Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2564/21.6T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO A TERMO RESOLUTIVO
MOTIVO JUSTIFICATIVO
ÓNUS DA PROVA
ABUSO DO DIREITO
NECESSIDADE TEMPORÁRIA
DESPEDIMENTO ILÍCITO
Data do Acordão: 10/14/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DO TRABALHO DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 140.º, N.ºS 2 E 4, E 147.º, N.º 1, AL.ª B), DO CÓDIGO DO TRABALHO
Sumário: I – O contrato de trabalho a termo reveste natureza excecional apenas sendo admitido para satisfazer necessidades temporárias do empregador.

II – Compete ao empregador provar que o motivo aposto no contrato justificativo da contratação a termo é verdadeiro.

III – Provando-se não ser verdadeiro que o trabalhador fosse trabalhador à procura de primeiro emprego, ou seja, não se verificando o motivo a que alude a al.ª b) do n.º 4 do art. 140.º do CT, não tendo o trabalhador agido com abuso de direito, o contrato de trabalho considera-se celebrado sem termo (n.º 1 do art. 147º do CT).

IV – A contratação a termo não visa, não tem como finalidade, a salvaguarda do risco de mercado ou de negócio inerente a qualquer atividade empresarial, mas sim acorrer a um aumento excecional e temporário da atividade, ou sector de atividade, que a empresa desenvolve no âmbito do seu escopo social.

V – Considera-se sem termo o contrato de trabalho em que o motivo justificativo da aposição do termo tenha por fim salvaguardar o referido risco, por tal não constituir uma necessidade temporária do empregador.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Integral:
Apelação 2564/21.6T8LRA.C1

Relator: Felizardo Paiva.

Adjuntos: Paula Roberto.

Azevedo Mendes


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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I - AA, residente na Rua ..., Lugar ..., ..., ..., instaurou em 01.07.2021, a presente acção declarativa, sob a forma comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “CTT – CORREIOS DE PORTUGAL, SA – Sociedade Aberta”, com sede na Av. ..., ..., pedindo a final, na respectiva procedência, a condenação da Ré:

a) «a reconhecer que “a estipulação de termo” no(s) contrato(s) de trabalho a termo certo celebrados entre Autora e Ré, “maxime”, o celebrado em 15 de Junho de 2020 teve “por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo” e que, tais contratos, também foram celebrados fora dos casos previstos no n.º 1 do art.º 140.º do Código do Trabalho e, no caso do contrato de trabalho a termo certo celebrado em 03 de Dezembro de 2018 fora do caso previsto na alínea b) do n.º 4 do citado art.º 140.º»;

b) «a reintegrar a Autora e a pagar-lhe as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento, em 15 de Junho de 2021, até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, nos termos dos art.ºs 381.º, alínea b), 389.º, n.º 1 e 390.º do Código do Trabalho» (sic erat scriptum).

Alegou resumidamente para o efeito, que celebrou vários contratos com a Ré, inicialmente sem termo (em 2012, que perdurou até Julho 2014) e depois a termo (em 2017), sendo que a estipulação desse termo e as suas sucessivas renovações são nulas, pelo que a cessação desses contratos corresponde ao seu despedimento ilícito, tendo direito a ser reintegrada na Ré e ao pagamento dos créditos laborais por si peticionados.


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Frustrada a conciliação em sede de audiência de partes, contestou a Ré, invocando prescrição pretendendo que a acção seja julgada improcedente, por não provada, e absolvida do pedido.

Alegou, para o efeito, e em suma, que se verifica a excepção de prescrição relativamente a todos os contratos celebrados antes de 15.06.2020, e que são válidos os motivos constantes do contrato a termo celebrado após essa data e das suas renovações, tendo o mesmo cessado validamente, por caducidade, pelo que não assiste qualquer razão à Autora, quer para peticionar a sua reintegração por via de um despedimento ilícito, quer por não ter direito ao pagamento das quantias peticionadas.


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A Autora respondeu à excepção de prescrição, concluindo que relativamente ao período de 03.04.2017 a 02.02.2020 “nada exige da Ré”, e que só trouxe à colação o contrato de 02.02.2012 para demonstrar que “a Autora já tinha trabalhado antes, ao serviço da Ré, mediante um contrato de trabalho sem termo”, e que também já não era “trabalhadora à procura do primeiro emprego”, pois já tinha trabalhado para a AS... entre 11/09/2015 e 31/03/2017.

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Foi elaborado despacho saneador, relegou-se para final a apreciação da excepção invocada e dispensou-se a fixação da base instrutória/enunciação dos temas da prova.

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II – Realizado o julgamento, veio, a final, a ser proferida sentença de cuja parte dispositiva consta o seguinte:

“Pelos fundamentos expostos, decide-se julgar totalmente improcedente, por não provada, a presente acção e, em consequência, absolver a Ré “CTT – CORREIOS DE PORTUGAL, S.A., Sociedade Aberta” dos pedidos formulados pela Autora AA”.


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III – Inconformada veio a autora apelar, alegando e concluindo:

1º A estipulação de termo em todos os contratos de trabalho a termo certo celebrados entre Autora e Ré, “maxime”, o celebrado em 15 de Junho de 2020, teve “por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo”

2º Todos esses contratos foram celebrados fora dos casos previstos no n.º 1 do art.º 140.º do Código do Trabalho.

3º E, no caso do contrato de trabalho a termo certo firmado em 03 de Dezembro de 2018, também foi o mesmo celebrado fora do caso previsto na alínea b) do n.º 4 do citado art.º 140.º.

4º As “justificações” que a Ré indica como “motivo justificativo” da contratação a termo no contrato firmado em 15/06/2020 e suas “Adendas”, conforme o “supra” alegado no n.º 79, a saber:

“atual tendência instável de queda de tráfego postal.”

“indeterminável fixação do sentido da sua evolução.”

“incerteza quanto à manutenção pelos CTT da concessão do serviço postal universal.”

“imprevisibilidade decisória sobre a determinação dos postos de trabalho permanentes...........”.

“a genérica evolução negativa..............”.

“factores exógenos à CTT...........”.

“cenário que indica.............uma diminuição do volume de correio.............”.

“incerteza relativamente à evolução do tráfego................”.

“a sustentabilidade económica do negócio........................”.

“não se viabiliza..........garantir-se que os CTT continuarão a ser o prestador designado.....................”.

“incerta e desaconselhável a contratação a título permanente..................”.

“o desconhecimento dos termos e as inúmeras alternativas......................”.

“incerteza sobre a necessidade de preenchimento de postos de trabalho, em quantidade, qualidade e duração...................”

Nada tem a ver com “satisfação de necessidade temporária da empresa” nem obedece a qualquer “período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade” que, de uma forma genérica, se estatui no n.º 1 do art.º 140.º do Código do Trabalho.

5º Nem, “nomeadamente”, se integram em qualquer das alíneas do n.º 2 do citado art.º 140.º, nem no seu n.º 4.

6º Nem a indicação do “pretenso motivo justificativo do termo”, quer no contrato de trabalho celebrado em 15-06-2020, quer nas 2 respectivas “Adendas” da sua prorrogação, sempre com o “fundamento genérico” nas “incertezas do mercado e do negócio” e em “cenários”, é feita “com menção expressa (concreta e precisa) dos factos que o integram”.

7º Não permitindo, de forma concreta e precisa, estabelecer a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado e suas prorrogações até 15 de Junho de 2021 (cfr n.º 3 do art.º 141.º do Código do Trabalho).

8º. Todas essas variáveis, que a Ré traz à colação para tentar dar uma aparência de “justificação” à contratação a termo da Autora, são inerentes ao exercício de qualquer “empresa” ou “negócio” e não podem, do ponto de vista legal (que não do ponto de vista empresarial ou “do lucro”), “servir” de “motivo justificativo” para a contratação a termo de qualquer trabalhador...

9º. Os factores elencados no n.º 79º “supra”, têm a ver com as “incertezas” inerentes ao exercício de qualquer actividade económica por parte de qualquer empresa ou “negócio” ...

10º A contratação a termo certo, do ponto de vista legal, não tem como “fundamento”, como “motivo justificativo”, acautelar os “riscos”, as “incertezas”, as “tendências” inerentes ao exercício de qualquer “empresa” ou “negócio”, nem ajustar-se às “perspectivas”, aos “cenários” que a entidade patronal possa prever ou ficcionar sobre o “futuro” da “empresa” ou do “negócio” (pois a “empresa” sempre dispõe do recurso ao “despedimento colectivo” e/ou à “extinção” do(s) postos(s) de trabalho” por “motivos de mercado, estruturais ou tecnológicos”, conforme o previsto nos art.ºs 359.º e 367.º do CPT)...

11º A contratação a termo certo tem como fundamento, como motivo justificativo, a satisfação de necessidade temporária da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessa necessidade.

12º Consequentemente, a decisão da Ré de fazer cessar o vínculo laboral com a Autora a partir de 15 de Junho de 2021, é ilícita e consubstancia um despedimento ilícito, nos termos aplicáveis dos art.ºs 381.º, alínea b) e suas consequências e efeitos previstos no art.º 389.º, n.º 1 e art.º 390.º, todos do Código do Trabalho.

13º Consideram-se violadas as citadas normas dos art.ºs 140.º, 141.º e 147.º do CPT.

14º As quais deveriam ter sido interpretadas e aplicadas no sentido de se considerar sem termo o contrato de trabalho entre a Autora e a Ré.

Termos em que deve a presente apelação ser julgada provida e a Ré condenada a reintegrar a Autora e a pagar-lhe as retribuições que deixar de auferir desde o despedimento, em 15 de Junho de 2021, até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a ilicitude do despedimento, nos termos dos art.ºs 381.º, alínea b), 389.º, n.º 1 e 390.º do Código do Trabalho.


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Contra alegou a ré concluindo em síntese:

Uma vez mais se reafirma que a cessação do contrato de trabalho da Recorrente foi promovida ao abrigo de uma denúncia a qual implicou a caducidade do contrato de trabalho a termo certo.

Assim, nenhuma razão assiste à Recorrente ao vir agora peticionar a sua reintegração com base num alegado despedimento ilícito.

Configurando-se a cessação do contrato de trabalho operada por via da caducidade, resultante da denúncia do contrato de trabalho a termo certo promovida e comunicada pela Recorrida.

Em consequência não há, assim, lugar ao pagamento de qualquer quantia quer a título de prestações vencidas, quer a título de retribuições vincendas até trânsito em julgado da decisão.

Bem como não há lugar à reintegração da Recorrente na Recorrida.

Pelo supra exposto, deverá a decisão recorrida ser mantida.

Nestes termos, nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser considerado improcedente.


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O Exmº PGA emitiu fundamentado parecer no sentido da confirmação do julgado.

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IV – Da 1ª instância vem dada como provada a seguinte factualidade:

1) No dia 01/02/2012 a Autora foi contratada verbalmente e sem estipulação de termo pela sociedade “TFM..., Lda., com sede em ..., para desempenhar as funções de “Carteira (CRT)” nos CDP (Centros de Distribuição Postal) de ..., ... e ...;

2) No exercício daquelas funções, a Autora procedia à selecção, separação e distribuição “porta a porta” da correspondência, quer sob as ordens da referida sociedade, quer do chefe do CDP onde se encontrava, ambos rodando a Autora pelos mencionados CDP’s, de acordo com a conveniência do serviço a efectuar;

3) Para proceder à distribuição da correspondência, a Autora deslocava-se numa carrinha com o logotipo “Viatura ao serviço dos CTT” ou numa scooter, com uma mala fixada atrás do condutor (para transporte da correspondência) com o logotipo dos CTT;

4) Quer a referida viatura, quer a scooter, eram guardadas pela Autora, no final do seu serviço diário, no parque de estacionamento anexo ao edifício dos CTT ...;

5) A Autora exerceu aquelas funções desde Fevereiro 2012 até finais de Julho de 2014, sendo a referida “TFM..., Lda.” quem processava os seus salários, enviando mensalmente para a Segurança Social os descontos na remuneração mensal que auferia até finais de Fevereiro de 2014 (doc. fls. 12 a 16);

6) A partir de 01 de Março 2014, e até finais de Julho 2014, o processamento do salário da Autora e os respectivos descontos para a Segurança Social passou a ser efetuado pela sociedade “CD..., Lda.”, pertencente aos antigos sócios da “TFM..., Lda.” (doc. fls. 12 a 16);

7) A partir de finais de Julho 2014 a Autora deixou de exercer as funções descritas em 1 e 2;

8) Em 28/09/2015, a Autora e a “AS...”, com sede em ..., ..., celebraram o denominado “Contrato de estágio”, ao abrigo das Medidas Estágio Emprego do IEFP, nos termos do qual a segunda se comprometeu a proporcionar à primeira “um estágio em contexto de trabalho” na área de ajudante de cozinha, com a duração de 9 meses, até 10/06/2016 (doc. fls. 17-18);

9) Em 21/06/2016, a Autora foi admitida ao serviço da AS..., mediante a celebração por escrito do denominado “contrato de trabalho sem termo”, junto a fls. 19-20, para sob as suas ordens e direcção desempenhar as funções inerentes à categoria de ajudante familiar, mediante a remuneração de 530,00 € mensais, nas instalações da segunda, sitas em ...;

10) A Autora exerceu as funções referidas em 9) até 31/03/2017;

11) Em 03/04/2017, através do denominado “Contrato de trabalho a termo certo” titulado pelo doc. fls. 21-22, a Autora foi admitida ao serviço da Ré “CTT Correios de Portugal, SA, Sociedade Aberta” para desempenhar as “funções correspondentes à categoria profissional de CRT, e o grau de qualificação II no CDP 3240 ..., sito na Rua ..., ... ...”, mediante a retribuição mensal de 480,73 €;

12) Consta da cláusula 4ª, nº 1, do mencionado contrato que era “celebrado ao abrigo do nº 1 e alínea a) do nº 2 do art. 140º do Código do Trabalho pelo prazo de 235 dias, com início em 03-04-2017 e término em 23- 11-2017, prazo que se prevê necessário à satisfação das necessidades temporárias de serviço por motivo de substituição dos trabalhadores na situação de férias” aí identificados no quadro inserido com as menções ao “Nome do trabalhador a substituir”, nº empregado/ local de trabalho e respectivo período de férias”;

13) Na mesma cláusula, sob o nº 2, consta que “O período de 02-05- 2017 a 03-05-2017, o período de 01-06-2017 a 02-06-2017, o período de 27- 07-2017 a 01-08-2017, o período de 28-08-2017 a 29-08-2017 e o período de 20-11-2017 a 23-11-2017, correspondem ao gozo do período de férias a que o segundo outorgante (Autora) tem direito em virtude do presente contrato”;

14) Na cláusula 5ª do mesmo contrato ficou estabelecido que “As partes manifestam a intenção de não renovar o presente contrato, nos termos do nº 1 do art. 149º do Código do Trabalho, considerando-se, desde já, realizado o pré-aviso exigido no art. 344º do mesmo diploma”;

15) Por carta datada de 03/10/2017, expedida no dia seguinte, a Ré comunicou à Autora que o contrato referido em 11 não seria renovado (doc. fls. 22 verso);

16) Em 02/04/2018, através do denominado “Contrato de trabalho a termo certo” titulado pelo doc. fls. 24-25, a Autora foi admitida ao serviço da Ré “CTT Correios de Portugal, SA, Sociedade Aberta” para desempenhar as “funções correspondentes à categoria profissional de carteiro CRT com o grau de qualificação II no CDP 3240 ..., sito na Rua ... ...”, mediante a retribuição mensal de 538,44 €;

17) Consta da cláusula 4ª, nº 1, do mencionado contrato que era “celebrado ao abrigo do nº 1 e alínea a) do nº 2 do art. 140º e dos artigos 150º a 156º do Código do Trabalho pelo prazo de 243 dias, com início em 02-04- 2018 e término em 30-11-2018, prazo que se prevê necessário à satisfação das necessidades temporárias de serviço por motivo de substituição dos trabalhadores na situação de férias” aí identificados no quadro inserido com as menções ao “Nome do trabalhador a substituir”, nº empregado/ local de trabalho e respectivo período de férias”;

18) Na mesma cláusula, sob o nº 2, consta que “Os períodos de 30-07- 2018 a 03-08-2018, 01-10-2018 a 08-10-2018 e 26-11-2018 a 30-11-2018 correspondem ao gozo do período de férias a que a Trabalhadora tem direito em virtude do presente contrato”;

19) Na cláusula 5ª do mesmo contrato ficou estabelecido que “As partes manifestam a intenção de não renovar o presente contrato, nos termos do nº 1do art. 149º do Código do Trabalho, considerando-se, desde já, realizado o pré-aviso exigido no art. 344º do mesmo diploma”;

20) Por carta datada de 01/10/2018, expedida nesse dia, a Ré comunicou à Autora que o contrato referido em 16 não seria renovado (doc. fls. 25 verso);

21) Em 03/12/2018, através do denominado “Contrato de trabalho a termo certo” titulado pelo doc. fls. 26, a Autora foi admitida ao serviço da Ré “CTT Correios de Portugal, SA, Sociedade Aberta” para desempenhar as “funções correspondentes à categoria profissional de CRT, e o grau de qualificação II no CDP ... ..., sito na Rua ... ...”, mediante a retribuição mensal de 612,00 €;

22) Consta da cláusula 4ª do mencionado contrato que era “celebrado ao abrigo da alínea b) do nº 4 do art. 140º do Código do Trabalho, pelo prazo de 6 meses, com início em 03/12/2018 e término em 02/06/2019 por motivo de contratação de trabalhadora à procura de primeiro emprego, estando a Trabalhadora disponível para contratação a termo com este fundamento, por um período que se estima em 6 meses”, ficando a constar na cláusula 5ª que “Para efeitos da cláusula anterior, a Trabalhadora declara por sua honra nunca ter celebrado qualquer contrato de trabalho por tempo indeterminado, encontrando-se inscrito no Centro de Emprego como trabalhador à procura do primeiro emprego, conforme documento em anexo”;

23) Na cláusula 5ª do mesmo contrato ficou estabelecido que “As partes manifestam a intenção de não renovar o presente contrato, nos termos do nº 1do art. 149º do Código do Trabalho, considerando-se, desde já, realizado o pré-aviso exigido no art. 344º do mesmo diploma”;

24) Em 06/05/2019 a Ré comunicou à Autora, por escrito, que o contrato referido em 21) não seria renovado;

25) Em 31/05/2019, através da denominada “Adenda Contratual”, titulada pelo doc. fls. 27, Autora e Ré acordaram “em renovar o contrato iniciado em 03/12/2018, por um período de 6 meses com início em 03/06/2019, e término em 02/12/2019, uma vez que se continuam a verificar os requisitos materiais que justificaram a sua celebração ao abrigo da alínea b) do nº 4 do art. 140º do Código do Trabalho” (cláusula 1ª), comprometendo-se a primeira “a prestar à CTT a sua actividade profissional, sob a autoridade e direcção desta, desempenhando as funções correspondentes à categoria profissional de CRT, e o grau de qualificação II no CDP ... ..., sito na Rua ... ...” (cláusula 3ª), considerando ambas sem efeito o pré aviso de caducidade enviado pela CTT à trabalhadora em 06/05/2019 (cláusula 6ª);

26) Na referida Adenda, na sua cláusula 2ª, ficou a constar que “A Trabalhadora declara por sua honra que continua a ser considerada Trabalhadora à Procura do Primeiro Emprego, em virtude de nunca ter celebrado anteriormente qualquer contrato de trabalho por tempo indeterminado, conforme declaração do Centro de Emprego comprovativa da sua inscrição como tal, entregue à data da celebração do presente contrato, mantendo-se disponível para continuar o mesmo com este fundamento, um período que se estima em 6 meses. Mantém-se o enquadramento na alínea b) do nº 4 do art. 140º do Código do Trabalho”;

27) E na cláusula sétima do mencionado contrato ficou estabelecido que “As partes manifestam a intenção de não renovar o presente contrato, nos termos do nº 1do art. 149º do Código do Trabalho, considerando-se, desde já, realizado o pré-aviso exigido no art. 344º do mesmo diploma”;

28) Por carta datada de 06/11/2019, expedida nesse dia, a Ré comunicou à Autora que o contrato a termo certo celebrado em 03-12-2018, e com término em 02-12-2019, não seria renovado – doc. fls. 28;

29) Em 02/12/2019, através da denominada “Adenda Contratual”, titulada pelo doc. fls. 28 verso-29, Autora e Ré acordaram “em renovar o contrato iniciado em 03/12/2018, por um período de 6 meses, com início em 03/12/2019, e término em 02/06/2020, uma vez que se continuam a verificar os requisitos materiais que justificaram a sua celebração ao abrigo da alínea b) do nº 4 do art. 140º do Código do Trabalho” (cláusula 1ª), comprometendo-se a primeira “a prestar à CTT a sua actividade profissional, sob a autoridade e direcção desta, desempenhando as funções correspondentes à categoria profissional de CRT, e o grau de qualificação II no CDP ... ..., sito na Rua ... ...” (cláusula 3ª), considerando ambas sem efeito o pré aviso de caducidade enviado pela CTT à trabalhadora em 06/11/2019 (cláusula 6ª);

30) Na referida Adenda, na sua cláusula 2ª, ficou a constar que “A Trabalhadora declara por sua honra que continua a ser considerada Trabalhadora à Procura do Primeiro Emprego, em virtude de nunca ter celebrado anteriormente qualquer contrato de trabalho por tempo indeterminado, conforme declaração do Centro de Emprego comprovativa da sua inscrição como tal, entregue à data da celebração do presente contrato, mantendo-se disponível para continuar o mesmo com este fundamento, por um período que se estima em 6 meses. Mantém-se o enquadramento na alínea b) do nº 4 do art. 140º do Código do Trabalho”;

31) Por carta datada de 04/05/2020, a Ré comunicou à Autora que o contrato a termo certo celebrado em 03-12-2018, e com término em 02-06- 2020, não seria renovado – doc. fls. 29 verso;

32) Em 15/06/2020, através do denominado “Contrato de trabalho a termo certo” titulado pelo doc. fls. 30-31, a Autora foi admitida ao serviço da Ré “CTT Correios de Portugal, SA, Sociedade Aberta” para desempenhar, sob a autoridade e direcção da segunda, as “funções correspondentes à categoria profissional de Carteiro e o grau de qualificação II no CDP 3100 Pombal, sito na Zona Industrial ... – Rua ... ...”, mediante a retribuição mensal de 635,00 €;

33) Consta da cláusula 4ª, nº 1, do mencionado contrato que era “celebrado ao abrigo do art. 140º nº 1 do Código do Trabalho, pelo prazo de 6 meses, com início em 15-06-2020 e término em 14-12-2020, período que se estima como necessário e, por ora, adequado, à satisfação das necessidades temporárias da empresa identificadas na presente data”;

34) Na mesma cláusula 4ª, sob o nº 2, ficou a constar que: « 2. Estas necessidades temporárias resultam da actual tendência instável de queda de tráfego postal e da indeterminável fixação do sentido da sua evolução, a que acresce a incerteza quanto à manutenção pelos CTT da concessão do serviço postal universal – que, em conjunto, provocam a imprevisibilidade decisória sobre a determinação dos postos de trabalho permanentes durante um período qualificado objectivamente como de transição: de um mínimo estimado de 2 anos (de finais de 2019 até finais de 2021), considerando a actual tendência de queda de tráfego postal e a sua estabilização; e de um mínimo estimado desde a presente data até Abril de 2021, atento o termo do contrato de concessão de serviço universal postal (Dezembro de 2020)»;

35) E no nº 3 da mesma cláusula 4ª consta que: « 3. No que concerne à queda de tráfego postal, a genérica evolução negativa pode ser consultada nos dados oficiais em acesso livre disponibilizados pela ANACOM (nomeadamente, os relativos ao primeiro semestre de 2019, que atestam “uma redução de 9,1% do tráfego total e de 1,5% das receitas”), resulta de factores exógenos à CTT, e representa, no universo CTT, um cenário que indica, na margem de referência entre 2014 e 2028, uma diminuição do volume de correio de -4% a -8% por ano até 2028, atingindo nesse ano apenas 45% a 65% dos volumes de correio atuais, e, em 2019, os valores mais elevados de uma queda de tráfego na ordem dos 10%. 3.1. Constituindo a actividade postal um sector onde os recursos humanos assumem um peso fundamental na estrutura de custos, a incerteza relativamente à evolução do tráfego determina que a utilização rentável do potencial de trabalho possa adaptar-se ao fluxo das variações das necessidades, sob o risco de ineficiências operacionais e de aumentos de custos que afectam a sustentabilidade económico-financeira do negócio, acessibilidade dos serviços, e o cumprimento pontual do contrato de concessão do serviço universal»;

36) Nos nºs 4 e 5 da mencionada cláusula 4ª ficou a constar que: « 4. No que respeita à incerteza da manutenção pelos CTT da concessão do serviço postal universal, de acordo com o contrato em execução, salientase que os CTT são o prestador designado do Serviço Universal até Dezembro de 2020, mas releva-se que não se viabiliza a possibilidade de, para além desta data, garantir-se que os CTT continuarão a ser o prestador designado e, se o for, em que termos e condições e para que serviços. 4.1. Neste quadro, afigura-se incerta e desaconselhável a contratação a título permanente, para todas as áreas de negócio, de recursos humanos que, num espaço de cerca de 2 anos, podem vir a ser considerados desnecessários ou inadequados à nova realidade da organização e do negócio. 4.2. Mesmo se os CTT mantiverem a concessão do serviço postal universal, o desconhecimento dos termos e as inúmeras alternativas da sua contratação, em quantidade e qualidade, implicará sempre, após 2020, um período de adaptação e reestruturação da organização dos CTT que prolongará a incerteza de postos de trabalho permanentes durante, pelo menos, um período que por ora se estima em quatro meses (portanto, até Abril de 2021). 5. Neste momento, considera-se que esta situação precária – de incerteza sobre a necessidade de preenchimento de postos de trabalho, em quantidade, qualidade e duração -, em termos conjuntos, justifica a necessidade de contratação temporária»;

 37) Na cláusula quinta do mencionado contrato ficou estabelecido que “As partes manifestam a intenção de não renovar o presente contrato, nos termos do nº 1 do art. 149º do Código do Trabalho, considerando-se, desde já, realizado o pré-aviso exigido no art. 344º do mesmo diploma”;

38) Por carta datada de 29/10/2020, expedida nesse dia, a Ré comunicou à Autora que o contrato a termo certo celebrado em 15-06-2020, e com término em 14-12-2020, não seria renovado – doc. fls. 33;

39) Em .../.../2020, através da denominada “Adenda ao Contrato de Trabalho a Termo Certo”, titulada pelo doc. fls. 33 verso-34, Autora e Ré consideraram “sem efeito o pré-aviso de caducidade enviado pela CTT à Trabalhadora em 29-10-2020 (cláusula 5ª) e acordaram “em prorrogar o contrato celebrado em 15-06-2020, por um período de 122 dias, com início em 15-12-2020 e término em 15-04-2021, porque continuam a verificar-se os requisitos materiais que justificaram a sua celebração relativos à satisfação de necessidades temporárias da empresa nos termos do art. 140º, nº 1 do Código do Trabalho, designadamente as resultantes da incerteza quanto à possibilidade e às condições da manutenção pela CTT do contrato de concessão do serviço postal universal, para além de 01-01-2021, e da consequente impossibilidade de determinação, neste momento, de quantos e de quais os postos de trabalho que se irão manter após o período de incerteza, estimado decorrer até, pelo menos, 30-09-2021 (cláusula 1ª, nº 1);

40) Na mesma cláusula 1ª, sob os nºs 2 a 7, ficou a constar que: «2. Até 31-12-2020, a CTT é, em território nacional, a prestadora do serviço postal universal, ao abrigo do nº 1 do art. 57º da Lei Postal, mas não existe qualquer garantia que a CTT continuará a ser a prestadora designada a partir de 2021. 3. A consulta pública sobre diversos aspectos essenciais do regime regulatório do serviço postal universal, promovida pela Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM), em particular nas matérias relativas a qualidade e regulamento relativo à distribuição domiciliária, encontra-se pendente de decisão por parte daquela entidade. Considerando o habitual desenvolvimento deste tipo de processo, não se prevê que as decisões finais sobre este assunto sejam decididas antes de 2021. 4. Por outro lado, não se conhece, ainda, o calendário relativo ao processo administrativo de designação do prestador do serviço universal, procedimento que deverá ser iniciado pelo Governo e do qual a CTT, presentemente, não tem informação, concluindo-se que será difícil que o referido processo de designação ocorra antes do primeiro semestre de 2021; 5. As circunstâncias descritas nos números anteriores impõem a necessidade de antecipar a possível transformação da CTT, quer na eventualidade de não ser designada como a prestadora do serviço postal universal a partir de 2021, quer porque os termos e condições que regularão o novo contrato, e ainda não conhecidos, terão necessariamente impacto na organização e no seu negócio, nomeadamente, em termos de RH. 6. Estima-se, assim, que haverá um enorme impacto muito significativo na área de Recursos Humanos da CTT, com fortes implicações na área de recrutamento e, sobretudo, no número, na forma e nas modalidades de contratação, mas ainda impossível de concretizar nesta fase e perante tantas variáveis. 7. O impacto de qualquer das realidades referidas nos números anteriores prolongará a incerteza do número e do tipo de postos de trabalho permanentes durante um período estimado de quatro meses para além do prazo de vigência do actual contrato de concessão do serviço postal universal (portanto, pelo menos, até 30-09-2021)»;

41) Pela cláusula segunda da referida “Adenda”, a Autora comprometeu-se a prestar à Ré a sua actividade profissional, sob a autoridade e direcção desta, desempenhando as funções correspondentes à categoria profissional de Carteiro (CRT), no CDP 3100 Pombal, sito na Zona Industrial ... – Rua ... ...”;

42) Na cláusula sexta do mencionado contrato ficou estabelecido que “As partes manifestam a intenção de não renovar o presente contrato, nos termos do nº 1 do art. 149º do Código do Trabalho, considerando-se, desde já, realizado o pré-aviso exigido no art. 344º do mesmo diploma”;

43) Em 15/04/2021, através da denominada “Adenda ao Contrato de Trabalho a Termo Certo”, titulada pelo doc. fls. 34 verso-35, Autora e Ré consideraram “sem efeito a cláusula 6ª da adenda iniciada em 15-12-2020 (cláusula 5ª) e acordaram “em prorrogar o contrato celebrado em 15-06-2020, por um período de 61 dias, com início em 16-04-2021 e término em 15-06- 2021, porque continuam a verificar-se os requisitos materiais que justificaram a sua celebração, relativos à satisfação de necessidades temporárias da empresa nos termos do artigo 140º, nº 1 do Código do Trabalho, designadamente as resultantes da incerteza quanto à possibilidade e às condições da manutenção pela CTT do contrato de concessão do serviço postal universal, para além de 31-12-2021, e da consequente impossibilidade de determinação, neste momento de quantos e quais os postos de trabalho que se irão manter após o período de incerteza, estimado decorrer até, pelo menos, 31-12-2021» (cláusula 1ª , nº 1);

44) Na mesma cláusula 1ª, sob os nºs 2 a 7, ficou a constar que: «2. Até 31-12-2021, a CTT é, em território nacional, a prestadora do serviço postal universal, ao abrigo do nº 1 do art. 57º da Lei Postal, mas não existe qualquer garantia que a CTT continuará a ser a prestadora designada a partir de 31-12-2021. 3. A consulta pública sobre diversos aspectos essenciais do regime regulatório do serviço postal universal, promovida pela Autoridade Nacional de Comunicações (ANACOM), em particular nas matérias relativas a qualidade e regulamento relativo à distribuição domiciliária, encontra-se pendente de decisão por parte daquela entidade. Considerando o habitual desenvolvimento deste tipo de processo, não se prevê que as decisões finais sobre este assunto sejam decididas muito antes de 31-12-2021. 4. Por outro lado, não se conhece, ainda, o calendário relativo ao processo administrativo de designação do prestador do serviço universal, procedimento que deverá ser iniciado pelo Governo e do qual a CTT, presentemente, não tem informação, concluindo-se que será difícil que o referido processo de designação ocorra antes do segundo semestre de 2021; 5. As circunstâncias descritas nos números anteriores impõem a necessidade de antecipar a possível transformação da CTT, quer na eventualidade de não ser designada como a prestadora do serviço postal universal a partir de 31-12-2021, quer porque os termos e condições que regularão o novo contrato, e ainda não conhecidos, terão necessariamente impacto na organização e no seu negócio, nomeadamente, em termos de RH. 6. Estima-se, assim, que haverá um enorme impacto muito significativo na área de Recursos Humanos da CTT, com fortes implicações na área de recrutamento e, sobretudo, no número, na forma e nas modalidades de contratação, mas ainda impossível de concretizar nesta fase e perante tantas variáveis. 7. O impacto de qualquer das realidades referidas nos números anteriores prolongará a incerteza do número e do tipo de postos de trabalho permanentes, pelo menos até à prorrogada vigência do actual contrato de concessão do serviço postal universal (portanto, pelo menos, até 31-12- 2021)»;

45) Pela cláusula segunda da referida “Adenda”, “a Autora comprometeu-se a prestar à Ré a sua actividade profissional, sob a autoridade e direcção desta, desempenhando as funções correspondentes à categoria profissional de Carteiro (CRT), no CDP 3100 Pombal, sito na Zona Industrial ... – Rua ... ...”;

46) Na cláusula sexta do mencionado contrato ficou estabelecido que “As partes manifestam a intenção de não renovar o presente contrato, nos termos do nº 1 do art. 149º do Código do Trabalho, considerando-se, desde já, realizado o pré-aviso exigido no art. 344º do mesmo diploma”;

47) Na cláusula 7ª da mesma “Adenda” ficou estabelecido que “O contrato caduca no final do prazo estipulado, conforme estabelecido na cláusula 6º da presente adenda, mantendo-se vigente o restante clausulado do contrato ora prorrogado”;

48) Em 2021, a Autora auferia o salário base de 665,00 €, acrescido dos complementos e subsídios constantes no recibo junto a fls. 35 verso dos autos;

49) O volume de tráfego diário da Ré, no CDP de ..., desde Junho 2019 até Maio 2020, foi de: - Junho 2019: 15.396; - Julho 2019: 20.071; - agosto 2019: 13.078; - Setembro 2019: 12.712; - Outubro 2019: 13.541; - Novembro 2019: 14.543; - Dezembro 2019: 13.752; - Janeiro 2020: 14.999; - Fevereiro 2020: 15.743; - Março 2020: 13.160; - Abril 2020: 12.105; - Maio 2020: 12.849 (doc. fls. 83);

50) O volume de tráfego diário da Ré, no CDP de ..., desde Junho 2020 até Junho 2021, foi de: - Junho 2020: 13.188; Julho 2020: 12.118; - agosto 2020: 11.616; - Setembro 2020: 10.211; - Outubro 2020: 12.320; - Novembro 2020: 12.147; - Dezembro 2020: 12.024; - Janeiro 2021: 14.516; - Fevereiro 2021: 19.807; - Março 2021: 16.570; - Abril 2021: 17.638; - Maio 2021: 17.936; - Junho 2021: 16.030 (doc. fls. 83);

51) Aquando da celebração do contrato referido em 32, e suas posteriores adendas, a Ré não sabia nem podia estimar a evolução do tráfego postal no CDP de ... nem se continuaria a ser concessionária do SPU, que era o seu maior cliente - e quais as condições da prestação desse serviço;

52) A presente acção foi instaurada em 01/07/2021.

Factos não provados:

Nada mais se provou para além ou em contradição com o supra referido, designadamente, e com interesse para a decisão a proferir, que:


- A Autora foi contratada pela Ré em Fevereiro de 2012 mediante a celebração de um contrato de trabalho sem termo, para exercer, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, as funções correspondentes à categoria profissional de carteira, o qual perdurou de 01/02/2012 a 31/07/2014. ***

V - Conforme decorre das conclusões da alegação da recorrente que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, a questão a decidir consiste em saber se a autora se deve considerar como vinculada através de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, traduzindo-se a cessação da relação contratual num despedimento ilícito.

Antes de entrar propriamente na análise da enunciada questão importa delimitar com mais precisão o âmbito objectivo da apelação.

Na petição inicial a recorrente pede que a ré seja condenada “a reconhecer que “a estipulação de termo” no(s) contrato(s) de trabalho a termo certo celebrados entre Autora e Ré, “maxime”, o celebrado em 15 de Junho de 2020 teve “por fim iludir as disposições que regulam o contrato sem termo” e que, tais contratos, também foram celebrados fora dos casos previstos no n.º 1 do art.º 140.º do Código do Trabalho e, no caso do contrato de trabalho a termo certo celebrado em 03 de Dezembro de 2018 fora do caso previsto na alínea b) do n.º 4 do citado art.º 140.º

Em causa estavam quatro contratos de trabalho celebrados a termo resolutivo.

Na sentença decidiu-se que os direitos emergentes dos contratos celebrados em 03.04.2017 e 02.04.2017 se encontravam prescritos.

Este segmento da sentença não foi impugnado pelo que na apelação apenas estão em causa e serão objecto de apreciação e decisão, os contratos a termo celebrados em 13.12.2018 -e respectivas adendas- que a autora diz ter sido celebrado iludindo as disposições que regulam o contrato sem termo, sendo ainda falso o motivo justificativo da aposição do termo (trabalhadora à procura do primeiro emprego)[1] e em 15.06.2020 - e respectivas adendas- que a autora diz ter sido celebrado iludindo as referidas disposições, não se enquadrando ainda a situação em qualquer das previstas nas alíneas do n.º 2 do art.º 140.º do CT, nem no seu n.º 4, para além das referências ao motivo justificativo serem insuficientes para que se estabeleça uma relação entre a justificação invocada e o termo estipulado.

Delimitado assim o objecto da apelação, cumpre decidir.

O contrato de trabalho a termo resolutivo é sempre excepcional, só podendo ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades, as quais deverão ser indicadas e fundamentadas no escrito contratual, considerando-se sem termo o contrato em que faltem ou sejam insuficientes[2] essas indicações.

O motivo justificativo tem que constar expressamente no contrato com a menção dos factos que o integram e da efemeridade da situação, e apenas estes podem ser atendidos para aferir da validade do termo e estabelecimento do nexo causal para a celebração daquele contrato por aquele concreto período de tempo.

A indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo constitui uma formalidade ad substantiam, pelo que a insuficiência de tal justificação não pode ser suprida por outros meios de prova, donde resulta que o contrato se considera celebrado sem termo, ainda que depois se venha a provar que na sua génese estava uma daquelas situações em que a lei admite a celebração de contratos de trabalho a termo.

Isto significa que só podem ser considerados como motivos justificativos da estipulação do termo os factos constantes na pertinente cláusula contratual.

Impende sobre a entidade patronal a prova dos factos integradores do motivo justificativo da celebração do contrato a termo e respectiva transitoriedade, incluindo a necessidade do concreto prazo acordado.

Por outro lado, a contratação a termo não visa, não tem como finalidade a salvaguarda do risco de mercado inerente a qualquer actividade empresarial, mas sim acorrer a um aumento excepcional e temporário da actividade, ou sector de actividade, que a empresa desenvolve no âmbito do seu escopo social.

Presentes estas noções comecemos por analisar o contrato de 03.12.2018.

Este contrato foi celebrado com o motivo justificativo “trabalhador à procura de primeiro emprego[3].

Veio a provar-se que a autora havia já celebrado em 01/02/2012 um contrato sem termo mais precisamente o contrato celebrado com a sociedade “TFM..., Lda., com sede em ..., para desempenhar as funções de “Carteira (CRT)” nos CDP (Centros de Distribuição Postal) de ..., ... e ... e que desempenhou estas funções até finais de Fevereiro de 2014, ou seja, durante mais de dois anos[4].

Relativamente a este contrato lê-se na sentença que “ … sem embargo do pedido formulado, a propósito do contrato firmado em 03/12/2018 (cessado em 02/06/2020) não pode deixar de referirse que, relativamente a tal contrato, a Autora, antes daquela data, não tinha trabalhado para a Ré ao abrigo de qualquer contrato sem termo (entre fev 2012 e Julho 2014 a Autora nunca estabeleceu qualquer contrato com a Ré); mas, naquela data, não era efectivamente trabalhadora à procura do primeiro emprego, pois que já tinha trabalhado para a AS... entre 21/06/2016 e 31/03/2017 como “ajudante familiar” mediante a celebração de um contrato sem termo. Todavia, compulsado o “Contrato de trabalho a termo certo” celebrado em 03/12/2018, temos que consta na sua cláusula 4ª que o mesmo era “celebrado ao abrigo da alínea b) do nº 4 do art. 140º do Código do Trabalho, pelo prazo de 6 meses, com início em 03/12/2018 e término em 02/06/2019 por motivo de contratação de trabalhadora à procura de primeiro emprego, estando a Trabalhadora disponível para contratação a termo com este fundamento, por um período que se estima em 6 meses”, tendo ficado também a constar na cláusula 5ª do mesmo contrato que “Para efeitos da cláusula anterior, a Trabalhadora declara por sua honra nunca ter celebrado qualquer contrato de trabalho por tempo indeterminado, encontrando-se inscrito no Centro de Emprego como trabalhador à procura do primeiro emprego, conforme documento em anexo”. A al. b) do nº 4 do art. 140º do CT, na redacção em vigor na data da celebração do contrato, dispunha que: “(…) pode ser celebrado contrato de trabalho a termo certo para: b) Contratação de trabalhador à procura de primeiro emprego, em situação de desemprego de longa duração ou noutra prevista em legislação especial de política de emprego”. Ora, tendo a Autora declarado, no mencionado contrato, “por sua honra, nunca ter celebrado qualquer contrato de trabalho por tempo indeterminado, encontrando-se inscrito no Centro de Emprego como trabalhador à procura do primeiro emprego, conforme documento em anexo”, vir exigir o que quer que fosse com base na invalidade ou inveracidade desse motivo, não podendo a Autora desconhecer tal declaração, tal configuraria um abuso de direito pela Autora, na modalidade de venire contra factum proprium, o que impediria sempre que fosse considerado o direito que invocou quanto à invalidade do termo.

(...)

A Autora celebrou com a Ré um contrato a termo, tendo declarado “nunca ter celebrado qualquer contrato de trabalho por tempo indeterminado, encontrando-se inscrito no Centro de Emprego como trabalhador à procura do primeiro emprego, conforme documento em anexo”, o que criou na Ré a expectativa, e confiança, que jamais tinha celebrado qualquer contrato por tempo indeterminado, e que nunca viria invocar contra si esse fundamento, pelo que, fazendo-o, tal configura um verdadeiro venire contra factum proprium”.

Ora, como se escreveu no Ac. do STJ de 12.11.2013 (Nuno Cameira), procº 1464/11.2T8GRD-A.C1.S1, in WWW.dgsi.pt/jstj “O abuso do direito, nas suas várias modalidades, pressupõe sempre que “o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito” (artigo 334.º do CC). E como já tivemos oportunidade de dizer em acórdão desta conferência de 11/6/07[5], a proibição do comportamento contraditório configura actualmente um instituto jurídico autonomizado, que se enquadra, justamente, na proibição do abuso do direito, nessa medida sendo de conhecimento oficioso. No entanto, não existe no direito civil um princípio geral de proibição do comportamento contraditório, ou, dito de outro modo,“uma regra geral de coerência do comportamento dos sujeitos jurídico-privados, juridicamente exigível[6]. Assim, o indivíduo é livre de mudar de opinião e de conduta fora dos casos em que assumiu compromissos negociais. Daí que, em princípio, o mecanismo disponibilizado pela ordem jurídica para possibilitar a formação da confiança na palavra dada e, consequentemente, na conduta futura dos contraentes seja só o negócio jurídico. Sabido, porém, que uma das funções essenciais do direito é a tutela das expectativas das pessoas, facilmente se intui que por si só o negócio jurídico, sob pena de cometimento de flagrantes injustiças em muitas situações concretas, não pode constituir o único modo de protecção das expectativas dos sujeitos na não contradição da conduta da contraparte; casos há em que, ainda antes do limiar da vinculação contratual, o agente deve ser obrigado a honrar as expectativas que criou, podendo exigir-se-lhe, então, que actue de forma correspondente à confiança que despertou; casos, isto é, em que não pode venire contra factum proprium. A delimitação de tais casos obrigou a doutrina e a jurisprudência a terem que precisar com o máximo de rigor possível os pressupostos da proibição desta modalidade do abuso, desde logo por se ter a noção de que este instituto, construído, todo ele, a partir da cláusula geral da boa fé, apenas deve funcionar em situações limite, como verdadeira válvula de segurança e de escape do sistema, e não como uma tal ou qual panaceia de que se lança mão sempre que a aplicação das regras de direito estrito pareça ser insuficiente para assegurar a solução justa do caso. Importa evitar a todo o custo, como escreveu o autor atrás citado,“a utilização da boa fé como um “nevoeiro” que serve para tudo[7].

Assim, há desde logo um primeiro e fundamental pressuposto a considerar: a existência de um comportamento anterior do agente (o factum proprium) que seja susceptível de fundar uma situação objectiva de confiança. Em segundo lugar exige-se que, quer a conduta anterior (factum proprium), quer a actual (em contradição com aquela) sejam imputáveis ao agente. Em terceiro lugar, que a pessoa atingida com o comportamento contraditório esteja de boa fé, vale por dizer, que tenha confiado na situação criada pelo acto anterior, ignorando sem culpa a eventual intenção contrária do agente. Em quarto lugar, que haja um “investimento de confiança”, traduzido no facto de o confiante ter desenvolvido uma actividade com base no factum proprium, de modo tal que a destruição dessa actividade pela conduta posterior, contraditória, do agente (o venire) traduzam uma injustiça clara, evidente.[8] Por último, exige-se que o referido “investimento de confiança” seja causado por uma confiança subjectiva objectivamente fundada; terá que existir, por conseguinte, causalidade entre, por um lado, a situação objectiva de confiança e a confiança da contraparte, e, por outro, entre esta e a “disposição” ou “investimento” levado a cabo que deu origem ao dano[9]. Os pressupostos enumerados não podem em caso algum ser aplicados automaticamente pois, como observa o autor que vimos a acompanhar, o venire contra factum proprium é, em última análise, “uma técnica....que não dispensa, e antes pressupõe, um controlo da adequação material da solução, com uma valoração global de todos os elementos à luz do ponto de vista da tutela da confiança legítima[10]; por isso, todos aqueles pressupostos “deverão ser globalmente ponderados, em concreto, para se averiguar se existe efectivamente uma “necessidade ético-jurídicade impedir a conduta contraditória, designadamente, por não se poder evitar ou remover de outra forma o prejuízo do confiante, e por a situação conflituar com as exigências de conduta de uma contraparte leal, correcta e honesta – com os ditames da boa fé em sentido objectivo”. Dentro desta mesma linha de pensamento, escreveu-se no acórdão do STJ de 12.2.09 (Revª 4069/08) que “no âmbito da fórmulamanifesto excessocabe a figura da conduta contraditória (venire contra factum proprium), que se inscreve no contexto da violação do princípio da confiança, que sucede quando o agente adopta uma conduta inconciliável com as expectativas adquiridas pela contraparte em função do modo como antes actuara”. Assim tem de ser, acrescentamos nós, justamente porque o princípio da confiança é um princípio ético fundamental de que a ordem jurídica em momento algum se alheia; ele está presente, desde logo, na norma do artº 334º do CC, que, ao falar nos limites impostos pela boa fé ao exercício dos direitos, pretende por essa via assegurar a protecção da confiança legítima que o comportamento contraditório do titular do direito possa ter gerado na contraparte”.

Presentes estas noções, não se pode olvidar que nos encontramos no domínio das relações laborais. Nestas relações como é normal e terá sido caso, os trabalhadores o que pretendem é assegurar a contratação e um posto de trabalho, fonte na esmagadora das vezes do seu único rendimento com qual tem de fazer face às despesas do dia a dia.

Por isso, declaram factos que não correspondem à realidade mas sem os quais a contratação não ocorreria, sendo que que, também as mais das vezes, são confrontados com contratos pré elaborados com cláusulas que não sabem interpretar.

Ora, no caso, está por demonstrar que a trabalhadora tenha tido um comportamento anterior do agente (o factum proprium) que fosse susceptível de fundar uma situação objectiva de confiança na ré, ou seja, que aquela nunca tivesse sido contratada através de CT sem termo.

Pelo contrário, anteriormente a autora tinha trabalhado para ré durante mais de dois anos como carteira.

Pese embora o CT iniciado 01.12.2012 não tenha sido celebrado com a ré, toda sua execução ocorreu nas instalações e com instrumentos de trabalho a esta pertencentes.

Na verdade, no exercício de funções a Autora procedia à selecção, separação e distribuição “porta a porta” da correspondência, quer sob as ordens da referida sociedade, quer do chefe do CDP onde se encontrava, ambos rodando a Autora pelos mencionados CDP’s, de acordo com a conveniência do serviço a efectuar. Para proceder à distribuição da correspondência, a Autora deslocava-se numa carrinha com o logotipo “Viatura ao serviço dos CTT” ou numa scooter, com uma mala fixada atrás do condutor (para transporte da correspondência) com o logotipo dos CTT e, quer a referida viatura, quer a scooter, eram guardadas pela Autora, no final do seu serviço diário, no parque de estacionamento anexo ao edifício dos CTT ... (factos 2, 3 e 4).

E a ré não podia ignorar todo este circunstancialismo.

Neste contexto, não se nos afigura que o comportamento da autora tivesse feito criar na esfera da ré uma confiança no sentido de criar a convicção de que a trabalhadora nunca tinha sido contratada sem termo, pelo que ao exercer o seu direito de ver o seu contrato considerado como de trabalho sem termo, não se pode ser visto, sem prejuízo do que a seguir se dirá, como tendo excedido manifestamente os limites impostos pela boa fé e, neste sentido, tenha agido com abuso de direito na modalidade “venire contra factum proprium”.

Acontece, porém, que no CT em causa (de 03.12.2018 e respectivas adendas de 31.05.19 e 06.11.2019) consta que a trabalhadora declarou por sua honra não só nunca ter celebrado qualquer contrato de trabalho por tempo indeterminado mas também que se encontra inscrita no Centro de Emprego como trabalhadora à procura do primeiro emprego, conforme documento em anexo. (cfr. factos 22, 26 e 30).

Ora, compulsados os autos, não descortinamos que se encontre junto o referido “documento em anexo[11]”.

No circunstancialismo descrito, não se nos figura que não seja, pelo menos parcialmente, imputável à ré ter contratado uma trabalhadora alegadamente à procura do primeiro emprego quando anteriormente a mesma já tinha sido contratada por CT sem termo em duas ocasiões (de 01/02/2012 até finais de Julho de 2014, desempenhando as funções de carteira para a ré e de 21/06/2016 a 31/03/2017, ao serviço da AS..., o que, neste caso, poderia saber através do pedido dos extractos de descontos para a Segurança Social)

Competia à ré provar a veracidade do motivo da contratação a termo[12] o que, em face do que ficou dito, não logrou demonstrar, sendo que a conduta da autora, no enquadramento que acima ficou referido, não pode ser qualificada como agindo com abuso de direito.

Em conclusão, diremos que o CT celebrado em 03.12.2018 (3º contrato) foi celebrado fora do caso a que alude a al. b) do nº 4 do artº 140º do CT pelo que deve ser considerado como celebrado sem termo (al. b do nº 1 do artº 147 do CT).

Ainda que assim não fosse, também relativamente ao último dos contratos (de 15.06.2020) entendemos, pelas razões que mais adiante se aduzirão, que o mesmo deve ser considerado como contrato de trabalho sem termo.

A sentença decidiu o contrário com a seguinte fundamentação: “a justificação do seu termo constava da cláusula 4ª, nº 1, do mencionado contrato, nela se referindo que era “celebrado ao abrigo do art. 140º nº 1 do Código do Trabalho, pelo prazo de 6 meses, com início em 15- 06-2020 e término em 14-12-2020, período que se estima como necessário e, por ora, adequado, à satisfação das necessidades temporárias da empresa” motivadas pela queda do tráfego postal e a da incerteza quanto à manutenção da concessão do serviço postal universal.

As adendas contratuais ao mencionado contrato foram justificadas com a manutenção daqueles mesmos pressupostos, designadamente quanto à incerteza quanto à manutenção da concessão do serviço postal universal.

Vejamos então se este contrato a termo certo está afectado de qualquer invalidade, ou se, pelo contrário, a Ré o fez cessar validamente, por caducidade, não emergindo desse contrato qualquer direito para a Autora.

O art. 140º, nº 1 do CT exige que o contrato de trabalho a termo só seja celebrado: (1) para a satisfação de necessidades temporárias; (2) objetivamente definidas pela entidade empregadora; e (3) apenas pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades. No caso em apreço, como expressamente vertido naquela cláusula 4ª (nºs 2 a 5), a necessidade da Ré é manifestamente temporária porque limitada à duração da estabilização da tendência do tráfego postal e/ou do processo da concessão do serviço postal e respectivo impacto na eventual reestruturação e adequação dos recursos humanos às necessidades da Empresa.

Efectivamente, e relativamente ao tráfego postal, ficou demonstrado que desde o período homólogo do ano anterior à contratação da Autora - desde Junho de 2019, no CDP de ... - até Julho 2021, se verifica uma oscilação grande do tráfego diário do CDP de ..., pelo que as necessidades da Ré são, de facto, temporárias.

De facto, assim que a Ré souber estimar a evolução do tráfego postal e quando e se continuará a ser a concessionária do SPU - e quais as condições da prestação desse serviço (que são requisitos de quantidade e qualidade, com reflexo óbvio no tipo de contratação e de trabalhadores/funções) - poderá elaborar o seu projecto de RH e definir as suas prioridades e necessidades.

Ora, como bem refere a Ré, se o tráfego postal continuar a descer, e se a Ré não fosse nomeada concessionária ou, sendo-o, não for viável para a mesma outorgar o respectivo contrato porque as novas condições são impossíveis de cumprir, todos os trabalhadores que entretanto tiver admitido terão de ser dispensados.

E todos os estes factos, como também refere a Ré, sendo exteriores, não são por ela manipuláveis: a evolução do tráfego é definida pelo sector e certificada pela ANACON, e o processo de concessão do SPU resulta da lei, ficando clara a veracidade do referido faseamento e sendo de conhecimento público e notório e acesso livre, todas as decisões que o Governo entenda tomar, e que constituem as condições da delimitação no tempo das necessidades de RH.

Na realidade, para a Ré, o SPU funciona como o maior cliente, o cliente fundamental, sem o qual o próprio negócio pode deixar de fazer sentido, pelo menos nos moldes atuais. Ora, se a Ré desconhecia, à data da celebração do contrato e suas adendas, se vai manter, ou não, esse cliente, a contratação a que procede não pode deixar de ser precária na lógica de um serviço precisamente definido e não duradouro. Trata-se, com efeito, de um serviço precisamente definido, determinado por um cliente essencial à viabilidade da empresa que outorga um contrato de curta duração. No início do contrato outorgado com a Autora, esta situação de precariedade foi reforçada pela instabilidade do fluxo do tráfego postal, que começou por cair de forma abrupta, inviabilizando uma leitura do gráfico dos valores do tráfego e a identificação de algum tipo de tendência, e dificultando qualquer estimativa sobre o futuro breve da evolução do negócio, o que, por sua vez, impossibilitou a previsão das opções sobre a quantidade e qualidade da contratação de novos recursos humanos. Por outro lado, essas necessidades temporárias foram objectivamente definidas pela Ré no texto do contrato, numa longa explicação em detalhe dos dados em acesso público que explicam todos os referidos condicionalismos: a queda do tráfego e a incerteza da concessão do serviço postal universal.

E a Ré, ao contrário do referido pela Autora, não recorre a fórmulas genéricas e que não existe circunstanciação dos factos, sobretudo quando são indicadas datas e quando a evolução da realidade é acompanhada de tal como que se reflecte sempre em cada momento da vigência contratual, plasmando-se nas respectivas adendas de prorrogação. Por último, a duração dos contratos, tal como plasmada nas respectivas cláusulas, foi definida de acordo com o conhecimento público sobre o referido processo de concessão do SPU, não ultrapassando o período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades, que, ao que se julga, se mantém na actualidade.

Em suma, não se considera que tenha havido qualquer invalidade na celebração do contrato a termo de 15/06/2020, e nas suas posteriores renovações, não se podendo considerar a Autora como sendo, neste momento, trabalhadora a tempo indeterminado da Ré ou como tendo sido ilicitamente despedida por esta, não tendo a Autora direito à sua reintegração ou ao pagamento das quantias que peticiona. O contrato a termo certo cessou ao abrigo de uma denúncia que implicou a sua caducidade, improcedendo in totum a presente acção”.

No caso dos autos, a recorrente justificou a aposição do termo no contrato com base na actual tendência instável de queda de tráfego postal e da indeterminável fixação do sentido da sua evolução e na incerteza quanto à manutenção pelos CTT da concessão do serviço postal universal (SPU) – que, em conjunto, provocam a imprevisibilidade decisória sobre a determinação dos postos de trabalho permanentes durante um período mínimo estimado de 2 anos.

Ou seja: as invocadas necessidades temporárias fundam-se num previsível decréscimo do serviço, derivado do próprio mercado postal, e também da hipotética não concessão do SPU, embora aquando da celebração do contrato referido e suas posteriores adendas, a Ré não soubesse ou pudesse estimar a evolução do tráfego postal no CDP de ... e se continuaria a ser concessionária do SPU.

Ora, este decréscimo só é susceptível de integrar uma necessidade temporária quando ocorrerem flutuações quantitativas de carácter anómalo, portanto não previsíveis, mas sempre de natureza temporária. O decréscimo da actividade tem, a nosso ver, de ser excepcional. Estão assim excluídas a simples diminuição da procura inerente a uma qualquer actividade comercial que nunca é garantida, nem certa, fazendo “o risco parte do negócio”.

Assim, as flutuações de volume de serviço inerentes ao negócio não constituem, por si só, justificativas de recurso a contratação a termo, por falta do requisito geral “necessidade transitória” - Ac. STJ de 14-03-2007, RG de 28-05-2015, pgs. 337/122.6TTVCT.G1, www.dgsi.

E também a concessão ou não concessão do SPU é uma questão que se enquadra no próprio risco de mercado não servindo para justificar a verificação de uma necessidade temporária.

A não ser assim a contratação a termo passaria a ser regra e não a excepção.

Daí que, não tendo a contratação a termo sido efectuada para fazer face a necessidades temporárias, também por esta razão, a vinculação contratual se deve considerar como sem termo, (al. b do nº 1 do artº 147 do CT), o que se decide.

Por isso a cessação contratual não podia ter sido operada ou promovida do modo como o foi, equivalendo esta cessação a um despedimento ilícito desde logo por este não ter sido precedido do obrigatório procedimento disciplinar.

A apelação deve, pois, proceder.


***

VI Termos em que se delibera julgar a apelação procedente em função do que se decide.

1) ter a autora estado vinculada à ré através de um contrato sem termo;

2) ter a autora sido despedida ilicitamente e, em consequência condenar a ré;

a) a reintegrar a autora ao seu serviço, sem prejuízo  da sua categoria e antiguidade;.

b) a pagar-lhe as retribuições que esta deixou de auferir desde a data do despedimento (15.06.21) até ao trânsito em julgado do presente acórdão.


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Custas a cargo da apelada.

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Sumário:

(…)


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Coimbra, 14 de Outubro de 2022

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(Joaquim José Felizardo Paiva)

(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)

(Luís Miguel Ferreira de Azevedo Mendes)




[1] Cfr. conclusões 1ª a 3ª.
[2] Cfr. artºs 141º nº 3 e 147ºnº 1 al. c) do CT.
[3] Conceito que abrange trabalhadores que nunca celebraram qualquer contrato de trabalho por tempo indeterminado.
[4] Cfr factos 1 a 5.
[5] Revª 2960/07, cujo texto completo está acessível em www.stj.pt.
[6] Paulo Mota Pinto, Sobre a Proibição do Comportamento Contraditório (Venire Contra Factum Proprium) no Direito Civil, BFDUC, Volume Comemorativo (2003), pág. 276.
[7] Obra e loc. citados, pág. 302
[8] Neste exacto sentido, Meneses Cordeiro, “Contrato Promessa – Art.º 410º, nº 3, do Código Civil – Abuso do Direito - Inalegabilidade Formal”, ROA, Julho de 1998, II, pág. 964 (que seguimos de muito perto no texto).
[9] Negrito nosso.
[10] Obra e loc. citados, pág. 302
[11] Que, a existir, apenas provará, quanto a nós, que a trabalhadora se inscreveu como trabalhadora à procura de primeiro emprego e não que nunca tenha estado vinculada através de um CT sem termo.
[12] Cabe ao empregador a prova dos factos que justificam a celebração do contrato a termo” – nº 4 do artº 140º do CT.