Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
837/10.2T2AVR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PEDRO MARTINS
Descritores: PENSÃO DE SOBREVIVÊNCIA
UNIÃO DE FACTO
ALTERAÇÃO LEGISLATIVA
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA LIDE
Data do Acordão: 03/02/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: LEI Nº7/2001 DE 11/5, LEI Nº 23/2010 DE 30/8, ART.12 CC, 287 E) CPC
Sumário: A Lei nº 23/2010, de 30/08, não tornou supervenientemente inútil a acção em que o unido de facto pede o reconhecimento da qualidade de titular das prestações por morte do beneficiário da segurança social.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra os juízes abaixo assinados:

              E (…) intentou em 04/05/2010 a presente acção contra o Instituto de Solidariedade e Segurança Social – Centro Nacional de Pensões, pedindo o reconhecimento da sua qualidade de titular das prestações por morte do beneficiário A (…) e, em consequência, serem-lhe reconhecidas, processadas e pagas pelo réu as respectivas pensões de sobrevivência.

              Fá-lo nos termos do art. 6º/2 da Lei 7/2001 de 11/05 e do art. 3º/2 do Decreto Regulamentar 1/94 de 18/01, e alega, em síntese, que aquele beneficiário, com quem vivia em união de facto há mais de 5 anos, tinha fa-lecido em 04/07/2009, no estado de solteiro e sem deixar quaisquer bens; ela, autora, viveu sempre economicamente dependente do seu companheiro e está carecida de alimentos, e as pessoas obrigadas a alimentos, nos termos do art. 2009º do Código Civil (= CC), não estão em condições de cumprir tal obrigação.

              O ISSS contestou.

              Em 30/08 foi publicada a Lei 23/2010 que alterou o regime da união de facto.

              Em 21/10/2010 foi proferida decisão nestes autos, julgando extinta a instância por inutilidade superveniente da lide [art. 287º al. e) do Código de Processo Civil = (CPC)], por se entender que a presente acção, indispensável face à legislação que à data da sua instauração regia a obtenção das referidas prestações por morte, é agora desnecessária e inútil uma vez que a prova da união de facto terá de ser feita por outro meio e que não é mais necessário demonstrar a necessidade de alimentos e a impossibi-lidade de os obter de determinadas pessoas.

              O ISSS recorreu desta decisão, para que seja revogada, conclu-indo, no essencial, no sentido de que a Lei 23/2010 não é aplicável a casos de óbitos ocorridos antes da sua entrada em vigor, pelo que os requisitos exigidos continuariam a ser os do antigo regime.

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              Questão que importa solucionar: se as alterações introduzidas pela Lei 23/2010, de 30/08, ao regime da união de facto, tornaram superve-nientemente inútil a acção.

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              A sentença recorrida, depois de fazer referência às normas do anti-go e do novo regime, diz:
         […] estas alterações legislativas acabaram com dois dos gran-des obstáculos legais que até aqui se colocavam à pretensão da pes-soa que vivia em união de facto de receber as pensões por morte do outro membro da união entretanto falecido: a necessidade de ins-taurar uma acção judicial para ser reconhecido que vivia com o fa-lecido em união de facto [substituiu-se o regime antecedente pela suficiên-cia de qualquer meio de prova, regulando-se a possibilidade de isso ter lugar me-diante declaração da Junta de Freguesia. O que significa que se revogou taci-tamente o Decreto Regulamentar n.º 1/94, de 18 de Janeiro, na parte em que pre-via essa acção […]. No novo regime é a entidade responsável pelo pagamento das prestações, quando entenda que existem fundadas dúvidas sobre a existência da união de facto, que deve promover a competente acção judicial com vista à sua comprovação, sendo certo que essa possibilidade já não se coloca nas situa-ções em que a união de facto tiver durado pelo menos 4 anos (dois anos após o decurso do prazo estipulado no n.º 2 do art. 1º)]; a necessidade de demons-trar que carecia de alimentos e os não podia obter de um determi-nado conjunto de pessoas.

              E depois acrescenta:
         Refira-se para finalizar que este novo regime jurídico se aplica imediatamente à situação da autora nos termos do disposto no art. 12º/2, parte final, do CC, uma vez que a Lei 23/2010, de 30/08, não consagra solução diversa – o artigo 6º da lei respeita somente aos preceitos com repercussão orçamental: alínea d) do nº  do artigo 3º.

                                                                 *

               Resulta do que antecede que a sentença recorrida entende que há uma lei nova com aplicação ao caso e que esta, por um lado, faz depender de menos pressupostos do que a anterior o direito da autora e que, por outro lado, tornou mais fácil a demonstração de outros pressupostos (já que dis-pensa a necessidade de intentar a acção).

               (Diga-se que noutra parte da fundamentação da decisão recorrida escreve-se, como se sublinhou acima, que “a prova da união de facto terá de ser feita por outro meio”. Mas é uma afirmação inconsequente, porque, primeiro, tal já não teria a ver com a inutilidade mas com a impossibilidade superveniente de obter, com esta acção, o resulta-do pretendido e, por outro lado, porque não há qualquer sustentação para tal afirmação; ou seja, a norma que diz a “união de facto prova-se por qualquer meio legalmente admis-sível”, não implica a inadmissibilidade desta acção).

               Ora, se for como a sentença diz, então a solução escolhida não é a correcta.

               A solução correcta é a de simplesmente aplicar a lei nova aos fac-tos apurados no processo (eventualmente com alguma adaptação processual, se e quando necessária, ao abrigo do art. 265-A do CPC).

               Se na fase do despacho saneador já estiverem verificados todos os pressupostos do direito que a autora pretende ver reconhecido, pode ser logo proferida sentença a reconhecer esse direito. Se não, deixa-se o proces-so prosseguir com produção de prova, para verificação dos pressupostos que ainda faltem.

               O que não há é razões para dizer que a acção se tornou inútil. A inutilidade dá-se – como dizem Lebre de Freitas e outros, CPC anotado, vol. 1º, 2ª edi-ção, Coimbra Editora, 2008, pág. 555 – quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida; a solução do litígio deixa de interessar. Ora, a sen-tença proferida não diz, nem tem razões para dizer (porque nenhuma das normas invocadas do novo regime jurídico lhas dá, já que não existe qualquer norma naquele regime que diga que o reconhecimento do direito resulta automáticamente da simples situação de união de facto e morte de um dos companheiros), que à autora já tenha sido reconhecido o direito que ela pretendia ver reconhecido com esta acção. Então porque é que a acção se tornou inútil?

               Pelo contrário, com a solução seguida na decisão recorrida, em vez de se facilitar a vida da autora, de acordo com aquilo que resultaria da nova lei, complica-se-lha, obrigando-a a voltar ao início e a, por outro via, tentar obter o reconhecimento do direito de que diz ser titular.

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               Assim, em qualquer das duas hipóteses configuráveis, a decisão re-corrida não está certa: ou a lei nova é, de facto, aplicável ao caso dos autos, e o que há a fazê-la é aplicá-la na altura própria (no despacho saneador ou na sentença), ou a lei nova não é aplicável….  e, então, a questão que a de-cisão recorrida levanta nem sequer se colocava.

                                                                 *

               Sumário:

               A Lei 23/2010, de 30/08, não tornou supervenientemente inútil a acção em que o unido de facto pede o reconhecimento da qualidade de titular das prestações por morte do beneficiário da segurança social

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               Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, embora com outro fundamento, revogando-se a decisão recorrida e determinando-se que o processo prossiga os seus regulares termos.

               Custas pela autora, sem prejuízo da concedida protecção jurídica.

              
Pedro Martins ( Relator )
Virgílio Mateus
António Carvalho Martins