sangue.
É a partir de uma menor ou maior gramagem de álcool puro por litro de sangue que se pode quantificar uma menor ou maior TAS.
Vejamos os factores que interferem na TAS - estes factores podem ser de ordem pessoal ou relacionados com as formas de absorção, ou, ainda com as características da bebida.
Os de ordem pessoal resumem-se aos seguintes:
· Peso – as pessoas mais pesadas, normalmente, apresentam taxas menos elevadas, comparativamente com pessoas com menos peso perante a ingestão, da mesma forma e na mesma situação, de igual quantidade da mesma bebida;
· Idade e sexo – os factores de natureza hormonal e enzimática inerentes a estes factores diferenciam a forma de desenvolvimento do processo de metabolização do álcool (a capacidade metabólica face ao álcool é, em geral, significativamente inferior nos adolescentes do que nos adultos; da mesma forma as mulheres estão, como grupo, pior dotadas para a defesa enzimática face ao álcool do que os homens e pela menor quantidade de água que o seus organismos contêm;
· Crianças, filhos de alcoólicos, epilépticos, doentes do aparelho digestivo, pessoas que tenham sofrido traumatismos cranianos, etc., são mais sensíveis ao álcool;
· Estado de fadiga, alguns estados emocionais, certos medicamentos, as mudanças bruscas de temperatura, a pressão atmosférica e a gravidez aumentam a sensibilidade ao álcool.
Assim, facilmente se compreende que a mesma quantidade de álcool, contida na mesma bebida, ingerida por pessoas diferentes, origine taxas de alcoolemia diferentes.
Por outro lado, um mesmo indivíduo pode acusar taxas diferentes, com a mesma quantidade de álcool existente na mesma quantidade da mesma bebida, consoante o seu estado psicofisiológico e a situação em que o ingere.
Quais as formas de absorção?
A mesma quantidade de álcool pode originar valores de TAS muito diversos, na mesma pessoa ou em pessoas diferentes, conforme seja ingerido em jejum ou às refeições, rapidamente ou com grandes intervalos.
A ingestão de álcool com o estômago vazio acelera a sua absorção, o que leva a um aumento imediato de cerca de 1/3 do valor da taxa. Contudo, a presença de alimentos no estômago apenas retarda este processo, mantendo inalteráveis os seus efeitos.
A taxa decorrente da ingestão de uma bebida alcoólica de uma forma rápida é mais elevada do que a decorrente da ingestão da mesma quantidade dessa mesma bebida feita de forma repartida, com intervalos.
Também o momento do dia em que a bebida é ingerida pode trazer alterações (por exemplo, durante a noite o processo de metabolização é diferente do que o que se processa durante o dia).
A TAS é, portanto, mais elevada com um consumo de álcool maciço, rápido e em jejum.
Depende também a TAS das características da bebida.
A taxa de alcoolemia depende não só da quantidade de bebida ingerida como, também, do seu maior ou menor grau alcoólico, bem como se a bebida é gaseificada ou aquecida – nestas duas últimas situações, a absorção do álcool é mais rápida.
Quando o álcool é consumido, ele passa do estômago e intestinos para o sangue, num processo designado por absorção.
No fígado, uma enzima designada álcool-desidrogenase (ADH) vai mediar a conversão do álcool em acetaldeído (sendo este produto mais tóxico que próprio álcool), o qual é rapidamente convertido em acetato por outras enzimas, e é eventualmente metabolizado em dióxido de carbono e água.
A maior parte do álcool consumido é metabolizado no fígado, mas uma pequena quantidade que fica por metabolizar permite que a concentração de álcool seja medida pela respiração e urina.
O fígado pode metabolizar apenas uma certa quantidade de álcool por hora, independentemente da quantidade que tenha sido consumida.
A velocidade com que o álcool é metabolizado depende, em parte, da quantidade de enzimas metabolizantes do fígado, que varia entre os indivíduos e parece possuir determinantes genéticos.
O álcool é metabolizado mais lentamente do que é absorvido.
Visto que o metabolismo do álcool é lento, o consumo deste precisa de ser controlado para prevenir a sua acumulação no organismo e intoxicação [uma bebida-padrão corresponde a qualquer bebida que contenha aproximadamente 10 gramas de álcool puro. A definição de uma bebida-padrão pode variar significativamente de país para país, desde os 10 ml (7,9 g) de álcool no Reino Unido até aos 25 ml (19,75 g) no Japão].
Ou seja:
A alcoolemia varia em função do tempo, aumentando rapidamente à medida que se dá a absorção, diminuindo depois lentamente durante a degradação do álcool no fígado.
A alcoolemia resulta do equilíbrio a dado momento entre a absorção, a oxidação e a eliminação do álcool.
Como se refere no Acórdão desta Relação datado de 03-02-2010: “É sabido que a curva inicia a sua fase ascendente a partir do momento em que se ingere e inicia a sua fase descendente cerca de uma hora ou pouco mais após o terminus da ingestão.”
Registamos três fases: a da absorção, a da distribuição e a da eliminação.
No princípio a curva é ascendente, sendo o seu ponto culminante cerca de – valor médio - uma hora depois do último consumo.
Note-se que, de acordo com a fórmula resultante da “Lei de Fick”, «pode estabelecer-se que a absorção de uma moderada quantidade de etanol (0,6 – 0,8 g/kg) em jejum atinge uma concentração sanguínea (CES) máxima entre 30 e 60 minutos.
Na presença de alimentos a máxima concentração de etanol no sangue verifica-se bastante mais tarde, entre 1 e 2 horas após a ingestão (estamos em crer que o arguido terá bebido em jejum, tal resultando do teor da ficha clínica de fls 98, onde se deixou escrito: «No dia 4 de Abril de 2011, apresentou choque psicológico após acidente de viação e por ter ingerido bebida alcoólica em jejum» - terá sido esta versão do arguido à sua médica, o que é de valorar.
A máxima taxa de alcoolemia atinge-se ao cabo de uma hora – valor médio - após a última ingestão de álcool, e a eliminação total, umas 12 horas depois, dependendo da quantidade de álcool ingerido.
Após a ingestão de uma bebida alcoólica, a concentração de álcool no sangue eleva-se atingindo valores máximos até cerca de uma hora após a ingestão, mais rapidamente em jejum e mais lentamente no decurso da refeição.
Seguidamente os valores começam a decrescer em função do tempo, com uma velocidade dependente de factores individuais e metabólicos.
São estes sucessivos valores que constituem, graficamente, a curva de alcoolémia de Widmark».
Ou seja: o facto de não haver indícios de alcoolemia não significa que o indivíduo não esteja alcoolizado.
O facto de se ter bebido pouco não significa que não haja outros factores a condicionar o resultado.
Confiamos na medição da máquina em causa, não tendo sido carreados para os autos quaisquer provas que infirmem o seu resultado.
Também não acreditámos na versão do arguido, segundo a qual não foi informado de que tinha o direito de pedir contra-prova.
O tribunal explicou-se devida e suficientemente:
«Com efeito, não se valorou a versão apresentada pelo arguido quando refere que nenhum dos Militares presentes na autuação lhe falou da possibilidade de requerer a contraprova, porquanto as suas declarações surgem contrariadas pelo depoimento prestado pelo militar da G.N.R. autuante que confirmou ter explicado ao arguido que dispunha de tal possibilidade, o que o mesmo recusou.
Acresce que o arguido assinou a notificação junta a fls. 12, referente à notificação por escrito do resultado do exame efectuado, das sanções legais decorrentes do resultado do exame e de que podia, de imediato, requerer a realização de contraprova, tendo declarado não pretender a realização de contraprova.
Da conjugação destes meios de prova é possível concluir que o arguido de forma consciente e após ter sido informado, quer pelo agente autuante, quer através da notificação que assinou, recusou a realização da contraprova»

Claro como água.
A sua assinatura está, de facto, inequivocamente aposta a fls 12 e 12-v.
Finalmente, a questão do «PROZAC».
Para além de não termos como certo que tenha havido, de facto, ingestão desse fármaco – ou equivalente - (não foi carreada pela defesa para os autos qualquer prova nesse sentido[2], assente que a mera prova pessoal não foi convincente), temos por adquirido o que consta do aresto da Relação do Porto, datado de 18.10.2023 (Pº 520/22.6GAMLD.P1):
«O recorrente não identifica – nem existe – qualquer prova de prescrição médica nesse sentido nem a evidência científica apoia a afirmação de que tal medicamento interfere no resultado obtido no aparelho de pesquisa de álcool no sangue.
Está em causa um medicamento que afecta o sistema nervoso central, do grupo das benzodiazepinas, influenciando, por conseguinte, negativamente a condução, já que pode provocar perda de memória, sonolência, diminuição dos reflexos e diminuição da vigilância.
Daí que a condução de veículos/máquinas durante o tratamento esteja sujeita a aconselhamento médico, não sendo aquele compatível com a toma de bebidas alcoólicas.
Assim: há medicamentos que influenciam a condução e cujos efeitos nefastos são potenciados quando combinados com a ingestão de álcool, devido à interferência nos reflexos e atenção exigíveis para o exercício de tal actividade.
Por outro lado, há medicamentos que sendo metabolizados pelo fígado podem influenciar o tempo da eliminação do álcool do organismo.
Todavia, nenhum deles é susceptível de elevar a TAS detectada no teste de pesquisa quantitativa do sangue».
Tal significa que o depoimento do arguido por nós ouvido não permite a leitura que dela faz a defesa, validando-se antes a leitura feita pelo tribunal.
Quanto ao depoimento da testemunha de acusação CC, entendemos que o mesmo nem foi titubeante nem insuficientemente genérico.
Com tantas autuações por dia, é normal que os agentes policiais não sejam totalmente precisos.
Contudo, o que ouvimos convenceu-nos amplamente – o agente em causa mandou parar um automóvel, mediu a TAS do seu condutor, deu taxa crime, nada tendo requerido o arguido em termos de contra-prova (como é possível defender que esta testemunha não se conseguiu recordar se o condutor foi devidamente esclarecido que podia realizar a dita contra-prova, quando é certo que a testemunha foi clara e evidente nesse pormenor?).
Não foi minimamente posta em causa a sua credibilidade testemunhal.
No que tange às duas testemunhas de defesa (filho e amigo do arguido), nada adiantaram.
Viram o arguido bem disposto, o que não significa que não estivesse com uma TAS superior à devida.
Portanto, é irrelevante o «nada faria prever que tivesse 1,676 g/l de álcool no sangue».
Se assim é, não se vislumbra qualquer erro de julgamento, podendo dizer-se que a argumentação expendida pelo recorrente esbarra naquilo que foi o conjunto da prova produzida, e com eco na decisão proferida.
Decorre, pois, de todo o exposto, que não demonstra o recorrente que a decisão recorrida tenha incorrido em ilógico ou arbitrário juízo na valoração da prova, ou se tenha afastado das regras da normalidade do acontecer, ou da experiência comum, não existindo razões para afastar o raciocínio lógico do tribunal a quo, tampouco o recorrente indicou prova que imponha decisão diversa da tomada na decisão em crise, não podendo senão concluir-se que a argumentação e prova por ela indicadas não impõem decisão diversa, nos termos da al. b) do nº 3 do artigo 412º do CPP, apenas sendo exemplificativas de outra interpretação da prova, não havendo, pois, qualquer razão para alterar a matéria de facto provada decidida pelo Tribunal a quo (nem sequer havendo necessidade de apelar ao princípio do in dubio pro reo, ínsito no artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, pois dúvidas não existiram).

3.1. 7. Uma palavra sobre a possível violação do princípio «in dubio pro reo».
No fundo, o que o recorrente pretende, nos termos em que formula a sua impugnação, é ver a convicção formada pelo tribunal substituída pela convicção que ele próprio – julgado na sua ausência, note-se - entende que deveria ter sido a retirada da prova produzida.
Não se evidencia qualquer violação das regras da experiência comum, sendo certo, que fora dos casos de renovação da prova em 2ª instância, nos termos previstos no artigo 430º do CPP - o que, manifestamente, não é o caso -, o recurso relativo à matéria de facto visa apenas apreciar e, porventura, suprir, eventuais vícios da sua apreciação em primeira instância, não se procurando encontrar uma nova convicção, mas apenas e tão-só verificar se a convicção expressa pelo tribunal a quo tem suporte razoável na prova documentada nos autos e submetida à apreciação do tribunal de recurso.
Decidiu-se, no douto Acórdão da Relação do Porto de 9/9/2009 (Pº 564/07.8PAVCD.P1) o seguinte:
«Acresce que vigorando no âmbito do processo penal o princípio da livre apreciação da prova, com expressa previsão no artigo 127º, a impor, salvo quando a lei dispuser diferentemente, a apreciação da prova segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, a mera valoração da prova feita pelo recorrente em sentido diverso do que lhe foi atribuído pelo julgador não constitui, só por si, fundamento para se concluir pela sua errada apreciação, tanto mais que sendo a apreciação da prova em primeira instância enriquecida pela oralidade e pela imediação, o tribunal de 1ª instância está obviamente mais bem apetrechado para aquilatar da credibilidade das declarações e depoimentos produzidos em audiência, pois que teve perante si os intervenientes processuais que os produziram, podendo valorar não apenas o conteúdo das declarações e depoimentos, mas também e sobretudo o modo como estes foram prestados, já que no processo de formação da convicção do juiz “desempenha um papel de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis (v.g. a credibilidade que se concede a um determinado meio de prova) e mesmo puramente emocionais”, razão pela qual quando a atribuição da credibilidade a uma fonte de prova pelo julgador se basear na opção assente na imediação e na oralidade, o tribunal de recurso só a poderá criticar se ficar demonstrado que essa opção é inadmissível face às regras da experiência comum».
Na realidade, ao tribunal de recurso cabe apenas verificar se os juízos de racionalidade, de experiência e de lógica confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar.
«Se o juízo recorrido for compatível com os critérios de apreciação devidos, então significará que não merece censura o julgamento da matéria de facto fixada. Se o não for, então a decisão recorrida merece alteração” (Paulo Saragoça da Matta, “A Livre Apreciação da Prova e o Dever de Fundamentação da Sentença”, texto incluído na colectânea “Jornadas de Direito Processual Penal e Direitos Fundamentais”, pág. 253).
Portanto, a prova produzida foi coerentemente valorada.
Se há duas versões dos factos (mesmo que uma delas tenha dois veículos), não é uma maioria matemática que faz escolher a versão verdadeira.
O facto de haver duas afirmações opostas, não conduz necessariamente a uma “dúvida inequívoca”, por força do princípio in dubio pro reo.
Não está em causa a igual valoração de declarações ou depoimentos, mas a valoração de cada um dos meios de prova em função da especial credibilidade que mereçam.
As declarações e depoimentos produzidos em audiência são livremente valoráveis pelo tribunal, não tendo outra limitação, em sede de prova, que não seja a credibilidade que mereçam.
Voltamos ao Acórdão de 9/9/2009:
«Uma vez verificado que o tribunal recorrido formulou a sua convicção relativamente à matéria de facto com respeito pelos princípios que disciplinam a prova e sem que tenham subsistido dúvidas quanto à autoria dos factos submetidos à sua apreciação, não tem cabimento a invocação do princípio in dubio pro reo, que como reflexo que é do princípio da presunção da inocência do arguido, pressupõe a existência de um non liquet que deva ser resolvido a favor deste. O princípio em questão afirma-se como princípio relativo à prova, implicando que não possam considerar-se como provados os factos que, apesar da prova produzida, não possam ser subtraídos à «dúvida razoável» do tribunal. Contudo no caso dos autos, o tribunal a quo não invocou, na fundamentação da sentença, qualquer dúvida insanável. Bem pelo contrário, a motivação da matéria de facto denuncia uma tomada de posição clara e inequívoca relativamente aos factos constantes da acusação, indicando clara e coerentemente as razões que fundaram a convicção do tribunal».
Sabemos que o julgador deve manter-se atento à comunicação verbal mas também à comunicação não verbal.
Se a primeira ainda é susceptível de ser escrutinada pelo tribunal de recurso mediante a audição do gravado (e foi o que se fez nesta sede de recurso), fica impossibilitado de aceder à segunda para complementar e interpretar aquela.
Deste modo, quando a opção do julgador se centra em prova oral, o tribunal de recurso só estará em condições de a sindicar se esta for contrária às regras da experiência, da lógica, dos conhecimentos científicos, ou não tiver qualquer suporte directo ou indirecto nas declarações ou depoimentos prestados.
E repetimos: o juiz pode formar a sua convicção com base em apenas um testemunho (ou numa só declaração), desde que se convença que nele reside a verdade do ocorrido.
Não basta que o recorrente diga que determinados factos estão mal julgados.
É necessário constatar-se esse mal julgado face às provas que especifica e a que o julgador injustificadamente retirou credibilidade.
Atente-se que o artº 412/3 alínea b) do CPP fala em provas que imponham decisão diversa (e já sabemos que aqui nem sequer foi cumprido o ónus da impugnação especificada).
Por isso entendemos que a decisão recorrida só é de alterar quando for evidente que as provas não conduzam àquela, não devendo ser alterada quando perante duas versões, o juiz optou por uma, fundamentando-a devida e racionalmente.
Ao reapreciar-se a prova por declarações, o tribunal de recurso deve, salvo casos de excepção, adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido desde que o seu juízo seja compatível com os critérios de apreciação devidos.
Decorre do princípio «in dubio pro reo» que todos os factos relevantes para a decisão desfavoráveis ao arguido que face à prova não possam ser subtraídos à dúvida razoável do julgador não podem dar-se como provados.
Tal princípio tem aplicação no domínio probatório, consequentemente no domínio da decisão de facto, e significa que, em caso de falta de prova sobre um facto, a dúvida se resolve a favor do arguido. Ou seja, «será dado como não provado se desfavorável ao arguido, mas por provado se justificar o facto ou for excludente da culpa».
O princípio só é desrespeitado quando o tribunal colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação dos factos decidir por uma apreciação desfavorável à posição do arguido.
Não ficou o Tribunal de Coimbra em estado de dúvida.
E este tribunal de recurso também não, assente que o tribunal recorrido valorou os meios de prova de acordo com a experiência comum e com critérios objectivos que permitem estabelecer um “substrato racional de fundamentação e convicção”, com o apoio de presunções naturais, “juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido“ – v. g. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 07-01-2004 (Proc. 03P3213 - Rel. Cons. Henriques Gaspar - SJ200401070032133).
Por tal razão, não faz sentido fazer aqui valer e funcionar o princípio constitucional in dubio pro reo.

3.1.8. Se assim é, a matéria de facto provada e não provada fica intacta, tal como se gizou na 1ª instância (não havendo que acrescentar facto algum).

3.2. SOBRE O DIREITO

3.2.1. A TAS foi estabelecida com base no exame de pesquisa de álcool no sangue realizado em aparelho de análise quantitativa conforme impõe a lei, sendo vinculativo o resultado obtido e sujeito a cálculo do desconto do erro máximo admissível (doravante EMA) cuja estratificação consta da já citada Portaria nº 1556/2007, estabelecendo no seu artigo 8º que “Os erros máximos admissíveis - EMA, variáveis em função do teor de álcool no ar expirado - TAE, são o constante do quadro que figura no quadro anexo ao presente diploma e que dele faz parte integrante”.
Por seu turno, consta dos autos - em documento lido e assinado pelo arguido - que o mesmo dispensou a realização de contraprova.
E, finalmente, a intencionalidade e conhecimento da ilicitude da conduta extrai-se dos elementos objectivos que se colhem dos autos, sendo certo que esta não pressupõe o conhecimento da exacta TAS que se apresenta.
O arguido bebeu algo - conforme declarações do próprio e das testemunhas de defesa - e foi conduzir.
Assim sendo, não se vislumbra como podia ignorar que conduzia sob influência de álcool com uma taxa que o poderia fazer incorrer em crime.
Uma palavra sobre a questão dos erros do artigo 16º e 17º do CP.
Sabemos que só é punível o facto praticado com dolo ou, nos casos especialmente previstos na lei, com negligência.
Ora, quanto à estrutura do dolo, é ponto pacífico que o mesmo é composto por um elemento cognitivo ou intelectual e por um elemento volitivo.
Nas expressivas palavras de Teresa Pizarro Beleza, “basicamente..., dolo corresponde ao conhecimento e à vontade de praticar um certo acto que é tipificado na lei como crime”.
 Vejamos cada um dos referidos elementos, não esquecendo o ensinamento de Fernanda Palma, segundo o qual: “...a distinção entre um elemento intelectual e um elemento volitivo torna-se, fundamentalmente, uma distinção para efeitos de análise. Na conduta intencional, não há qualquer separação entre o estado cognitivo e a volição, que seja, realmente, vivida pelos agentes”.
Vejamos, pois, em primeiro lugar, o mencionado conhecimento; o elemento cognitivo ou intelectual do dolo.
Para se poder dizer que o agente actuou dolosamente, tem de se poder dizer que o agente conhecia os elementos objectivos essenciais do tipo que a sua conduta, objectivamente, preenche.
Ora, esses elementos objectivos essenciais (ou seja, os elementos que definem o tipo) podem ser descritivos ou normativos, isto é, podem ser elementos correspondentes a conceitos da linguagem comum, vulgar, corrente (por oposição à linguagem jurídica - stricto sensu), ou elementos correspondentes a conceitos da linguagem jurídica (stricto sensu).
Para além do elemento cognitivo ou intelectual do dolo, ou seja, para além do conhecimento da realidade objectiva (lato sensu) que interessa ao tipo, é comum identificar e tratar no dolo uma dimensão de vontade, o chamado elemento volitivo do dolo, elemento este que se traduz na vontade de realizar uma certa conduta e/ou de obter um certo resultado.
Ou seja:
Também ninguém ignora que a estrutura do dolo comporta um elemento intelectual e um elemento volitivo.
O elemento intelectual consiste na representação pelo agente de todos os elementos que integram o facto ilícito – o tipo objectivo de ilícito – e na consciência de que esse facto é ilícito e a sua prática censurável.
O elemento volitivo consiste na especial direcção da vontade do agente na realização do facto ilícito, sendo em função da diversidade de atitude que nascem as diversas espécies de dolo a saber:
o dolo directo – a intenção de realizar o facto;                      
o dolo necessário – a previsão do facto como consequência necessária da conduta e
o dolo eventual – a conformação da realização do facto como consequência possível da conduta.           
Diga-se que, segundo esta doutrina tradicional do crime, sufragada por Eduardo Correia, o dolo desdobra-se num elemento cognitivo ou intelectual e num elemento volitivo ou emocional, ao passo que para uma nova corrente, defendida por Figueiredo Dias, este elemento emocional constitui um terceiro e autónomo elemento.
Mais se diga que a afirmação da existência do elemento intelectual do dolo exige que o agente tenha conhecimento da ilicitude ou ilegitimidade da prática do facto e que, ao nível do processo, esta exigência satisfaz-se com a prova e, consequentemente, com a menção no elenco dos factos provados, do conhecimento do agente da ilicitude da sua conduta, seja pela fórmula habitual, e algo conclusiva de, «bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei», seja por qualquer outra forma que descreva com objectividade este facto da vida interior do agente.
O que não pode acontecer é ter-se por praticado o crime sem a prova da consciência da ilicitude.
A concluir, ouça-se o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, Coimbra Editora, pág. 332 e seguintes:
«A doutrina hoje dominante conceitualiza-o, na sua formação mais geral, como conhecimento e vontade de realização do tipo objectivo de ilícito. O tipo subjectivo do ilícito será assim decomposto em dois elementos: 1- O momento intelectual do dolo. Torna-se necessário, para que o dolo do tipo se afirme, que o agente conheça, saiba, represente correctamente ou tenha consciência das circunstâncias do facto que preenche um tipo de ilícito objectivo. (…) O que com ele se pretende é que, ao actuar, o agente conheça tudo quanto é necessário a uma correcta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à acção intentada, para o seu carácter ilícito (…) 2- O momento volitivo do dolo. O conhecimento (previsão) das circunstâncias de facto e, na medida necessária, do decurso do acontecimento não podem, só por si, indiciar a contrariedade ou indiferença manifestada pelo agente no seu facto, que dissemos caracterizar a culpa dolosa e, em definitivo, justificar a punição do agente a título de dolo. Isto significa que o dolo do tipo não pode bastar-se com esse conhecimento, mas exige ainda a verificação no facto de uma vontade dirigida à sua realização. É este momento que constitui o elemento volitivo do dolo do tipo e que pode assumir matizes diversas, permitindo a formação de diferentes classes de dolo».
Diremos ainda, no que tange à componente subjectiva da conduta praticada pelo arguido, que o dolo constitui, as mais das vezes, um bom exemplo de escola do que, por revelar uma índole anímica, ligada ao espírito e à vontade do agente, tem de assentar, para a inerente demonstração, naquilo que amiúde se chama de “prova indirecta”.
Dito de outro modo, raramente os actos interiores ou factos internos, que respeitam à vida psíquica da pessoa, se provam directamente, pelo que tê-los-emos de surpreender e captar nos factos exteriores, no comportamento externo e visível do agente que realiza um tipo objectivo de crime, devendo o julgador, por isso, resolver a questão factual decidindo se o agente agiu internamente (na sua voluntas) da forma como foi por si revelada externamente.
De acordo com o Acórdão da Relação de Coimbra de 8/11/2017, em casos como os que acabamos de aludir, a prova do dolo terá que ser levada a cabo por inferência, isto é, terá que resultar da conjugação da prova de factos objectivos – particularmente, dos que integram o tipo objectivo de ilícito – com as regras de normalidade e da experiência comum (onde a premissa maior é composta pelas regras da experiência comum convocadas e a premissa menor é composta pelo facto ou pelos factos objectivos provados) (no mesmo sentido, cfr. igualmente Ac. STJ de 12/3/2009, ambos os arestos disponíveis em www.dgsi.pt).
Ora, no nosso caso, o tribunal, para fazer prova dos elementos subjectivos do tipo de crime, baseou-se nos actos objectivos comprovados, conjugados com as elementares regras da normalidade e da experiência comum
E fez o tribunal o cotejo de toda essa prova objectiva, chegando à óbvia conclusão de que o arguido conduziu etilizado, sabendo que o estava.
No fundo, no legal exercício do princípio da livre apreciação da prova (do artigo 127º do CPP), o tribunal não acreditou na versão do arguido, segundo a qual ele acreditava razoavelmente que não alcoolizado.
A defesa, para tal desiderato, apenas lança mão do depoimento do próprio arguido, em cumprimento das exigências legais do ónus de impugnação especificada do artigo 412º, nºs 3 e 4 do CPP.
E o seu depoimento vale o que vale, o que é muito pouco, pois também nós, ouvido o seu depoimento gravado, não vislumbramos na sua letra qualquer verosimilhança ou lógica.
A verdade é que a defesa não trouxe à ribalta do julgamento qualquer prova que inviabilize a conclusão a que chegou o tribunal relativamente à atitude dolosa do arguido – apenas se invoca o simples depoimento do arguido que, ouvido por nós, nada traz de novo que contrarie a conclusão a que chegou o tribunal quanto à prova dos factos nºs 1 a 4, como atrás já se concluiu.
Invocar aqui, e nesta sede, um erro do artigo 16º do CP – ou do 17º - é desadequado.
As chamadas causas de exclusão da culpa são estas:
a)- A inimputabilidade (artigos 19º e 20º do CP): inimputabilidade em razão da idade e em razão de anomalia psíquica;
b)- A falta de consciência da ilicitude (artigo 17º do CP) – onde teremos de falar do erro sobre a ilicitude (artigo 17º), do erro sobre as proibições formais do artº 16, nº 1, parte final, do erro sobre a ilicitude e sobre a licitude (ou sobre a existência ou limites de uma causa de justificação – artigo 16º, nº 2 do CP);
c)- O excesso de legítima defesa desculpante (artigo 33º, nº 2 do CP);
d)- O estado de necessidade desculpante (artigo 35º do CP) e
e)- A obediência indevida desculpante (artigo 37º do CP).
Exemplarmente, o acórdão desta Relação, datado de 8/11/2017 (Pº 60/16.2GCSCE.C1), assim disserta sobre os erros dos artigos 16º e 17º do CP:
«No C. Penal, a matéria do erro intelectual encontra-se tratada nos seus arts. 16º e 17º.
O erro-ignorância sobre o facto típico é regulado na primeira parte do nº 1 do artigo 16º segundo a qual, o erro sobre elementos de facto ou de direito de um tipo de crime (…), exclui o dolo.
O erro-ignorância sobre a ilicitude ou punibilidade é regulado na segunda parte do nº 1 do artigo 16º segundo a qual, o erro (…) sobre proibições cujo conhecimento for razoavelmente indispensável para que o agente possa tomar consciência da ilicitude do facto, exclui o dolo.
E é também regulado no artigo 17º, com a epígrafe «Erro sobre a ilicitude», nos termos seguintes:
1 – Age sem culpa quem actuar sem consciência da ilicitude do facto, se o erro lhe não for censurável.
2 – Se o erro lhe for censurável, o agente é punido com a pena aplicável ao crime doloso respectivo, a qual pode ser especialmente atenuada.
O que distingue o erro sobre o facto típico, previsto na primeira parte do nº 1 do artigo 16º do erro sobre a ilicitude, previsto no artigo 17º, é o respectivo objecto. O primeiro tem por objecto os mala prohibita, os crimes cuja ilicitude não se presume conhecida de todos os cidadãos, nem lhes é de exigir tal conhecimento. O segundo tem por objecto os mala in se, os crimes cuja ilicitude se presume conhecida de todos os cidadãos, sendo-lhes exigível tal conhecimento.
No que às respectivas consequências respeita, o primeiro exclui o dolo, o segundo exclui a culpa, se não for censurável».
Diremos nós ainda:
O erro sobre a ilicitude ou sobre a punibilidade que exclui o dolo (artº 16º, nº 1 do CP) apenas se deve e pode referenciar aos crimes cuja punibilidade não se pode presumir conhecida de todos os cidadãos.
Aos crimes cuja punibilidade se pode presumir que seja conhecida por todos os cidadãos, o eventual erro sobre a ilicitude só pode ser subsumível ao artº 17º CP, em caso em que a culpa só é afastada se a falta de consciência da ilicitude do facto decorre de erro não censurável.
A censurabilidade só é de afastar se e quando se trate de proibições de condutas cuja ilicitude material não esteja devidamente sedimentada na consciência ético social.
Ora, o comum dos cidadãos não ignora que é proibido conduzir depois de se beber álcool, podendo até configurar-se dolo eventual na sua atitude (que não deixa de ser dolo).
Ouçamos aqui o Acórdão da Relação de Évora de 5/4/2011, no Pº 162/08.9GTEVR.E3):
«A propósito da acima mencionada racionalidade da inferência, importa sublinhar o princípio geral informador da apreciação da actividade probatória, vertido no artº 127º do CPP: salvo quando a lei dispuser diferentemente, a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção da entidade competente.
A densificação do conceito de livre apreciação da prova foi efectuada pelo Tribunal Constitucional, nos termos que de seguida se expõem e que se subscrevem: o sistema da livre apreciação da prova não deve definir-se negativamente pela ausência de regras e critérios legais predeterminantes do seu valor, havendo antes de se destacar o seu significado positivo, que há-se traduzir-se em valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, que permita ao julgador objectivar a apreciação dos factos. Assim, em caso de recurso e quando a prova utilizada na decisão recorrida, cabe ao tribunal ad quem determinar se entre o facto conhecido (básico) e a consequência apurada existe um nexo lógico a partir do qual se possa concluir pela probabilidade ou acerto dos facta probanda, sendo que, para não brigar com o princípio da imediação da prova, se entende que aquele tribunal deverá limitar-se a aferir se os juízos de racionalidade, de lógica e de experiência confirmam ou não o raciocínio e a avaliação feita em primeira instância sobre o material probatório constante dos autos e os factos cuja veracidade cumpria demonstrar».
Como esclarece Ana Maria Barata Brito, in A valoração da prova e a prova indireta, no e-book A prova ou por indícios, CEJ Julho de 2020, pag. 125, «Na ausência de confissão, em que o arguido reconhece ter sabido e querido os factos que realizam um tipo objectivo de crime, a prova do dolo terá de fazer-se por ilações, a partir de indícios, através de uma leitura do comportamento exterior e visível do agente.
O julgador deve resolver a questão de facto decidindo que (ou se) o agente agiu internamente da forma como o revelou externamente.
A tudo procedendo sempre de acordo com a explicação clara do acórdão do STJ de 06/10/2010, relatado por Henriques Gaspar, sem “descontinuidade ou incongruências”».
Como bem refere a inspirada resposta do MP de 1ª instância:
«Relativamente ao invocado «erro sobre a ilicitude» ou «erro sobre as circunstâncias de facto, uma vez que desconhecia que duas cervejas dariam a referida TAS», cumpre afirmar que, a circunstância de o arguido ter praticado os factos no contexto de tempo, modo e lugar com que praticou, após a ingestão de bebida alcoólica, como reconhece, não permite afastar que não tivesse o conhecimento e a concreta perceção do que fazia e que não estivesse consciente dos seus atos e, muito menos, que estivesse absolutamente incapacitado de compreender o alcance da sua conduta.
Com efeito, como se constata do que se veio apurar em julgamento, este alegado «erro» não se mostrou apurado, já que os atos foram praticados com consciência, e com inerente capacidade de querer e entender, isto é, de avaliar a ilicitude dos factos e de se determinar de acordo com essa avaliação, sem qualquer tipo comprovado de erro, inimputabilidade ou mesmo de incapacidade de cariz acidental – cfr. artigos 20.º e 295.º, ambos do Código Penal.
Certo é que, qualquer distúrbio de consciência ou vontade de que o arguido padecesse pela ingestão do álcool, não afetou o seu discernimento ou a sua capacidade para se determinar segundo as normas de comportamento em causa.
Pelo que, tal argumento terá, naturalmente, de falecer».
Conclui-se, assim, que se encontra igualmente preenchido no caso concreto o tipo subjectivo do ilícito em causa, por apelo à mais do que legal prova indirecta.
Como tal, cai por terra a possibilidade de fazer aqui aplicação dos erros do artigo 16º e 17º do CP.
Consumada está, pois, a prática do crime da acusação pública.

3.2.2. Restam as penas.
A moldura penal abstracta do crime cometido é a seguinte: pena principal de prisão entre 1 mês e um ano OU – em alternativa - com uma pena de multa entre 10 e 120 dias, incorrendo ainda na pena acessória de 3 meses a 3 anos de proibição de condução de veículos com motor.

3.2.2.1. PENA PRINCIPAL

Perante a perfectibilização do tipo legal em causa, nos seus elementos objectivos e subjectivos (cfr., a este propósito, o artigo 14º, do CP e a dimensão eventualmente dolosa do comportamento do agente, assente que, in casu, a negligência não é punível), há que passar à operação da determinação da ESCOLHA (pois o tipo legal coloca uma alternativa entre prisão e multa) e MEDIDA da pena a aplicar ao agente do crime.
O tribunal a quo escolheu a multa em detrimento da prisão e fixou aquela em 85 dias, à taxa diária de € 6.
O arguido anseia por uma pena de multa não tão injusta (não se compromete com um «quantum»).
Ora, a determinação da pena envolve diversos tipos de operações.
O julgador, perante um tipo legal que prevê, em alternativa, como penas principais, as penas de prisão ou multa, deve ter em conta o disposto no artigo 70º do CP que consagra o princípio da preferência pela pena não privativa da liberdade, sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Tais finalidades, nos termos do artigo 40º do mesmo diploma, reconduzem-se à protecção de bens jurídicos (prevenção geral) e à reintegração do agente da sociedade (prevenção especial).
Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina, em seguida, a medida concreta da pena que vai aplicar, para depois escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida.
Assim, o tribunal, perante a previsão abstracta de uma pena compósita alternativa, deve dar preferência à multa sempre que formule um juízo positivo sobre a sua adequação e suficiência face às finalidades de prevenção geral positiva e de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial de socialização, preterindo-a a favor da prisão na hipótese inversa.
Neste momento do procedimento de determinação da pena, o único critério a atender é o da prevenção.
O artigo 70º opera, precisamente, como regra de escolha da pena principal, nos casos em que se prevê pena de prisão ou multa.
Porém, a escolha da pena principal de prisão em detrimento da multa não significa que desde logo se opte pela execução ou cumprimento da pena privativa da liberdade, pois entretanto haverá que ponderar a aplicação das penas de substituição que apenas são aplicáveis depois de escolhida a pena de prisão e de concretamente determinado, nos termos do artigo 71º, o seu quantum.
Já o assinalámos: da escolha da pena principal de prisão, no caso de moldura abstracta que contempla prisão ou multa, não decorre, necessariamente, que a pena privativa da liberdade tenha de ser cumprida.
O que pode acontecer é que o tribunal, atento o preceituado no artigo 70º, opte pela prisão como pena principal, por entender que a multa não satisfaz de forma adequada e suficiente todas as finalidades da punição, mas que, num segundo momento, uma vez fixada a prisão em certa medida, entenda dever proceder à sua substituição, por tal lhe ser legalmente imposto se a execução da prisão não for exigida pela necessidade de prevenir o cometimento de futuros crimes (cfr. artigo 43º), ou porque, face às penas de substituição legalmente previstas, acaba por concluir que uma dessas penas satisfaz de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (cfr. Figueiredo Dias, As consequências jurídicas do crime, 1993, p. 364).
Depois de escolhida a pena a aplicar, há que determinar a sua medida.
O artigo 71º, nº 1, do CP estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena deve encontrar-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
O nº 2 desse normativo estatui que, na determinação da pena, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o arguido.
A medida concreta da pena há-de ser, assim, o quantum que é encontrado, de forma intelectual pelo julgador, através do racional e ponderado funcionamento dos conceitos de «culpa» e «prevenção, sendo a culpa o limite inultrapassável da punição concreta e casuística.
Dentro dos limites da moldura penal, há-de ser a culpa que fixa o limite máximo da pena que no caso será aplicada – a finalidade de prevenção geral de integração ou positiva orienta a determinação concreta da pena abaixo do limite máximo indicado pela culpa, aparentando-se mais com a prevenção especial de socialização, sendo esta a determinar, em última instância, a medida final da pena.
A determinação da pena dentro dos limites da moldura penal é um acto de discricionariedade judicial, mas não uma discricionariedade livre como a da autoridade administrativa quando esta tem de eleger, de acordo com critérios de utilidade, entre várias decisões juridicamente equivalentes, sendo antes uma discricionariedade juridicamente vinculada.
O exercício dessa discricionariedade pelo juiz na individualização da pena depende de princípios individualizadores em parte não escritos, que se inferem dos fins das penas em relação com os dados da individualização - trata-se da aplicação do Direito e, como acontece com qualquer outra operação nesse domínio, e na feliz fórmula de Simas Santos, «mesclam-se a discricionariedade e vinculação, com recurso a regras de direito escritas e não escritas, elementos descritivos e normativos, atos cognitivos e puras valorações».
Neste domínio, o julgador tem de traduzir numa certa quantidade (exacta) de pena os critérios jurídicos de determinação dessa mesma pena.
De facto, a determinação da pena envolve diversos tipos de operações:
· a)- determinação da medida abstracta da pena (olhando para o tipo legal de crime em causa);
· b)- escolha, no caso de molduras compósitas alternativas de prisão ou multa, da pena principal, nos termos do artigo 70º, do CP;
· c)- fixação do quantum da pena principal dentro da moldura respectiva, com base nos critérios do artigo 71º, do CP;
· d)- ponderação da aplicação de uma pena de substituição;
· e)- fixação, finalmente, desta pena (sua medida concreta).
Ora, no caso vertente optou-se à luz do artigo 70º do CP, e bem, por uma pena de multa, cuja medida foi fixada em 85 dias.
Atendendo aos critérios estabelecidos pelo artigo 71º, nº 2, do CP, temos, em síntese, que, a favor do arguido, militam as seguintes circunstâncias:
· a ausência de consequências da sua conduta;
· a condição socioeconómica de grau baixo;
· o facto de se encontrar profissional e socialmente enquadrado;
· a ausência de antecedentes criminais.
Por seu turno, em desfavor deste, há que considerar o seguinte:
· a ausência de confissão integral e sem reservas da totalidade dos factos que lhe eram imputados;
· o dolo com que actuou, que é directo;
· o grau de ilicitude dos factos, revelada na taxa de álcool no sangue.
Portanto, sopesando todos estes factores, entendeu-se que ainda não é chegada a altura de optar por uma pena privativa da liberdade, nisto se concordando com a sentença recorrida (aliás essa opção não é obviamente alvo de recurso pelo arguido, também não o sendo o valor pecuniário do dia de multa).
O arguido acha que a pena de multa foi excessiva, pedindo a sua condenação numa ADMOESTAÇÃO.
Que dizer, então?
Dentro da moldura penal abstracta, o tribunal recorrido fixou a pena concretamente em 85 dias de multa, o que, logo no plano da elementar aritmética, o faz colocar um pouco acima do seu intervalo médio.
Por outro lado, o recorrente não cuida sequer de especificar em quê concretamente teria o tribunal errado na valoração dos dados pertinentes, uma vez que omite concretização de quais as normas do artigo 71º, nº 2, do CP, de que não menciona alínea, que supostamente teriam sido erradamente aplicadas nas ponderações, conduzindo assim a um “excesso” de pena.
Não obstante, alude a escassas exigências de prevenção especial (aqui apelando à sua primariedade e boa integração social).
Ora, em sede de concreta medida da multa, o que o tribunal recorrido entendeu, foi também e justamente que o baixo nível sociocultural do recorrente, a sua boa inserção familiar e laboral e a sua primariedade (tudo em sentido favorável), importavam, apesar do grau de ilicitude dos factos, revelada na taxa concreta encontrada no seu sangue, do seu dolo directo e sua correspondente intensidade algo agravante da culpa (em sentido desfavorável, claro), exigências de prevenção geral apenas moderadas e de prevenção especial claramente muito reduzidas.
Isso e o facto de não ter tudo confessado, o que nos não parece merecer discrepância ou sequer reserva, é que justifica uma pena um pouco acima do intervalo médio da moldura; e, não havendo factores relevantes cuja ponderação tivesse sido omitida, simplesmente não vemos também porque devesse a pena de multa situar-se ainda mais abaixo e especificamente no limite mínimo da moldura - em todo o caso e seguramente, tida em conta uma certa margem incompressível de variabilidade (própria da natureza das coisas humanas), não vemos nesta concreta pena desproporcionalidade manifesta que justifique correcção pelo tribunal superior.
Impõe-se AINDA considerar as estatísticas terríveis de sinistralidade rodoviária, onde a condução sob a influência do álcool tem papel de relevo, sendo elevadíssimas as necessidades de prevenção geral que no caso se fazem sentir.
Não existe, em nossa opinião, um circunstancialismo de facto que justifique uma compressão dos legítimos interesses gerais da comunidade na repressão deste tipo de criminalidade.
Improcede, assim, o recurso neste segmento, validando-se a pena de multa fixada em 85 dias, à taxa diária – justa – de seis euros.
Quanto à requerida Admoestação, de harmonia com o disposto no artigo 60º, nºs 1 e 2, do Cód. Penal, “se ao agente dever ser aplicada uma pena de multa em medida não superior a 240 dias, pode o tribunal limitar-se a proferir uma admoestação”, a qual “só tem lugar se o dano tiver sido reparado e o tribunal concluir que, por aquele meio, se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”.
Não tendo o arguido confessado os factos é óbvio que nem sequer reconhece o desvalor inerente à conduta adoptada, o que eleva o patamar das exigências de prevenção especial, sendo também acutilantes as necessidades de prevenção geral face ao flagelo que constitui a condução sob influência do álcool.
Daí ser manifesta a inadequação e insuficiência de tal pena, na hipótese em análise, afigurando-se perfeitamente infundada a pretensão do arguido.

3.2.2. SOBRE A PENA ACESSÓRIA
Foi ainda o arguido condenado na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 4 meses.
Estamos perante uma verdadeira pena: conquanto seja uma sanção dependente da aplicação da pena principal (como a própria denominação indica), não resulta directa e imediatamente da cominação desta, no sentido de que não é seu efeito automático, o que, aliás, constitui imposição constitucional, decorrente do nº 4 do artigo 30º da Constituição, que estabelece, tal qual o faz o nº 1 do artigo 65º do CP, que nenhuma pena envolve como efeito necessário a perda de quaisquer direitos civis, profissionais ou políticos, constituindo antes uma sanção autónoma.
A pena acessória de proibição de conduzir, para muitos, é bem mais gravosa que a pena principal (evidentemente, quando esta é não privativa da liberdade), sendo certo que a defesa passa aqui, necessariamente, pela alegação e prova de factos de natureza pessoal, factos da maior importância para a determinação concreta da medida daquela, os quais só podem ser dados a conhecer pelo arguido ao tribunal se o mesmo for prevenido de que a condenação no crime de que é acusado implica, também, a condenação na pena acessória (e daí o sentenciado, em termos de fixação de jurisprudência, no AFJ do STJ nº 7/2008, de 25/6/2008 - «Em processo por crime de condução perigosa de veículo ou por crime de condução de veículo em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas, não constando da acusação ou da pronúncia a indicação, entre as disposições legais aplicáveis, do nº 1 do artigo 69º do Código Penal, não pode ser aplicada a pena acessória de proibição de conduzir ali prevista, sem que ao arguido seja comunicada, nos termos dos nºs 1 e 3 do artigo 358º do CPP, a alteração da qualificação jurídica dos factos daí resultante, sob pena de a sentença incorrer na nulidade prevista na alínea b) do nº 1 do artigo 379º deste último diploma legal».
Qualquer sentença não deve deixar de atender às circunstâncias que, não fazendo parte do crime, depõem a favor do agente - designadamente as circunstâncias do facto, grau de culpa e ilicitude, antecedentes criminais e situação pessoal, profissional e familiar do arguido -, devendo-o fazer, como é de direito, na operação de graduação concreta daquela sanção.
Admitindo que a faculdade de conduzir veículos automóveis é um direito civil, é certo que a perda desse direito é uma medida que o juiz aplica e gradua dentro dos limites mínimo e máximo previstos, em função das circunstâncias do caso concreto e da culpa do agente, segundo os critérios do artigo 71º do CP.
A circunstância de ter sempre de ser aplicada essa medida, ainda que pelo mínimo da medida legal da pena, desde que seja aplicada a pena principal de prisão ou multa, não implica, ainda assim, neste caso, colisão com a proibição de automaticidade.
A adequação da proibição de conduzir a este tipo de ilícitos revela que a medida dessa proibição se configura como uma parte de uma pena compósita, como se de uma pena principal associada à pena de prisão se tratasse, em relação à qual valem os mesmos critérios de graduação previstos para esta ultima (com efeito, a aplicação da proibição de conduzir fundamenta-se, tal como a aplicação da pena de prisão ou multa, na prova da prática do facto típico e ilícito e da respectiva culpa, sem necessidade de se provarem quaisquer factos adicionais, surgindo como adequada e proporcional tal sanção, atenta a natureza da infracção, com a inerente perigosidade decorrente dessa conduta).
Como opinam Jorge Miranda e Rui Medeiros, in CRP anotada, Tomo I, CE, p. 338, «parece-nos que não é pelo facto de o legislador associar a um crime (ou a uma pena) de alguma gravidade um “efeito” que atinja esses direitos, que fique violado um princípio constitucional, desde que seja SEMPRE respeitado o princípio da proporcionalidade, tanto em abstracto como em concreto, através da determinação, por moldura legal, do tempo de privação do direito ou, então, através da previsão de uma cláusula de salvaguarda por “manifesta desproporção”».
Ora:
A proibição de conduzir veículos motorizados como pena acessória que é, tal como a pena principal, deve ser determinada de acordo com o disposto no artigo 71º do CP.
O artigo 71º, nº 1 do CP estabelece o critério geral segundo o qual a medida da pena (leia-se, então, também medida da pena acessória) deve fazer-se em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
O nº 2 desse normativo estatui que, na determinação da pena, há que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor e contra ele.
A medida concreta da pena há-de ser, assim, o quantum que é encontrado, de forma intelectual pelo julgador, através do racional e ponderado funcionamento dos conceitos de «culpa» e «prevenção, sendo a culpa o limite inultrapassável da punição concreta e casuística.
Dentro dos limites da moldura penal, há-de ser a culpa que fixa o limite máximo da pena que no caso será aplicada – a finalidade de prevenção geral de integração ou positiva orienta a determinação concreta da pena abaixo do limite máximo indicado pela culpa, aparentando-se mais com a prevenção especial de socialização, sendo esta a determinar, em última instância, a medida final da pena.
Seguem-se aqui os mesmos comandos que se expuseram para a fixação da pena principal.
Diremos ainda mais - à pena acessória cabe uma «função preventiva adjuvante da pena principal (...) que se não esgota na intimidação da generalidade mas se dirige (…) à perigosidade do delinquente» – Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime, p. 96.
Considerando que a pena acessória visa prevenir a perigosidade mas constitui também uma censura adicional pelo facto praticado pelo arguido - cfr., Figueiredo Dias, Acta nº 8 da Comissão de Revisão do Código Penal, in Actas e Projecto da Comissão de Revisão do Código Penal, Editora Rei dos Livros, pág. 75 -, verifica-se que, não obstante a pena acessória ter, face à pena principal, uma função mais restrita - função preventiva -, a determinação da sua medida é ainda feita por recurso aos critérios gerais constantes do artigo 71° do Código Penal - cfr. neste sentido Ac. da R.C. de 18/12/96, in CJ, Ano XXI, t. V, p. 62 e ss. e Ac. da R.P. de 20/9/95, in CJ, Ano XX, t. IV, p. 229 e ss.
Discorda o arguido da pena acessória que lhe foi aplicada – 4 meses de proibição de conduzir veículos.
De facto, o crime em questão é também punível com a pena acessória de proibição de condução de veículos com motor, a fixar entre três meses e três anos, nos termos do disposto no artigo 69º, nº 1, alínea a), do CP.
Esta pena acessória tem, além do mais, um carácter dissuasor, com vista a evitar que os condutores conduzam de forma imprevidente e desatenta.
No caso em apreço, são elevadas as exigências de prevenção geral, pois subjacente ao preceito em apreciação visa-se o combate à sinistralidade rodoviária provocado pelo álcool ingerido pelo condutor demasiado confiante em si próprio e pouco atento às vicissitudes do trânsito que se desenrola perante os seus olhos, numa atitude que deve cada vez ser mais de prevenção e defensiva, o levam ao desastre.
Importa, agora, determinar a medida da pena acessória, que será fixada dentro da moldura penal abstracta – repete-se, com um mínimo de três meses e um máximo de três anos – de acordo com a culpa e as exigências de prevenção (geral e especial), bem como a todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido (cf. artigo 71º do CP), fazendo-se, por isso, o mesmo raciocínio que se faz para graduar a pena principal.
Tendo sida essa pena acessória fixada em 4 meses, tão mas tão perto do limite mínimo, não vemos como é que se pode razoavelmente discutir a sua dosimetria quando se está perante alguém que apresenta uma taxa já com alguma dimensão, só nos restando, pois, validar tal pena.
Assim, a pena acessória fixada pela 1ª instância (4 meses) é minimamente adequada, em termos toleráveis, ao caso vertente[3].

Não vale agora invocar que se precisa da carta para trabalhar.
Desta forma, não será de esperar – esse o nosso desejo - que volte a delinquir pois já sabe a falta que lhe faz a carta.
Esta pena exerce uma função de emenda cívica e, por isso, é justificada, ao contrário do que defende o recorrente.
A condução de veículo automóvel na via pública, com capacidades intelectuais diminuídas, nomeadamente a nível de atenção, rapidez de reflexos e coordenação motora, por o agente estar influenciados por elevados níveis de álcool ingerido, constitui um elevado risco para a sociedade, cuja segurança urge proteger através da aplicação de adequada pena acessória para evitar a reincidência neste crime rodoviário.
E, também, não deve ser esquecido que o conteúdo essencial do direito ao trabalho que o arguido vê ofendido com a aplicação da sanção acessória da inibição de condução não é atingido, na medida em que a ponderação que resulte do confronto deste direito do trabalho com a protecção de outros bens - que fundamentam a sua limitação, através da aplicação das penas principal e acessórias infligidas - não redunda na aniquilação ou, sequer, na violação desproporcionada de qualquer direito fundamental ao trabalho, mas antes numa limitação temporária – ver, neste sentido, Acórdão nº 440/2002, do Tribunal Constitucional, publicado no D.R. nº 277/2002, Série II, de 29/11/2002.
Assim, ponderadas as circunstâncias atinentes à culpa e às necessidades de prevenção, bem como os elevados índices de sinistralidade no nosso País, provocados justamente por condutores imprevidentes e etilizados, considera-se minimamente justa e proporcional a imposição ao arguido da proibição de conduzir veículos a motor por um período de 4 MESES (face ao facto de ser esta a sua 1ª condenação).
As penas reclamadas pelo recorrente são infinitamente insuficientes para assegurar as finalidades da punição.

3.2.3. Acresce salientar a jurisprudência do STJ expressa entre outros arestos, no Acórdão de 7 de Abril de 2011, que considera dever atender-se a que o tribunal a quo fruiu, também, quanto à medida da pena, da imediação e oralidade, pelo que só em casos de manifesto desequilíbrio e desproporcionalidade, haverá a medida que ser alterada em recurso, o que aqui, salvo melhor opinião e o devido respeito, não sucede.
A propósito da controlabilidade da pena, em recurso, ensina Figueiredo Dias, (Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, pág. 197), que sobre a determinação do seu quantum, a sindicância recursória deverá reservar-se para as hipóteses em que «tiverem sido violadas regras de experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada».
No mesmo sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Guimarães de 7 de Outubro de 2013 (Pº 86/13.8GEGMR.G1) onde se decidiu que «se o tribunal, na escolha e determinação da medida da pena, formulou juízos e tomou opções que não ofendem os parâmetros de normalidade das coisas da vida, não deve a decisão ser modificada pelo tribunal de recurso, por discordâncias pontuais e de pormenor».
Também se diga que em lado algum esta decisão viola os princípios da adequação e proporcionalidade, transversais a todo o Direito Penal e o Direito Processual Penal.

3.2.3. Uma palavra final sobre as custas.
Considera o recorrente que foi excessiva a condenação em 2 Ucs de taxa de justiça (vamos entender, com um pouco de benevolência, que a Conclusão nº 23 – parte final - se refere também a esta condenação em custas).
Sabemos que a condenação em custas não é uma consequência jurídica ou efeito da aplicação de uma qualquer pena, correspondendo antes ao pagamento dos custos originados com o processo, em caso de condenação ou decaimento total em qualquer recurso,
Estatui o artigo 513º, nº 1 do CPP que só há lugar ao pagamento da taxa quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso.
Adianta depois o artigo 514º do CPP que só há lugar ao pagamento da taxa quando ocorra condenação em 1.ª instância e decaimento total em qualquer recurso.
O nº 3 do primeiro dos artigos dispõe ainda que «a condenação em taxa de justiça é sempre individual e o respectivo quantitativo é fixado pelo juiz, a final, nos termos previstos no Regulamento das Custas Processuais», doravante RCP.
Indo ao RCP, chegamos ao artigo 8º, nº 9:
«Nos restantes casos, a taxa de justiça é paga a final, sendo fixada pelo juiz tendo em vista a complexidade da causa, dentro dos limites fixados pela tabela iii».
A nossa situação cabe «nos restantes casos».
Consultando a tabela iii aí referenciada, ela dita que, em caso de processos especiais (o nosso caso) com contestação (o nosso caso), a taxa varia entre ½ Uc e 3 Ucs.
O tribunal fixou-a em 2 Ucs [laborou em lapso material ao referir o nº 5 do artigo 8º do RCP, quando o normativo certo é o nº 9, assim se fazendo a correcção, ao abrigo do artigo 380º, nºs 1 b) e 2 do CPP].
Perfeitamente razoável o montante.
A referência legal à complexidade da causa a atender para efeitos de determinação da taxa de justiça deve ser interpretada lato sensu, aí abrangido o volume de trabalho a que o recurso obriga, via pela qual acabam sempre por relevar o número, a razoabilidade e a pertinência das questões suscitadas.
No nosso caso, um simples processo de autuação por crime de condução em estado de embriaguez (a decorrer sob a forma de processo sumário), houve vários requerimentos para a acta, sendo pedido trabalho suplementar ao julgador.
Como tal, não vislumbramos qualquer exagero neste aspecto tributário.

3.3. Em síntese conclusiva, improcede a totalidade do recurso, decidindo-se pela manutenção de todo o sentenciado.
Após trânsito, e devolvidos os autos à 1ª instância, recomenda-se que se dê DE NOVO cumprimento ao disposto no Acórdão do STJ nº 2/2013 (AUJ), de 8/1/2013, segundo o qual: «Em caso de condenação (…) e aplicação da sanção acessória de proibição de conduzir prevista no artigo 69º, nº 1, al. a) – ou outra alínea -, do CP, a obrigação de entrega do título de condução derivada da lei (artigo 69º, nº 3 do CP e artigo 500º, nº 2 do CPP), deverá ser reforçada, na sentença, com a ordem do juiz para entrega do título, no prazo legal previsto, sob a cominação de, não o fazendo, o condenado cometer o crime de desobediência do artigo 348º, nº 1, al. b), do CP».

            III – DISPOSITIVO       

            Em face do exposto, acordam os Juízes da 5ª Secção - Criminal - deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA , confirmando a sentença recorrida.

Custas pelo arguido recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs [artigos 513º, no 1, do CPP e 8º, nº 9 do RCP e Tabela III anexa].

Coimbra, 12 de Março de 2025
(Consigna-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo primeiro signatário, sendo ainda revisto pelo segundo e pelo terceiro – artigo 94º, nº 2, do CPP -, com assinaturas electrónicas apostas na 1.ª página, nos termos do artigo 19º da Portaria 280/2013, de 26-08, revista pela Portaria 267/2018, de 20/09)
 
 Relator: Paulo Guerra
Adjunto: Sandra Ferreira
Adjunto: Sara Reis Marques


[1] Para melhor sistematização e identificação dos factos, resolvemos enumerar os factos não provados.
[2] Deixou transitar o indeferimento da prova requerida no fim da sua contestação, por despacho proferido na acta de 6.9.2024.
[3] De facto, a pena acessória não foi elevada, sendo até muito benevolente.
Desde que o relator aqui tomou posse, em Setembro de 2009, já decidimos assim em casos desta criminalidade:
· Taxa de 1,24 g/l – quatro meses
· Taxa de 1,49 g/l – cinco meses
· Taxa de 1,70 g/l – doze meses (com várias condenações anteriores)
· Taxa de 1,80 g/l – seis meses
· Taxa de 1,81 g/l – seis meses e 15 dias
· Taxa de 2,16 g/l – oito meses
· Taxa de 2,20 g/l – oito meses
Adianta-se ainda que a jurisprudência recente tem ido por estes critérios.