Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FONTE RAMOS | ||
Descritores: | ALTERAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO MÁ FÉ | ||
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Data do Acordão: | 03/25/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – OLIVEIRA DO HOSPITAL – JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGO 662.º, N.º 1, E 542.º, N.º 2, ALÍNEA A), DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
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Sumário: | 1. A Relação poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1 do CPC).
2. Litiga de má quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar (art.º 542º, n.º 2, alínea a), do CPC). 3. A figura nítida do litigante de má fé ocorre nos casos em que o litigante sabe que não tem razão e, apesar disso, litiga, atuação que merece censura e condenação. 4. O instituto acautela um interesse público de respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | *
Relator: Fonte Ramos * Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:
I. Em 28.7.2022, A..., S. A., intentou contra B..., Lda., procedimento injuntivo, convertido em processo especial de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, pedindo que seja condenada a pagar-lhe € 11 654,78 (capital, juros vencidos e outras quantias), referindo, em resumo, que no desenvolvimento da sua atividade comercial, forneceu-lhe os bens descritos nas faturas que indica (emitidas em janeiro/fevereiro/2021 e com vencimento em março/abril seguinte) mas a Ré não as liquidou. A Ré deduziu oposição, alegando que pagou o valor em causa, na sequência de acordo de pagamento celebrado com a representante da A. no âmbito do procedimento cautelar de arresto n.º 220/21..... Concluiu pela improcedência da ação e pediu a condenação da A. como litigante de má fé, em multa e indemnização não inferior a € 2 500. A A. respondeu à matéria de exceção e ao pedido de condenação como litigante de má fé, concluindo pela sua improcedência e deduzindo igual pedido contra a Ré. Realizada a audiência de julgamento, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo, por sentença de 02.7.2024, julgou a ação totalmente improcedente, absolvendo Ré do pedido, e condenou a A. como litigante de má fé, na multa de 6 (seis) UC e no pagamento da indemnização à Ré no valor de € 918. Dizendo-se inconformada, a A. apelou formulando as seguintes conclusões: 1ª - O Facto dado como Provado pelo Tribunal e supra identificado como n.º 2 deve ser modificado/alterado, ficando a constar o seguinte: “A Autora entregou a cobrança da dívida à empresa C..., Lda., a quem outorgou procuração com poderes para a propositura de ações judiciais, mas sem poderes para receber pagamentos, datada de 29/06/2021”. 2ª - De acordo com os documentos juntos aos autos, nomeadamente a) “comprovativos de transferência bancária, cf. documento nº. 1, de 30/05/2023, Ref.ª 8108857”; b) “documento denominado Confissão de divida e acordo de pagamento, cf. n.º 2, de 30/05/2023, Ref.ª 8108857”; c) “certidão integral do procedimento de arresto nº 220/21...., cf. 14/06/2023, Ref.ª 8162593”; d) “Oficio da Banco 1... de ..., cf. 22/06/2023, Ref.ª 8162593”; e) “comprovativo de transferência bancária, cf. 06/03/2024, Ref.ª 8724530”, e que foram apreciados pelo Tribunal como MEIOS DE PROVA, resulta inequivocamente que todos os pagamentos foram efetuados para a conta bancária cujo Beneficiário da mesma era a C..., Lda.”, ou seja, quer na diligência do procedimento cautelar de arresto, onde foram transferidos pela Ré € 1000 para a conta da C..., Lda., quer no pagamento do valor remanescente de € 8302,78 em 11 prestações, sendo 10 de € 750 e a última de € 802,78, todos os valores foram transferidos para o IBAN bancário cujo beneficiário era a C..., Lda.. 3ª - A Ré reconhece expressamente que todas as quantias foram pagas à mandatária da A. quando afirma que “Deste modo, não há dúvidas que a Ré pagou a sua dívida à mandatária da Autora, pelo que, os problemas e conflitos eventualmente existentes com a mandante, aqui Autora, não poderão prejudicar a Ré”, conforme consta do Requerimento junto aos autos pela Ré em 06.7.2023 e com a Referência 8199460. 4ª - Assim sendo, os Factos dados como Provados pelo Tribunal com os n.ºs 5 e 7 devem ser alterados, ficando a constar o seguinte: n.º 5: “No âmbito da realização do arresto, a Ré procedeu a um pagamento em numerário de € 2 300 (dois milhares e trezentos euros) à C..., Lda., e à transferência bancária de € 1 000 (mil euros) para uma conta bancária cujo beneficiário era também a C...”. n.º 7: “A Ré procedeu ao pagamento dos montantes fixados no plano prestacional através de transferência bancária para a conta indicada por D..., Lda. e cujo IBAN da mesma tinha como beneficiário esta sociedade”. 5ª - Resulta dos factos provados que a Ré procedeu ao pagamento integral da dívida e que se encontram documentadas nas faturas emitidas perante alguém que se apresentou como representante da A. no âmbito de um processo judicial; ainda que a procuração outorgada não previsse expressamente o recebimento das prestações, não deixou o representante escolhido e contratado pela A. de atuar como tendo poderes para o efeito; era exigível à A. conhecer do procedimento cautelar e consequente desfecho do mesmo perante a relação contratual com a empresa por si contratada especificamente para cobrar a divida; tinha o dever de conhecer e impedir a atuação da empresa por si contratada perante atuações além dos poderes conferidos e mandato atribuído; a C..., Lda. apresentou-se como representante da A., não tendo esta cuidado por fiscalizar e obter informações sobre o estado do mandato; a empresa contratada pela A. apresentou-se e atuou como sua representante, apresentando-se em juízo e nas diligências de realização de arresto com poderes bastantes para negociar a divida e receber pagamentos; no contexto judicial em que atuou criou uma situação de confiança objetiva de que a Ré negociava com a A. e que os pagamentos acordados tinham como consequência o cumprimento da divida; fundadamente a Ré acreditou ter negociado com a A. através do seu representante e que quando o procedeu aos diversos pagamentos, o fazia no cumprimento da sua obrigação perante a A.; a A. tinha o dever de conhecer e impedir a atuação da representada por si contratada, porquanto tivesse atuado com o devido cuidado (diligenciar junto da C..., Lda. do desfecho do processo judicial, no caso o procedimento cautelar e do estado de cobrança da divida) e teria conhecido do acordo celebrado e exigido à mandatária a entrega dos montantes recebidos; a A. não fez qualquer diligência (ou tentativa) idónea a obter informações, apesar de ter celebrado um contrato e, por se presumir oneroso (art.º 1158º, n.º 1, parte final, do Código Civil (CC), entregue uma retribuição. 6ª - Perante estes argumentos, o Tribunal conclui que estamos no âmbito de relação entre sujeitos de natureza comercial, os efeitos da representação tolerada equiparam-se aos efeitos da representação efetiva, pelo que se terá que reconhecer que a Ré procedeu ao cumprimento da sua obrigação ao realizar as prestações em falta perante a empresa contratada pela A. para cobrança da dívida e que se apresentou com poderes bastantes no âmbito de um processo judicial, nos termos do art.º 769º, do CC, em conjunto com o art.º 23º, n.º 2 por remissão ao n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato de Agencia; e, finalmente, conclui o Tribunal que se encontram verificados os elementos objetivos e subjetivos exigidos para tutelar a posição da Ré perante a atuação da C..., Lda. enquanto representante aparente da A. na cobrança da divida emergente do contrato de compra e venda celebrado entre ambas, julgando totalmente improcedentes os pedidos formulados pela A.. 7ª - É óbvio que a Ré procedeu ao pagamento da divida ao representante da A., ou seja, à C..., COMO ÓBVIO TAMBÉM, E RECONHECIDO E ASSENTE NA SENTENÇA AGORA RECORRIDA, QUE A PROCURAÇÂO QUE A AUTORA OUTORGOU Á C... NÃO CONCEDIA A ESTA EXPRESSAMENTE PODERES PARA RECEBER QUALQUER PAGAMENTO, resultando dos factos provados que quem recebeu a quantia global de € 11 602,78 da Ré foi a C..., quer em numerário, quer através de transferências efetuadas para a conta daquela, tudo efetuado pela Ré. 8ª - Fundamenta a Sentença que à A. era exigível conhecer o procedimento cautelar e o seu desfecho, que tinha o dever de conhecer e impedir a atuação da C... perante atuações além dos poderes conferidos e mandato atribuído, se tivesse atuado com o devido cuidado teria conhecido o acordo celebrado e exigido à mandatária a entrega dos montantes recebidos, que a A. não fez qualquer diligência (tentativa) idónea a obter informações. 9ª - A A. tão só outorgou procuração/mandato a favor da C... e sem poderes para receber qualquer tipo de pagamentos; a A. apenas pagou a taxa de justiça do procedimento cautelar; não teve mais qualquer intervenção no procedimento cautelar pois não só indicou qualquer testemunha à C..., sendo aliás a única testemunha do processo cautelar o sócio-gerente desta de nome AA, como não esteve presente na diligência do arresto, tudo conforme resulta da Certidão Judicial integral da Providência Cautelar de Arresto junta aos autos. 10ª - O Tribunal na Sentença recorrida fala e imputa à A. falta de cuidado, que tinha o dever de conhecer e impedir a atuação da C... para atuações além dos poderes conferidos e mandato atribuído, que nada diligenciou para tal. E a postura da Ré? 11º - Não deveria a Ré aquando da realização do arresto indagar da procuração, solicitar a exibição da mesma e verificar os poderes no que tange a receber quantias, não deveria interrogar a C... acerca do IBAN que lhe foi fornecido como não sendo da A. e mesmo assim realizou todas as transferências para uma conta que sabia que não era pertencente da A., não deveria a Ré solicitar, pelo menos logo após ter efetuado a primeira transferência de € 750, o competente recibo à A., não deveria a Ré ter respondido à carta da A., enviada antes de a presente ação ter dado entrada em juízo, dizendo que estava a pagar a dívida e em que moldes? Todas estas perguntas tem uma resposta afirmativa. pois é o comportamento normal de um devedor perante os factos com os quais a Ré foi deparada. Aliás, ainda sobra uma pergunta muito pertinente que é por que razão só quando a A. já tinha intentado a presente ação é que a Ré solicitou aquela os recibos, e o não fez quando muito antes já tinha sido interpelada pela A., através de carta? 12ª - Ou seja, a Ré demonstrou uma postura nada condizente com um homem médio ou comerciante médio que tem uma divida com terceiro. 13ª - A C..., sem poderes para o efeito e conforme consta nos autos, recebeu da Ré todas as quantias, fazendo-as entrar no seu património, apropriando-se indevidamente das mesmas contra a vontade da A., o que gerou um enriquecimento sem causa. Aliás, ao fornecer à Ré o IBAN que tem como beneficiário ela própria excedeu os poderes que lhe foram conferidos pela A.. Bem como não cumpriu um dos seus deveres perante a A., concretamente não prestando contas a esta, nos termos do art.º 7º, al. d), do Regime Jurídico do Contrato de Agência. Mais, praticou abuso de representação, previsto pelo art.º 269º do CC, pois atuando embora dentro dos limites formais dos poderes que lhe foram outorgados pela A., utilizou conscientemente esses poderes em sentido contrário ao seu fim e às indicações da A.. 14ª - O pagamento efetuado pela Ré à C... foi efetuado sem o consentimento/acordo da A., pelo que é juridicamente irrelevante, obrigando assim a Ré a efetuar de novo o pagamento e ficando, ainda, em razão desse não pagamento tempestivo à A., constituído em mora. Aliás, o pagamento só poderia ser efetuado à C... em termos excecionais, nos termos do art.º 770º do CC, pois a prestação deve ser feita ao credor ou ao seu representante desde que tenha poderes para tal, nos termos do art.º 769º do CC, o que não é o caso da C.... 15ª - Dispõe o art.º 22º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato de Agência que o negócio que o agente sem poderes de representação celebre em nome da outra parte tem os efeitos previstos no art.º 268º, n.º 1, do CC, ou seja, é ineficaz. 16ª - O Tribunal considerou que no caso dos autos, pelo facto de estarmos no âmbito de relação entre sujeitos de natureza comercial, os efeitos de representação tolerada equiparam-se aos efeitos da representação efetiva, pelo que se terá que reconhecer que a Ré procedeu ao cumprimento da sua obrigação ao realizar as prestações em falta perante a empresa contratada pela A. para cobrança da dívida e que se apresentou com poderes bastantes no âmbito do processo judicial, nos termos do art.º 769º do CC, em conjunto com o art.º 23º, n.º 2, por remissão ao n.º 1 do Regime Jurídico do Contrato de Agência, concluindo o Tribunal que se encontram verificados os elementos objetivos e subjetivos exigidos para tutelar a posição da Ré perante a atuação da C... enquanto representante aparente da A. na cobrança da dívida emergente do contrato de compra e venda celebrado entre ambas. 17ª - A C... não estava investida de poderes para receber da Ré qualquer pagamento em relação à divida, pois, a procuração/mandato conferido pela A. não lhe concedia poderes para esse efeito, como é reconhecido na Sentença agora recorrida. 18ª - Refere o art.º 769º que “A prestação dever ser feita ao credor ou ao seu representante”, contudo, sendo o pagamento feito a quem não possui legitimidade para receber, como é o presente caso dos autos em que a Ré efetuou todos os pagamentos á C..., é nulo e não desonera o devedor, sendo que o devedor terá de pagar ao credor como se não pagara ao terceiro, como refere Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 3º edição, 173; Aliás, refere ainda este, que o pagamento ao terceiro é indevido e, por conseguinte, o devedor poderá recobrar o que lhes houver prestado – art.º 476º, nº 2, do CC -, sendo que tal pagamento validar-se-á tornando-se liberatório, se se verificar algumas das hipóteses previstas nas alíneas b) e e) do art.º 770º do mesmo código; Por fim, refere ainda Galvão Telles que “Por falta de disposição da lei, de ordem genérica, que valide o pagamento feito de boa-fé ao credor aparente ou putativo, tem de se entender que esse pagamento é nulo, a menos que, claramente a lei conceda essa proteção”. 19ª - Assim sendo, obrigatoriamente tem que ser declarado nulo o pagamento efetuado pela Ré à C..., pois foi efetuado tal pagamento a quem não possuía legitimidade para receber, como é o presente caso dos autos em que a Ré efetuou todos os pagamentos à C..., pelo que não desonera a Ré, sendo que esta terá de pagar à A. como se não pagara à C.... 20ª - Socorreu-se ainda o Tribunal, na Sentença recorrida, do n.º 2 do art.º 23º, por remissão ao n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato de Agência. Contudo, tal entendimento do Tribunal quanto a este preceito legal é deveras errado. 21ª - Desde logo o presente caso dos autos não se se enquadra no Regime Jurídico do Contrato de Agência. 22ª - Por outro lado, refere o n.º 1 do art.º 23º do Contrato de Agência “O negócio celebrado por um agente sem poderes de representação é eficaz perante o principal se tiverem existido razões ponderosas, objetivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justifiquem a confiança do terceiro de boa-fé na legitimidade do agente, desde que o principal tenha igualmente contribuído para fundar a confiança do terceiro”. E refere o n.º 2 que “À cobrança de créditos por agente não autorizado aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto no número anterior”. 23ª - Perante os Factos dados como provados, nada resulta que a A. tenha contribuído para fundar a confiança da Ré, nem resultam razões ponderosas, objetivamente apreciadas, tendo em conta as circunstâncias do caso, que justificavam a confiança da Ré de boa fé na legitimidade da C.... 24ª - Dos factos dados como provados não resulta, nem se conclui, que a A. de forma leviana se aproveitou do ónus da prova que recai sobre a Ré quanto ao cumprimento da obrigação. Resulta dos factos provados que a A. não intentou a ação não só sem interpelar a C..., mas também enviado carta à Ré, sendo que ambas se remeteram ao silêncio, constituindo aquele silêncio muito grave não só pelo facto de um estar indevidamente na posse do dinheiro e a Ré já com a dívida alegadamente paga e sem solicitar à A. os respetivos recibos das faturas que liquidou; aliás, a Ré só “acordou” quando foi notificada da Injunção intentada pela A., ao solicitar os recibos; ora, quer pelo comportamento extremamente leviano da C..., quer pelo comportamento não menos gravíssimo da Ré, se a A. não tivesse instaurado a presente ação ainda hoje a verdade dos factos estava por apurar. 25ª - Refere o Tribunal que a conduta da A. é de negligência grosseira por com a instauração da presente ação ter criado encargos para a Ré e desencadeado a prática de atos processuais sem ter indagado junto do seu mandatário a cobrança da dívida e sem sindicar a empresa por si contratada para o efeito; mais: o Tribunal chega ao cúmulo de afirmar que com desfaçatez a A. afirmou que a procuração outorgada a favor da C... não permitia receber qualquer pagamento. 26ª - A A. tão só afirmou o que o Tribunal reconhece na Sentença recorrida, ou seja, que não concedeu poderes à C... para receber qualquer pagamento da Ré. 27ª - Quanto aos alegados encargos criados à Ré com a instauração da presente ação, aquela só os teve por sua única e exclusiva responsabilidade porquanto foi contactada por carta previamente à instauração da ação, sendo que o procedimento normal da Ré seria ter respondido à interpelação da A. com a resposta está paga a dívida e juntando os comprovativos de pagamento, evitando ela própria encargos com ações judiciais, pelo que assim sendo, a Ré só teve encargos com a ação judicial devido ao seu silêncio até receber a Injunção que deu origem aos presentes autos. 28ª - Quanto à A. indagar junto do seu mandatário do que sucedeu, dúvidas não existem que aquela o fez como resulta dos factos que foram julgados provados pelo Tribunal, nomeadamente que “Em 18/10/2021, a Autora remeteu mensagem de correio à “C..., Lda.” para saber do estado da cobrança da dívida, não tendo obtido qualquer resposta”, que “Durante a troca de comunicações entre a Autora e a Ré na pendência do presente processo, a Autora tentou novamente obter informação à C..., Lda. sobre o estado de cobrança e da matéria alegada pela Ré, não tendo obtido qualquer resposta”. 29ª - Refira-se ainda que a litigância de má fé terá que estar sempre associada a um ilícito processual e não a questões de direito substantivo, o que no caso concreto dos presentes autos entendemos não existir qualquer conduta dolosa ou negligência grosseira, sendo a este propósito chama-se à colação o acórdão proferido pela Relação do Porto, datado de 13.02.2017, publicado em www.dgsi.pt. 30ª - Assim, nunca o Tribunal na Sentença agora recorrida poderia condenar a A. como litigante de má fé e com as consequências elencadas na mesma. 31ª - Assim sendo, existiu por parte do Tribunal na Sentença recorrida violação de vários preceitos legais, entre outros, art.ºs 268º, 296º, 476º, 769º, 770º e 1158º, do CC, art.ºs 7º, 22º e 23º do Regime Jurídico do Contrato de Agência e ainda dos art.ºs 542º e 543º do Código do Processo Civil (CPC). Remata pedindo a revogação da decisão recorrida. A Ré respondeu concluindo pela improcedência do recurso. Atento o referido acervo conclusivo, delimitativo do objecto do recurso, importa apreciar/decidir: a) impugnação da decisão sobre a matéria de facto (erro na apreciação da prova); b) decisão de mérito, cuja modificação depende do sucesso daquela impugnação; c) litigância de má fé. * II. 1. A 1ª instância deu como provados os seguintes factos: 1) A A. no exercício da sua atividade, por solicitação da Ré, vendeu artigos do seu comércio, concretamente os constantes das seguintes faturas: a) FA 2021/414, emitida em 16/01/2021 e com vencimento em 17/3/2021, no valor de € 209,62; b) FA 2021/572, emitida em 21/01/2021 e com vencimento em 22/3/2021, no valor de € 270,30; c) FA 2021/966, emitida em 04/02/2021 e com vencimento em 05/4/2021, no valor de € 1 749; d) FA 2021/47, emitida em 05/02/2021 e com vencimento em 06/4/2021, no valor de € 6 641,54; e) FA 2021/1762, emitida em 05/3/2021 e com vencimento em 04/5/2021. 2) A A. entregou a cobrança da dívida à empresa C..., Lda., a quem outorgou procuração com poderes para a propositura de ações judiciais datada de 29/6/2021. 3) Em 28/6/2021, a A. instaurou procedimento cautelar de arresto contra a Ré que correu termos no presente Tribunal sob o n.º 220/21.... e que foi decretado por decisão de 30/7/2021. 4) A A. procedeu, pessoalmente, ao pagamento da taxa de justiça devida no aludido procedimento cautelar. 5) No âmbito da realização do arresto, a Ré procedeu a um pagamento em numerário de € 2 300 e à transferência bancária de € 1 000. 6) Para pagamento do valor remanescente de € 8 302,78, foi acordado o plano de pagamento prestacional correspondente a dez prestações no valor de € 750 e a última no valor de € 802,78. 7) A Ré procedeu ao pagamento dos montantes fixados no plano prestacional através de transferência bancária para a conta indicada por C..., Lda.. 8) A Ré entregou a C..., Lda., como garantia de bom pagamento do valor da dívida, uma declaração de venda, assinada com termo de autenticação, referente ao veículo automóvel ligeiro, sua propriedade, de marca Volkswagen, cor branca, com a matrícula ..-IZ-.., a qual a levou consigo, e dela ficou fiel depositária. 9) Em 18.10.2021, a A. remeteu mensagem de correio à C..., Lda., para saber do estado da cobrança da dívida, não tendo obtido qualquer resposta. 10) Na sequência da falta de resposta, remeteu à Ré carta dirigida a solicitar o pagamento da dívida. 11) Após a propositura da presente ação, a A. recebeu uma comunicação da Ré a solicitar a emissão dos recibos alegando o pagamento da dívida. 12) Na sequência e por correio eletrónico, a A. solicitou à Ré o envio do comprovativo de pagamento da dívida. 13) Em resposta, a A. recebeu da Ré comprovativo de transferências bancárias e de que o restante montante em dívida foi pago em numerário. 14) A A. reconhece que os valores alegadamente entregues e pagos pela Ré por transferência bancária e numerário correspondem ao pagamento integral da dívida, ainda que, não tenha a A. recebido qualquer desse dinheiro diretamente. 15) Durante a troca de comunicações entre a A. e a Ré na pendência do presente processo, a A. tentou novamente obter informação à C..., Lda., sobre o estado de cobrança e da matéria alegada pela Ré, não tendo obtido qualquer resposta, nem tendo tomado qualquer providência ou adotado procedimento contra a empresa por si contratada até à presente data. 2. E deu como não provado: a) Apesar de várias solicitações da A. para efetuar o pagamento das faturas em causa, dado que as mesmas se venceram há mais de um ano, a Ré até à presente data não as liquidou. b) A A. para cobrança das dívidas teve despesas no valor de € 350. 3. Cumpre apreciar e decidir. O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou a anulação da decisão (art.º 639º, n.º 1, do CPC[1]), ou seja, ao ónus de alegar acresce o ónus de concluir, indicando quais os fundamentos do recurso – as razões ou fundamentos são primeiro expostos, explicados e desenvolvidos no curso da alegação; hão de ser, depois, enunciados e resumidos, sob a forma de conclusões, importando que a alegação feche pela indicação resumida das razões por que se pede o provimento do recurso (a alteração ou a anulação da decisão). Ora, o tribunal superior tem de guiar-se pelas conclusões da alegação para determinar, com precisão, o objeto do recurso; só deve conhecer, pois, das questões ou pontos compreendidos nas conclusões, pouco importando a extensão objetiva que haja sido dada ao recurso, no corpo da alegação[2], sendo que tudo o que conste das conclusões sem corresponder a matéria explanada nas alegações propriamente ditas, não pode ser considerado e não é possível tomar conhecimento de qualquer questão que não esteja contida nas conclusões das alegações, ainda que versada no respetivo corpo.[3] As conclusões servem assim para delimitar o objeto do recurso (art.º 635º), devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo, constando normalmente, na sua parte final, se se pretende obter a revogação, a anulação ou a modificação da decisão recorrida. 4. A A./recorrente não cumpriu as exigências indicadas no ponto anterior, como não deu adequado cumprimento ao despacho do relator de 15.01.2025. 5. A A. impugna, principalmente, a factualidade indicada em II. 1. 2), 5) e 7), supra, concluindo pela modificação (diferente redação) indicada nas “conclusões 1ª e 4ª”, ponto I, supra. Contudo, ao impugnar a decisão sobre a matéria de facto, decidiu ignorar a prova pessoal produzida em audiência de julgamento e não deu o melhor cumprimento aos ónus da impugnação previstos no art.º 640º do CPC (por exemplo, ao omitir a indicação de quaisquer “passagens da gravação” e ao não proceder a uma efetiva análise crítica da prova, contrapondo-a à efetuada pelo Tribunal a quo). 6. Partindo da motivação da decisão sobre a matéria de facto e tendo em atenção o objeto do recurso, destacamos os seguintes excertos: «(...) MEIOS DE PROVA: / A. PROVA POR DECLARAÇÕES DE PARTE DO LEGAL REPRESENTANTE DA AUTORA. / B. PROVA POR DECLARAÇÕES DE PARTE DO LEGAL REPRESENTANTE DA RÉ. C. PROVA DOCUMENTAL / 1. Notificação a solicitar o pagamento da dívida no valor de € 10 302,78 e remetida em 19.7.2021 (cf. documento n.º 1, 06.01.2023, ref.ª 7768971). / 2. Mensagem de correio eletrónico a solicitar o comprovativo de pagamento da dívida enviado em 05.9.2022 (cf. documento n.º 2, 06.01.2023, ref.ª 7768971). / 3. Comprovativos de transferência bancária[4] (cf. documento n.º 1, 30.05.2023, ref.ª 8108857). / 4. Documento denominado «Confissão de dívida e acordo de pagamento» (cf. documento n.º 2, 30.05.2023, ref.ª 8108857). (...) 8. Certidão integral do procedimento de arresto n.º 220/21.... (cf. 22.06.2023, ref.ª 8162593). / 9. Oficio da Banco 1... de ... (cf. 16/10/2023, ref.ª 8383099. 10. Mensagem de correio eletrónico dirigida, em 18.10.2021, à C... Ld.ª (cf. 20.10.2023, ref.ª 8398322). / 11. Comprovativo de transferência bancária (cf. 06.03.2024, ref.ª 8724530). D. PROVA TESTEMUNHAL / 1. BB: funcionário da autora. / 2. CC: funcionário da autora. (...) [cf. 5.1.5., 5.1.6., 5.1.7., 5.1.8., 5.2.1.] [ou seja, os factos 5) a 8) provados e a alínea a) dos factos não provados] Decorre das declarações do legal representante que se encontram corroboradas pelos documentos comprovativos de transferência bancária (cf. C.3. e C.11 em conjunto com C.9.) e pelo procedimento cautelar de arresto (cf. C.8.). Não obstante as explicações dadas pelo legal representante da Autora, o mesmo reconheceu que confiou à empresa C..., Lda. a cobrança da dívida e que – ainda que não tenha memória de ter pagado a dívida – pago a taxa de justiça no âmbito do procedimento cautelar. E neste procedimento cautelar reside o elemento probatório fundamental para convencer o Tribunal na versão apresentada pela Ré. Na verdade, a Autora outorgou procuração a favor C..., Lda. para cobrar a dívida, incluindo poderes para a propositura de ações judiciais. O que fez em nome da Autora, tendo sido deferida sem a intervenção de qualquer funcionário da Autora. Uma vez determinado o arresto (cuja diligência foi realizada) inusitadamente foi formulada a desistência da instância. No período em que a diligência foi realizada e momentos subsequentes, foram feitas transferências bancárias correspondentes ao valor em dívida. É certo que a procuração outorgada a favor da C..., Lda. não lhe conferia poderes para receber pagamentos, mas não menos verdade que esta mesma empresa em quem a Autora confiou a cobrança da dívida, representou-a e apresentou-se perante a Ré como tendo legitimidade para celebrar o acordo para pagamento da dívida. Em especial quando não existiu qualquer intervenção de advogado, a não ser em representação da autora. Por isso, faz sentido que a ré tenha procurado cumprir a sua obrigação e que tenha confiado em quem se apresentou no dia da realização do arresto. De outra forma, e perante o decretamento da providência, porque teria desistido do procedimento cautelar e assim prescindido da constituição de garantia para o pagamento da dívida. Merece assim total credibilidade as declarações da ré. O Tribunal ficou convencido de que foi paga a dívida, não tendo justificação a conduta da Autora que avança para a presente ação sem ter resposta às diligências realizadas pela empresa por si contratada, em particular, perante o desfecho da ação para a qual pagou a taxa de justiça. A Autora violou o mais elementar dever de boa fé, omitindo a realização das diligências junto da empresa a quem mandatou para aferir do estado de cobrança da dívida e fazendo recair a Ré o dever e ónus que sobre si recaía. (...)» 6. O Mm.º Juiz do Tribunal a quo atendeu à referida prova pessoal produzida em audiência de julgamento (especialmente, as declarações prestadas pelos legais representantes da A. e da Ré) - relativamente à qual existe a “assentada” aludida a fls. 22 verso - e esta Relação não vê motivos para atuação diversa. Porque a A./recorrente não deu cumprimento aos ónus previstos no art.º 640º do CPC, e dada a óbvia interligação entre os meios de prova produzidos nos autos e em audiência de julgamento, vemos necessariamente dificultada a reapreciação da decisão sobre a matéria de facto. Não obstante tais limitações, os elementos disponíveis apontam, claramente, para que se considere inteiramente correto o decidido, nomeadamente, quanto aos pontos de facto que se dizem impugnados [factos 2), 5) e 7) dados como provados]. Assim, designadamente: - O apenso A respeita ao procedimento cautelar de arresto instaurado pela A. contra a Ré, em 28.6.2021, invocando o não pagamento do valor das mesmas faturas e demais factualidade para deferimento do arresto; - A A., com a intervenção do seu presidente do conselho de administração, DD (que prestou declarações no decurso da audiência de julgamento - cf. fls. 22), providenciou pela constituição de advogado, como decorre da procuração forense datada de 29.3.2021, junta ao procedimento cautelar, conferindo a dois Exmos. Advogados “(...) poderes especiais para transigir, confessar e desistir do pedido ou da instância (...)”; - Os seus Exmos. Mandatários intervieram nos autos, nomeadamente, subscrevendo articulados e requerimentos e na audiência de julgamento de 30.7.2021; - O aresto foi decretado; - Os mesmos Exmos. Mandatários subscreveram o requerimento de desistência da instância (de 30.9.2021), homologada por sentença de 01.10.2021 com o teor: «Julgo válida e juridicamente relevante a desistência da instância que antecede, deduzido pela Autora contra a Ré, porquanto versa sobre matéria de direitos disponíveis e provém dos sujeitos ativos da relação processual, pelo que, nos termos dos artigos 277º, alínea d), 283º, n.º 1, 285º, 289º, n.º 1 "a contrario", 290º, n.º 1 e 3, todos do Código de Processo Civil, e homologo-a por sentença, declarando, em consequência, extinta a presente instância. / Custas pela desistente. / Registe e notifique. / Em consequência, sustem-se os atos em curso para a efetivação do arresto dos bens móveis sujeitos ou não a registo, da requerida. (...)» (sublinhado nosso). - Requerimento esse que indiciava a atuação da Ré no sentido do pagamento da sua dívida (e dos representantes da A. visando a respetiva cobrança), cujas “vicissitudes” foram explicitadas pelo legal representante da Ré nas declarações prestadas em audiência de julgamento. - Existe outra procuração junta ao procedimento de arresto, datada de 29.6.2021, outorgada pela A. (através do mesmo DD) mandatando três pessoas singulares e a sociedade de cobrança/“recuperação de créditos” (C..., Lda.), conferindo-lhe poderes para “(...) requerer penhoras e arrematações, (...) receber custas de parte, cheques judiciais e precatórios-cheques (...); ceder créditos de que a sociedade mandate seja titular, nas condições e termos que achar por convenientes (...)»; nessa procuração alude-se à possibilidade de substabelecimento dos poderes conferidos, sempre que tenha de recorrer a juízo, em advogado, nomeadamente os oito aí identificados, grupo de advogados que integra aqueles mencionados na referida procuração de 29.3.2021 (mencionados em primeiro lugar) e outros seis, inclusive, o Exmo. Advogado que interveio na audiência de julgamento dos presentes autos, todos, com o mesmo domicílio profissional, igual ao das aludidas pessoas singulares mandatadas na citada procuração cuja cópia foi junta ao auto de arresto de 12.10.2021. 7. Perante tais elementos e o demais recolhido pelo Tribunal a quo (na indagação levada a cabo - cf., por exemplo, despachos de 31.5.2023 e 10.10.2023), nada justificava/justifica dar como provado o que quer que seja do que a A. pretende! De resto, o Mm.º Juiz do Tribunal a quo analisou criticamente as provas e especificou os fundamentos que foram decisivos para a sua convicção, não se mostrando violadas quaisquer normas ou critérios atenta a previsão dos n.ºs 4 e 5 do art.º 607º, do CPC, sendo que a Relação só poderá/deverá alterar a decisão de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa (art.º 662º, n.º 1, do CPC). Soçobra, pois, a pretensão da apelante de ver modificada a decisão de facto. 8. A A./recorrente não logrou ver modificada a decisão de facto proferida em 1ª instância e não coloca quaisquer questões relacionadas com a decisão de mérito (que não tenham sido ponderadas ao nível da reapreciação da decisão sobre a matéria de facto). Inalterada a decisão sobre a matéria de facto, antolha-se evidente que não se impõe qualquer modificação da parte injuntiva da sentença, no tocante à declarada (e consequente) improcedência da ação. Só a condenação da A. por litigância de má fé merece uma breve análise. 9. O Mm.º Juiz do Tribunal a quo referiu: - A A., sem obter qualquer resposta da entidade a quem confiou a cobrança da dívida, aproveitou-se do ónus da prova que recaía sobre a Ré quanto ao cumprimento da obrigação e transferiu para esta o risco do contrato que celebrou com um terceiro (a quem confiou a cobrança); - Atuou com negligência grosseira, originou encargos para a Ré e desencadeou a prática de atos processuais sem ter, como era seu dever, indagado junto do seu mandatário a cobrança da dívida; - Tendo conhecimento de um processo judicial, não diligenciou, tão pouco, por apurar o seu desfecho; - Confrontada com o conhecimento da tramitação processual do procedimento cautelar, não se retratou, manteve a pretensão e colocou sob o Tribunal o julgamento óbvio da improcedência total da presente ação; - Conformou-se com o desfecho da sua conduta negligente. 10. Nos termos do art.º 542º, n.º 1, do CPC, tendo litigado de má fé, a parte é condenada em multa e numa indemnização à parte contrária, se esta a pedir; segundo o n.º 2, do mesmo art.º, diz-se litigante de má fé quem, com dolo ou negligência grave, tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar [alínea a)] ou tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa [alínea b)]. O instituto, mormente na indicada vertente substantiva/material, não tutela interesses ou posições privadas e particulares, antes acautelando um interesse público de “respeito pelo processo, pelo tribunal e pela justiça”, destinando-se a assegurar “a moralidade e eficácia processual”, com reforço da soberania dos tribunais, respeito pelas suas decisões e prestígio da justiça.[5] As partes deverão litigar com a devida correção, ou seja, no respeito dos princípios da boa fé e da verdade material e, ainda, na observância dos deveres de probidade e cooperação expressamente previstos nos art.ºs 7º e 8º do CPC, para assim ser obtida, com eficácia e brevidade, a realização do direito e da justiça no caso concreto. 11. A condenação como litigante de má fé há de afirmar a reprovação e censura dos comportamentos da parte que, de forma dolosa ou, pelo menos, gravemente negligente[6], pretendeu convencer o tribunal de pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar; a afirmação da litigância de má fé depende da análise da situação concreta, devendo o processo fornecer elementos seguros para por ela se concluir. 12. A figura nítida do litigante de má fé ocorre nos casos em que o litigante sabe que não tem razão e, apesar disso, litiga (v. g., pretendendo exigir o que não é devido!); esta actuação merece censura e condenação. O autor faz um pedido a que conscientemente sabe não ter direito - usa de dolo ou má fé para obter decisão de mérito que não corresponde à verdade e à justiça.[7] 13. Prosseguido. Além do mais, a A., através dos seus Exmos. Mandatários Judiciais - a quem conferiu os poderes especiais indicados em II. 6., supra -, interveio em todo o procedimento cautelar de arresto! Quaisquer dúvidas que pudesse ter quanto ao estado e/ou desfecho daquele procedimento (e procedimentos extrajudiciais conexos, ligados àquele desfecho) seriam facilmente dissipadas por aqueles Mandatários (e, até, junto do Tribunal), independentemente da eventual indevida atuação da mandatária especialmente incumbida da cobrança em sede judicial [cf. II. 1. 2), 5) e 6), supra]. Ademais - como salientou o Mm.º Juiz do Tribunal a quo -, conhecedora da tramitação e do desfecho do aludido procedimento cautelar, e não obstante o esforço desenvolvido pelo Tribunal visando a justa composição do litígio (art.º 7º do CPC), manteve a pretensão deduzida nos autos... Assim, a anterior negligência grave - pelo menos, no plano substantivo - passou a assumir contornos de uma maior gravidade. A Ré litigou de má fé e nela persiste[8], comportamento, deveras censurável, que não podia deixar de ser sancionado de harmonia com o preceituado nos art.ºs 542º e seguinte do CPC. 14. Improcedem, desta forma, as demais “conclusões” da alegação de recurso, não se mostrando violadas quaisquer disposições legais. * III. Face ao exposto, julga-se improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida. Custas pela A./apelante. * 25.3.2025
[1] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem. [2] Vide, entre outros, Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. V (reimpressão), Coimbra Editora, 1984, págs. 308 e seguintes e 358 e seguintes; J. Lebre de Freitas e Armindo Ribeiro Mendes, CPC Anotado, Vol. 3º, Coimbra Editora, 2003, pág. 33 e os acórdãos do STJ de 21.10.1993 e 12.01.1995, in CJ-STJ, I, 3, 84 e III, 1, 19, respetivamente. [3] Cf. o citado acórdão do STJ de 12.01.1995. [4] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto. [5] Vide Pedro de Albuquerque, Responsabilidade Processual Por Litigância de Má fé, Abuso de Direito e Responsabilidade Civil em Virtude de Actos Praticados no Processo, Almedina, págs. 55 e seguinte. [8] Daí que ouse afirmar (na alegação de recurso/ “conclusão 24ª”, in fine, ponto I., supra): “Ora, quer pelo comportamento extremamente leviano da C..., quer pelo comportamento não menos gravíssimo da Ré, se a Autora não tivesse instaurado a presente ação ainda hoje a verdade dos factos estava por apurar.” |