Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | PAULA MARIA ROBERTO | ||
Descritores: | ERRO NA FORMA DE PROCESSO NÃO CONHECIMENTO DO VÍCIO PELO TRIBUNAL DE RECURSO INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO CESSAÇÃO DA REPRESENTAÇÃO CONTRATO DE UTILIZAÇÃO DE TRABALHO TEMPORÁRIO INVALIDADE EFEITOS | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 01/17/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | N | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 7.º, AL.ª A), 9.º, 186.º-L, DO CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO, 173.º, N.ºS 1 E 3, E 177.º, N.ºS 1, AL.ªS A) A C), 5 E 6, DO CÓDIGO DO TRABALHO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I – Tendo em conta que a confissão judicial escrita (por exemplo nos articulados) tem força probatória plena contra o confitente, “a prova assim produzida só excecionalmente pode ser posta em causa, segundo uns nos termos do art. 359 CC (nulidade e anulabilidade da confissão), direta ou analogicamente aplicado à admissão, consoante seja tida ou não como uma modalidade da confissão (…), e segundo outros nos termos do art. 588 (articulado superveniente), quando ocorre o conhecimento tardio da inexistência dos factos não impugnados, por se ter erroneamente julgado que se tinham verificado (…) .”
II – O erro na forma do processo tem de ser apreciado no despacho saneador ou, na falta deste, na sentença final, o que vai de encontro à previsão de que tal nulidade só pode ser arguida até à contestação, razão pela qual o tribunal de recurso já não pode conhecer da mesma. III – Extrai-se do artigo 186-L, do CPT, que o trabalhador pode (e não deve) apresentar articulado próprio e constituir mandatário, pelo que, a intervenção do Ministério Público nunca poderia cessar com a simples notificação a que alude o n.º 4 do mesmo normativo. IV – A constituição de mandatário judicial por parte do trabalhador só origina a cessação da representação ou do patrocínio oficioso exercido pelo Ministério Público, no caso de este se encontrar a patrocinar aquele na defesa dos seus direitos mas no exclusivo interesse do mesmo (artigos 7.º, a) e 9.º, ambos do CPT). V – O contrato de utilização de trabalho temporário é nulo se a empresa de trabalho temporário não for titular de licença para o exercício da respetiva atividade (n.º 1 do artigo 173.º do CT) e se o mesmo não contiver todas as menções referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 177.º do CT (n.º 5 do mesmo normativo), considerando-se que o trabalho é prestado pelo trabalhador ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo (n.º 3 do artigo 173.º e n.º 6 do artigo 177.º, ambos do CT), devendo o utilizador ser considerado empregador dos prestadores de atividade. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | _________________________________
Acordam[1] na Secção Social (6.ª Secção) do Tribunal da Relação de Coimbra:
I – Relatório O Ministério Público intentou a presente ação de reconhecimento da existência de um contrato de trabalho, relativamente aos prestadores: - AA, NIF nº ...05, Passaporte nº ...57, beneficiário da Segurança Social nº ...38, residente na Rua ..., ... ...; - BB, NIF nº ...53, Passaporte nº...33, beneficiário da Segurança Social nº ...44, residente em ... ...58, Lote ...4, ... ...; - CC, NIF nº ...36, Passaporte nº...45, beneficiário da Segurança Social nº ...40, residente na Avenida ..., ..., ... ...; - DD, NIF nº ...04, Passaporte nº...88; - EE, NIF nº ...71, Passaporte nº...79, beneficiário da Segurança Social nº ...07, residente em Foros ..., ... ...58, Lote ...4, ... ...; - FF, NIF nº ...54, Passaporte nº...83, beneficiário da Segurança Social nº ...73, residente em Foros ..., ... ...58, Lote ...4, ... ...; - GG, NIF nº ...38, Passaporte nº...53, beneficiário da Segurança Social nº ...77 residente em Foros ..., ... ...58, Lote ...4, ... ...; - HH, NIF nº ...88, Passaporte nº...98, beneficiária da Segurança Social nº ...45; - II, NIF nº ...52, Passaporte nº...71, beneficiária da Segurança Social nº ...38, residente na Rua ..., ... ...; - JJ, NIF nº ...05, Passaporte nº...31, beneficiário da Segurança Social nº ...56, residente na Estrada ..., ..., ..., Bairro ..., ... ...; - KK, NIF nº ...90, Passaporte nº...41, beneficiário da Segurança Social nº ...18, residente na Rua ..., ..., ... ...; - LL, NIF nº ...49, Passaporte nºS...72, beneficiário da Segurança Social nº ...66, residente na Rua ..., ... ...; - MM, NIF nº ...95, Passaporte nº...02, beneficiário da Segurança Social nº ...07, residente em Foros ..., ... ...58, Lote ...4, ... ...; - NN, NIF nº ...83, Passaporte nº...21, beneficiário da Segurança Social nº ...17, residente em ... ...58, Lote ...4, ... ...; - OO, NIF nº ...59, Passaporte nº...52, não inscrito na Segurança Social; - PP, NIF nº ...37, Passaporte nº...80, beneficiária da Segurança Social nº ...77, residente na Rua ..., ... ...; - QQ, NIF nº ...60, Passaporte nº...90, beneficiário da Segurança Social nº ...65, residente na Rua ..., ..., ... e ..., ... ...; - RR, NIF nº ...74, Passaporte nº...58, beneficiário da Segurança Social nº ...88, residente no ..., ... ...; - SS, NIF nº ...96, Passaporte nº...98, beneficiária da Segurança Social nº ...90, residente no ..., ... ...; - TT, ... nº...; - UU, Passaporte nº ...69; - VV, WW nº ...78; - XX, Passaporte nº ...02; contra A..., Ldª, com sede em ... alegando, em síntese, que: No dia 11 de janeiro de 2022, pelas 10 horas e 30 minutos, num dos locais de trabalho da Ré, sito no Pinhal de Leiria (Parque das Árvores da Mata Nacional de Leiria, Talhão 268, em S. Pedro de Moel, junto do Parque de Campismo Orbitur) estavam presentes todos os trabalhadores mencionados supra; a Ré desenvolvia, naquele local, trabalhos de limpeza da floresta procedendo, designadamente, ao abate/corte e extração/remoção de todo o arvoredo e material lenhoso, que se encontrava partido, tombado ou em risco de queda; todos os trabalhadores se encontravam no interior da mata a realizar trabalhos no âmbito dessa exploração florestal, utilizando os equipamentos e máquinas de trabalho, tais como moto roçadoras, motosserras, roçadoras, EPI´s todos propriedade da Ré, recebiam ordens diretas do representante da Ré, presente no local, Engenheiro YY, observavam horas de início e termo da prestação de trabalho, com horário fixo determinado pela Ré, cumprindo 8 horas de trabalho diário; a definição dos horários de início e termo da prestação da atividade, dias de trabalho e dias de descanso, foram fixados unilateralmente pela Ré, beneficiária da atividade desenvolvida pelos mencionados trabalhadores; os trabalhadores mencionados não celebraram qualquer contrato de trabalho escrito com a Ré e iniciaram a sua atividade ao serviço da mesma em 1 de novembro de 2021; todos os trabalhadores recebiam € 5,00 por hora de trabalho, pago mensalmente, em numerário, nunca foram emitidos recibos de vencimento, não foram efetuados os descontos legais, nem a contratação dos trabalhadores foi comunicada à Segurança Social; eram transportados, diariamente, para o respetivo local de trabalho num veículo automóvel propriedade da Ré “A..., Lda” e conduzido por um funcionário ao seu serviço; a Ré “A..., Lda” celebrou em 2 de novembro de 2021 um denominado “contrato de utilização de trabalho temporário” com a empresa “B..., Lda”, contribuinte fiscal nº ...03, no âmbito do qual esta se comprometia à “Cedência temporária de Trabalhadores”; a “B..., Lda” não dispõe de alvará de empresa de trabalho temporário; o contrato celebrado entre a Ré “A..., Lda” e a “B..., Lda” é omisso quando ao número e a data do alvará de licença da empresa de trabalho temporário, quanto aos factos que integram o motivo justificativo do recurso a trabalho temporário por parte do utilizador, e quanto à caracterização do posto de trabalho a preencher e dos respetivos riscos profissionais, encontrando-se, por isso, em clara violação ao disposto no artigo 177º nº 1, com as consequências que advêm do disposto nos nº 5 e 6 do mesmo dispositivo legal; os trabalhadores mencionados em 3. sempre trabalharam para a Ré numa relação de trabalho caracterizada pela total dependência económica daquela, e mediante a execução de ordens diretas e instruções por esta emanadas (na pessoa do engenheiro YY, do sócio-gerente da Ré ZZ ou de outros trabalhadores da Ré presentes, em cada momento, no local onde se desenvolviam os trabalhos), desempenhavam as suas funções, em cumprimento de um horário fixado pela Ré “A..., Lda”, com os instrumentos de trabalho que esta, em exclusivo, lhes fornecia e disponibilizava, encontrando-se, totalmente, integrados na sua estrutura organizativa; a relação de trabalho estabelecida entre a Ré e os mencionados trabalhadores, na prática, sempre se desenvolveu de forma em tudo semelhante àquela que resulta da celebração de um contrato de trabalho. Termina formulando o seguinte pedido: “Que a ação seja julgada procedente e provada e em consequência: Seja reconhecida e declarada a existência de um contrato de trabalho entre a Ré e os trabalhadores: -AA, -BB, -CC, -DD, -EE, -FF, -GG, -HH, -II, -JJ, -KK, -LL, -MM, -NN, -OO, -PP, -QQ, -RR, -SS, -TT, -UU, -VV; -XX, Fixando-se a data do seu início em, pelo menos, 2 de novembro do ano de 2021;” A Ré contestou alegando, em sinopse, que: Celebrou com a B..., Ldª um contrato de utilização de trabalho temporário e esta exibiu-lhe um documento que disse ser o alvará para a atividade; o recurso ao trabalho temporário deveu-se ao acréscimo excecional da atividade da Ré, às necessidades acrescidas de mão de obra para limpeza do pinhal de leiria e apesar de o contrato ter sido assinado em 02/11/2021, apenas teve início em 03/01/2022; cumpriu as suas obrigações decorrentes do CUTT; os trabalhadores prestavam a sua atividade sob a orientação da Ré mas sob as ordens e disciplina da B...; a falta dos elementos exigíveis no n.º 1 do artigo 177.º do CT, deveu-se àquela e não determinam, por si só, a nulidade do contrato; Termina dizendo que: “Termos em que, e nos mais e melhores de Direito que V. Ex.ª doutamente suprirá, deve a ação ser julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se a ré dos pedidos.” * Procedeu-se a julgamento conforme consta das respetivas atas. De seguida foi proferida sentença com o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julgamos a ação procedente, pelo que reconhecemos a existência de um contrato de trabalho entre a ré A..., Lda e os prestadores de atividade supra referenciados, com início em 02.11.2021; à exceção dos trabalhadores BB, DD e EE com início em 18.11.2021 e para o Trabalhador PP com início em 07.11.2021.” A Ré, notificada desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte: (…). O Ministério Público apresentou resposta concluindo que: (…). Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir. II – Questões a decidir: Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (artigo 639.º, n.º 1, do C.P.C. na redação da Lei n.º 41/2013 de 26/06), com exceção das questões de conhecimento oficioso. Assim, cumpre apreciar as questões suscitadas pela Ré recorrente, quais sejam: * b) - Discussão Alega a recorrente que a sentença é nula porque não conheceu da nulidade do auto elaborado pela ACT invocada pela mesma. Na verdade, a sentença é nula quando <<o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar (…)>> - artigo 615.º, n.º 1, d), do CPC. Acontece que a Exm.ª juíza do tribunal recorrido supriu esta nulidade no despacho de admissão do recurso (fls. 522) pronunciando-se sobre a nulidade do auto da ACT invocada pela ora recorrente, pelo que, nada tendo sido requerido quanto ao alargamento do âmbito do recurso (n.º 3 do artigo 617.º do CPC), nada mais se impõe dizer. Mais alega a recorrente que a decisão recorrida violou o disposto no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, estando ferida de nulidade. Resulta do artigo 615.º, n.º 1, b), do CPC, que a sentença é nula quando <<não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão>>. Na verdade, conforme se extrai do artigo 607.º do CPC, na sentença o juiz deve <<discriminar os factos que considera provados e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes, concluindo pela decisão final>> (n.º 3) e <<na fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência>> n.º 4. Acresce que, apenas existe nulidade por falta de fundamentação <<quando falte em absoluto a indicação dos fundamentos de facto ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão>>[2]. Ora, basta ler a sentença recorrida para se concluir que a mesma especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (discrimina os factos provados, indica, interpreta e aplica as normas jurídicas correspondentes), pelo que, a mesma não sofre da nulidade em apreciação. Quanto ao mais, ao contrário do alegado pela recorrente, da “convicção” supratranscrita resulta que a fundamentação da sentença se encontra conforme com o disposto no citado normativo, posto que o juiz declarou quais os factos provados e não provados, fez uma análise crítica da prova com indicação dos fundamentos que foram decisivos para a sua convicção e tomou em consideração os factos admitidos por acordo, provados por documentos e por confissão. Ao contrário do alegado pela recorrente extrai-se da mesma fundamentação os concretos meios de prova que determinaram a decisão, bem como o raciocínio lógico que levou à mesma, inexistindo qualquer fundamento legal para anular a sentença recorrida nos termos previstos no artigo 662.º do CPC. Acresce que, conforme resulta dos artigos 1º a 3º da contestação, a Ré aceitou os factos alegados os artigos 1º a 9º, 11º, 22º a 24, 26º, 28º, 29º e 34º a 39º, todos da p.i., alegou desconhecer os alegados nos artigos 18º a 20º e 30º e impugnou os demais por serem falsos, pelo que, facilmente se conclui que a Ré admitiu tais factos sem mais e, assim, tendo em conta o disposto no artigo 574.º do CPC, tais factos deixaram de ser controvertidos e passaram a constar da matéria de facto assente. Na verdade, “da confissão distingue-se também a mera admissão de um facto. Aquela pressupõe o conhecimento da veracidade do facto. A parte confessa um facto porque sabe ou está convencida de que ele é verdadeiro (o pressuposto pode, entretanto, ser inexato, sem que a confissão deixe de ter esse valor). Já a admissão de um facto dispensa o conhecimento da veracidade; a parte admite-o, apesar de não saber se será verdadeiro ou não. Limita-se a aceitá-lo como provado, ou porque não lhe interessa – porque o julga irrelevante, por exemplo – ou porque não lhe adianta contradizê-lo – porque sabe que a parte contrária fará prova dele. Em qualquer caso, o efeito prático é o mesmo: atento o disposto no art. 574.º do CPC, quer os facos admitidos por acordo (expressamente ou por falta de impugnação), quer os factos confessados deixam de ser considerados controvertidos, para passarem a constar da matéria de factos assente, liberando a parte contrária do ónus de prová-los.”[3] E, por fim, tendo em conta que a confissão judicial escrita (por exemplo nos articulados) tem força probatória plena contra o confitente, “a prova assim produzida só excecionalmente pode ser posta em causa, segundo uns nos termos do art. 359 CC (nulidade e anulabilidade da confissão), direta ou analogicamente aplicado à admissão, consoante seja tida ou não como uma modalidade da confissão (…), e segundo outros nos termos do art. 588 (articulado superveniente), quando ocorre o conhecimento tardio da inexistência dos factos não impugnados, por se ter erroneamente julgado que se tinham verificado (…).”[4] Desta forma, impõe-se concluir que não assiste qualquer razão à recorrente quando alega que não é possível concluir pela “confissão” da Ré feita no seu articulado e que não pode “confessar” factos que se apurou serem falsos. Pelo exposto, a sentença recorrida não sofre de qualquer nulidade, nomeadamente por falta de fundamentação. - Ocorreu o vício processual de erro na forma de processo, o que determina a anulação de todo o processo como exceção dilatória, com a consequente a absolvição da ré da instância. - A Mma. Juiz do Tribunal a quo na sentença considerou que “Em primeiro lugar cabe-nos dizer que nos presentes autos não está tanto em causa a averiguação da existência de um contrato de trabalho com base na aplicação da presunção do art 12.º do C.T, mas sim a aplicação das normas relativas ao trabalho temporário – arts 172.º a 192º do C.T. – o que levanta a questão de se esta forma de processo seria a mais adequada para o fim pretendido.” - Com efeito, a Mma. Juiz do Tribunal a quo, fez tábua rasa do ónus de conhecimento oficioso deste vício processual, porquanto o que está em causa não é a averiguação da existência de um contrato de trabalho com base na aplicação da presunção do art 12º do C.T, mas sim a aplicação das normas relativas ao trabalho temporário – arts. 172º a 192º do C.T. - Assim, deveria ser o trabalhador que a reclamar judicialmente os eventuais direitos decorrentes da ilicitude de uma cedência de trabalhadores, fazendo a alegação e prova de que prestou a sua atividade sob as ordens, direção e fiscalização da entidade a quem alegadamente foi cedido. - Não cabia ao Ministério Público lançar mão da ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 26º nº1 al i) e nº 6, 186º-K nº 1, do Código de Processo de Trabalho, como fez, por não ser o meio processual próprio. - Pelo que constatando a Mma. Juiz do Tribunal a quo a existência de erro na forma do processo, deveria conhecer de imediato, na douta sentença, o vício processual de erro na forma do processo, nos termos dos artigos 193.º, 196.º, 576.º n.º 2 e 577.º alínea b) todos do C P C, o que não fez, inquinando todo processo. - Neste tipo de ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 26º nº1 al i) e nº 6, 186º-K nº 1, do Código de Processo de Trabalho, a intervenção do Ministério Pública cessa, a partir do momento em que os trabalhadores são notificados os termos do artigo 186 L n.º 4 do CPT. - No caso dos presentes em que é admissível recurso, independentemente do valor, conforme dispõe expressamente o artigo 186 P do CPT, é obrigatória a constituição de mandatário, ficando as partes sujeitas às regras do patrocínio judiciário nos termos do artigo 40.º n.º 1 alínea b), do CPC, o que não aconteceu. - A falta de constituição de mandatário consubstancia a falta de um pressuposto processual que impede o conhecimento do mérito da causa e que conduz à absolvição da ré da instância, nos termos do disposto no artigo 41.º do CPC, o que se invoca para os devidos e legais efeitos. Apreciando: Dispõe o artigo 186-L, do CPT, sob a epígrafe “Petição inicial e contestação”: 1 – Na petição inicial, o Ministério Público expõe sucintamente a pretensão e os respetivos fundamentos, devendo juntar todos os elementos de prova recolhidos até ao momento. 2 – O empregador é citado para contestar no prazo de 10 dias. 3 – A petição inicial e a contestação não carecem de forma articulada, devendo ser apresentadas em duplicado, nos termos do nº 1 do artigo 148º do Código de Processo Civil. 4 – Os duplicados da petição inicial e da contestação são remetidos ao trabalhador simultaneamente com a notificação da data da audiência final, com a expressa advertência de que pode, no prazo de 10 dias, aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, apresentar articulado próprio e constituir mandatário.>> Pois bem, extrai-se deste normativo que o trabalhador pode (e não deve) apresentar articulado próprio e constituir mandatário, pelo que, facilmente se conclui que a intervenção do Ministério Público nunca poderia cessar com a simples notificação a que alude o n.º 4 do artigo 186.º-L do CPT. Acresce que, a constituição de mandatário judicial por parte do trabalhador só origina a cessação da representação ou do patrocínio oficioso exercido pelo Ministério Público, no caso de este se encontrar a patrocinar aquele na defesa dos seus direitos mas no exclusivo interesse do mesmo (artigos 7.º, a) e 9.º, ambos do CPT). Na verdade, como refere Hélder Quintas[5], “nas bases edificantes desta ação está não só o interesse público de combater a precariedade laboral e o uso indevido do contrato de prestação de serviços, enquanto instrumento jurídico de encobrimento de verdadeiras relações jurídico-laborais, como também o interesse dos trabalhadores afetados, reforçado pelo princípio constitucional da segurança no emprego plasmado no art. 53º, da CRP. (…) De qualquer maneira, devemos sublinhar que a presença de um interesse de ordem pública confere natureza oficiosa à ação, a qual é instaurada na sequência da atuação da ACT ou por conhecimento e iniciativa do Ministério Público, independentemente da intervenção do trabalhador, que é meramente facultativa. Note-se que a circunstância de este declarar que não pretende aderir aos factos apresentados pelo Ministério Público, nem apresentar articulado próprio ou constituir mandatário, não afeta o interesse em agir daquele órgão, nem constitui fundamento para a extinção da lide por inutilidade, nem para a absolvição da instância.” Como se decidiu no acórdão desta Relação de 07/05/2015, disponível em wwww.dgsi.pt, que acompanhamos: <<Esta nova acção especial para reconhecimento da existência de contrato de trabalho surgiu com o objectivo de instituir um mecanismo de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços. Trata-se de uma acção com natureza urgente e oficiosa, iniciando-se sem qualquer intervenção do trabalhador ou do empregador, bastando, para o efeito, uma participação da Autoridade para as Condições do Trabalho, que a desencadeia. Institui-se um regime de celeridade e oficiosidade, a petição inicial e a contestação não têm de revestir forma articulada e a realização da audiência de julgamento não fica dependente do acordo das partes, nem pode ser adiada devido à falta destas, e dos respectivos mandatários, mesmo que justificada. A Lei nº 63/2103, que expressa e significativamente veio consagrar a “Instituição de mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado”- artº 1º, contém normas de interesse e ordem pública, designada, mas não exclusivamente, no que respeita à introdução da acção de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, aditando os artºs 186.º -K a 186.º -R ao CPT. Teve-se em vista combater uma realidade que se vem prolongando ao longo do tempo, de verdadeiros contratos de trabalho subordinado encobertos sob a designação de contratos de prestação de serviços, ou, para usar uma expressão da gíria, os “falsos recibos verdes,” os quais, para além de afectarem o trabalhador subordinado em alguns dos seus direitos, prejudicam, igualmente, interesses do Estado, de natureza fiscal e de segurança social. O que também foi salientado no Ac. da Rel. de Lisboa de 10/9/2014, citado no Ac. da mesma Relação de 8/10/2014, ambos disponíveis em www.dgsi.pt: “Analisando o regime legal condensado na Lei n.º 63/2013, de 27 de agosto, que veio alterar a Lei n.º 107/2009, de 14 de setembro e o Cód. Proc. Trab., observamos que o escopo, essencial e exclusivo, intencionalmente querido pelo legislador e por ele explicitado no art.º 1.º foi o de instituir mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado. Em causa está a sempre atual problemática dos designados “falsos recibos verdes”, isto é, o enquadramento de colaboradores como independentes quando as características da atividade por eles exercida, confrontada com a moldura legal aplicável, impõe antes a sua qualificação como trabalhadores subordinados”. E porque se trata de um interesse de ordem pública, estamos perante uma acção oficiosa, instaurada na sequência da intervenção da ACT - nº 1 do artº 186-K, ou por conhecimento e por iniciativa do MºPº- nº 2, que dispensa a intervenção do próprio trabalhador em causa, que é meramente facultativa - nº 4 do artº 168º-L. Ou seja, na instauração da acção, dispensa-se, expressamente, a iniciativa e até o consentimento do trabalhador, ao qual é conferida apenas a possibilidade de apresentar articulado próprio e constituir mandatário. Assim sendo, o julgamento da acção deverá traduzir a realidade e não ficar restrito ao peticionado pelo MºPº ou ao alegado no articulado do trabalhador, se o houver, devendo a sentença, mesmo que tal não seja indicado por qualquer daqueles, “fixar a data do início da relação laboral”- nº 8 do artº 186º-O. Esta norma, tal como todas as outras referidas, apresenta-se como imperativa, estando em causa, como já se aludiu, valores que o legislador considera fundamentais, impondo-se, portanto, à vontade das partes e diminuindo a sua liberdade de estipulação. Funciona aqui o princípio do inquisitório, aparecendo o princípio do dispositivo como claramente mitigado. Sobre a problemática de estarmos perante normas de interesse e ordem pública se pronunciou, igual e positivamente, o citado Ac. da Rel. de Lisboa de 8/10/2014: “Afigura-se-nos importante – como aliás faz o Aresto anteriormente transcrito – e antes de cruzarmos as considerações jurídicas que reproduzimos com os factos emergentes da presente ação, definirmos, ainda que de forma sintética, a natureza e principais características da presente ação de reconhecimento do contrato de trabalho que, como ficou antes afirmado, se reconduz a uma ação declarativa de mera apreciação positiva. Ressalta desde logo do inerente regime legal que a mesma tem uma tramitação não somente especial como particular, com alguns pontos de contacto com as ações emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais (artigos 26.º, n.ºs 1, alínea e), 3 e 4 e 99.º a 155.º do C.P.T.) e de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento (artigos 26.º, n.ºs 1, alínea a), e 5 e 98.-B.º a 98.º-P do C.P.T.), dado que estas últimas não só possuem natureza urgente como têm por base uma participação ou um formulário, iniciando-se a sua instância com a apresentação/recebimento dos mesmos. A diferença entre a fase conciliatória dos autos de acidentes de trabalho e aquela que tem inicialmente lugar, em termos latos e pouco rigorosos, no âmbito desta ação, é que aquela se integra, de pleno direito, na correspondente instância, ao passo que tal não acontece aqui, havendo uma fase prévia que decorre na ACT, que, ao invés do que com aquela fase conciliatória ocorre, não possui cariz judicial, muito embora uma e outra possam esgotar, por si e em si, o objeto do correspondente procedimento (cfr. n.º 2 do artigo 15.º-A da Lei n.º 107/2009, de 14/9 e 109.º, 111.º e 114.º do C.P.T.). O ato despoletador de um processo como este, à imagem do que se verifica com a ação especial de despedimento, é apenas um e de índole formal, radicando-se, nesta última, num formulário-tipo e naquele na participação da ACT. Importa referir que a ACT é a única entidade competente para levantar o auto a que alude o número 1 do artigo 15.º-A do RPCOLSS e desenvolver as diligências preliminares igualmente aí elencadas (cfr., muito significativamente, o n.º 2 do artigo 186.º-K do Código do Processo do Trabalho) e que, com a participação ao Ministério Público do Tribunal do Trabalho, se «suspende até ao trânsito em julgado da decisão o procedimento contraordenacional ou a execução com ela relacionada», ou seja, os autos de contraordenação ou de execução relativos à dita infração (falso trabalho autónomo) ficam parados, a aguardar o julgamento definitivo na ação laboral. O Ministério Público, por outro lado, recebe no tribunal do trabalho tal participação da ACT e tem o prazo de 20 dias para apresentar a petição inicial, desde que entenda haver elementos suficientes para o efeito, fazendo-o em representação do Estado e para defesa, em primeira linha, dos interesses públicos pelo mesmo prosseguidos (cfr. artigos 1.º, 2.º e 3.º, al. a) do EMP) e não (apenas) do interesse privado “trabalhador” que, convirá dizê-lo, pode nem sequer ter qualquer intervenção nos autos, conforme decorre da falta de contestação do empregador e do disposto no artigo 186.º-M do C.P.T. e nunca é (pode ser) patrocinado pelo Ministério Público mas apenas por advogado nomeado ou constituído. Tal interesse público acha-se descrito por Pedro Petrucci de Freitas (No texto intitulado «DA ACÇÃO DE RECONHECIMENTO DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO: BREVES COMENTÁRIOS», datado de 9/1/2014 e publicado na Revista da Ordem dos Advogados, Ano 73 - Vol. IV - Out./Dez -2013, páginas 1423 e seguintes e que pode ser consultado no sítio da Ordem dos Advogados, em “Publicações”) nos seguintes moldes: «A Lei n.º 63/2013, de 27 de Agosto, instituiu mecanismos de combate à utilização indevida do contrato de prestação de serviços em relações de trabalho subordinado através de um procedimento administrativo da competência da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) e de um novo tipo de ação judicial, a ação de reconhecimento da existência de contrato de trabalho, passando esta última a constar no elenco do art.º 26.º do Código de Processo do Trabalho. O objetivo indicado no art.º 1.º desta Lei, ou seja, a instituição dos referidos mecanismos, corresponde a uma intervenção marcadamente política de resposta a um grave problema social, e, quanto a nós, a um culminar de anteriores alterações legislativas (com o propósito de se atingir um nível de “decent work”, — tal como propugnado por instâncias internacionais -, e de se eliminar o fenómeno da precariedade laboral. A utilização indevida da figura do contrato de prestação de serviços em relação de trabalho subordinado não é um fenómeno novo, e conduz, inclusivamente, à concorrência desleal entre empresas. Conforme se refere no relatório elaborado pelo Grupo de Ação Interdepartamental da organização Internacional do Trabalho: “ (...) para a empresa empregadora, a possibilidade de subcontratar tarefas ao trabalhador por conta própria “dependente” constitui uma oportunidade de poupar custos e de -no fundo - partilhar o risco empresarial. A empresa empregadora não se vê obrigada a pagar contribuições para a segurança social, seguros ou direitos relativos a férias e dias feriados; as transações relacionadas com a gestão de recursos humanos estão reduzidas ao mínimo e não há lugar a procedimentos e pagamentos com o fim da relação negocial entre as partes”. (…) Independentemente da leitura que se possa fazer destes dados, não pode naturalmente a ordem jurídica deixar de criar mecanismos de combate e penalização de situações inequivocamente violadoras da lei com efeitos nocivos transversais, e com um impacto mais abrangente do que aquele que se possa identificar à partida, se incluirmos neste raciocínio a problemática da sustentabilidade dos sistemas de pensões em face da entrada tardia dos jovens no mercado de trabalho propriamente dito, e pela menor entrada de contribuições que o trabalho dissimulado (e também o trabalho não declarado) representam.» Julgamos este excerto doutrinário assaz expressivo dos interesses de cariz não privado ou particular que se visam acautelar através da consagração deste novo tipo de ação (convindo ainda realçar a origem popular desse regime legal) e que moldam inequivocamente a interpretação das correspondentes normas jurídicas e a tramitação adjetiva que delas deriva”. (…) Assim sendo, e se é certo que a invocada trabalhadora, que nem sequer apresentou, tal como lhe permite o nº 4 do artº 186º-L, articulado próprio, veio desistir do pedido, também o é que, em face do exposto no que ao interesse e ordem pública diz respeito, nenhuma relevância, em termos de desfecho da acção, pode assumir tal desistência, devendo a acção ter prosseguido, dado que não são só os direitos de carácter privado do trabalhador que estão em causa. Com efeito, a admitir-se tal desistência por parte do alegado trabalhador, facilmente se torneariam os objectivos prosseguidos pela lei, pondo unicamente nas mãos dos invocados trabalhador e empregador a sorte da acção e tornando inútil a acção do MºPº no sentido de se pretender apurar da existência, ou não, do contrato de trabalho. Aliás, o mesmo aconteceria se se homologasse uma eventual transacção no sentido de se considerar qualquer outro tipo de contrato - nomeadamente o de agência, sustentado pela alegada trabalhadora e pela Ré - que não o contrato de trabalho.>> Aqui chegados, impõe-se concluir pela inexistência da invocada exceção dilatória de falta de constituição de advogado por parte dos prestadores de atividade. AA, BB, CC, DD, EE, FF, GG, HH, II, JJ, KK, LL, MM, NN, OO, PP, QQ, RR, SS, TT, UU, VV e XX. - No decurso da audiência de discussão e julgamento, aquando a inquirição da inspetora FFF ficou demonstrado que UU, VV e XX não deveriam constar sequer na petição inicial, pelo que, quanto a estes nunca o Tribunal a quo poderia condenar a recorrente a reconhecer a existência de contrato e trabalho, como fez. - Para além de que, dos factos provados da douta sentença não constam, nem a identificação dos trabalhadores que efetivamente estavam trabalhar, nem consta em relação a cada um dos trabalhadores as datas em que começaram a trabalhar e as datas em que terminaram. - Não pode, consequentemente, o Tribunal determinar que a ré reconheça a existência de qualquer contrato de trabalho a pessoas cujos nomes e identificações desconhece e bem assim, a data de início e data de cessação da relação laboral, quando tais factos não constam sequer dos factos provados na sentença recorrida. - Ainda que se considerem corretamente provados todos os factos constantes da sentença recorrida, a matéria de facto provada não permite, por exiguidade, sustentar a decisão proferida, pelo que, deve a decisão recorrida, também por esta via ser revogada. A este propósito consta da sentença recorrida o seguinte: “Em primeiro lugar cabe-nos dizer que nos presentes autos não está tanto em causa a averiguação da existência de um contrato de trabalho com base na aplicação da presunção do art 12º do C.T, mas sim a aplicação das normas relativas ao trabalho temporário – arts 172º a 192º do C.T. – o que levanta a questão de se esta forma de processo seria a mais adequada para o fim pretendido. Com efeito, lançando mão da presunção estabelecida pelo art 12º, temos que quanto à ré A..., Lda, se verificam as seguintes caraterísticas típicas de um contrato de trabalho: a) o local onde se realizava a atividade foi indicado pela ré; b) os instrumentos de trabalho utilizados pertenciam à ré; c) os prestadores de atividade observavam horas de início e de termo da prestação determinadas pela ré; d) obedeciam às ordens e instruções dos responsáveis da A..., Lda e das empresas do mesmo Grupo, que definiam as zonas a intervencionar e o modo de execução dos trabalhos (o poder de direção era da ré). Por sua vez, quanto à empresa B..., Lda temos que: a) a retribuição dos prestadores de trabalho era paga por ela; b) era esta quem os conduzia para o local de trabalho e quem pagava o alojamento e a comida; c) existiam contratos de trabalho celebrados entre alguns dos prestadores de atividade e a B..., Lda e que aqueles a assumiram como sua empregadora; d) a B..., Lda inscreveu alguns dos prestadores de atividade na Segurança Social; e) sendo certo ainda que existe celebrado entre a ré A... e a B..., Lda um Contrato de Utilização de Trabalho Temporário, conforme fls 10, de onde consta que “As partes declaram-se conhecedoras que o exercício do poder disciplinar cabe, durante a execução do contrato, exclusivamente à Primeira Outorgante” (a empresa B...); f) foi a B..., Lda quem inicialmente determinou o local e o horário de trabalho. Poderíamos assim lançar mão da presunção de contrato de trabalho para qualificar a relação estabelecida entre qualquer uma destas empresas e os prestadores de atividade como uma relação laboral? Teoricamente sim! No entanto, sendo o contrato celebrado entre a B..., Lda e a empresa ré um “Contrato de Utilização de Trabalho Temporário” através do qual, conforme Cláusula Primeira a B... “cedia temporariamente os seus trabalhadores” à A..., Lda, mediante retribuição, ficando aqueles “sujeitos ao regime de trabalho aplicável ao utilizador no que respeita ao modo, lugar, duração de trabalho, suspensão da prestação de trabalho, higiene, segurança e medicina no trabalho e acesso a equipamentos sociais”, temos de concluir que se aplica `a presente situação o regime do Contrato de Trabalho Temporário regulado no C.T., se bem que o CUTT seja nulo por violação de norma legal imperativa. Nos termos da Lei “Contrato de utilização de trabalho temporário é o contrato de prestação de serviço a termo resolutivo entre um utilizador e uma empresa de trabalho temporário, pelo qual esta se obriga, mediante retribuição, a ceder àquele um ou mais trabalhadores temporários - art 172º c) do C.T. Para que o contrato de utilização de trabalho temporário seja válido é necessário, designadamente, que a atividade da empresa de trabalho temporário esteja licenciada, de acordo com o regime previsto no art 1º do Decreto-Lei nº 260/2009, de 25 de setembro. A concessão da licença depende do preenchimento dos requisitos previstos no art 5º deste último diploma, sendo que o procedimento para a concessão da licença deve obedecer ao disposto no art 6º, tendo o registo para o exercício da atividade de empresa de trabalho temporário caráter público, estando o serviço público de emprego obrigado a manter atualizado e a disponibilizar por via eletrónica para acesso público o registo nacional das empresas de trabalho temporário, conforme art 8º. Qualquer interessado pode pedir certidão das inscrições constantes no registo – art 8º, nº 3. A ré não se certificou de que a B..., Lda tinha a licença exigida por Lei, conforme podia e devia fazer, antes de celebrar o Contrato de Utilização de Trabalho Temporário, cuja cópia consta dos autos, pelo que a sua negligência não pode ser razão de exclusão da sua responsabilidade. Conforme art 173º nº1 do C.T. “É nulo o contrato de utilização, o contrato de trabalho temporário ou o contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária celebrado por empresa de trabalho temporário não titular de licença para o exercício da respetiva atividade.”. Sendo o contrato de utilização nulo, a Lei considera que o trabalho é prestado ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo, nos termos do art 177º, nº 6 do C.T.. Assim, tendo em conta o regime imperativo aplicável aos contratos de utilização de trabalho temporário, deve a ré ser considerada empregadora dos prestadores de atividade identificados em 3. para todos os efeitos legais, com os inerentes encargos, nomeadamente ao nível fiscal e social. Consideramos que todos os prestadores de atividade indicados nos autos devem ser considerados trabalhadores da ré, atendendo a que é a própria ré que confessa que todos aqueles prestadores de atividade se encontravam naquele local de trabalho a prestar a sua atividade, de acordo com as instruções dos responsáveis da ré, nos termos do art 3º da contestação, o que resultou também das declarações de parte do legal representante. Nos termos do art 465º nº 1 do C.P.C.: “A confissão é irretratável.” Nos termos do nº 2 deste preceito “Porém, as confissões expressas de factos, feitas nos articulados podem ser retiradas, enquanto a parte contrária as não tiver aceitado especificadamente.”. Ora a ré não retirou a confissão efetuada no seu articulado. Conforme José Lebre de Freitas in Código de Processo Civil Anotado, Vol 2º, em anotação ao art 567º do Código anterior, mencionando Antunes Varela, Manual de Processo Civil, p. 555: O efeito probatório da confissão feita, nos articulados, pelo mandatário com meros poderes forenses gerais explica-se por ela se supor inspirada pela parte ou feita em conformidade com as informações e instruções dela emanadas, correspondendo a faculdade de rectificação ou retirada da confissão à admissão de que o mandatário poderá ter compreendido mal as informações do seu constituinte.” Nos termos do art 358º nº 1 do Código Civil: “A confissão judicial escrita tem força probatória plena contra o confitente.” Pelo que, atendendo à confissão judicial escrita da ré, tem de se considerar que todos os prestadores de atividade mencionados nos autos são seus trabalhadores por força da aplicação das normas relativas á invalidade do Contrato de Utilização de Trabalho Temporário. Quanto à data do início da prestação de trabalho baseámo-nos nos factos constantes supra dados como provados de acordo com a prova produzida, e nas declarações dos trabalhadores ouvidos em Tribunal que, sem sombra para dúvidas, indicaram qual o dia em que começaram a prestar trabalho nas matas.” Vejamos: Resulta da matéria de facto provada que: - A ré A..., Lda, havia celebrado, em 02 de novembro de 2021, um denominado “contrato de utilização de trabalho temporário” com a empresa “B..., Lda”, contribuinte fiscal nº ...03, no âmbito do qual esta se comprometia à “cedência temporária de trabalhadores”. - A “B..., Lda”, tem como objeto social a atividade de “Cedência temporária de trabalhadores para ocupação de utilizadores”. - A “B..., Lda” não dispõe de alvará de empresa de trabalho temporário. - O contrato celebrado entre a ré A..., Lda e a “B..., Lda”, é omisso quanto ao número e data do alvará de licença de empresa de trabalho temporário, quanto aos factos que integram o motivo justificativo do recurso a trabalho temporário por parte do utilizador e quanto à caraterização do posto de trabalho a preencher e aos respetivos riscos profissionais. Assim sendo, o contrato de utilização de trabalho temporário celebrado entre a Ré a “B...” é nulo porque esta empresa de trabalho temporário não é titular de licença para o exercício da respetiva atividade (n.º 1 do artigo 173.º do CT) e, ainda, porque não contém todas as menções referidas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 177.º do CT (n.º 5 do mesmo normativo) e, consequentemente, considera-se que o trabalho é prestado pelo trabalhador ao utilizador em regime de contrato de trabalho sem termo (n.º 3 do artigo 173.º e n.º 6 do artigo 177.º, ambos do CT), devendo a Ré ser considerada empregadora dos prestadores de atividade identificados no ponto 3 da matéria de facto provada, tal como consta da sentença recorrida. Ao contrário do alegado pela recorrente, como já referimos a propósito da impugnação da matéria de facto, os prestadores encontram-se devidamente identificados e consta do ponto 10 da matéria de facto provada a data do início da prestação da atividade desde, pelo menos, inícios ou meados de novembro de 2021. Quanto à alegação de não cumprimento por parte dos trabalhadores do disposto no artigo 186.º-L, damos aqui por reproduzido tudo o que ficou dito aquando da apreciação da 3ª questão. Pelo exposto, improcedem as conclusões da recorrente. * Desta forma, na improcedência das conclusões da recorrente, impõe-se a manutenção da sentença recorrida * * IV – Sumário[6] * * V - DECISÃO. Nestes termos, sem outras considerações, na improcedência do recurso, acorda-se em manter a sentença recorrida. * * Custas a cargo da Ré recorrente. * *
Coimbra, 2025/01/17
____________________ (Paula Maria Roberto) ______________________ (Mário Rodrigues da Silva) _____________________ (Felizardo Paiva) |