Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3422/16.1T8CBR.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: RECLAMAÇÃO CONTRA A NOTA DISCRIMINATIVA DE HONORÁRIOS E DESPESAS DO AGENTE DE EXECUÇÃO
RECORRIBILIDADE
FIXAÇÃO DA REMUNERAÇÃO ADICIONAL AO AGENTE DE EXECUÇÃO
OMISSÃO DO VALOR DOS BENS PENHORADOS NO RESPECTIVO AUTO DE PENHORA
Data do Acordão: 12/11/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE, COM VOTO DE VENCIDO
Legislação Nacional: ARTIGO 50.º, 6, B), PORTARIA 282/2013, DE 29/8
ARTIGOS 292.º A 295.º; 358 E SEG.S; 607.º; 609.º, 2; 721.º, 5; 723.º; 766.º E 849.º, 1, F), DO CPC
Sumário: 1. - A reclamação contra a nota discriminativa de honorários e despesas do agente de execução consubstancia um incidente processual, a que se aplicam, com as necessárias adaptações, as normas dos art.ºs 293.º e segs. do NCPCiv., tendo previsão específica nos art.ºs 721.º, n.º 5, e 723.º, n.º 1, al.ª c), do mesmo Cód., e cabendo a respetiva decisão necessariamente ao juiz da execução.

2. - Por isso, não poderá olvidar-se o caráter sumário e abreviado desta instância incidental, seja quanto a tramitação processual, a provas ou ao grau de desenvolvimento da decisão (de facto e de direito).

3. - Tal decisão judicial não está sujeita à nota da irrecorribilidade a que alude o art.º 723.º, n.º 1, al.ª c), referido, por a reclamação ter por objeto um ato vinculado do agente de execução, ao qual cabe elaborar a nota discriminativa de honorários e despesas de acordo com as normas legais aplicáveis, a que deve obedecer.

4. - Assim, a norma daquela al.ª c) deve ser objeto de interpretação restritiva, no sentido de se admitir o recurso para a Relação da decisão da reclamação sempre que esteja em causa ato ou decisão vinculados do agente de execução, sob pena de colisão com o direito constitucional à tutela jurisdicional efetiva (art.º 20.º, n.º 1, da Constituição).

5. - Em caso de reclamação da parte exequente contra a nota discriminativa de honorários apresentada pelo agente de execução, entendendo o juiz da execução que a reclamação deve proceder em parte, com alteração do modo/base de cálculo da remuneração adicional, cabe ao julgador, na decisão do incidente, fixar, arbitrando-o, o montante exato dessa remuneração adicional, por ser o competente para tanto, não se justificando relegar a reclamação contra a nota discriminativa de honorários e despesas do agente de execução fixação para ulterior incidente de liquidação.

6. - É ao agente de execução que cabe, no auto de penhora, fazer constar, fixando-o, o valor de cada bem/verba, socorrendo-se, se necessário, de perito para o efeito.

7. - Se não fixou valor a determinadas verbas no auto de penhora, tal omissão é imputável àquele agente de execução, o qual não poderá tirar vantagem, para efeitos de fixação da sua remuneração adicional, desse seu comportamento omissivo.

8. - Porém, tratando-se de penhora de imóveis, cujo valor patrimonial/tributário consta do auto de penhora, pode o tribunal socorrer-se desse valor para aferição daquela remuneração adicional, visto ser sabido que atualmente, no mercado imobiliário, o valor de mercado/comercial é superior ao valor tributário.

Decisão Texto Integral:


Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


***

I – Relatório

No âmbito de autos de execução para pagamento de quantia certa, fundada em sentença judicial condenatória – com indicado valor (originário) da execução de € 228.664,93 –,

as ora exequentes/habilitadas, AA e BB ([1]), ambas com os sinais que dos autos resultam, vieram, de modo tempestivo ([2]), em 12/12/2022, reclamar da nota de despesas e honorários apresentada pelo Sr. Agente de Execução (doravante, AE), CC ([3]), também com os sinais dos autos.

Alegaram as Reclamantes, em síntese, que:

- tendo em conta o invocado valor de € 7.594,35, considerado devido a título de remuneração adicional, nos termos do Anexo VIII e n.º 11 do art.º 50.º da Portaria n.º 282/2013, de 29/08, só este estando em causa,

- aquele AE não contribuiu para a liquidação da quantia exequenda (o que nem sequer ocorreu), nem, simplesmente, para a garantia da mesma;

- na melhor das hipóteses, com as suas diligências de penhora, o AE garantiu apenas o pagamento de € 9.438,69, para uma quantia exequenda de € 359.854,66 euros;

- doutro modo, o AE está, ao agir como o fez, a violar o princípio da proporcionalidade e do acesso à justiça, constitucionalmente consagrados.

Pediram, assim, a retificação da nota de honorários apresentada, a dever ser substituída por outra, que seja calculada em função do valor efetivamente garantido de € 9.438,69 ([4]).

Juntaram prova documental.

O AE pronunciou-se, em 06/01/2023, alegando que:

- resulta dos autos que, a 04/01/2022, a Exequente primitiva (“A...”) celebrou com as atuais Exequentes um contrato de cessão de crédito no valor de € 229.500,00, enquanto, nos pontos 16 a 22 da reclamação à nota de honorários e despesas, as Exequentes convocam vários momentos processuais, olvidando, todavia, a dita cessão de créditos;

- as cessionárias, no ato de celebração do contrato de cessão, declararam expressamente conhecer a tramitação dos presentes autos, daí se depreendendo que conheciam os bens penhorados;

- para que ocorra eficácia e eficiência do AE na recuperação ou garantia de créditos, tem a parte exequente de promover o devido impulso processual;

- as Exequentes, ao não promoverem o impulso processual para prossecução dos autos, impediram o sucesso potencial da atividade do AE;

- o motivo de não ser atribuído valor aos bens penhorados nos respetivos autos de penhora, deve-se ao facto de naquele momento se desconhecer o seu real valor de mercado;

- a não atribuição de valor aos bens convocados, não tem, naturalmente, como consequência os bens não terem qualquer valor venal;

- o momento processual adequado para a definição do valor dos bens penhorados é o momento da decisão de venda, a ser proferida após as partes serem notificadas para se pronunciarem sobre a modalidade de venda e o valor de venda dos bens a vender;

- a correta fixação do valor base de venda de uma quota social em sociedade comercial implica que seja levada a cabo uma avaliação por perito habilitado para o efeito, o que, não tendo ocorrido, não é imputável ao AE;

- existindo sentença que declarou a insolvência do Executado como culposa, foram afetados vários negócios jurídicos celebrados por aquele, ocorrendo a resolução em benefício da massa insolvente, termos em que os bens abrangidos pelos referidos negócios são suscetíveis de permitir a recuperação da totalidade da dívida exequenda, competindo às Exequentes a promoção do devido impulso processual;

- foi a falta de impulso processual pelas Exequentes/habilitadas – filhas do Executado – que impediu que o AE promovesse as diligências necessárias à recuperação da dívida exequenda, frustrando assim a atividade de tal AE.

Com junção de diversa prova documental, concluiu pela improcedência da reclamação.

Interpelado para prestar esclarecimentos, veio ainda o AE (em 14/02 e 16/03/2023) reiterar tudo o anteriormente mencionado, esclarecendo o modo de cálculo remuneratório adotado ([5]), sem junção de quaisquer outros documentos.

Observado integralmente o princípio do contraditório, foi proferida decisão, datada de 03/06/2023, com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a reclamação apresentada pelas exequentes, nos moldes acima enunciados.».

Inconformado, recorreu o AE (Reclamado) do assim decidido, tendo este TRC, por decisão sumária do Relator (datada de 27/12/2023), decidido, na procedência da apelação, revogar a decisão recorrida, «a fim de o Tribunal a quo fixar, fundadamente, o quantum da remuneração adicional do Recorrente».

Remetidos os autos à 1.ª instância, foi ali proferida nova decisão (datada de 21/03/2024), onde se exarou assim:

«(…) o valor garantido que deve ser neste caso admitido como base para o cálculo da remuneração adicional do Agente de Execução deve ser:

- € 7.202,00 euros – que corresponde à penhora dos valores mobiliários registados na CMVM;

- e € 3.750,00 euros – correspondente à penhora da quota de sociedade do executado,

O que confere o Total de € 10.952,00 euros.

É esta a importância que deve servir de base para o Agente de Execução proceder ao cálculo da sua remuneração adicional, a apurar nos termos da tabela do anexo VIII, nos seguintes termos:

Deste modo, atendendo ao valor total garantido de € 10.952,00 euros, aplicaremos a taxa de 7,5% (tais valores foram penhorados e não se procedeu à venda), de acordo com a tabela do anexo VIII – que se encontra sublinhada a amarelo -, pelo que perfaz o montante de 821,40 euros (oitocentos e vinte e um euros e quarenta cêntimos), importância que o Sr Agente de Execução tem direito a título de remuneração adicional nos moldes da fundamentação antes exposta.

Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente a reclamação apresentada pelas exequentes, nos moldes acima enunciados.» (destaques retirados).

Novamente inconformado, recorre o AE, oferecendo alegação – com junção de prova documental –, culminada com as seguintes

Conclusões ([6]):

«1) Dá-se por integralmente reproduzido e integrado o conteúdo dos requerimentos e documentos juntos pelo Agente de Execução, nomeadamente em 06/01/2023 e em 16/03/2023, cujos documentos não foram impugnados pelas exequentes e, por isso, foram aceites;

2) O recorrente pugna no sentido de que a matéria de facto considerada assente no despacho “sub judice” tem de ser corrigida, completada/concretizada e aditada, atendendo nomeadamente:

a. à tramitação processual da vertente execução;

b. ao apenso de habilitação de adquirentes, bem como aos termos do processo de insolvência do executado, mormente da qualificação da sua insolvência como culposa, por sentença judicial transitada em julgado antes do encerramento do processo de insolvência;

c. aos documentos ora juntos (cuja junção se requer por se considerar essencial para a boa decisão da causa e justa composição do litígio e porque a mesma se torna necessária em função da decisão “a quo”);

3) Nesta medida e tomando por referência os fundamentos invocados nas presentes alegações, que se renovam, sugere-se a seguinte redacção para a matéria de facto considerada assente:

a. “13) Por decisão do Agente de Execução de 21-11-2022, foi extinta a execução por falta de impulso processual das exequentes, uma vez que estas notificadas para o efeito, nada requereram.”;

b. “12) No apenso A – Habilitação de Adquirente -, por sentença de 4 de fevereiro de 2022, foram julgadas habilitadas, enquanto adquirentes, as requerentes AA e BB, a fim de ocuparem a posição jurídica que cabia à Exequente na execução principal, na sequência de escritura pública de contrato de cessão de créditos, celebrada em 04/01/2022, através da qual a A... cedeu o respectivo crédito àquelas adquirentes, pelo preço quitado de € 229.500,00 (duzentos e vinte e nove mil e quinhentos euros), nos termos da referida escritura, a fls. xx dos autos, que aqui se reproduz, na qual se menciona expressamente a existência da presente execução, bem como a responsabilidade das adquirentes por todos os pagamentos com a presente execução, incluindo despesas e honorários do Agente de Execução.”;

c. “9) Por auto de penhora de 19/10/2016, foi ainda penhorado: O direito e a acção à quota-parte da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de DD, na herança com o NIF ...23..., pertencente ao executado EE, NIF .... Não tendo sido colocado valor do bem penhorado, mas com a participação de imposto de selo de fls. xx dos autos, que aqui se reproduz, cuja composição compreende pelo menos o bem imóvel identificado, pertencendo ½ (metade) ao executado, com o valor patrimonial de € 69 395,55, conforme caderneta predial de fls. xx dos autos, que aqui se reproduz.”;

d. “14) O processo de insolvência do executado, referido no ponto 11, foi encerrado por decisão judicial de 23/06/2022, transitada em 14/07/2022, a pedido do devedor e com o consentimento dos credores, incluindo as exequentes, nos termos constantes da certidão de fls. xx, junta aos autos em 25/10/2022, cujo conteúdo aqui se reproduz.”;

e. “15) No âmbito do processo de insolvência do executado, referido no ponto 11, foi proferida decisão judicial de qualificação da insolvência como culposa, datada de 21/07/2021, transitada em julgado antes do encerramento do processo, nos termos constantes da decisão de fls. xx, junta aos autos em 06/01/2023, cujo conteúdo aqui se reproduz.”

f. “16) O imóvel referido na alínea E da sentença de qualificação como culposa da insolvência do executado tinha um valor de mercado de € 595.000,00 e um valor de venda imediata de € 535.000,00, conforme avaliação junta aos autos em 06/01/2023, cujo conteúdo aqui se reproduz.”;

g. “17) Em 14/04/2016, o executado e a sua mulher doaram o imóvel referido na alínea E da sentença de qualificação a favor das filhas, ora exequentes, tendo esta doação sido resolvida em favor da massa insolvente, conforme resulta das alíneas H) e Q) da sentença de qualificação de insolvência, que aqui se reproduz.”;

h. “18) Pelo menos as fracções autónomas H) e P), identificadas no auto de penhora referido no ponto 4) da matéria de facto considerada assente pertenciam efectivamente ao executado, apenas não tendo sido possível converter as penhoras provisórias em definitivas por causa dos negócios simulados referidos nas alíneas C), P), M), Q), S), T), U), V), W), X) e Y) da sentença de qualificação como culposa da insolvência do executado.”

4) Atendendo apenas aos bens concretamente penhorados pelo AE e que constam da matéria de facto considerada assente, o tribunal “a quo” devia ter sopesado pelo menos os seguintes valores:

a. Da verba penhorada e identificadas no ponto 2 da matéria de facto considerada assente (crédito tributário): a liquidar em sede de execução de sentença;

b. Das verbas penhoradas e identificadas no ponto 3 da matéria de facto considerada assente (valores mobiliários): € 7.202,00 (valor este considerado pelo tribunal “a quo”);

c. Das verbas penhoradas e identificadas no ponto 4 da matéria de facto considerada assente (4 fracções autónomas): € 124.410,00 ou, subsidiariamente, a liquidar em sede de execução de sentença;

d. Da verba penhorada e identificada no ponto 7 da matéria de facto considerada assente (direito ao usufruto): € 9.438,69 ou, subsidiariamente, a liquidar em sede de execução de sentença;

e. Da verba penhorada e identificada no ponto 8 da matéria de facto considerada assente (quota em sociedade comercial): € 3.750,00 (valor este considerado pelo tribunal “a quo”);

f. Da verba penhorada e identificada no ponto 9 da matéria de facto considerada assente: € 34.697,78, ou, subsidiariamente, a liquidar em sede de execução de sentença;

5) Ou seja e circunscrevendo apenas aos bens efectivamente penhorados, a actividade processual do AE garantiu de facto pelo menos a quantia de € 179.498,47, sem prejuízo de qualquer outro valor que, em acréscimo, viesse a resultar da fixação do preço de venda e/ou da liquidação em sede de execução sentença;

6) Tanto mais que o valor dos bens não têm de ser fixados no auto de penhora mas, outrossim, em momento processual preliminar à venda dos bens (após notificação das partes para o efeito e cuja decisão cabe ao AE) e este momento não foi atingido porque as exequentes não impulsionaram a execução;

7) Sem prejuízo, o tribunal “a quo” também desconsiderou que a exequente original cedeu efectivamente o crédito sobre o executado, tendo as actuais exequentes, filhas do executado, pago o valor de € 229.500,00 (duzentos e vinte e nove mil e quinhentos euros), mencionando a escritura de transmissão o vertente processo e a assunção de responsabilidade pelo pagamento de todas as despesas e honorários do Agente de Execução, reconhecendo, assim, as partes a preponderância da actividade desenvolvida e potencial do Agente de Execução;

8) O tribunal “a quo” também desconsiderou que não tivesse sido a dissipação do património operada pelo executado, com a colaboração das filhas [a julgar pela sentença que qualificou como culposa a insolvência do executado], ora exequentes, é evidente que o Agente de Execução podia ter penhorado outros bens, com valores igualmente elevados, e que, por si, garantiam a totalidade a execução [com o valor inicial de € 228.664,93];

9) Nesta situação e sem prejuízo da impugnação da decisão da matéria de facto supra concretizada, teríamos, por exemplo:

a. A fracção autónoma da Quinta ..., em ..., com um valor de mercado e com um valor de venda imediata de, respectivamente, € 595.000,00 e de € 535.000,00;

b. Os bens móveis (veículos) também identificados na sentença de qualificação da insolvência do executado – cfr. alíneas I) J) e Z) da matéria de facto considerada assente –, com um valor não inferior a € 27.300,00 (vinte e sete mil e trezentos euros)!!!

10) E temo-nos referido à actividade potencial do Agente de Execução, antes e depois de as suas filhas terem sido habilitadas na execução, como exequentes, porque também depois do encerramento do processo de insolvência a pedido do devedor e com o consentimento dos credores, as actuais exequentes não impulsionaram a execução;

11) Não o fizeram porque bem sabiam e conheciam quer a sentença de qualificação da insolvência do executado, quer a resolução dos negócios em favor da Massa Insolvente – que sabiam e conheciam porque as próprias declararam conhecer todos os referidos processos (e apensos) na escritura pela qual adquiriram o crédito da exequente inicial;

12) Aliás, tendo os referidos negócios sido resolvidos a favor da Massa Insolvente (e foram, conforme resulta da sentença de qualificação, transitada em julgado antes do encerramento do processo de insolvência – o que, aliás, pode ser do conhecimento do próprio Tribunal da Relação de Coimbra pelo exercício das suas funções) e atendendo ao encerramento do processo de insolvência, mister era concluir que o património dissipado voltaria a entrar na disponibilidade jurídica (≠ disponibilidade factual) do executado e, desta sorte, facilmente o AE penhoraria tais bens e garantiria ainda mais a execução;

13) Pugna o Agente de Execução que estes valores também devem ser contabilizados para efeitos da sua remuneração adicional, tomando por referência a actividade potencial pelo AE, assinalada por Aresto(s) do STJ;

14) O despacho “sub judice” violou, além do mais, o artigo 50.º da Portaria n.º 282/2013, de 29/08, uma vez que, da actividade desenvolvida e da potencial do Agente de Execução e da conjugação de ambas não pode concluir-se senão pela garantia total do valor da execução.

Nestes termos e melhores de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso e em consequência, revogar-se a decisão “sub judice”, substituindo-a por outra que julgue improcedente a reclamação das exequentes, tudo com todas as consequências legais.».

As Recorridas apresentaram contra-alegação, concluindo pela confirmação da decisão impugnada.


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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido o regime fixado, sendo ainda que, por despacho do Relator, datado de 09/10/2024, foi rejeitada a prova documental junta pelo Apelante na fase recursiva, do que não foi deduzida reclamação.

Observados os vistos legais, nada obstando ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


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II – Âmbito recursivo

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([7]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.) –, importa decidir, quanto a matéria de facto e de direito:

1. - Se, tendo ocorrido erro de julgamento quanto à decisão da matéria de facto, deve alterar-se o quadro factual da causa – também com os aditamentos pretendidos –, tal como plasmado na sentença;

2. - Se ocorreu erro de julgamento quanto à decisão de direito, devendo julgar-se no sentido da total improcedência da reclamação deduzida pelas Exequentes.


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III – Fundamentação

A) Impugnação da decisão da matéria de facto

Começando o Apelante, no seu âmbito impugnatório, por expressar inconformismo relativamente à decisão de facto, esgrime dever esta ser “corrigida, completada/concretizada e aditada”, atendendo:

«a. à tramitação processual da vertente execução;

b. ao apenso de habilitação de adquirentes, bem como aos termos do processo de insolvência do executado, mormente da qualificação da sua insolvência como culposa, por sentença judicial transitada em julgado antes do encerramento do processo de insolvência;

c. aos documentos ora juntos (cuja junção se requer por se considerar essencial para a boa decisão da causa e justa composição do litígio e porque a mesma se torna necessária em função da decisão “a quo”)».

Assim fundado, apresenta o Recorrente extensa lista da matéria factual a alterar e/ou aditar, razão pela qual, vista tal extensão, alguma notas devem desde logo ser salientadas.

Em primeiro lugar, cabe dizer que os documentos que o Recorrente pretendia juntar na fase recursiva (al.ª “c” supra) foram rejeitados por anterior despacho do Relator, de que não houve reclamação, razão pela qual fica prejudicada a respetiva parte da impugnação (a que se baseava nesses documentos não admitidos).

Em segundo lugar, deve salientar-se – como já significado na anterior decisão singular deste TRC (a proferida nos autos em 27/12/2023) – que estamos perante dispositivo recorrido de sentença/decisão incidental ([8]), a agora em crise, a que se aplicam as disposições gerais dos incidentes da instância (art.ºs 292.º a 295.º do NCPCiv.).

Por isso, visto o aspeto sumário/abreviado inerente aos incidentes da instância, respetiva tramitação, limitações de prova e decorrente decisão, não poderá esperar-se nesse âmbito – mormente, o decisório – um desenvolvimento semelhante ao de uma sentença (decisão final da causa) de um comum processo judicial (designadamente, a sentença da paradigmática ação declarativa), ao que não obsta o facto de o art.º 295.º do NCPCiv. determinar a aplicação, com as necessárias adaptações, do disposto no art.º 607.º do mesmo Cód..

Ou seja, não poderá olvidar-se o caráter sumário e abreviado desta instância incidental, seja quanto a provas, seja quanto ao desenvolvimento da decisão (de facto e de direito).

Cabe ainda reiterar, por outro lado – como já feito na aludida decisão sumário deste TRC –, que, no atual figurino legal da ação executiva, há competências que cabem ao AE – até de forma ampla/alargada –, o que não impede (antes até obriga a) que subsista uma “reserva” de competência do juiz ([9]).

Assim é que compete ao juiz tomar as decisões a que alude o art.º 723.º do NCPCiv., entre elas estando a de julgar, sem possibilidade de recurso, as reclamações de atos e impugnações de decisões do agente de execução ([10]).

Em tal julgamento – de reclamações de atos e impugnações de decisões do AE –, que legalmente lhe compete, tem o Julgador de decidir, em plenitude, regulando cabal e definitivamente o conflito de interesses que lhe é suscitado na reclamação/impugnação, embora, vista a dita natureza incidental, de modo sumário/abreviado.

Se está em causa reclamação quanto a uma determinada quantia – pedida pelo AE, a título de honorários/remuneração pelas suas funções –, por a parte exequente não se conformar com o respetivo montante, requerendo que seja diminuído/mitigado ou, simplesmente recusado (não concedido), o Tribunal não deve deixar de decidir plenamente, fixando, se for o caso, o montante que considerar adequado, assim regulando, em definitivo (no seu horizonte decisório), o incidental conflito de interesses, por si e sem mais.

E foi o que a 1.ª instância agora fez, julgando parcialmente procedente a reclamação das Exequentes e fixando, assim, a remuneração adicional do AE em € 821,40, sendo esta a matéria a sindicar na apelação, posto o Recorrente continuar a pugnar pela total improcedência de tal reclamação.

De notar, por fim, que, não obstante o teor literal da norma do dito art.º 723.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv., no caso é admissível o recurso para a Relação, embora de decisão do juiz sobre uma reclamação de “ato”/nota de despesas e honorários do AE.

Com efeito, a questão aqui em causa não poderia ser integrada na hipótese normativa da al.ª d) do mesmo dispositivo legal – situação processual, por seu lado, em que não se prevê, diversamente, qualquer restrição ao direito ao recurso para a Relação –, visto que o art.º 721.º, n.º 5, do NCPCiv. alude expressamente à forma da “reclamação” (e não outra) no que tange à nota discriminativa de honorários e despesas do AE (cfr. também, no mesmo sentido, o art.º 46.º da Portaria n.º 282/2013, de 29-08).

Mas, como referem ainda Abrantes Geraldes e outros ([11]), deve proceder-se a uma interpretação restritiva da norma de irrecorribilidade da dita al.ª c) do n.º 1 do art.º 723.º, devendo entender-se «que a decisão judicial proferida na sequência da reclamação de ato ou impugnação de decisão do agente de execução admitirá recurso desde que o ato ou decisão do agente de execução sejam vinculados», visto que «a irrecorribilidade nessas situações colidiria com o direito a uma tutela jurisdicional efetiva» (tratar-se-ia de «uma restrição desproporcional ao direito a recorrer») ([12]) ([13]).

Nesta perspetiva, importa conhecer da apelação, começando pela questão do erro de julgamento de facto.

Assim, do ponto 13 da sentença consta o seguinte enunciado fáctico como provado:

«13) Por decisão do Agente de Execução de 21-11-2022, foi extinta a execução por inutilidade superveniente da lide devido à insolvência do executado, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 849.º do Código do Processo Civil.».

Pretende, como visto, o Recorrente a seguinte redação diversa:

«13) Por decisão do Agente de Execução de 21-11-2022, foi extinta a execução por falta de impulso processual das exequentes, uma vez que estas notificadas para o efeito, nada requereram.».

Apreciando.

Compulsado o processo executivo, constata-se que ter sido junta certidão dos autos de insolvência n.º 2611/18...., em que era insolvente EE, da qual consta decisão de encerramento da insolvência – datada de 23/06/2022 e transitada em julgado –, a pedido do devedor, com consentimento de todos os credores, nos termos dos art.ºs 230.º, n.º 1, al.ª c), e 231.º, n.º 2, do CIRE (cfr. fls. 616 a 618 do processo físico).

Na sequência, com data de 10/11/2022, consta comunicação/notificação do Tribunal ao AE “para extinguir a execução”, tendo em conta que o “exequente foi notificado nos termos que se anexa e não se opôs” (cfr. fls. 623 do processo físico).

Assim, com data de 21/11/2022, consta “Documento: nBj4qRoIVjb” do AE (“JUNÇÃO DE DOCUMENTO AOS AUTOS”), com o seguinte teor relevante: «(…) vem em cumprimento do Despacho do Douto Tribunal que antecede, (…) comunicar a extinção da presente execução nos termos da alínea f) do número 1 do artigo 849.º do Código de Processo Civil.».

Ora, aquela al.ª f) do n.º 1 do art.º 849.º refere-se à ocorrência de “outra causa de extinção da execução”.

Assim sendo, o questionado ponto 13 passará a assumir a seguinte redação:

«13) Por decisão do Agente de Execução de 21-11-2022 – comprovada a prolação de decisão de encerramento da insolvência, com trânsito em julgado, a pedido do devedor, com consentimento de todos os credores –, foi extinta a execução, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 849.º do Código do Processo Civil.».

O impugnado ponto 12 tem a seguinte redação:

«12) No apenso A – Habilitação de Adquirente -, por sentença de 4 de fevereiro de 2022, foram julgadas habilitadas, enquanto adquirentes, as requerentes AA e BB, a fim de ocuparem a posição jurídica que cabia à Exequente na execução principal.».

O Recorrente pretende que se adite – em continuação do texto – o segmento que se segue:

«na sequência de escritura pública de contrato de cessão de créditos, celebrada em 04/01/2022, através da qual a A... cedeu o respectivo crédito àquelas adquirentes, pelo preço quitado de € 229.500,00 (duzentos e vinte e nove mil e quinhentos euros), nos termos da referida escritura, a fls. xx dos autos, que aqui se reproduz, na qual se menciona expressamente a existência da presente execução, bem como a responsabilidade das adquirentes por todos os pagamentos com a presente execução, incluindo despesas e honorários do Agente de Execução.».

Ora, cabe dizer que tal “escritura pública de contrato de cessão de créditos”, que foi junta com a peça recursiva, não foi admitida nos autos, figurando como documento rejeitado, a não poder, por isso, ser considerado (cfr. fls. 745 v.º e segs. do processo físico).

Ao que acresce que o Recorrente não cumpriu o ónus de indicação do elemento probatório documental a sindicar, se constante dos autos, posto apenas ter aludido à «referida escritura, a fls. xx dos autos» [cfr. o ónus a que alude o art.º 640.º, n.º 1, al.ª b), do NCPCiv.].

Termos em que improcede, neste particular, a pretensão de aditamento fáctico.

Passando ao ponto 9, também objeto de impugnação, da sua redação vertida na sentença consta não ter «sido colocado valor do bem penhorado».

O Recorrente pretende que se adite um novo segmento, com o seguinte teor (aqui destacado a itálico e sublinhado):

«9) Por auto de penhora de 19/10/2016, foi ainda penhorado: O direito e a acção à quota-parte da herança ilíquida e indivisa aberta por óbito de DD, na herança com o NIF ...23..., pertencente ao executado EE, NIF .... Não tendo sido colocado valor do bem penhorado, mas com a participação de imposto de selo de fls. xx dos autos, que aqui se reproduz, cuja composição compreende pelo menos o bem imóvel identificado, pertencendo ½ (metade) ao executado, com o valor patrimonial de € 69 395,55, conforme caderneta predial de fls. xx dos autos, que aqui se reproduz.».

Ora, o Apelante fundava-se, neste âmbito, em caderneta predial, documento cuja admissão pretendeu obter já na fase recursiva.

Porém, também este documento foi rejeitado na fase de recurso, por despacho do Relator, que não foi objeto de impugnação.

Assim, por inexistência do documento de suporte probatório, improcede esta pretensão de aditamento fáctico, quedando-se, por isso, inalterado aquele ponto 9 dos factos dados como provados.

Pretende o Recorrente o aditamento de um novo facto, com o n.º 14, referente ao encerramento do processo de insolvência do executado e motivo de tal encerramento.

Porém, esta materialidade já consta da nova versão – ora estabelecida – do ponto 13, do qual resulta a efetiva «prolação de decisão de encerramento da insolvência, com trânsito em julgado, a pedido do devedor, com consentimento de todos os credores».

Donde que, por redundante, nada mais se imponha aditar a respeito.

Mais pretende o Recorrente o aditamento de um novo facto, com o n.º 15, referente a decisão de qualificação da insolvência como culposa, aludindo fundar-se num documento probatório contendo “decisão de fls. xx, junta aos autos em 06/01/2023, cujo conteúdo aqui se reproduz”.

Ora, percorrido o processo físico, não se vislumbra qualquer documento junto nessa data, sendo que o Apelante também não esclarece, ostensivamente, a que fls. de tal processo o documento pudesse ser encontrado.

Assim, afigurar-se-ia ter incumprido/inobservado o impugnante o ónus legal a que alude a al.ª b) do n.º 1 do art.º 640.º do NCPCiv., votando, por isso, ao insucesso esta vertente da sua impugnação.

Porém, consultada a versão eletrónica do processo, constata-se que, efetivamente, em 06/01/2023, o AE juntou cópia simples de sentença proferida no âmbito dos autos de insolvência de EE, com qualificação como culposa da respetiva insolvência, julgando-se aquele afetado pela qualificação.

Todavia, tratando-se de mera cópia, não consta certificado o respetivo trânsito em julgado, o qual, por isso, não pode ter-se como provado/demonstrado.

Donde que não possa o facto em causa dar-se aqui como provado nos moldes pretendidos pelo impugnante, sendo que o trânsito em julgado não se presume.

Improcede, pois, esta vertente da impugnação.

O mesmo se diga, mutatis mutandis, quanto aos demais pretendidos aditamentos (pontos 16 a 18), por a pretensão dos impugnantes se fundar, também aqui, na dita sentença de qualificação da insolvência, cujo trânsito em julgado não se mostra evidenciado, em conjugação com uma avaliação predial que, estando, embora, o relatório junto, se desconhece como foi determinada e realizada, mormente se no quadro da prova produzida judicialmente e com decorrente observância do princípio do contraditório.

Termos em que nada mais haverá a alterar à decisão de facto da sentença.  

B) Matéria de facto apurada

Após a sindicância recursiva da decisão da 1.ª instância, mostra-se provada a seguinte matéria de facto ([14]):

«1) Em 19 de abril de 2016, a exequente inicial “A...” instaurou execução para cobrança coerciva do montante de € 228.664,93 euros contra o executado EE, com base em sentença judicial condenatória.

2) Por auto de penhora de 06/05/2016 – junto ao processo em 18/05/2016 –, o Agente de Execução penhorou:

Não tendo exarado os respetivos valores, nem o total.

3) Por auto de penhora de 17/05/2016 – junto ao processo em 18/05/2016, o Agente de Execução penhorou:

Consignando como total penhorado o montante de 7.202,00 euros.

4) Por auto de penhora também de 17/05/2016 – junto ao processo em

18/05/2016 -, o Agente de Execução penhorou:

Não tendo consignado os respetivos valores, nem o total penhorado.

5) Essa penhora é provisória com os fundamentos previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 92.º do Código de Registo Predial.

6) E não foi convertida em definitiva.

7) Também por auto de penhora de 17/05/2016 – junto ao processo em 18/05/2016 -, o Agente de Execução penhorou:

Não tendo consignado os respetivos valores, nem o total penhorado.

8) Por auto de penhora de 23/05/2016 – junto ao processo em 25/05/2016, o Agente de Execução penhorou:

Colocando o valor de 3.750,00 euros.

9) Por auto de penhora de 19/10/2016, foi ainda penhorado:

Não tendo sido colocado valor do bem penhorado.

10) Por decisão do Agente de Execução de 04/11/2016, foi decidido vender a quota pertencente ao executado EE na sociedade B... LDA, de NIPC ...48 e com sede no Campus Universitário da A..., ..., 3020 210 ..., no valor de € 3.750,00 (três mil setecentos e cinquenta euros), através de leilão eletrónico e pelo valor base de 3.750,00 euros.

11) Em 18 de junho de 2018, foi proferida sentença de declaração de insolvência do executado EE.

12) No apenso A – Habilitação de Adquirente -, por sentença de 4 de fevereiro de 2022, foram julgadas habilitadas, enquanto adquirentes, as requerentes AA e BB, a fim de ocuparem a posição jurídica que cabia à Exequente na execução principal.».

«13) Por decisão do Agente de Execução de 21-11-2022 – comprovada a prolação de decisão de encerramento da insolvência, com trânsito em julgado, a pedido do devedor, com consentimento de todos os credores –, foi extinta a execução, nos termos da alínea f) do n.º 1 do artigo 849.º do Código do Processo Civil.» [ALTERADO].

C) Impugnação da decisão de direito

Já se viu que o Recorrente manifestou o seu inconformismo perante o aludido montante de remuneração adicional de € 821,40, acolhido pela 1.ª instância como adequado, em sede de fundamentação de direito, com recurso a critérios/valores fixados em tabela aplicável, ponderando, desde logo, um “valor garantido” total a atender de € 10.952,00, tendo em conta o disposto na al.ª b) do n.º 6 do art.º 50.º da Portaria n.º 282/2013, de 29-08, segundo a qual, sendo devida ao agente de execução uma remuneração adicional no final do processo executivo para pagamento de quantia certa, deve entender-se por «Valor garantido» o valor dos bens penhorados ou o da caução prestada pelo executado, ou por terceiro ao exequente, com o limite do montante dos créditos exequendos, bem como o valor a recuperar por via de acordo de pagamento em prestações ou de acordo global.

Ora, na fundamentação de direito da decisão em crise argumentou-se assim:

«Verificando os factos provados, constata-se que apenas os penhorados valores mobiliários registados na CMVM têm o valor global de € 7.202,00 euros e a quota de sociedade do executado também possui o valor de 3.750,00 euros, tendo sido fixado como valor base para a venda (v. factos provados) pelo Sr. Agente de Execução.

Todos os restantes bens que foram penhorados não possuem valor atribuído no Auto de Penhora, desconhecendo-se inclusivamente se os créditos fiscais foram transferidos para o AE e qual o seu montante global e quanto aos quatro prédios penhorados verifica-se que o registo dessas penhoras ficou como provisório e com os fundamentos previstos na alínea a) do n.º 2 do artigo 92.º do Código de Registo Predial, não tendo sido convertido em definitivo, o que é impedimento legal para a realização da venda (v. art.º 755.º, n.º 4, do CPC).

O quinhão hereditário penhorado ao executado, para além de não mencionar os bens que compõem a herança indivisa, não possui valor atribuído, assim como o direito ao usufruto penhorado, que se desconhece o valor e a forma de o calcular.

Deve ser ainda referido que o facto de os valores mobiliários aqui penhorados terem sido apreendidos e transferidos para a Massa Insolvente, no âmbito do processo de insolvência do Executado, não inviabiliza a sua integração como “Valor Garantido”, tal como estipula a al. b) do n.º 6 do art.º 50.º da aludida Portaria.

Desta forma, o valor garantido que deve ser neste caso admitido como base para o cálculo da remuneração adicional do Agente de Execução deve ser:

- € 7.202,00 euros – que corresponde à penhora dos valores mobiliários registados na CMVM;

- e € 3.750,00 euros – correspondente à penhora da quota de sociedade do executado,

O que confere o Total de € 10.952,00 euros.

É esta a importância que deve servir de base para o Agente de Execução proceder ao cálculo da sua remuneração adicional, a apurar nos termos da tabela do anexo VIII (…).

Deste modo, atendendo ao valor total garantido de € 10.952,00 euros, aplicaremos a taxa de 7,5% (tais valores foram penhorados e não se procedeu à venda), de acordo com a tabela do anexo VIII (…), pelo que perfaz o montante de 821,40 euros (…), importância que o Sr Agente de Execução tem direito a título de remuneração adicional (…).».

O Recorrente contra-argumenta, no relevante, que onde não constam valores consignados para bens penhorados – por o respetivo auto de penhora ser omisso a respeito – se deveria considerar “liquidar em sede de execução de sentença”.

Ou seja, relegar-se-ia para ulterior incidente de liquidação, mas sem que o Apelante indique norma legal habilitante.

Com efeito, não colhe aplicação ao caso, vista a especificidade deste horizonte incidental, o disposto no art.º 609.º, n.º 2, do NCPCiv., por aplicável, diversamente, aos limites da condenação da sentença judicial, em veste declarativa, no pressuposto da existência de um pedido, com que o tribunal terá de se conformar.

Diversa é a natureza da ação executiva, que prescinde, logicamente, de uma fase declarativa condenatória, o que não é alterado pela existência de um incidente, a final, de fixação de remuneração do AE.

Também não pode falar-se aqui, do mesmo modo, de uma situação de condenação genérica, que houvesse depois de ser alvo de incidente de liquidação, para fixação exata do quantum (cfr. art.º 358.º e seg. do NCPCiv.).

Donde que não possa colher, salvo sempre o devido respeito, esta linha de argumentação do Recorrente.

Este invoca, por outro lado, que, das verbas penhoradas e identificadas no ponto 4 dos factos assentes (4 frações autónomas), resultaria o valor de € 124.410,00.

Porém, como ali apurado, não foram disponibilizados para os autos – por omissão no auto de penhora – os valores dessas frações autónomas (individualmente ou em termos totais).

Apenas se dispõe do respetivo valor patrimonial, por ser o único mencionado no auto de penhora. Assim, temos os seguintes valores patrimoniais: € 4.550,00, € 4.550,00, € 107.470,00 e € 7.840,00.

É certo que o preceito do art.º 766.º determina que o auto de penhora deva conter a identificação/relacionação dos bens (por verbas), com indicação, sempre que possível, do valor aproximado de cada bem/verba (n.º 1), facultando o n.º 2 ao AE, a quem cabe realizar a penhora e fixar o valor dos bens penhorados, o recurso à ajuda de um perito em caso de avaliação que dependa de conhecimentos especializados.

Ou seja, o AE podia e devia ter fixado valor às frações autónomas penhoradas.

Porém, não o tendo feito, é ainda adequado aproveitar os aludidos valores patrimoniais para o efeito em questão, posto ser consabido que, por regra, esses valores (de matriz tributária) se quedam abaixo do valor de mercado dos imóveis atualmente em Portugal.

Assim, temos um valor total (quanto a esses quatro imóveis/frações autónomas) de € 124.410,00, como pretende o Recorrente, valor esse que deve ser considerado, como parece justo ([15]), para o efeito de apuramento da aludida remuneração adicional ([16]), atendendo até ao modo como a execução cessou.

Não assim quanto ao(s) penhorado(s) direito(s) de usufruto (facto 7), posto não ter sido consignado o respetivo valor no auto de penhora, quando é certo que cabia ao AE fazê-lo, para o que até se poderia ter socorrido, se necessário, de perito (avaliador), o que não fez, sendo líquido, para além disso, não poder atender-se, para este efeito, ao valor patrimonial dos imóveis (já que não se trata do direito de propriedade e o direito de usufruto se limita a uma “proporção de ½”).

Quanto ao vertido no facto/ponto 8, é líquido que o Tribunal atendeu ao valor pretendido de € 3.750,00, pelo que nada haverá a apontar nesta parte.

E, quanto ao facto/ponto 9, não poderá atender-se ao valor de € 34.697,78 pretendido pelo Apelante.

Com efeito, trata-se de penhora de “direito e ação à quota-parte da herança ilíquida e indivisa”, “não tendo sido colocado valor do bem penhorado”, que, como se depreende, não foi objeto de avaliação.

Por isso, se é certo que cabia ao AE fixar o valor respetivo no auto de penhora, e não o fez, não pode o Tribunal ficcionar ou presumir um qualquer valor para efeitos de fixação de remuneração adicional do mesmo AE.

Assim sendo, apenas haverá, nesta parte, de adicionar-se aqueles € 124.410,00 aos € 10.952,00 já apurados na decisão recorrida, perfazendo um total de € 135.362,00

Quanto ao mais pretendido pelo Recorrente, de que nos dá nota o seu acervo conclusivo remanescente, tem de dizer-se que a sua pretensão não obtém respaldo nos factos que resultam provados, os únicos a que se pode atender para decisão do recurso.

Termos em que, nessa parte, a pretensão recursiva tem de improceder, por não provada.

Resta, pois, aplicar a taxa legal (como consta da Tabela do anexo VIII, a que se alude na decisão recorrida) ao valor garantido total, agora encontrado, de € 135.362,00.

Trata-se, desde logo, da taxa já adotada na sentença (a de 7,5%, nos moldes ali referidos) até 160 unidades de conta (UC) e da taxa de 3% ao valor remanescente.

Assim:

- Remuneração adicional até 160 UC, atento o valor garantido após a penhora: € 16.320,00 x 7,50 % = € 1.224,00;

- Diferença entre 160 UC (correspondente a € 16.320,00) e o aludido valor total de € 135.362,00 = € 119.042,00;

- Remuneração adicional superior a 160 UC, atento o valor garantido após a penhora: € 119.042,00 x 3% = € 3.571,26;

- Soma dos valores obtidos: € 1.224,00 + € 3.571,26 = € 4.795,26.

O que, tudo visto, perfaz, então, o valor de € 4.795,26 (remuneração adicional a conceder), o qual se contém dentro do montante peticionado/reclamado pelo AE a este título, que era de € 7.594,35 ([17]).

Termos em que procede em parte a apelação, com alteração em conformidade da decisão em crise.


***

(…)

***
V – Decisão
Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação, julgando procedente em parte a apelação, em alterar a decisão recorrida, fixando a remuneração adicional a conceder ao Apelante/AE em € 4.795,26 (quatro mil setecentos e noventa e cinco euros e vinte e seis cêntimos).
Custas da apelação por Recorrente e Recorridas, na proporção do respetivo decaimento (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 11/12/2024

Vítor Amaral (relator)

Luís Cravo

João Moreira do Carmo (com declaração de voto de vencido)

"Voto de Vencido

Discordo do projecto (não tem a ver com o resultado final), em relação à questão prévia da admissibilidade do recurso, interposto pelo próprio AE.

Face ao art. 723º, nº 1, c) do NCPC e seu texto terminante, sem qualquer ressalva, não admitiria o recurso, salvo nos casos específicos previstos na lei.

Por outro lado, não se acompanha a posição de Abrantes Geraldes, quanto aos "despachos vinculados", sob pena de inconstitucionalidade.

Já decidi, aliás, em decisão singular, em contrário do que agora se decide, tal como outra jurisprudência já publicada, no sentido que defendo.

Por isso, em coerência, tenho que manifestar a minha discordância".

Moreira do Carmo"


([1]) Era originária exequente “A...” e executado EE (entretanto, declarado insolvente), ambos com os sinais dos autos.
([2]) Uma vez declarado que a «execução se encontra extinta, nos termos do disposto no artigo 849.º do Código de Processo Civil (CPC).» [cfr. fls. 623 e segs. do processo físico, tratando-se de expediente do AE datado de 21/11/2022, onde é mencionada, a fls. 628, «a extinção da presente execução nos termos da alínea f) do número 1 do artigo 849.º do Código do Processo Civil»].
([3]) Este, com data de 21/11/2022, emitiu “GUIA”, com o seguinte teor: «É emitida a presente guia que permite ao Exequente / Mandatário efetuar pagamentos, devendo ter em consideração o seguinte:
1) Qualquer pagamento com esta referência fica automaticamente associado ao processo em causa;
2) Os pagamentos poderão ser efetuados através da rede multibanco ou junto de qualquer agência do Banco 1...;
3) Esta guia não é comprovativa de pagamento. Os comprovativos de pagamento são emitidos pela rede multibanco ou pelo Banco 1... e devem ser enviados para o agente de execução.
4) O pagamento solicitado refere-se:
Valor apurado em sede de liquidação final
•34.298,90 € a título de juros compulsórios;
•278,72 € a título de despesas por conta e em nome do cliente;
•9.805,25 € a título de honorários finais.».
([4]) Esgrimiram que, «a título de remuneração adicional, o A.E. tem a receber a quantia de € 707,90 (…), correspondente a 7,5% do valor efectivamente garantido em resultado das suas diligências», com decorrente retificação da nota final de honorários.
([5]) «Assim:
- Remuneração adicional até 160 unidades de conta, atento o valor garantido após a penhora: 16.320,00 € a multiplicar pela taxa de 7,50 % = 1.224,00 €;
- Diferença entre 160 unidades de conta e o valor da quantia exequenda: 228.664,93 € menos 16.320,00 € = 212.344,93 €;
- Remuneração adicional superior a 160 unidades de conta, atento o valor garantido após a penhora: 212.344,93 € a multiplicar pela taxa de 3,00 % = 6.370,35 €;
- Soma dos valores obtidos: 1.224,00 € mais 6.370,35 € = 7.594,35 euros.».
([6]) Cujo teor se deixa transcrito (destaques retirados).
([7]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([8]) Como enfatizam Abrantes Geraldes e outros – in Código de Processo Civil Anotado, vol. II, 2.ª ed., Almedina, Coimbra, 2022, p. 63 –, a reclamação a que alude o art.º 723.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv., “estrutura-se como um incidente, convocando a aplicação dos arts. 293.º e ss., com as devidas adaptações (…)”.
([9]) Cfr., nesta senda, quanto à repartição de competências no processo executivo, o disposto nos art.ºs 719.º e 723.º do NCPCiv.. Na doutrina pode ver-se, por todos, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, vol. II, Almedina, Coimbra, 2018, ps. 480 e segs., referindo que o «juiz de execução é o juiz das garantias dos direitos subjetivos». Sobre a matéria, cfr. ainda, na jurisprudência, o Ac. TRC de 12-09-2023, Proc. 818/15.0T8CBR.C1 (relatado pelo aqui Relator), em www.dgsi.pt.
([10]) Como também refere Rui Pinto, op. cit., ps. 491 a 493, o “juiz fará o julgamento das reclamações de atos do agente de execução (…), proferindo decisão”, cabendo e prevalecendo aqui a “regra da substituição” (no caso, do juiz ao AE).
([11]) Op. cit., p. 65.
([12]) No mesmo sentido, com que se concorda, a jurisprudência ali citada e, na doutrina, Delgado Carvalho, Jurisdição e Caso Estabilizado, ps. 191, 195-197 (citado também por aqueles Autores).
([13]) Também neste sentido, desta mesma Secção, o Ac. TRC de 23/01/2024, Proc. 771/10.6TBACB-A.C1, relatado pelo aqui Relator (e em que foram Adjuntos os Exm.ºs Desembargadores Fernando Monteiro e Carlos Moreira), em www.dgsi.pt, em cujo sumário pode ler-se: «(…) 6.- A decisão judicial em matéria de reclamação contra decisão do agente de execução referente à remuneração do encarregado da venda não está sujeita à nota da irrecorribilidade a que alude o art.º 723.º, n.º 1, al.ª c), do NCPCiv., por a reclamação ter por objeto um ato vinculado, devendo essa remuneração conformar-se com as normas legais aplicáveis (art.º 17.º, n.ºs 1 e 6, do RCProc.). // 7.- A norma daquela al.ª c), quanto à dita irrecorribilidade, deve ser objeto de interpretação restritiva, no sentido de se admitir o recurso para a Relação (…) desde que esteja em causa ato ou decisão vinculados do agente de execução (…)».
([14]) Destaques retirados.
([15]) Como salientado no Ac. STJ de 18/01/2022, Proc. 9317/18.7T8PRT.P1.S1 (Cons. Maria João Vaz Tomé), em www.dgsi.pt: «III. Pode dizer-se que a remuneração adicional ou variável do agente de execução visa premiá-lo pela “eficiência e eficácia” na recuperação ou garantia do crédito exequendo».

([16]) É certo que o Tribunal a quo objeta – de acordo com os factos provados (factos 5 e 6) – com a invocação de ter o registo da penhora ficado provisório, “não tendo sido convertido em definitivo, o que é impedimento legal para a realização da venda (v. art.º 755.º, n.º 4, do Código de Processo Civil)”. Porém, se não resulta provado que tal realizada penhora foi levantada, também é sabido que os autos de execução não chegaram à fase da venda, por lhes ter sido posto termo prematuramente (ao que o AE é, obviamente, alheio), o que não impede que as penhoras tenham sido realizadas, com o inerente valor garantístico alcançado e esforço/trabalho despendido, ao que acresce que, se fosse necessário – mas logo se viu que não era – prosseguir para a venda, poderia o AE, se nisso fosse visto interesse, ainda diligenciar pelos meios permitidos para obtenção do registo [de acordo com o disposto no art.º 92.º, n.º 5, do CRPred., segundo o qual «As inscrições referidas na alínea a) do n.º 2 mantêm-se em vigor pelo prazo de um ano, salvo o disposto no n.º 5 do artigo 119.º, e caducam se a ação declarativa não for proposta e registada dentro de 30 dias a contar da notificação da declaração prevista no n.º 4 do mesmo artigo»].
([17]) Como o Recorrente reitera no ponto 10 da sua alegação recursória [em “B) Breve história da questão”].