Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | LUÍS CRAVO | ||
| Descritores: | PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA CRITÉRIO DO VENCIMENTO REMANESCENTE DA TAXA DE JUSTIÇA DEVIDA | ||
| Data do Acordão: | 07/10/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DE LEIRIA | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGO 9.º, DO CÓDIGO CIVIL ARTIGOS 527.º; 533.º, 1 E 2, A) E 3; 572.º, 1 E 2 E 607.º, 6, DO CPC ARTIGOS 6.º, 6; 13.º E 14.º, 9, DO RCP | ||
| Sumário: | I – O critério do vencimento (cf. art. 527º do n.C.P.Civil) não releva, em regra, para o efeito de pagamento de taxa de justiça, uma vez que a lei liga a responsabilidade pelo seu pagamento ao autor do respetivo impulso processual, seja do lado ativo, seja do lado passivo, como se fosse uma mera contrapartida do pedido de prestação de um serviço. II – No espírito do sistema estava a ideia de que sendo a taxa de justiça o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço, o seu pagamento tenha sempre lugar, procurando evitar-se ao máximo as execuções por custas instauradas pelo Ministério Público. III – Mas com as alterações introduzidas pela Lei 27/2019 de 28-03 ao art. 14º, nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, o legislador eliminou a regra que obrigava a parte vencedora a suportar, ainda assim, solidariamente com a parte vencida, o remanescente da taxa de justiça devida, nas ações de valor superior a € 275.000,00. IV – O que expressa o sentido de não obrigar o vencedor, a final, a pagar o remanescente, para depois exigir a sua devolução ao vencido, a título de custas de parte. | ||
| Decisão Texto Integral: | Apelações em processo comum e especial (2013)
* Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO Na sequência de declaração de utilidade pública (DUP) de 7 (sete) parcelas de terreno necessárias à execução da obra relativa ao sublanço Leiria-Pombal, da A1 – Autoestrada do Norte promovida pela “BRISA CONCESSÃO RODOVIÁRIA, S.A.”, após se ter procedido à realização da vistoria ad perpetuam rei memoriam dessas parcelas a expropriar, por arbitragem, foi fixado o valor de 3.916.121$00 (€ 19.533,53) pela expropriação das parcelas em causa. A expropriada, “A..., S.A.” [que desenvolvia, nos prédios expropriados, a exploração das unidades argilosas policromáticas e da subunidade arenosa que lhe serve de base] recorreu da decisão arbitral alegando, em síntese, que esta não reflete o prejuízo que resultou da expropriação, ao não considerar que o conjunto de prédios constituía um bloco inserido numa zona de terrenos que, no seu subsolo, contém massas minerais de valor comercial/industrial que avalia em € 4.541.433,00. A expropriante apresentou resposta, concluindo que deverá manter-se o valor definido na decisão arbitral. No Tribunal de 1ª instância, o recurso foi julgado parcialmente procedente, sendo fixada a indemnização devida pela expropriação das parcelas no valor de € 589.513,17 (quinhentos e oitenta e nove mil quinhentos e treze euros e dezassete cêntimos), a atualizar, desde a data da declaração de utilidade pública até à data do trânsito em julgado da presente decisão. Mais se consignou no correspondente dispositivo o seguinte: «Custas processuais pela expropriante e pela expropriada, na proporção dos respetivos decaimentos. Valor da causa: € 4.521.899,47 (quatro milhões quinhentos e vinte e um mil oitocentos e noventa e nove euros e quarenta e sete cêntimos) (€ 4.541.433,00 – 19.533,53).» * Foi na oportuna sequência elaborada uma Conta de Custas para cada uma das partes, sendo que relativamente à Expropriante, porque havia pago inicialmente pelo impulso processual a taxa de justiça de € 1.632,00 [correspondente ao valor de € 275.000,00], ao ter sido fixado o valor da causa em € 4.521.899,47, a este valor corresponde a taxa de justiça de € 53.652,00, donde, deduzindo o valor já pago, era agora de € 49.710,84 o valor devido pela mesma. * A Expropriante reclamou da conta de custas, alegando que estava a ser indevidamente responsabilizada pelo pagamento do remanescente das taxas de justiça, mais concretamente sustentando que a conta «(...) não se afigura corretamente calculada, uma vez que atribui à expropriante a responsabilidade integral no pagamento da taxa de justiça devida a final para efeito de custas, quando a sua responsabilidade, de acordo com o seu decaimento e os cálculos que antecedem, é de apenas 12,60%.». * O Senhor Escrivão prestou informação nos autos no sentido de ser mantida a conta elaborada. * O Ministério Público pronunciou-se pela manutenção da conta. * Foi proferida decisão judicial, indeferindo a reclamação apresentada. * Inconformada com esta decisão, apresentou a Expropriante recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: «A. A douta sentença determinou a responsabilidade das custas processuais pela expropriante e pela expropriada, na proporção dos respetivos decaimentos. B. A expropriante decaiu em 12,60 % e a expropriada 87,40 %. C. No entanto, a incumbência pelo pagamento das custas recaiu sobre a expropriante, tendo o despacho de indeferimento da reclamação da expropriante justificado essa opção no impulso processual. D. Sucede que o impulso processual foi da dupla iniciativa da expropriada, primeiro por requerimento de avocação do processo, depois por recurso da arbitragem. E. Esta constatação, de per si, justifica a revogação do despacho de indeferimento da reclamação da expropriante. Sem conceder, F. Acresce que a evolução legislativa operada com a alteração do n.º 9 do artigo 14.º do Regulamento das Custas Processuais merece ser repercutida na atribuição da incumbência pelo pagamento da conta de custas. G. Com efeito, se se passou a entender, com pleno apoio da jurisprudência, inclusive constitucional, que a parte vencedora não deve ser incumbida desse pagamento, então o mesmo entendimento deve prevalecer quando existe um decaimento distinto, no caso com significativa diferença, de uma parte relativamente à outra. H. Assim, a parte com menor decaimento, tal como a que não teve qualquer decaimento, deve ser dispensada de pagar as custas do processo, recaindo esse dever sobre a parte com maior decaimento. I. Em suma, a expropriante não deve ser chamada a pagar a conta de custas, quer porque não foi quem deu impulso, quer porque teve um menor decaimento. J. Assim se não entendendo, decidir-se-á contra o espírito da lei, que é claro face à alteração legislativa e ao propósito que esteve subjacente a dessa alteração. Termos em que deve ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se, consequentemente, o douto despacho que indeferiu a reclamação da conta de custas, com as legais consequências, designadamente quanto à respetiva reforma e atribuição do pagamento à expropriada. Assim de fazendo Justiça.» * Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações. * Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir. * 2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela Expropriante/recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte: - o impulso processual na circunstância não foi da Expropriante ora recorrente, pelo que a incumbência pelo pagamento das custas não deve recair sobre ela?; - desacerto da decisão, em qualquer caso, porque o preceito legal aplicável [nº 9 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais] atualmente determina que a parte vencedora não deve ser incumbida desse pagamento? * 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede. * 4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 4.1 – Cumpre, a iniciar, proceder à apreciação da primeira questão supra enunciada, a saber, a de que o impulso processual na circunstância não foi da Expropriante ora recorrente, pelo que a incumbência pelo pagamento das custas não deve recair sobre ela. Que dizer? Que, salvo o devido respeito, não assiste qualquer razão à Expropriante ora recorrente nesta parte do recurso. Isto pela conceção que vigora em termos de responsabilidade pelo pagamento da taxa de justiça. Senão vejamos. Como já nos foi a este propósito doutamente explicitado, «o critério do vencimento não releva, em regra, para o efeito de pagamento de taxa de justiça, uma vez que a lei liga a responsabilidade pelo seu pagamento ao autor do respetivo impulso processual, seja do lado ativo, seja do lado passivo, como se fosse uma mera contrapartida do pedido de prestação de um serviço.»[2] Na verdade, «a taxa de justiça, desvinculada do critério da causalidade a que alude o artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, consubstancia-se, grosso modo, na prestação pecuniária que o Estado exige, em regra, aos utentes do serviço judiciário no quadro da função jurisdicional por eles causada ou de que beneficiem.»[3] «Temos assim, como regra geral, que os interessados diretos no objeto do processo, quer quando impulsionem o seu início, quer quando formulem em relação a ele um impulso de sentido contrário, são responsáveis pelo pagamento de taxa de justiça.»[4] Deste modo, a taxa de justiça devia ser paga no momento do respetivo impulso processual, em uma ou duas prestações (arts. 13º e 14º do R.C.P.), por meio de autoliquidação da parte: para tanto, a parte devia guiar-se pelas tabelas existentes, sendo que, se se tratar de processo (na aceção do R.C.P.) cuja taxa seja variável, a parte liquidará a taxa pelo seu valor mínimo, pagando o excedente, se o houver, a final (nº 6 do art. 6º do dito R.C.P.). Revertendo estes ensinamentos ao caso vertente importa então concluir que a Expropriante ora recorrente impulsionou os autos de expropriação, pelo menos no momento em que neles apresentou resposta ao recurso da decisão arbitral apresentada pela contraparte, tendo sido por isso que pagou a devida taxa de justiça. Improcede, assim, este argumento recursivo. * 4.2 – Cumpre, na devida sequência, proceder à apreciação da segunda questão supra enunciada, a saber, a do desacerto da decisão, em qualquer caso, porque o preceito legal aplicável [nº 9 do artigo 14º do Regulamento das Custas Processuais] atualmente determina que a parte vencedora não deve ser incumbida desse pagamento. Relativamente a esta questão, diremos que a sua solução decorre inquestionavelmente da atual redação do art. 14º, nº9 do Regulamento das Custas Processuais.[5] Efetivamente essa norma, antes da alteração efetuada pelo art. 5º da Lei n.º 27/2019, de 28 de Março[6], dispunha que «(…) nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7, do artigo 6.º e o responsável pelo impulso processual não seja condenado a final, o mesmo deve ser notificado para efetuar esse pagamento, no prazo de 10 dias a contar da notificação da decisão que ponha termo ao processo.» A redação desta norma estava conforme ao espírito do sistema então vigente. Recorde-se que a Lei n.º 7/2012, de 13.02. havia alterado o art. 6º do R.C.P., adicionando um nº 7, com a seguinte redação: «Nas causas de valor superior a € 275 000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento.» De tudo isto resultava que a parte que não fosse julgada totalmente responsável pelas custas deveria, na mesma, pagar a taxa de justiça remanescente que se mostrasse em falta e que correspondia ao respetivo “impulso processual”; depois, essa parte poderia reclamar da parte contrária a taxa de justiça que pagou a mais (de acordo com a responsabilidade em custas que lhe foi atribuída pela decisão final – arts. 527º, 607º nº 6 do n.C.P.Civil), a título de custas de parte, até cinco dias após o trânsito em julgado da decisão condenatória (art. 533º nº 1, nº 2 als. a) e nº 3 do dito n.C.P.Civil; arts. 25º nº 1 e nº 2, als. b) e e) e 26º, nºs 1, 2 e 3 al. a) do R.C.P., na redação então vigente). Dito de outra forma: «No espírito do sistema está a ideia de que sendo a taxa de justiça o valor que cada interveniente deve prestar, por cada processo, como contrapartida pela prestação de um serviço, o seu pagamento tenha sempre lugar, procurando evitar-se ao máximo as execuções por custas instauradas pelo Ministério Público. E nem se pode falar em iniquidade do sistema – em estar a exigir o pagamento de uma taxa de justiça da parte “vencedora” no litígio” – pois que será através do mecanismo das “custas de parte”, e mais concretamente através do pedido de reembolso das taxas de justiça pagas, pela parte “vencedora” à parte “vencida (cf. arts. 25º e 26º do R.C.P.), que os “vencedores” no litígio têm acautelada legalmente a situação…»[7] Sucede que a dita norma do nº 9 do art. 14º do R.C.P [na citada redação] foi julgada inconstitucional pelo Acórdão do Tribunal Constitucional nº 615/2018, de 21.11.2018. A tal reagiu o legislador, alterando a redação daquele preceito, no sentido de não obrigar o vencedor, a final, a pagar o remanescente, para depois exigir a sua devolução ao vencido, a título de custas de parte. Deste modo, na sequência das alterações promovidas pela Lei nº 27/2019, de 28 de Março, o nº 9 do art. 14º do R.C.P. passou a dispor que «(…) nas situações em que deva ser pago o remanescente nos termos do n.º 7 do artigo 6.º, o responsável pelo impulso processual que não seja condenado a final fica dispensado do referido pagamento, o qual é imputado à parte vencida e considerado na conta final.» De referir que o caso ajuizado era precisamente uma situação em que devia ser pago o remanescente da taxa de justiça nos termos do nº 7 do art. 6º – isto pela decisiva razão de que não tinha sido proferido qualquer despacho a dispensar de tal. Por outro lado, o presente caso não é uma situação em que o responsável pelo impulso processual [leia-se a Expropriante ora recorrente] não tenha sido condenado a final. Na verdade, a condenação final foi no sentido de «Custas processuais pela expropriante e pela expropriada, na proporção dos respetivos decaimentos.» [com sublinhado da nossa autoria] Assim, e tomando como boa a alegação que consta nas alegações recursivas no sentido de que a Expropriante decaiu em 12,60 % e a Expropriada em 87,40 %, importa tirar a devida ilação para efeitos da aplicação do citado preceito do nº 9 do art. 14º do R.C.P.. Vejamos então. S.m.j., entendemos que o legislador fixou a dispensa de pagamento da taxa de justiça remanescente, nas ações de valor superior a € 275.000,00, para a parte que não deu causa ao processo, obtendo vencimento a final, aqui se englobando quer as hipóteses de vencimento total quer parcial – sendo neste caso refletido na conta a elaborar o grau de responsabilidade fixado na decisão –, porquanto a ratio da regulação é similar para as duas situações, impondo-se essa interpretação (art. 9º do Cód. Civil). Donde, se o pagamento que for devido deve ser “imputado à parte vencida”, deve sê-lo, necessariamente, na medida do vencimento/decaimento. O legislador deixou, pois, de fazer depender a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça de requerimento do interessado – com as vicissitudes e conflitos surgidos a esse propósito, mormente quanto ao timing em que esse pedido devia ser formulado –, ou de apreciação (oficiosa) do juiz, para estabelecer uma dispensa geral e automática.[8] O que tudo serve para dizer que ponderando o regime legal em vigor, aplicável aos autos, entende-se que se justificava e justifica a reforma da conta, tendo em vista que a mesma reflita o grau de responsabilidade da Expropriante ora recorrente a título de custas, nomeadamente de taxa de justiça.[9] Não podendo, assim, ser sancionada a decisão recorrida que indeferiu a reclamação da conta de custas apresentada. E ainda que não assista integral razão à Expropriante ora recorrente nesta parte – porque sustentava que devia ser «(…) dispensada de pagar as custas do processo, recaindo esse dever sobre a parte com maior decaimento» – não pode subsistir a decisão recorrida. Nestes termos e sem necessidade de maiores considerações, procedendo o recurso.
(…)
* 6 - DISPOSITIVO Pelo exposto, decide-se, a final, na procedência do recurso, revogar o despacho recorrido, determinando-se que se proceda à reforma da conta, em conformidade com o exposto supra. Sem custas porquanto não foi deduzida oposição pela Expropriada/recorrida. * Coimbra, 10 de Julho de 2024 Luís Filipe Cravo João Moreira do Carmo Alberto Ruço
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