Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | LUÍS MIGUEL CALDAS | ||
| Descritores: | OPOSIÇÃO À PENHORA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA DIREITO À HABITAÇÃO PENHORA CONSTITUCIONALIDADE | ||
| Data do Acordão: | 11/11/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – ALCOBAÇA – JUÍZO DE EXECUÇÃO – JUIZ 2 | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGO 65.º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA ARTIGOS 601.º, 817.º DO CÓDIGO CIVIL ARTIGOS 732.º, 733.º, 735.º, 736.º, 737.º, 738.º, 751.º 784.º, N.º 1, 785.º, N.º 4, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
| Sumário: | 1. O direito à habitação, consagrado no art. 65.º da Constituição da República Portuguesa, não confere à casa de morada de família o estatuto de bem impenhorável, uma vez que esse direito não se confunde com o direito à propriedade de casa própria e não reveste carácter absoluto que se sobreponha à garantia geral de cumprimento das obrigações do devedor/executado.
2. Da leitura concertada dos arts. 785.º, n.º 4, e 733.º, n.º 5, do CPC, emerge, apenas, a possibilidade de suspensão da venda para tutela do direito à habitação efectiva do executado enquanto é aguardada a decisão a proferir em 1.ª instância sobre a oposição à penhora. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: | *
Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra,[1]
AA e BB, executados nos autos de execução para pagamento de quantia certa, pendentes desde 15-09-1994, em que é exequente Banco 1..., vieram, em 21-01-2024, deduzir oposição à penhora da sua casa de habitação, cuja notificação foi realizada em 19-01-2024.[2] Alegaram, para tanto e em síntese: – É inadmissível a penhora do imóvel onde residem pelo facto de serem doentes crónicos e de idade avançada, sem quaisquer alternativas financeiras ou familiares, por ofensa aos princípios constitucionais da dignidade humana e direito à habitação, devendo, portanto, as circunstâncias descritas ser consideradas como fundamento de oposição à penhora; – Deverá ser aplicado o disposto no artigo 785.º, n.º 4, do CPC, o qual remete para o artigo 733.º, n.º 5, que prevê que, sendo o bem penhorado a casa de habitação efectiva do embargante, o juiz pode, a requerimento daquele, determinar que a venda aguarde a decisão proferida em 1.ª instância sobre os embargos; – Deverá ser dispensada a prestação de caução, atenta a incapacidade financeira dos executados, por analogia remissiva do artigo 785.º, n.º 4, do CPC, devendo a execução ser sustada, nos termos do artigo 733.º, n.º 1, alínea c), do CPC. * Em 09-05-2025 foi proferida a decisão pela 1.ª Instância, de cuja parte dispositiva consta: “Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 785.º, n.º 2, e 732.º, n.º 1, alínea b), do CPC, a oposição à penhora deve ser liminarmente indeferida quando o fundamento não se ajustar ao disposto no artigo 784.º. Nestes termos, indefiro liminarmente a oposição à penhora apresentada pelos executados, por inadmissibilidade legal. Custas pelos executados – artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC. Registe e notifique” (sic). * Inconformados, os executados/opoentes recorreram desta decisão e formularam as seguintes conclusões: “Concluindo: 46. O conteúdo do artigo 784º nº 1 – a) do C.P.C. não pode ser dissociado dos princípios constitucionais da dignidade humana e do direito à habitação, tal como foi manifestado na oposição à penhora. 47. Inexistindo no direito processual civil norma idêntica à do artigo 244º nº 2 e 3 do C.P.PT., e prevendo o artigo 785º nº 4 do C.P.C. apenas uma remissão para o artigo 733º nº 5 do C.P.C., ou seja, uma moratória na venda do imóvel que é habitação do executado, haverá que interpretar o artigo 784º nº 1 – a) do C.P.C. em conformidade com os princípios constitucionais acima referidos. 48. O interesse do exequente e a eficiência do processo executivo não podem derrogar princípios constitucionais inultrapassáveis como o são o princípio da dignidade humana e o direito à habitação. 49. Deverá considerar-se inconstitucional, por ofensa aos princípios da dignidade humana e do direito à habitação a interpretação do artigo 784º nº 1 – a) do C.P.C., segundo a qual seria admissível a penhora sobre um imóvel que é residência dos Executados, doentes crónicos oncológicos, pai e filha, respetivamente com 92 e 65 anos de idade, sem recursos financeiros ou apoios familiares ou sociais alternativos. 50. A douta sentença recorrida interpretou mal o artigo 785º nº 4 do C.P.C., o qual remete para o artigo 733º nº 5 do C.P.C., considerando-o inaplicável à oposição à penhora; todavia, atenta a remissão, o regime da suspensão da execução, no caso de habitação efetiva do executado, opera do mesmo modo, quer nos embargos quer na oposição à penhora. 51. O facto de o Executado beneficiar de apoio judiciário na modalidade de dispensa total de encargos, aliado à situação de extrema vulnerabilidade financeira e pessoal, atenta a idade e estado de saúde, apontam para a dispensa de prestação de caução no caso da suspensão da execução. 52. O crédito do Exequente encontra-se já salvaguardado através da hipoteca e, nessa medida, não haverá necessidade de prestação de caução. 53. Deverá, portanto, a execução ficar suspensa enquanto se mantiver a situação de vulnerabilidade dos residentes na habitação, dando desse modo prevalência aos princípios constitucionais da dignidade e do direito à habitação, e sendo, portanto, de considerar inadmissível a penhora sobre o imóvel objeto de execução. 54. Nesta conformidade, deverá o recurso do Executado ser considerado procedente, não sendo admitida a penhora sobre a sua habitação e suspendendo-se a execução sem necessidade de prestação de caução, em consonância com os princípios constitucionais acima referidos Com o que se fará Justiça!”. * Não foram apresentadas contra-alegações e o recurso foi devidamente recebido, com efeito suspensivo, por despacho de 02-07-2025 * Colhidos os vistos legais, cumpre decidir as seguintes questões, tal como balizadas nas conclusões (sob os n.ºs 46 a 54): I. Se a interpretação dada pelo tribunal a quo ao art. 784.º, n.º 1, al. a) do CPC, é violadora dos princípios constitucionais da dignidade humana e do direito à habitação, ao considerar admissível a penhora sobre um imóvel que é residência dos executados, doentes crónicos oncológicos, pai e filha, respectivamente com 92 e 65 anos de idade, sem recursos financeiros ou apoios familiares ou sociais alternativos (conclusões sob os n.ºs 46 a 49). II. Se a sentença recorrida interpretou mal o art. 785.º, n.º 4, do CPC, considerando inaplicável à oposição à penhora o art. 733.º, n.º 5, do CPC, devendo o regime da suspensão da execução, no caso de habitação efectiva do executado, operar do mesmo modo, quer nos embargos quer na oposição à penhora, sem necessidade de prestar caução (conclusões sob os n.ºs 50 a 54). * A. Fundamentação de facto. Para além do que consta do relato supra, está provada a seguinte factualidade – consulta integral do processo principal (execução) e seus apensos:[3] Processo de execução 1. Está pendente, desde 18-07-1994, execução para pagamento de quantia certa em que é exequente Banco 1..., S.A., para pagamento da quantia exequenda de € 929 442,34, emergente de contrato de mútuo. 2. Por decisão de 21-01-2009 foi decidido ao “abrigo do art. 326º, nº 2, do C.P.C., julga-se parcialmente procedente o incidente deduzido pela Exequente, admitindo-se a intervenção principal provocada de BB, CC, DD e EE como associados do executado AA”. 3. Em 22-09-2011 foi declarada a suspensão da instância executiva por morte do executado FF. 4. Está registada na Conservatória ..., desde 12-09-2017 e 26-11-2019, respectivamente, a penhora de ½ do prédio urbano situado em ..., ..., Rua ..., descrito na freguesia ... sob o n.º ...19, e inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...06, sendo sujeitos passivos AA e BB. 5. Por requerimento de 01-04-2020 CC veio apresentar oposição à execução mediante embargos. 6. Por decisão exarada a 25-01-2021 a execução foi julgada extinta por desistência da instância quanto ao executado CC (refª citius 95924737). 7. Por requerimentos apresentados em 04-03-2021 e 13-03-2021 os executados BB e AA, invocando viverem no imóvel penhorado e a situação de insuficiência económica e doença de ambos, pediram a suspensão da execução, nos termos do art. 8.º, n.º 1, al. b) da Lei n.º 1-A/2020, de 19-03, com a redacção que lhe foi dada pela Lei 75-A/2020 de 30-12. 8. Em 19-01-2024 os executados BB e AA foram notificados para, no prazo de 10 dias, deduzirem, querendo, oposição à penhora nos termos do arts. 784.º e 785.º do CPC. 9. Por requerimento de 22-01-2024 os executados AA e BB vieram, ao abrigo dos arts. 784.º, n.º 1, al. a) e 785.º, nº 4, do CPC, opor-se à penhora do imóvel descrito sob o nº ...70 da Conservatória ... e inscrito na matriz predial urbana nº ...37 da União de Freguesias ..., ... e .... 10. Por requerimento de 26-03-2024 GG, cônjuge da executada BB veio apresentar embargos de executado e opor-se à penhora daquele imóvel (Apenso E). 11. A 06-04-2024 AA veio juntar ao processo certidão da escritura de repúdio da herança aberta por óbito de sua mulher, HH, falecida a ../../2006, a qual foi outorgada a 23-11-2015. 12. A 13-12-2024 foi exarado o seguinte despacho: “Requerimentos de 22-01-2024 e 12-03-2024– Autue como oposição à penhora. Requerimento de 26-03-2024 – Autue como embargos de executado e oposição à penhora. Requerimento de 6-04-2024 – Notifique a exequente para requerer o que tiver por conveniente quanto ao repúdio efetuado a fim de regularizar a legitimidade passiva, sem prejuízo do disposto no artigo 281.º, n.º 5, do CPC. Requerimentos de 2-07-2024 e 10-12-2024 – Com cópia dos requerimentos em apreço, solicite à Segurança Social que informe se foi ou não apresentada impugnação da decisão do apoio judiciário por parte de GG. Requerimento de 11-12-2024 – Autue como impugnação de apoio judiciário”. 13. Por decisão proferida em 12-02-2025 a execução foi julgada extinta por inutilidade superveniente da lide quanto aos habilitados DD e BB (refª citius 95924737). 14. Não foi lograda a penhora de quaisquer outros bens dos executados, nem realizado qualquer pagamento voluntário, da totalidade ou de parte, da dívida exequenda. Apenso A – Habilitação de herdeiros de FF. 15. Por sentença de 13-04-2016 foi julgado “totalmente procedente, por provado, o incidente de habilitação de herdeiros e, consequentemente, julgam-se os requeridos II, este representado por JJ, JJ, KK e LL habilitados para prosseguir, no lugar de FF, os termos do processo de execução”. Apenso B – Habilitação de herdeiros de HH. 16. Por sentença de 08-04-2013 foram habilitados herdeiros da executada HH, BB e DD, para que com eles prosseguir termos a execução. Apenso C – Embargos de executado de CC. 17. Por sentença de 14-06-2021 foi decidido: “Nos presentes autos de embargos de executado, em que é exequente Banco 1..., S.A. e executado CC, verifico que a execução foi julgada extinta quanto a este, por desistência daquela. Face ao exposto, julgo extintos os presentes autos, por inutilidade superveniente da lide – artigo 277.º, alínea e), do CPC. Custas pela exequente – artigo 536.º, n.º 3, do CPC. Registe e notifique”. Apenso D – Oposição à penhora de AA e BB. 18. AA nasceu em ../../1931 (92 anos) e BB nasceu em ../../1959 (65 anos) e vivem juntos no imóvel penhorado. 19. Por “Atestado de Doença” de 13-10-2017, a médica Dra. MM atestou que o executado AA “sofre de doença renal crónica, neoplasia maligna da próstata, sob terapêutica hormonal e insuficiência cardíaca classe II/NYHA” (sic). 20. Por “Atestado de Doença” de 08-01-2024, a médica Dra. MM atestou que o executado AA tem “carcinoma da próstata sob hormonoterapia”, “neoplasia maligna do pavilhão auricular esquerdo e o dorso do nariz” e sofreu “doença vascular cerebral – AVC em Março de 2023” 21. Do “Relatório Clínico de Alta Hospitalar” de 14-06-2023, subscrito pela Dra. NN consta que a executada BB é doente oncológica. 22. Por “Atestado Médico de Incapacidade Multiuso” de 09-03-2016 e 03-01-2018 foi certificado que a executada BB sofre de incapacidade de grau “0,750” e “0,710”, respectivamente. Apenso E – Embargos de executado de GG. 23. Estão pendentes os embargos de executado apresentados pelo cônjuge da executada BB, ainda não tendo sido proferida decisão. Apenso F – Recurso de impugnação de apoio judiciário de BB. 24. Por sentença 15-01-2025 foi decidido: “Face ao exposto, e nos termos do disposto no artigo 28.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, decido recusar provimento à impugnação judicial da requerente por manifesta inviabilidade, mantendo-se a decisão proferida pelo Instituto da Segurança Social determinou o arquivamento do pedido de proteção jurídica”. Apenso G – Recurso de impugnação de apoio judiciário de GG. 25. Por sentença 30-04-2025 foi decidido: “Face ao exposto, e nos termos do disposto no artigo 28.º, n.º 4, da Lei n.º 34/2004, de 29 de julho, decido recusar provimento à impugnação judicial do requerente por manifesta inviabilidade, mantendo-se a decisão proferida pelo Instituto da Segurança Social que lhe concedeu apoio judiciário na modalidade de pagamento faseado de taxa de justiça e demais encargos com o processo”. * B. Fundamentação de Direito. Comecemos por enquadrar juridicamente a situação em apreciação. Em caso de não cumprimento voluntário da prestação devida, o art. 817.º do Código Civil prevê, como princípio geral, a possibilidade de realização coactiva da prestação, conferindo ao credor “o direito de exigir judicialmente o seu cumprimento e de executar o património do devedor”, o que consubstancia a concretização do princípio geral, consagrado no art. 601.º do Código Civil, segundo o qual “[p]elo cumprimento da obrigação respondem todos os bens do devedor suscetíveis de penhora, sem prejuízo dos regimes especialmente estabelecidos em consequência da separação de patrimónios”. A penhora é a apreensão judicial dos bens ou rendimentos do devedor executado com vista à sua venda para pagamento aos credores no âmbito do processo executivo, correspondendo a um desapossamento de bens do devedor, retirando-lhe a disponibilidade jurídica, e, em certos casos, a disponibilidade material de bens do seu património, privando-o, desse modo, do pleno exercício dos seus poderes sobre um bem que, a partir de então, ficará especificadamente sujeito à finalidade última da satisfação do crédito do exequente. A regra da penhorabilidade de todos os bens do devedor encontra expressão, no plano adjectivo, na delimitação do objecto da execução, gizada pela n.º 1 do art. 735.º do CPC: “Estão sujeitos à execução todos os bens do devedor suscetíveis de penhora que, nos termos da lei substantiva, respondem pela dívida exequenda”. Todavia na determinação concreta dos bens a penhorar ter-se-á de atender a um conjunto de desvios e limitações legais à aludida regra geral, mormente os resultantes da consagração da impenhorabilidade de determinados bens, emergentes dos arts. 736.º, 737.º e 738.º do CPC, que enumeram os bens absoluta, relativa ou parcialmente impenhoráveis. In casu, os executados AA e BB vieram opor-se à penhora da sua casa de habitação, que lhes foi notificada em 19-01-2024, pugnando pela sua impenhorabilidade, invocando a violação da norma constitucional do direito à habitação, reconhecido no art. 65.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP): “Todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”. Estão em causa dois direitos com protecção constitucional: do lado dos apelantes, o direito a habitação – arts. 1.º, 26.º, n.º 1, parte final, e 65.º, n.º 1, da CRP –, e do lado da exequente, o direito de crédito, integrado no âmbito da tutela constitucional pelo direito à propriedade privada – art. 62.º, n.º 1 –, redundado num caso típico de colisão de direitos –art. 335.º do Código Civil: “O instituto da colisão de direitos demanda uma avaliação rigorosa dos direitos em presença, por forma a concluir-se qual é o concretamente prevalente, para o que se convoca o princípio da concordância ou da harmonização prática, assente num juízo de proporcionalidade (desdobrada em três subprincípios, o da adequação, o da necessidade e o da proporcionalidade em sentido estrito).” – cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 26-03-2025, Proc. n.º 499/22.4T8ANS-C.C1.[4] Emerge do art. 784.º, n.º 1, do CPC, sob a epígrafe “Fundamentos da oposição”, que “[s]endo penhorados bens pertencentes ao executado, pode este opor-se à penhora com algum dos seguintes fundamentos: a) Inadmissibilidade da penhora dos bens concretamente apreendidos ou da extensão com que ela foi realizada; b) Imediata penhora de bens que só subsidiariamente respondam pela dívida exequenda; c) Incidência da penhora sobre bens que, não respondendo, nos termos do direito substantivo, pela dívida exequenda, não deviam ter sido atingidos pela diligência”. Na fundamentação da decisão recorrida expendeu-se: “Conforme refere Lebre de Freitas, as alíneas a) e c) do referido normativo “visam cobrir todos os casos de bens impenhoráveis por razões independentes da sua titularidade. Mas, enquanto a al. c) se reporta às causas de impenhorabilidade – específica ou derivada dum regime de indisponibilidade objectiva – resultantes do direito substantivo, a al. a) visa as causas de impenhorabilidade enunciadas na lei processual, gerem elas situações de impenhorabilidade absoluta e total, de impenhorabilidade relativa ou de impenhorabilidade parcial”. Já no que concerne à alínea b), refere o mesmo autor que a mesma aplica-se em qualquer caso de responsabilidade subsidiária, em que o executado pode opor-se à penhora de bens que só deviam responder na falta de outros (do seu ou de outro património), se, existindo estes, por eles não tiver começado a execução (in A Acção Executiva, 3.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 235). Ora, percorridas todas as alíneas de tal normativo, conclui-se que os fundamentos invocados pelos executados no seu articulado de oposição não se enquadram em nenhuma delas, pelo que não poderão os mesmos constituir fundamento para a dedução de oposição à penhora nem ter a virtualidade de determinar o levantamento da penhora efetuada. Senão vejamos. O primeiro argumento esgrimido pelos executados consiste no facto de “serem doentes crónicos e de idade avançada, sem quaisquer alternativas financeiras ou familiares”. Tal fundamento não se enquadra em nenhuma das situações previstas nos artigos 736.º a 739.º do CPC, nem em parte alguma do Código, como, de resto, os próprios executados reconhecem. Daí que defendam que a factualidade por si invocada deve ser considerada como fundamento de oposição à penhora, sob pena de ofensa aos princípios constitucionais da dignidade humana e direito à habitação. Não concordamos com tal entendimento, uma vez que, desde logo, não se vislumbra em que medida a mera penhora do imóvel (ainda que o mesmo constitua a habitação dos executados) possa violar a dignidade da pessoa humana ou pôr em causa o seu direito à habitação. Não obstante tais direitos poderem, em abstrato, vir a ser beliscados em fases posteriores da execução (nomeadamente com a venda do imóvel e necessidade de os executados o desocuparem), a verdade é que a lei prevê mecanismos para acautelar tais situações, os quais serão oportunamente apreciados. Por outras palavras, consideramos que a penhora em si não viola quaisquer direitos constitucionais dos executados, razão pela qual consideramos que os argumentos por si expendidos não constituem fundamento de oposição à penhora. Os executados pugnam ainda pela aplicação do disposto nos artigos 785.º, n.º 4, e 733.º, n.º 5, do CPC, segundo os quais, sendo o bem penhorado a casa de habitação efetiva do embargante, o juiz pode, a requerimento daquele, determinar que a venda aguarde a decisão proferida em 1.ª instância sobre os embargos. Tendo em conta que a presente oposição não contém sequer fundamentos para ser admitida (como acabámos de ver), não há que suspender a venda até ser proferida decisão em 1.ª instância sobre os embargos, uma vez que os mesmos serão liminarmente indeferidos, a final. Por último, pretendem os executados que seja dispensada a prestação de caução, atenta a sua incapacidade financeira, por analogia remissiva do artigo 785.º, n.º 4, do CPC, devendo a execução ser sustada, nos termos do artigo 733.º, n.º 1, alínea c), do CPC. Mais uma vez, a pretensão dos executados carece em absoluto de base legal, uma vez que a suspensão da execução apenas está prevista no caso de pendência de embargos de executado e não de oposição à penhora. Para além disso, também nunca estariam reunidos os pressupostos para a aplicação do artigo 733.º, n.º 1, alínea c), dado que não foi impugnada a exigibilidade nem a liquidação da obrigação exequenda. Com efeito, no caso de oposição à penhora apenas se encontra prevista a possibilidade de suspensão da venda, nos termos do artigo 785.º, n.º 4, a qual foi já afastada acima. Conclui-se, pois, que a presente oposição à penhora carece em absoluto de fundamentos. Nos termos das disposições conjugadas dos artigos 785.º, n.º 2, e 732.º, n.º 1, alínea b), do CPC, a oposição à penhora deve ser liminarmente indeferida quando o fundamento não se ajustar ao disposto no artigo 784.º. Nestes termos, indefiro liminarmente a oposição à penhora apresentada pelos executados, por inadmissibilidade legal. Custas pelos executados – artigo 527.º, n.º 1 e 2, do CPC. Registe e notifique. Ao abrigo do disposto nos artigos 304.º, n.º 1, e 306.º, n.º 2, do CPC, fixo à causa o valor de € 929.442,34 (novecentos e vinte e nove mil quatrocentos e quarenta e dois euros e trinta e quatro cêntimos)”. Antes de mais importa frisar que o requerimento de oposição está sujeito a despacho liminar que pode ser de indeferimento se (i) os fundamentos invocados pelo requerente não se ajustarem aos previstos no art. 785.º, n.º 2, e 732.º, n.º 1, al. b), se (ii) a oposição for deduzida intempestivamente – art. 785.º, n.º 2, e 732.º, n.º 1, al. a) – ou se (iii) for manifestamente improcedente – art. 785.º, n.º 2, e 732.º, n.º 1, al. a), todos do CPC (no mesmo sentido, cf, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2020, p. 180, nota 4). Isto dito, vejamos, pois, se é correcta esta decisão, analisando as questões recursivas supra enumeradas. I. Se a interpretação dada pelo tribunal a quo ao art. 784.º, n.º 1, al. a) do CPC, é violadora dos princípios constitucionais da dignidade humana e do direito à habitação, ao considerar admissível a penhora sobre um imóvel que é residência dos executados, doentes crónicos oncológicos, pai e filha, respectivamente com 92 e 65 anos de idade, sem recursos financeiros ou apoios familiares ou sociais alternativos (conclusões sob os n.ºs 46 a 49). A questão da penhora da casa de morada de família e da constitucionalidade das normas do CPC que permitem a penhora da casa de morada de família, por alegadamente contenderem com o direito à habitação, consagrado no art. 65.º da CRP e com os princípios da dignidade humana e da proporcionalidade tem sido objecto de debate doutrinal e jurisprudencial desde há vários anos. Começando pela análise do princípio da proporcionalidade no âmbito da penhora de bens, João de Castro Mendes, Miguel Teixeira de Sousa, Manual de Processo Civil, Volume II, 2022, pp. 701/702, tecem as seguintes considerações “(…) O princípio da proporcionalidade impõe dois limites à penhora: um limite máximo e um limite mínimo. Como expressão do limite máximo, a penhora não deve exceder os bens necessários para assegurar o pagamento da dívida exequenda e das despesas previsíveis da execução (art. 735.º, n.º 3). Isto significa que o princípio da proporcionalidade implica a proibição do excesso de penhora. Todavia, o art. 751.º, n.º 3, permite que, em certas circunstâncias, sejam penhorados bens imóveis ou um estabelecimento comercial, ainda que o seu valor exceda o do crédito exequendo. Há assim que concluir que o princípio da proporcionalidade da penhora cede, na sua vertente de limite máximo, perante o princípio da satisfação atempada do crédito do exequente. A proibição do excesso de penhora que decorre do princípio da proporcionalidade pressupõe que, no caso concreto, é possível penhorar bens de valor equivalente ao da dívida exequenda. Disto resulta que, se o património penhorável do executado comportar apenas um bem cujo valor excede a divida exequenda, esse bem não pode deixar de ser penhorado. Pode assim concluir-se que a proibição do excesso de penhora é sempre situacional: para que esta proibição possa operar, é necessário que, em substituição da penhora excessiva, possa ser efetuada uma penhora proporcional ao crédito exequendo”. É entendimento consensual que é ao opoente/executado que compete fazer a prova da verificação dos fundamentos da oposição à penhora, por se tratar de facto constitutivo do seu direito ao levantamento da penhora – cf., entre muitos outros, Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, de 28-04-2025, Proc. n.º 1543/22.0T8PRT-A.P1, e de 13-10-2025, Proc. n.º 444/24.2T8OVR-A.P1, e do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28-03-2023, Proc. n.º 17330/15.0T8LRS-C.L1-7. Deste modo, a violação do art. 735.º n.º 3 do CPC – que estabelece a necessidade de a penhora ser proporcional e não excessiva – pode constituir fundamento para a oposição à penhora, nos termos do art. 784.º n.º 1, al. a) do CPC, pois a penhora pode ser considerada excessiva, constituindo um fundamento para oposição, permitindo a oposição com fundamento na inadmissibilidade da penhora dos bens apreendidos ou na extensão da penhora. Na situação vertente o crédito exequendo é de 929 442,34 (novecentos e vinte e nove mil quatrocentos e quarenta e dois euros e trinta e quatro cêntimos), e a execução pende há mais de 20 anos, não tendo sido obtida a penhora de qualquer bem dos executados, nem tendo sido realizada qualquer pagamento ou amortização voluntária da dívida exequenda, não se antolhando, assim que haja qualquer violação do princípio da proporcionalidade. Avancemos, assim, para o âmago da questão recursiva em causa. Rui Pinto – A Ação Executiva, Reimpressão 2025, p. 484 –, sustenta que “o que a Constituição garante é o direito à habitação, mas não o direito à propriedade sobre a habitação, pelo que a penhora desta não ofende aquele, segundo a jurisprudência e a doutrina dominantes”. Com efeito, o Tribunal Constitucional (TC) tem entendido, reiteradamente, que as normas que admitem a penhora de imóvel que seja a casa de morada de família do(s) executado(s) não atentam contra o direito constitucional à habitação proclamado no art. 65.º da CRP. Especificamente, a jurisprudência do TC tem defendido que o direito à habitação não equivale ao direito a ter casa própria, nem tem um carácter absoluto que se sobreponha ao direito de propriedade e à garantia geral do cumprimento das obrigações do devedor perante o credor. Deste modo, a casa de morada de família não é um bem impenhorável, contrariamente a outros bens que a lei expressamente declara como tal – cf. arts. 736.º, 737.º e 738.º do CPC –, estando sujeito a penhora no âmbito dos processos executivos, apenas com as limitações resultantes dos n.ºs 3 e 4 do art. 751.º do CPC, com a redacção operada pela Lei n.º 117/2019, de 13-09, que estabelecem: “3. Ainda que não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exequendo, é admissível a penhora de bens imóveis que não sejam a habitação própria permanente do executado, ou de estabelecimento comercial, desde que a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de seis meses. 4. Caso o imóvel seja a habitação própria permanente do executado, só pode ser penhorado: a) Em execução de valor igual ou inferior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 30 meses; b) Em execução de valor superior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 12 meses.”[5] Como muito bem é explicado no recente Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 13-10-2025, Proc. n.º 444/24.2T8OVR-A.P1, cujas considerações sufragamos na íntegra: “[A]tutela do bem jurídico da habitação faz-se sentir de forma significativa na posição do demandado na execução, ao ponto de justificar do legislador especial cuidado na consagração de várias soluções legais diversas das gerais e que não se circunscrevem ao âmbito da penhora. Neste específico plano, saliente-se desde logo o art. 751.º/4 do CPC, na redacção dada pela Lei n.º 117/2019, de 13/09, nos termos do qual, caso o imóvel seja a habitação própria permanente do executado, só pode ser penhorado: a) Em execução de valor igual ou inferior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 30 meses; b) Em execução de valor superior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, se a penhora de outros bens presumivelmente não permitir a satisfação integral do credor no prazo de 12 meses. Trata-se de normas que definem de modo específico a ordem de realização da penhora e aplicáveis somente quando esteja em causa o imóvel que constitua a habitação própria e permanente do executado. Estabelecendo requisitos que acrescem à exigência, contemplada no nº3 da mesma disposição legal, para os demais imóveis e para o estabelecimento comercial, da inexistência de outros bens que presumivelmente permitam a satisfação integral do crédito no prazo de seis meses. Paralelamente, nas execuções fiscais, o legislador criou um regime jurídico que impede a venda judicial do imóvel que seja habitação própria e permanente do executado (art.º 244º, n.º 2 do CPPT, na redação conferida pela Lei n.º 13/2016, de 23/5). Dessa forma, “inviabilizado na execução fiscal mecanismo algum de tutela do direito do credor garantido pela penhora na execução comum (que não pode requerer o prosseguimento da execução fiscal em circunstância alguma)”, não restando “alternativa ao levantamento da sustação da execução comum para que se providencie pela atuação conducente à realização da venda no processo executivo cível” (cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/3/2023, relator Fonte Ramos, proc. 564/20.2T8ANS-B.C1, disponível em linha na base de dados da Dgsi). Para além disso, e já fora do campo dos limites da penhora e da venda, destaque-se que a simples realização desta, sempre que incidir sobre o imóvel da habitação, não afecta, pelo menos imediatamente, a possibilidade de o executado manter a sua residência no local, até à consumação da venda executiva, na medida em que, nesse caso, a lei prevê que o executado seja nomeado depositário (cfr. art. 756.º, n.º1, al. a), do CPC). No mesmo sentido, aponta a previsão legal que permite, uma vez efetuada a venda executiva, a suspensão da entrega do imóvel ao adquirente se suscitar sérias dificuldades no realojamento do executado (cfr. arts. 828.º, 861.º, n.º6, do CPC). Bem assim, a imposição ao agente de execução da obrigação de comunicar antecipadamente a necessidade de nova habitação do executado à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes (cfr. arts. 828.º e 863.º, n.ºs 3 a 5, do CPC). Prevendo ainda a lei a possibilidade de suspensão da venda no caso de execução de sentença pendente de recurso (cfr. art. 704.º, n.º 4 do CPC) e nos casos de oposição aÌ execução mediante embargos de executado e de oposição aÌ penhora (cfr. arts. 733.º, n.º 5, 785.º, n.º 4 e 856.º, n.º 4 do CPC). Saliente-se, em todo o caso, que a protecção do direito do demandado à habitação própria e permanente, na execução, está longe de fundamentar, como se disse, uma opção legal de impenhorabilidade, reservada nos arts. 736.º e segs. do CPC para situações diversas.” (sic). Deste modo, consideramos que o direito à habitação, consagrado no art. 65.º da CRP, não redunda na impenhorabilidade da habitação própria e permanente, porquanto a penhora de um imóvel não priva imediatamente o executado e a sua família da habitação, o que apenas ocorre(rá) após a (eventual) venda judicial. Ademais, o CPC já prevê, designadamente nos arts. 751.º, n.º 4, e 735.º, n.º 3, mecanismos de protecção para a casa de morada de família, como a exigência de que a penhora só ocorra sob certas condições – máxime, a inexistência de outros bens suficientes – e se não houver ofensa ao princípio da proporcionalidade, sendo que essas limitações já cumprem a exigência constitucional de salvaguarda do núcleo essencial do direito à habitação. Em reforço da posição que sustentamos a respeito da questão da penhorabilidade da casa de morada de família e sua conformidade constitucional, vejam-se, entre outros, na jurisprudência do TC, os seguintes Acórdãos: – Acórdão do TC n.º 612/2019, de 12-06-2019, em que se decidiu: “Não julgar inconstitucional a norma do artigo 751.º, n.º 3, alínea b), do Código de Processo Civil, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de junho, na sua redação originária, segundo a qual, ainda que não se adeque, por excesso, ao montante do crédito exequendo, é admissível a penhora do imóvel que seja habitação própria permanente do executado e sua família, mesmo que esse imóvel não tenha sido dado em garantia para o pagamento da dívida exequenda, quando esteja em causa uma dívida superior a metade do valor da alçada do tribunal de primeira instância e a penhora de outros bens presumivelmente não permita a satisfação integral do credor no prazo de dezoito meses”.[6] Conforme se desenvolve na argumentação deste aresto: “[T]anto no regime estabelecido no CPC de 1961, como no atual, o imóvel que corresponda a habitação própria permanente do executado e da sua família não é um bem impenhorável. Não obstante, a especial afetação desse bem não deixou de merecer tutela por parte do legislador, que, tendo em consideração essa circunstância, consagrou diversas medidas destinadas a proteger o executado. Assim, no caso de execução sob a forma sumária instaurada ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 2 do artigo 550.º (isto é, execuções baseadas em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida cujo valor não seja superior a 10.000,00) a possibilidade de penhora de bens imóveis, de estabelecimento comercial, de direito real menor que sobre eles incida ou de quinhão em património que os inclua, só pode ter lugar depois da citação do executado (cf. artigo 855.º, n.º 5). Por outro lado, no caso de o bem penhorado ser a casa de habitação efetiva do executado, é este o depositário (cf. artigo 756.º, n.º l, al. a)). Como referido, a circunstância de o imóvel constituir habitação própria permanente do executado passou a relevar no tocante aos pressupostos de admissibilidade da penhora (cf. artigo 751.º, n.º 3, alíneas a) e b)). Acresce que, estando em causa a casa de habitação do executado, uma vez efetuada a venda executiva, e requerendo o adquirente, na própria execução, a entrega dos bens, poderá ter lugar, em determinadas circunstâncias, a suspensão da entrega do imóvel e, no caso de se suscitarem sérias dificuldades quanto ao realojamento do executado, o agente de execução deverá comunicar antecipadamente tal facto à câmara municipal e às entidades assistenciais competentes (cf. artigos 828.º, 861.º, n.º 6, e 863.º, n.ºs 3 a 5 do CPC de 2013). Para além destas medidas, o CPC prevê ainda, relativamente à casa de habitação efetiva do executado, a possibilidade de suspensão da venda no caso de execução de sentença pendente de recurso (cf. artigo 704.º, n.º 4) e nos casos de dedução de oposição à execução mediante embargos de executado e de oposição à penhora (cf. artigo 733.º n.º 5, 785.º, n.º 4, e 856.º, n.º 4)”. E prossegue-se: “(…) [N]a relação existente, neste caso, entre a garantia constitucional do direito constitucional da propriedade privada, em que assenta o direito do credor à satisfação do seu crédito, e o direito fundamental à habitação, há que entender que, gozando o legislador ordinário de um largo espaço de conformação no que respeita à compatibilização destes direitos, não se afigura que mereça censura, à luz da tutela constitucional do direito à habitação, a solução normativa objeto do presente recurso. Recorde-se ainda que a norma em causa se integra num sistema, razão pela qual o seu confronto com o direito à habitação do executado não pode abstrair do equilíbrio do processo executivo globalmente considerado”. – Acórdão do TC n.º 221/2025, de 21-02-2025 em que se decidiu: “Não julgar inconstitucional a norma contida no artigo 751.º, n.º 4, alínea a), do Código de Processo Civil, na redação introduzida pela Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, interpretado no sentido de ser admitida a penhora de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado em ações de valor igual ou inferior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, quando a penhora de outros bens não satisfaça integralmente o crédito no prazo de 30 meses”.[7] Desenvolve-se neste aresto: “(…) [R]esulta claro que a norma contida no artigo 751.º, n.º 4, alínea a), do CPC, ao admitir a penhora de imóvel que seja habitação própria e permanente do executado em ações de valor igual ou inferior ao dobro do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, quando a penhora de outros bens não satisfaça integralmente o crédito no prazo de 30 meses, já alcança um equilíbrio razoável entre os interesses do credor e os do devedor. Afeta os direitos do primeiro sempre que não haja outros bens penhoráveis suficientes, estabelecendo uma dilação de 2 anos e meio que visa alcançar bens de menor valor. Não sendo possível lograr a satisfação do crédito por essa via, a alternativa – não penhorar – teria como consequência sacrificar definitivamente uma garantia patrimonial ainda possível, essa sim uma solução manifestamente desproporcionada. Acresce que o CPC já dispõe de mecanismos de salvaguarda da habitação em sede de ação executiva [designadamente: enquanto a sentença estiver pendente de recurso, se o bem penhorado for a casa de habitação efetiva do executado, o juiz pode, a requerimento daquele, determinar que a venda aguarde a decisão definitiva, quando aquela seja suscetível de causar prejuízo grave e dificilmente reparável (artigo 704.º, n.º 4); se o bem penhorado for a casa de habitação efetiva do embargante, o juiz pode, a requerimento daquele, determinar que a venda aguarde a decisão proferida em 1.ª instância sobre os embargos, quando tal venda seja suscetível de causar prejuízo grave e dificilmente reparável (artigo 733.º, n.º 5, aplicável, também, à oposição à penhora, nos termos do artigo 785.º, n.º 4); quando o bem penhorado constituir a casa de habitação efetiva do executado, é este o depositário (artigo 756.º, n.º 1, alínea a)), nas execuções para entrega de coisa certa, a habitação é especialmente protegida (artigos 861.º, n.º 6, 863.º e 864.º)] e o período de 30 meses previsto na norma sub judice permite, ainda, que se preparem e organizem outras soluções, fora do processo civil, no âmbito do Estado Social, que é aquele em que, em última análise, haverá que procurar uma solução alternativa ao sacrifício do direito patrimonial do credor”. Em suma, a casa de morada de família é penhorável, mas com as limitações legais do CPC, e a jurisprudência maioritária do TC e dos tribunais superiores[8] tem, repetidamente, negado a inconstitucionalidade das normas que o permitem, não sendo as idades dos executados ou as doenças de que os mesmos padecem, por si só, factores impeditivos da penhora realizada. Por conseguinte, e concluindo, o direito à habitação, consagrado no art. 65.º da CRP, não confere à casa de morada de família o estatuto de bem impenhorável, uma vez que esse direito não se confunde com o direito à propriedade de casa própria e não reveste carácter absoluto que se sobreponha à garantia geral de cumprimento das obrigações do devedor/executado. Posto isto, improcede a 1.ª questão recursiva. II. Se a sentença recorrida interpretou mal o art. 785.º, n.º 4, do CPC, considerando inaplicável à oposição à penhora o art. 733.º, n.º 5, do CPC, devendo o regime da suspensão da execução, no caso de habitação efectiva do executado, operar do mesmo modo, quer nos embargos quer na oposição à penhora, sem necessidade de prestar caução (conclusões sob os n.ºs 50 a 54). Rege o art. 785.º, n.º 4, do CPC: “Se a oposição respeitar ao imóvel que constitua habitação efetiva do executado, aplica-se o disposto no n.º 5 do artigo 733.º.” Por seu turno, o art. 733.º, n.º 5, do CPC preceitua: “Se o bem penhorado for a casa de habitação efetiva do embargante, o juiz pode, a requerimento daquele, determinar que a venda aguarde a decisão proferida em 1.ª instância sobre os embargos, quando tal venda seja suscetível de causar prejuízo grave e dificilmente reparável”. Salvo o devido respeito não se está perante o quadro previsto nos preceitos enumerados que se reportam à fase da venda e não da penhora, razão pela qual não há que recorrer ao mecanismo previsto nesses preceitos legais. A leitura concerta dos arts. 785.º, n.º 4, e 733.º, n.º 5, do CPC, apenas prevê a possibilidade de suspensão da venda para tutela do direito à habitação efectiva do executado enquanto é aguardada a decisão a proferir em 1.ª instância sobre a oposição à penhora. Como explica Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2018, p. 654, a tutela do direito à habitação efectiva, no âmbito da oposição, “contempla a inovadora possibilidade de suspensão da venda para tutela [desse] direito à habitação”, o que deve ser analisado, concertadamente, com o estatuído nos arts. 704.°, n.° 4, e 733.°, n.º 5, e com idêntica solução prevista no art. 856.° do CPC, para a oposição à penhora na forma sumária de processo. Do mesmo passo, Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2020, p. 181, anotam: “Ainda que a oposição à penhora não tenha efeito suspensivo, se o incidente respeitar a imóvel que constitua habitação efetiva do executado, este poderá requerer que a venda do imóvel aguarde a decisão a proferir em 1.ª instância sobre a oposição, quando tal venda seja suscetível de lhe causar prejuízo grave e dificilmente reparável (n.º 4 do art. 733.º, n.º 5)”. O que, de resto, também é acolhido por Lebre de Freitas, Armindo Mendes e e Isabel Alexande, Código de Processo Civil Anotado, Volume 3.º, 3ª edição, p. 676: “Quando, em execução que não haja sido suspensa, seja penhorado o bem imóvel em que o executado tenha a sua habitação efetiva, o juiz, a requerimento deste, poderá determinar que a venda aguarde a decisão da oposição à penhora em 1.ª instância, se verificar que ela é suscetível de lhe causar prejuízo grave e dificilmente reparável (n.º 4)”. Ora, conforme se escreveu acertadamente na decisão recorrida “também nunca estariam reunidos os pressupostos para a aplicação do artigo 733.º, n.º 1, alínea c), dado que não foi impugnada a exigibilidade nem a liquidação da obrigação exequenda. Com efeito, no caso de oposição à penhora apenas se encontra prevista a possibilidade de suspensão da venda, nos termos do artigo 785.º, n.º 4, a qual foi já afastada acima” (sic). Nesta consonância, também esta 2.ª questão recursiva improcede. Em conformidade, é de manter decisão recorrida, condenando-se os apelantes nas custas do recurso ex vi arts. 527.º, 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, todos do CPC. * Sumário (art. 663.º, n.º 7, do CPC): (…).
Decisão: Em face do exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos executados e opoentes AA e BB, e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida. Custas do recurso pelos apelantes. Notifique. Coimbra, 11 de Novembro de 2025
Luís Miguel Caldas Emília Botelho Vaz Marco António de Aço e Borges.
[1] Juiz Desembargador relator: Luís Miguel Caldas /Juízes Desembargadores adjuntos: Dra. Emília Botelho Vaz e Dr. Marco António de Aço e Borges. [2] Processo de execução: Auto de penhora – refª 106063952; notificação ao executado para deduzir oposição à penhora – refª 106064281, datada de 19-01-2024. [3] Anota-se que a decisão recorrida deveria ter – sumariamente, pelo menos – enumerado a factualidade relevante. [4] Acessível, como os demais que se mencionarem neste Acórdão, em htttps://www.dsgis.pt. [5] É facto que, no âmbito das execuções fiscais, o n.º 2 do art. 244.º do Código de Processo e do Procedimento Tributário prevê um regime de protecção especial para a casa de morada de família, restringindo a venda executiva do imóvel que seja a habitação própria e permanente do executado, mas não obstando à possibilidade da penhora em si, ao dispor: “Não há lugar à realização da venda de imóvel destinado exclusivamente a habitação própria e permanente do devedor ou do seu agregado familiar, quando o mesmo esteja efetivamente afeto a esse fim”. |