Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
Descritores: | EMPREITADA CAUSA DE PEDIR APERFEIÇOAMENTO AMPLIAÇÃO DO PEDIDO | ||
Data do Acordão: | 06/19/2018 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - M.-O-VELHO - JUÍZO C. GENÉRICA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 273 CPC, 217 CC | ||
Sumário: | 1 - Se o autor, com base em empreitada defeituosa, acrescenta, em petição aperfeiçoada, factos/danos materiais e não patrimoniais, tudo ainda alicerçado em tal empreitada, tal não constitui alteração da causa de pedir ou novo pedido, mas antes, e apenas, ampliação do pedido inicial, num seu mero desenvolvimento e, assim, possível até ao encerramento da discussão em primeira instância – artº 273º nº2 do CPC pretérito e 265º nº2 do atual. 2 - Ademais: se os réus não alegam a ilegalidade adjetiva da ampliação, antes, substantivamente, a dilucidando; se não impugnam a especificação e o questionário que incluíram os fatos atinentes à mesma; se o processo com tal thema decidendum prossegue ao longo de anos; se a audiência de discussão e julgamento se faz com consideração dos factos da ampliação, esta deve ter-se, ao menos tacitamente – artº 217º do CC - , por eles aceite. | ||
Decisão Texto Integral: | 13 ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA 1. P (…), intentou contra G (…) e J (…), no Julgado de Paz de Montemor-o-Velho, acção declarativa, de condenação, entretanto enviada, na sequência de prova pericial aí requerida, para o Tribunal de Montemor o Velho. Pediu: A condenação dos réus a repararem e eliminarem os defeitos elencados na p.i., no prazo de 60 dias. No tribunal recorrido proferido o despacho de aperfeiçoamento de fls. 196 a 198, no qual, atenta a deficiente concretização factual da causa de pedir (o autor não concretizou os pressupostos da responsabilidade civil relativamente a cada um dos réus, com quem celebrou contratos distintos e autónomos, ou seja, não concretizou que deficiências ou incorrecções são atribuíveis/imputáveis a cada um dos réus na realização dos trabalhos que estavam compreendidos nos contratos de empreitada que celebrou com cada um deles), foi ao abrigo do disposto no nº2 do artigo 508º do Código de Processo Civil, na redacção então aplicável, convidado o autor a juntar nova petição, onde suprisse as deficiências na concretização da causa de pedir, nos termos aí expostos. Na sequência de tal despacho, veio o autor apresentar uma nova petição (cfr. fls. 204 a 207), pedindo: 1. A condenação do réu G (…) a: a) Eliminar os defeitos elencados no artigo 7º, 8, 9, 25º, 26, 27º, 28º, 29º da PI, no prazo máximo de 90 dias; b) Pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais, no valor de € 1.000 (mil euros), acrescida de juros de mora, desde a citação até efectivo e integral pagamento. c) Pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, desde a citação até efectivo e integral pagamento. 2. A condenação do réu J (…) a: a) Eliminar os defeitos elencados no artigo 47.º da PI, no prazo máximo de 90 dias; b) Pagar-lhe uma indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, desde a citação até efectivo e integral pagamento. Alegou para tanto, em síntese: Relativamente ao primeiro réu: Contratou com o mesmo uma empreitada, para a construção de uma moradia unifamiliar, na localidade de Volta da Tocha, em Arazede, que compreendia o fornecimento de materiais e a execução dos trabalhos constantes do orçamento que lhe solicitou e junto aos autos, contrato, esse, que o autor e primeiro réu aceitaram cumprir nos termos nele exarados, tendo a obra sido iniciada em Fevereiro de 2006, e concluída em 26 de Agosto de 2006. Sucede que, em finais de Fevereiro de 2010, começam a surgir graves problemas na moradia, relacionadas com infiltrações de humidade, que se foram agravando com o decorrer do tempo, e melhor discriminados no artigo 9º da p.i.. Tais defeitos foram dados a conhecer ao primeiro réu e, expressamente, denunciados a este, por carta registada com aviso de recepção, em 18 de Março de 2010, recebida pelo mesmo, não tendo o mesmo procedido à eliminação, voluntária dos defeitos denunciados. Tais infiltrações de humidades têm causado danos patrimoniais e não patrimoniais ao autor. Relativamente ao segundo réu: Que os trabalhos de pintura, realizados na referida moradia foram objecto de um contrato de empreitada distinto e autónomo, celebrado entre o autor e o segundo réu, nos termos do qual este se obrigou a executar ao autor os trabalhos constantes do orçamento de 03 de Maio de 2006 e por si apresentado e junto aos autos. Que o segundo réu executou deficientemente os trabalhos constantes do orçamento, tendo feito tábua rasa do mesmo, comprado materiais a seu bel-prazer, olvidando o estipulado no referido orçamento, pelo que, resultaram dos trabalhos de pintura executados pelo segundo réu vários defeitos: a pintura nas abas do telhado da moradia encontra-se enrugada e noutros locais, a pintura encontra-se completamente desfeita. Perante a execução deficiente do segundo réu, o autor denunciou, junto deste, os referidos defeitos, por carta registada com AR, a 05 de Março de 2010, recebida pelo segundo réu, conferindo-lhe um prazo de 30 dias para eliminar/corrigir os defeitos dos trabalhos de pintura, por si, levados a cabo, nomeadamente, corrigir a pintura nas abas do telhado, limpar as telhas com a aplicação do produto próprio para o efeito, a fim de evitar o verdete, pintar integralmente a cozinha e casa de banho do primeiro piso, pintar integralmente os quartos do primeiro piso, e pintar o corredor das escadas até ao topo. O segundo réu não eliminou e/ou corrigiu os defeitos denunciados. Tais defeitos causaram danos não patrimoniais ao autor. Os réus contestaram. Disseram, no que ora interessa. O réu G (…)l: O orçamento que apresentou ao autor foi-o em conformidade com o solicitado por este, tendo sido este quem solicitou a aplicação no telhado do rés do chão de vara e ripa sem isolamento, por ser mais barato, tendo por essa razão assim sido orçamentado, e assim executado, em conformidade com o orçamentado; quem pediu para orçamentar o modelo de janelas previsto no orçamento sem corte térmico; quem escolheu os alumínios a aplicar, sem qualquer intervenção do réu; quem escolheu os azulejos aplicados; quem decidiu as dimensões do tijolo 11 + 11, sabendo o autor que os materiais que escolheu para a realização da moradia, e a feitura do telhado nos termos em que o solicitou, poderiam originar problemas de humidade, aceitando os inerentes riscos; tendo sido o autor quem coordenou, fiscalizou e acompanhou diariamente a execução de todos os trabalhos feitos pelo réu, tendo este respeitado na execução dos trabalhos, todas as indicações e instruções dadas pelo autor, cuja única preocupação era que os trabalhos fossem baratos e feitos rapidamente. Que a obra por si realizada foi iniciada em Fevereiro de 2006 e concluída em Maio de 2006, o que aconteceu a pedido do autor que alegava urgência em habitar a moradia. A pintura das paredes da moradia iniciou-se em 03 de Maio de 2006, a mando do autor, à medida que os rebocos iam sendo acabados, sem que as superfícies estivessem devidamente secas e em condições de poderem receber o necessário isolamento, permanecendo a humidade no seu interior Que as paredes exteriores da moradia são duplas, existindo entre alvenarias uma caixa de ar, encontrando-se a mesma preenchida com isolamento térmico, o que impede a existência de infiltrações a partir do exterior. Que o Inverno de 2009/2010, caracterizou-se pela queda acentuada de pluviosidade, sendo a moradia em questão uma construção isolada, encontrando-se implantada numa zona rural onde a humidade é muito elevada, não tendo o projecto de construção em consideração o ambiente húmido da zona onde a moradia foi edificada, pluviosidade essa que provocou elevada condensação no interior das habitações, em níveis muito superiores aos habituais, não tendo o autor, findo o Inverno, procedido à limpeza e desinfecção das paredes, nem à ventilação da casa, que permanece fechada por longos períodos de tempo, sendo por via de tais omissões do autor que surgiram fungos e bolores nas paredes e tectos. Que não é projectista e nada teve a ver com os assentamentos da estrutura. O réu J (…): Todos os materiais necessários à realização dessa obra foram escolhidos e fornecidos pelo autor, sem qualquer intervenção do réu, que se limitou a fornecer a mão de obra para a execução dos trabalhos de pintura, o que fez em escrupuloso cumprimento das legis artis. Assim, a ter havido, como alegado, deterioração da tinta, a mesma ocorreu por eventuais defeitos de construção e não pela forma como foram aplicadas as tintas. Foi proferido despacho saneador no qual se julgaram improcedentes as excepções de caducidade arguidas por ambos os réus, e julgada válida e regular a instância. Procedeu-se à organização dos factos assentes e base instrutória. Procedeu-se à realização de julgamento. 2. Em sede de sentença foi, decidido: 2.1. Como questão prévia «…porque em violação dos parâmetros imperativos enunciados no n.º 5 do artigo 508.º do CPC (actual nº 6 do art. 591º), decide-se ter-se por não escrito tudo o que na segunda petição inicial vai para além do que foi determinado no despacho de aperfeiçoamento, concretamente, os artigos 32º a 40º, 57º, e 62º a 68º da p.i. corrigida, e os pedidos deduzidos nas als. b), c), e e) da p.i. corrigida.» 2.2. Como decisão final: «…julgo a acção parcialmente provada e procedente e, consequentemente, decido: 1. Condeno o réu G (…) a eliminar os defeitos da obra supra referidos em 30º, 31º, 32º, 33º, 35º e 36º dos factos provados, no prazo de 90 dias, absolvendo-o do demais peticionado. 2. Condeno o réu J (…) a eliminar os defeitos da obra supra referidos em 47º e 48º, absolvendo-o do demais peticionado.» 3. Inconformados recorreram todas as partes. 3.1. Conclusões do autor: (…) Conclusões do réu G (…). (…) Conclusões do réu J (…). (…) Contra alegações do réu G (…) (…) Contra alegações do autor P (…) relativamente ao recurso do réu G (…). (…) Contra alegações do autor P (…) relativamente ao recurso do réu J (…) (…) 4. Sendo que, por via de regra: artºs 635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas são, lógica e metodologicamente, as seguintes: 1ª - Ilegalidade da decisão prévia da sentença que declarou não escritos os artigos 32º a 40º, 57º, e 62º a 68º, e os pedidos deduzidos nas als. b), c), e e) da p.i. corrigida. 2ª - Alteração da decisão sobre a matéria de facto. 3ª - Improcedência da acção. 5. Apreciando. 5.1. Primeira questão. 5.1.1. Em sede de sentença, e após de notificação das partes, foi proferida a seguinte decisão prévia: «…foi proferido o despacho de aperfeiçoamento de fls. 196 a 198, no qual se consignou, ademais: “ …no caso em apreço, não concretizou o autor os pressupostos da responsabilidade civil relativamente a cada um dos réus, com quem celebrou contratos distintos e autónomos. Ou seja, não concretizou que deficiências ou incorrecções são atribuíveis/imputáveis a cada um dos réus na realização dos trabalhos que estavam compreendidos nos contratos de empreitada que celebrou com cada um deles. Sendo certo, ainda, que nos defeitos elencados no art. 8º da p.i., apenas refere quanto a deficiências alegadamente existentes nos trabalhos de pintura, “a pintura nas abas do telhado da moradia encontra-se enrugadas e nalguns sítios encontra-se completamente desfeita”, sendo porem, que de acordo com a sua alegação, denunciou outros defeitos ao réu J (…) (cfr. art. 11º da p.i), que não concretiza na sua alegação. O autor indicou de forma vaga e genérica os factos em que fundamenta os seus pedidos, uma vez que dos factos alegados na p.i., não é possível, designadamente, saber que defeitos são atribuíveis/imputáveis ao réu J (…), na realização dos trabalhos que estavam compreendidos no contrato de empreitada que celebrou com este réu, ou seja, há deficiente concretização factual da causa de pedir. Pelo exposto, atenta a deficiente concretização e exposição da matéria de facto da petição inicial, por força dos princípios da economia processual e da cooperação, e ao abrigo do disposto no nº2 do artigo 508º do Código de Processo Civil, convido o autor a, no prazo de 10 dias, vir aos autos juntar nova petição, onde supra as deficiências na concretização da causa de pedir, nos termos supra expostos …”. Na sequência de tal despacho, veio o autor apresentar uma nova petição (cfr. fls. 204 a 207), na qual, correspondendo (parcialmente) ao convite de aperfeiçoamento, aperfeiçoou a causa de pedir concretizando factualmente os pressupostos da responsabilidade civil relativamente a cada um dos réus, com quem celebrou contratos distintos e autónomos, concretizando as deficiências ou incorrecções atribuíveis/imputáveis a cada um dos réus na realização dos trabalhos que estavam compreendidos nos contratos de empreitada que celebrou com cada um deles, em termos que não extravasam o convite ao aperfeiçoamento formulado. Aproveitou, porem, para, na nova petição, ampliar o pedido, que reformulou nestes termos: «… deve a presente acção ser julgada procedente e provada e, em consequência: a) Ser o 1º R. condenado a eliminar os defeitos elencados no artigo 7º, 8, 9, 25º, 26, 27º, 28º, 29º da PI, no prazo máximo de 90 dias; b) Ser o 1º R. condenado a pagar uma indemnização por danos patrimoniais, no valor de € 1.000 (mil euros), acrescida de juros de mora, desde a citação até efectivo e integral pagamento. c) Ser o 1º R. condenado a pagar uma indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, desde a citação até efectivo e integral pagamento. d) Ser o 2º R. condenado a eliminar os defeitos elencados no artigo 47.º da PI, no prazo máximo de 90 dias; e) Ser o 2º R. condenado a pagar uma indemnização por danos não patrimoniais, no valor de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros), acrescida de juros de mora, desde a citação até efectivo e integral pagamento (…)». E, ancorou a ampliação do pedido na nova factualidade alegada nos artigos 32º a 40º, 57º, e 62º a 68º da p.i. corrigida, na qual manifestamente extravasou o convite ao aperfeiçoamento, uma vez que alega factos novos, ancorando-os (também), em causa de pedir diversa da anteriormente deduzida. Dispunha o n.º 3 do artigo 508.º do CPC (actual art. 590º, nº 4), na sua anterior redacção: «Pode ainda o juiz convidar qualquer das partes a suprir as insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, fixando prazo para a apresentação de articulado em que se complete ou corrija o inicialmente produzido.» Nos termos do n.º 5, do mesmo dispositivo «As alterações à matéria de facto alegada, previstas nos números 3 e 4, devem conformar-se com os limites estabelecidos no art. 273º, se forem introduzidas pelo autor, e nos arts. 489º e 490º, quando o sejam pelo réu.» …As limitações impostas pelo nº 5 do art. 508º do CPC (actual nº 6 do art. 591º), decorrem do princípio do dispositivo (art. 264º do CPC na sua anterior redacção, actual art. 5º), e do princípio da estabilidade da instância (art. 268º do CPC na sua anterior redacção, actual art. 260º)… Pugna o autor que os réus aceitaram de forma expressa a ampliação do pedido, sendo ainda que transitou em julgado o despacho que aceitou a causa de pedir e o pedido formulado na nova petição inicial, pelo que, a sentença a proferir, deverá observar a factologia vertida no despacho saneador, este resultante de toda a factologia alegada na nova p.i. Salvo o devido respeito, entendemos não lhe assistir razão. …citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei, como prescreve o art. 260º do CPC, que consagra o princípio da estabilidade da instância. Como resulta do art. 260º do CPC, o princípio da estabilidade da instância não é absoluto: o autor pode, no decurso da instância, alterar a causa de pedir e o pedido. Havendo acordo das partes, tal alteração pode ocorrer em qualquer altura, em 1ª ou 2ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento da causa (artº 264º do CPC). Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceite pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação (art. 265º, nº 1 do CPC); sendo que o autor pode, em qualquer altura reduzir o pedido e pode ampliá-lo até ao encerramento da discussão em 1ª instância se a ampliação for o desenvolvimento ou a consequência do pedido primitivo (nº 2 do art. 265º). Como decorre do expendido por Alberto dos Reis, Comentário ao Código de Processo Civil, Volume III, Coimbra, 1946, pág. 90, o acordo quanto à alteração do pedido e/ou da causa de pedir…pode ocorrer de forma expressa ou tácita (nos termos do disposto no art. 217º do Código Civil)… No caso, não sofre controvérsia, contrariamente ao propugnado pelo autor, que os réus não deram acordo expresso à alteração do pedido e causa de pedir. E, se é certo que notificados da petição inicial corrigida, ofereceu o réu, G (…) contestação, deduzindo defesa por excepção (excepção peremptória de caducidade), e por impugnação, impugnando os factos articulados pelo autor, tendo o réu J (…), mantido a contestação anteriormente apresentada, em sede de audiência prévia, sendo também que nenhum dos mesmos recorreu do despacho saneador proferido, nem reclamou contra a selecção da matéria de facto assente e base instrutória organizada em conformidade com a p.i. corrigida, entendemos que tal postura processual dos réus não constitui uma declaração de aceitação tácita da alteração do pedido (e da causa de pedir), pois não se deduz do comportamento processual dos réus após a apresentação da p.i. corrigida, com toda a probabilidade, de forma concludente, a aceitação (tácita) da alteração do pedido (e da causa de pedir). Quanto à ocorrência de caso julgado, entendemos também, salvo o devido respeito, não assistir razão ao autor… O despacho saneador proferido nos autos (que não se confunde com o despacho que procede à organização da factualidade assente e base instrutória), como resulta da sua leitura, ao afirmar “Não se verificam quaisquer outras nulidades, irregularidades, excepções, questões prévias ou incidentais de que cumpra conhecer”, limitou-se a proferir um despacho tabelar sem outro sentido que não fosse o de afirmar, de forma residual, a inexistência de outras nulidades, irregularidades, excepções, questões prévias ou incidentais de que cumprisse conhecer, emitindo um juízo abstracto, não conhecendo, nesta parte, de qualquer questão concreta e determinada, pelo que, e nesta parte, não é o mesmo susceptível de constituir caso julgado, nem mesmo o caso julgado formal quanto à questão em apreciação… Por outro lado, o despacho que fixa os factos assentes e organiza a base instrutória, previsto no art. 511º do CPC na sua anterior redacção, tem apenas em vista arrumar os factos até aí apurados e indicar aqueles sobre os quais deve recair a produção de prova a efectuar na subsequente fase de instrução. Ora, nem a selecção dos factos assentes, nem a base instrutória, constituem uma decisão, mas um simples acervo de factos já consolidados, e que um acervo de questões a que o tribunal há-de dar resposta posterior, constituindo uma peça preparatória da decisão, pelo que não forma caso julgado. A simples fixação da base instrutória, incluindo no caso, de forma que não deveria ter feito, o que se reconhece, factualidade alegada na p.i. corrigida que extravasava o convite ao aperfeiçoamento, não traduz qualquer decisão, explícita ou implícita, de deferimento da modificação do pedido e da causa de pedir, dado que não se traduz em qualquer acto decisório quanto a tal questão. Isto posto. Como supra referido, o âmbito do aperfeiçoamento do articulado, em regra, apenas pode ter por objecto o suprimento de pequenas omissões ou meras imprecisões ou insuficiências na alegação da matéria de facto, sob pena de completa subversão do princípio dispositivo, o que justifica as limitações impostas pelo nº 6 do artigo 590º do nCPC (artigo 508.º, nº 5 do CPC). No cumprimento do despacho de aperfeiçoamento não pode a parte visada exceder os poderes que do artigo 265° do nCPC (artigo 273° do CPC) resultam para a modificação da causa de pedir e do pedido, já que os factos alegados pela parte para o suprimento da deficiência ou irregularidade não podem implicar uma alteração unilateral da causa de pedir e pedido anteriormente apresentados…» (sublinhado nosso). 5.1.2. Perscrutemos. O discurso teórico quanto à (im)possibilidade de alteração da causa de pedir e do pedido, e, bem assim no atinente à força/eficácia/efeitos jurídicos do julgado, genericamente, no despacho saneador quanto à regularidade da instancia e, ainda, quanto à alterabilidade dos factos considerados na anterior BI, mostra-se adequado e curial, porque conforme às posições/posturas hermenêuticas maioritárias da doutrina e jurisprudência incidentes sobre os preceitos atinentes. Pelo que as corroboramos, chancelamos e nos dispensamos de aduzir, quiçá, pleonásticos e redundantes adicionais argumentos. Mas cada caso é um caso e cada solução concreta tem de ser proferida em função dos específicos contornos circunstanciais da situação sub judice. Urge, porém, perspectivar uma pouco mais abrangentemente e a montante. Assim, importa ter presente que as últimas reformas processuais têm privilegiado a obtenção da verdade material e a composição definitiva do litígio, em detrimento da perspetivação, seca e formal, da legal ritologia adjetiva. Tal desiderato teve influência, precisamente, na matéria que nos ocupa. Pois que os nºs 4 a 6 do anterior artº 273º, e actual 265º, introduzidos pela reforma de 1995, alargaram a possibilidade de alteração do pedido e da causa de pedir. Sendo, especialmente, de considerar, em abono da consecução dos aludidos fitos, que, inclusive, presentemente, é possível a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida – nº6. Tal alteração, sob pena de esvaziar (quase) completamente a aplicação prática deste segmento normativo, tem de entender-se que pode ser efectivada sem necessidade de acordo das partes e até à audiência de discussão e julgamento. Assim: «…uma alteração simultânea do pedido e causa de pedir…tal não constitui obstáculo à admissibilidade da alteração, porquanto, como já se referiu e conforme dispõe o nº 6 do citado art. 273º, é permitida a modificação simultânea do pedido e da causa de pedir, desde que tal não implique convolação para relação jurídica diversa da controvertida.» - Ac. da RP de 17.09.2009, p. 501/07.0TBPFR-C.P1 in dgsi.pt, e Ac. da RC de 2014.09.16, p. nº4583/07.6TBVIS-C, inédito, relatado pelo aqui relator e subscrito pelo aqui 1º adjunto. No caso vertente. 5.1.3. Bem vistas as coisas, causa de pedir -, ie, o acto/facto jurídico basilar e fulcral alicerçante da pretensão - é o contrato de empreitada defeituosa, que não, como parece entender-se na decisão, os danos dela decorrentes. Assim sendo, esta causa, versus o entendido na decisão, não foi alterada, pois que tanto na petição inicial, como na petição aperfeiçoada apenas ela foi invocada. O que foi alterado/ampliado foi o pedido, qualitativa e quantitativamente, aduzindo o autor naquela vertente adicionais deficiências/danos, materiais e morais, decorrentes da empreitada e, nesta ótica, ampliando, em conformidade, os montantes inicialmente impetrados. Concretamente, o adicionalmente aduzido pelo autor na sequência do convite ao aperfeiçoamento, prende-se, essencialmente, com prejuízos patrimoniais provocados em dois móveis pelas alegadas infiltrações pluviais na casa, e, bem assim, com danos não patrimoniais decorrentes das negativas afectações pessoais que sofreu por decorrência da empreitada defeituosa. Ora, se bem dilucidarmos, esta ampliação do pedido é um mero desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo. Como ensina O Mestre Alberto dos Reis, para que a ampliação do pedido seja possível tem de existir um limite de qualidade e de nexo entre o pedido primitivo e o ampliado. Tal limite traduz-se no seguinte: «a ampliação há-de estar contida virtualmente no pedido inicial» E expõe, como exemplos de mera consequência, os seguintes casos: - «pediu-se, em acção de reivindicação, a entrega do prédio; pode mais tarde fazer-se a ampliação, pedindo-se também a entrega dos rendimentos produzidos pelo prédio durante a ocupação ilegal». - «Pediu-se a restituição da posse de um prédio; pode depois, em ampliação, pedir-se a indemnização das perdas e danos causados pelo esbulho» - Comentário, 3º, p.93. Já como exemplo de mero desenvolvimento refere o pedido posterior de juros de uma dívida inicialmente invocada. E, se bem interpretamos a lição deste Mestre, a ampliação será uma mera consequência ou desenvolvimento do pedido inicial se, no momento em que este foi deduzido, ele já poderia tê-lo sido com tal acrescento. Este entendimento revelou-se percussor ou, ao menos, premonitório, das reformas processuais posteriores, as quais, como se viu, defenderam a prevalência da substancia e a obtenção da justiça, máxime, de um modo concentrado, ie. num só processo - e para obviar ao trabalho e ao adicional dispêndio de meios que a instauração de outras ações implicaria -, em detrimento da forma, vg. decorrente da perspectivação exacerbada do princípio da estabilidade da instância. Ora se assim é, não se nos afigura difícil interpretar o caso concreto, no atinente à ampliação do pedido do autor, como um mero desenvolvimento ou consequência do pedido inicial. Pois que ele quadra inequívocamente na mesma causa petendi: empreitada deficiente. E porque se apresenta como um mero acréscimo quantitativo do pedido primitivo, já que apenas se reporta a um - simples, lógico e admissível - alargamento do leque das consequências nocivas, materiais e pessoais, dos defeitos da empreitada antes inicialmente invocados. Nesta conformidade, tal ampliação podia ser efectivada até ao encerramento da discussão em primeira instância – artº 273º nº2 do CPC pretérito e 265º nº2 do actual -, pelo que ela se consecutiu com ampla tempestividade. 5.1.4. Mas mesmo que assim não fosse ou não se entenda sempre assistiria razão ao recorrente quando clama que a ampliação foi aceite pelos réus e pelo tribunal. E exactamente pelos motivos por ele invocados. Efetivamente, os réus, quando notificados da petição aperfeiçoada com a ampliação, não se insurgiram, como deviam se assim o entendessem, contra a inadmissibilidade/ilegalidade adjectiva da mesma. Antes contestaram todos os factos da nova petição aperfeiçoada. Mas fizeram-no em bloco, não se insurgindo, concreta e especificadamente, contra a ampliação. Destarte, a própria posição contestatória inculca a ideia de que a extemporaneidade dos factos adicionais não foi perspectivada pelos réus. Antes demonstra o contrário, ou seja, que eles os consideraram tempestivos. Pois que se assim não fosse, esta questão – intempestividade/ilegalidade -, por eles seria colocada, adrede, inequívoca e liminarmente, nas oposições. E com a formulação do correspondente pedido: declarar não escritas as asserções adicionais. Mas se dúvidas houvesse, a notificação aos réus do despacho saneador com a inclusão de tais factos na BI, sem que eles contra tal se tivessem insurgido, dissipa-as completamente. E, depois, verifica-se toda uma actividade processual, ao longo de anos, inclusive com discussão de tais factos em audiência de julgamento, na qual e para a qual, os réus, plena e conscientemente, intervieram. Assim sendo, e versus o entendido na decisão, aqui não é o silêncio dos réus que tem de irrelevar. Antes se impondo a consideração e valoração de toda uma atuação do mesmos ao longo dos autos, a qual inculca, clara e inequivocamente, a ideia de que eles aceitaram a invocação dos fatos adicionais e dos correspondentes pedidos. Emergindo, pois, com toda a acuidade e pertinência a previsão do artº 217º do CC: estamos perante uma aceitação tácita da ampliação do pedido por banda dos réus já que no processo praticaram atos que, com toda a probabilidade, a revela. Efetivamente: «Na determinação da concludência do comportamento em ordem a apurar o respectivo sentido, nomeadamente enquanto declaração negocial que dele deva deduzir-se com toda a probabilidade, é entendimento geralmente aceite que a inequivocidade dos factos concludentes não exige que a dedução seja forçosa ou necessária, bastando que, conforme os usos do ambiente social, ela possa ter lugar com toda a probabilidade, devendo ser aferida por um “critério prático”, baseada numa “conduta suficientemente significativa”…» - Ac. do STJ de 16.03.2010, p. 97/2002, in dgsi.pt. 5.1.5. Finalmente, se mais não houvesse, que há, como se viu, ou seja, se a ampliação do pedido não fosse possível, nos termos referidos, importa reter que a continuação do processo com tal irregularidade, seria outrossim imputável ao tribunal e aos próprios réus que a deveriam ter conhecido ou arguido. Não tendo a julgadora, ao menos até ao saneador, conhecido, oficiosamente ou a pedido, nem os réus, nunca, arguido tal irregularidade, ela ficou sanada – artº 199º do CPC E, assim, com os contornos do pedido ampliado, a instância ficou estabilizada. Ora o princípio da estabilidade da instância, e a protecção das legítimas expectativas por ela criada, passou agora a valer para proteger o autor, o qual, mui fundadamente, atenta a posição dos réus e do tribunal, passou a confiar na apreciação do seu pedido ampliado. E tendo os autos assim tramitado até à audiência final de julgamento, na qual a prova foi produzida também com a consideração dos factos adicionais, alcança-se como meridianamente evidente que o questionamento da legalidade de um ato processual, já assente e perfeitamente sedimentado, ao longo de anos, se vislumbra, aqui sim, como inequivocamente serôdio, extemporâneo, afectante da estabilidade da instância e intoleravelmente violador da expectativa do autor em ver apreciado o seu pedido ampliado. Procede o recurso do autor. Procedência esta que prejudica o conhecimento das questões subsequentes. 6. Sumariando: - artº 663º nº7 do CPC (...) 7. Deliberação. Termos em que se acorda julgar o recurso do autor procedente, e, em consequência, revogar a sentença e ordenar a tramitação processual em adequação com a consideração da factualidade e dos pedidos do autor constantes na ampliação por ele efetivada. Custas da presente instância recursiva na proporção da sucumbência final. Coimbra, 2018.06.19. Carlos Moreira ( Relator) Moreira do Carmo Maria João Areias |