Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
356/23.7PBCBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA TERESA COIMBRA
Descritores: RECURSO DE DECISÃO QUE NÃO CONHEÇA A FINAL DO OBJECTO DO PROCESSO
SUSTENTAÇÃO OU REPARAÇÃO DA DECISÃO
IRREGULARIDADE DO DESPACHO
Data do Acordão: 03/17/2025
Votação: DECISÃO SUMÁRIA
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA - JUÍZO DE INSTRUÇÃO CRIMINAL DE COIMBRA - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART.º 130º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL EX VI ART. 4º DO CPP - Nº 4 DO ART. 414º DO CPP.
Sumário: 1 - Se o recurso não for interposto de decisão que conheça, a final, do objecto do processo, o tribunal pode, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, sustentar ou reparar aquela decisão - nº 4 do art. 414º do CPP.

2 - Usando de tal faculdade, não pode o Juiz afirmar que não sustenta a decisão e omitir a respectiva reparação.

3 - Tal omissão torna irregular o despacho proferido.

4 - A norma referida em 1 não serve apenas para sublinhar a posição anterior, serve também e sobretudo para, sendo caso disso, evitar a prática de atos inúteis, que a lei proíbe - art. 130º do Código de Processo Civil ex vi art. 4º do CPP).

Decisão Texto Integral:

            Nos termos da alínea a) do nº 6 do art. 417º do Código de Processo Penal (CPP), passa a proferir-se

                                               DECISÃO SUMÁRIA

            I.

            Por despacho de 1.11.2024 (ref. 95407117) foi considerado “manifestamente extemporâneo” o requerimento de abertura de instrução apresentado por AA, não tendo, por essa razão, sido admitido.

                                                                       *

            Inconformada, recorreu AA para este tribunal pugnando pela revogação da decisão e substituição por outra que declare aberta a instrução e leve a cabo as diligências oportunamente requeridas.

                                                                       *

            O recurso foi admitido e a ele respondeu o Ministério Público reconhecendo razão à recorrente e defendendo o entendimento de que a decisão deverá ser revogada e substituída por outra que admita a instrução requerida.

                                                                       *

Antes de mandar subir os autos, o Senhor Juiz a quo proferiu o seguinte despacho: “Dê-se conhecimento da resposta do Ministério Público.

            Salvo melhor opinião e pelos motivos invocados na resposta do MP – ao contrário do promovido pelo MP antes da remessa dos autos para instrução – existe razão por parte da Recorrente pelo que não sustento o despacho recorrido, sem prejuízo do d. entendimento do V. Tribunal Superior.

            Notifique e após remeta ao Tribunal Superior”.

            Este despacho, como se percebe, foi proferido ao abrigo do disposto no nº 4 do art. 414º do Código de Processo Penal que preceitua que: “Se o recurso não for interposto de decisão que conheça, a final, do objeto do processo, o tribunal pode, antes de ordenar a remessa do processo ao tribunal superior, sustentar ou reparar aquela decisão”.

            Trata-se de uma norma que tem por objetivo, além do mais, evitar a prática de atos inúteis, quando o juiz se aperceba de que determinado despacho não se mostra corretamente proferido, podendo ser modificado, sem necessidade de fazer intervir o tribunal superior. Isto é, como dizem Simas Santos e Leal-Henriques in Recursos em Processo Penal, 2ª edição, edit. Rei dos Livros, 56 “não se mostrando esgotado o seu poder jurisdicional, pode o juiz “a quo” reparar o recurso se, posteriormente à decisão posta em crise, vier a concluir que havia motivo para resolver em sentido contrário ao que decidiu; ou sustentar a decisão recorrida, quando ache vantajosa mais detalhada fundamentação para mostrar a justiça da decisão que tomara”.

            É uma norma facultativa, como decorre do segmento “o tribunal pode”, mas sendo usada, deverá sê-lo de forma consequente, o que não aconteceu nestes autos. De facto, o senhor juiz a quo no seu despacho disse não sustentar o despacho anterior, por com ele não concordar, mas não tirou daí as devidas e necessárias consequências, porque omitiu a reparação que se impunha.

            É que, manda o nº 4 do art. 414º do CPP que o juiz, querendo, sustente ou repare a decisão que foi alvo de recurso. E assim, ou o juiz concorda com ela e sustenta-a, ou não concorda e repara-a. O que não pode é dizer que não sustenta e não reparar, porque a norma não serve apenas para sublinhar a posição anterior, serve também e sobretudo para, sendo caso disso, e como se disse, poder ser evitada a prática de atos inúteis, que a lei proíbe (art. 130º do Código de Processo Civil ex vi art. 4º do CPP).

            Assim, estamos perante uma omissão que torna irregular o despacho proferido ao abrigo do art. 414º, nº 4 do CPP, - irregularidade que é de conhecimento oficioso (art. 123 nº 2 do CPP) por afetar o valor do ato praticado e ter influência na tramitação subsequente – que obsta ao conhecimento do recurso e que deverá ser suprida pelo tribunal de 1ª instância para onde os autos deverão ser remetidos para o efeito.

            II.

            DECISÃO.

            Em face do exposto declara-se irregular o despacho de fls. 391 (ref. 96077118) e determina-se a remessa dos autos à 1ª instância para ser devidamente observado o disposto no nº 4 do art. 414º do CPP.

 Fica, consequentemente, prejudicado o conhecimento do recurso.

            Sem custas.

            Notifique.

            Coimbra, 17.03.2024

             Maria Teresa Coimbra