Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1980/19.8T8CTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: CESSÃO DE EXPLORAÇÃO DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL
DEVERES DO CESSIONÁRIO FINDO O CONTRATO
INCUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO DO ESTABELECIMENTO FINDO O CONTRATO
CESSÃO DA POSIÇÃO CONTRATUAL DO CESSIONÁRIO A TERCEIRO
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 05/21/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 609.º, 2; 640.º, 1 E 2, A); 662.º, 1 E 665.º, 2 E 3, DO CPC
ARTIGOS 342.º, 1; 405.º, 1; 406.º, 1; 566.º, 3; 570.º, 1; 798.º E 799.º; DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: 1. - Pactuado, em contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial – contrato inominado, temporário e oneroso, que se rege, desde logo, pelo que foi clausulado pelas partes, mas também pelas disposições legais reguladoras dos contratos típicos afins e pelas regras gerais do regime dos contratos –, o dever de o cessionário devolver, findo o contrato, em adequado estado de conservação e funcionamento, todos os bens – incluindo imóvel/instalações – e equipamentos integrantes do estabelecimento, com listagem respetiva, ao dono/cedente, é ilícita a não restituição, extinto o contrato, de parte desses bens/equipamentos, bem como das instalações com danos/estragos que não tinham antes.
2. - Não afasta a ilicitude, e decorrente incumprimento, o facto de o cessionário ter acordado com terceiro a cessão da sua posição contratual, com consentimento do dono do estabelecimento para tal transmissão, âmbito em que o cessionário disponibilizou ao terceiro – sem para tanto ter obtido autorização daquele dono – o estabelecimento, com entrega das respetivas chaves, antes da formalização do contrato de cessão da sua posição contratual, que o terceiro, depois – já na posse do estabelecimento –, se recusou a celebrar.

3. - Perante tal conduta do terceiro, cabia ao cessionário, enquanto legítimo possuidor, adotar, como adotou, as medidas necessárias à recuperação do estabelecimento na sua integralidade, para depois, no tempo oportuno, o poder devolver ao dono.

4. - Os danos ocorridos em bens/equipamentos integrantes do estabelecimento, enquanto o mesmo foi detido pelo terceiro, em nada são imputáveis a conduta do dono, que transmitira a posse ao cessionário, por efeito do contrato entre ambos celebrado, com o dever deste último de guarda e integral restituição quando o contrato findasse.

5. - O incumprimento de tais deveres é fonte de obrigação indemnizatória, a cargo do cessionário, pelos danos causados nos bens/equipamentos integrantes do estabelecimento, sem prejuízo dos direitos que aquele venha a pretender exercer sobre o terceiro.

6. - Provando-se a existência do dano, mas não o respetivo quantum, é de relegar a fixação do valor indemnizatório para ulterior incidente de liquidação se ainda for de ter como possível essa fixação com recurso a outras provas, caso em que não deve o julgador socorrer-se de imediato da equidade no arbitramento indemnizatório.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:


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I – Relatório

O MUNICÍPIO DE ..., com os sinais dos autos,

intentou ([1]) a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra

1.ª - “A..., UNIPESSOAL, LDA.” e

2.º - AA, estes também com os sinais dos autos,

pedindo a condenação dos RR., solidariamente, a pagar-lhe a quantia de € 90.293,22, acrescida de juros moratórios legais desde a data da citação e até efetivo e integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese:

- ter o A. cedido a exploração de um estabelecimento – “Complexo Turístico B...” – à 1.ª R., por contrato celebrado a 09/03/2012 (objeto de alteração em 23/05/2016), com enunciada relação de bens e equipamentos que dele faziam parte, tendo tal R. recebido esses bens e equipamentos, bem sabendo que, findo o contrato, os teria de devolver ao mesmo A., num estado que não fosse impeditivo da sua utilização normal;

- porém, findo o contrato, por deliberação municipal, e tendo o 2.º R., legal representante da 1.ª R., procedido à entrega das chaves do estabelecimento em 16/08/2017, ao proceder-se à verificação do estado do imóvel, assim como à contagem e verificação dos bens móveis nele existentes, foram contabilizados danos em bens e equipamentos pertença do A., para além da não devolução dos bens e equipamentos indicados em listagem então elaborada, ascendendo os respetivos prejuízos a € 36.732,81;

- por outro lado, as instalações e edifício do complexo não foram restituídos ao A. no estado em que se encontravam no início de vigência do contrato celebrado, impondo-se a realização de obras de reparação, tudo com prejuízo para o A., no montante de € 54.940,41;

- o 2.º R., ao não ter agido por forma a evitar a produção dos danos causados, contribuiu ativamente para a sua ocorrência, pelo que também é responsável no âmbito indemnizatório, tratando-se, quanto a ambos os demandados, de responsabilidade contratual (“falta de cumprimento do contrato outorgado”).

Contestou apenas o 2.º R., invocando não ser responsável pelos danos alegados, que deixou impugnados, haver desinteresse do A. e serem os RR. os verdadeiros lesados, tudo para concluir por dever a ação ser julgada de acordo com a prova a produzir.

Após convite ao aperfeiçoamento, o A. apresentou petição aperfeiçoada e retificação do pedido para o valor de € 91.673,22 – o que lhe foi admitido –, perante o que o 2.º R. concluiu pela sua absolvição de tudo o peticionado.

Por despacho de 24/05/2023, foi determinada a substituição da 1.ª R. «pela generalidade dos sócios (sendo o único sócio AA), representados pelo liquidatário AA».

Saneados os autos, com definição do objeto do litígio, bem como dos temas probatórios, sem reclamações, procedeu-se depois à audiência final, após o que foi proferida sentença absolutória (datada de 26/11/2023), julgando-se, pois, a ação improcedente in totum.

Da sentença veio o A., inconformado, interpor recurso, apresentando alegação, finalizada com as seguintes (muito sintéticas)

Conclusões

«1.ª

Por via do presente recurso, requer o recorrente a Vossas Excelências, Venerandos Desembargadores, que a reapreciem, quer do ponto de vista da decisão sobre a matéria de facto dada por não provada, quer, consequentemente, das soluções jurídicas propostas como subsunção dos (novos) factos ao direito e assim se dignem revogar o decidido, julgando a ação instaurada procedente ou, sem conceder, ainda que não integralmente.

2.ª

Devem ser considerados provados os factos julgados não provados da p.i. vertidos nas alíneas a) a e) da douta sentença recorrida.

3.ª

Isto conforme prova testemunhal, documental e por confissão de parte que supra deixou alegada na motivação do recurso.

4.ª

Assim, considerados tais factos provados, verifica-se o pressuposto da ilicitude, o que faz incorrer os réus em responsabilidade civil contratual, assim se verificando o dever de indemnizar, com a consequente procedência da ação instaurada, o que requer a V. Excias se dignem decidir.

Termos em que, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser dado provimento ao presente recurso, com as legais consequências,

Como é de JUSTIÇA !».

Contra-alegou o 2.º R./Recorrido, concluindo pela total improcedência do recurso, ante o bem fundado da decisão impugnada.


***

O recurso foi admitido como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo sido ordenada a remessa dos autos ao Tribunal da Relação.

Neste Tribunal ad quem foi mantido o regime recursivo.

Corridos os vistos e nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito recursivo

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. ([3]) –, importa saber:

a) Se ocorreu erro de julgamento quanto à decisão da matéria fáctica, implicando a alteração dessa decisão [al.ªs a) a e) dos factos julgados como não provados, a deverem merecer juízo positivo/afirmativo];

b) Se, no pressuposto do triunfo da impugnação da decisão de facto, ocorreu errada interpretação/aplicação das regras de direito, devendo julgar-se verificado o requisito da ilicitude – bem como os demais da invocada responsabilidade contratual (ou, subsidiariamente, extracontratual, quanto ao 2.º R., por o A. o ter invocado no decurso dos autos e o Tribunal o ter admitido e dessa matéria ter conhecido na sentença) –, de molde a concluir-se pela existência de obrigação indemnizatória e decorrente procedência da ação.


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III – Fundamentação

         A) Da impugnação da decisão relativa à matéria de facto

Como resulta expressamente da conclusão 2.ª do Apelante, insurge-se este contra as respostas (negativas) dadas aos seguintes pontos da factualidade considerada não provada ([4]):

«a) Nos dias 16-08-2017 e 17-08-2017, vários funcionários do Autor e o segundo Réu procederam à verificação do estado do imóvel, tendo procedido à elaboração de um auto de contagem/listagem comparativa entre os bens inicialmente existentes e aqueles que foram devolvidos, que se encontra junto com a petição inicial como documento n.º 4.

b) Não foram devolvidos ao Autor os bens e equipamentos indicados no documento n.º 4 (artigo 23.º)

c) Os bens e equipamentos não devolvidos ao Autor cifram-se no montante de € 36.732,81 (artigo 24.º)

d) No dia 28-09-2017 foram constatados nas divisões que compõem o edifício os seguintes danos:

- Portas da cozinha: detetados danos em fechaduras, puxadores e barras de emergência;

- Interior da cozinha: detetados danos em aparelhos de iluminação, aparelhagem e instalações elétricas

- Interior da cozinha: detetados danos em materiais de revestimento de paredes e pavimentos, bem como ausência de equipamentos de combate a incêndios;

- Zona da receção e espaços comuns: detetados danos em revestimentos de paredes e tetos, bem como em instalações elétricas, registando-se a remoção de muita aparelhagem de iluminação embutida;

- Zonas de circulação e espaços comuns: detetados danos em mobiliário e revestimentos de paredes, bem como remoção de aparelhos de iluminação e equipamento de climatização;

- Salão de refeições: detetados danos em revestimentos de paredes e pavimentos

– Lavandaria: detetados danos nas portas interior e exterior e nas instalações elétricas, bem como ausência dos equipamentos de combate a incêndios;

- Outros espaços comuns: detetados danos em portas interiores e exteriores, em revestimentos de paredes, tetos e pavimentos e canalizações;

- Quartos: detetados danos em vãos interiores e exteriores;

- Quartos: detetados danos em revestimentos de paredes e tetos, bem como nas instalações elétricas, registando-se que foram removidos equipamentos de iluminação e deteção de incêndios e aparelhos de climatização;

- Quartos: detetados danos em roupeiros e remoção de algumas louças sanitárias

– Outros espaços: detetados danos variados em vãos de portas e janelas e pavimentos;

- Outros espaços (Cave): detetados danos vários em vãos de portas e janelas, revestimentos de paredes, tetos e pavimentos, e a existência de muitos materiais e equipamentos danificados e obsoletos, bem como de partes de mobílias e resíduos indesejáveis;

- Apartamento anexo: detetados danos em vãos exteriores e interiores, revestimentos de paredes, tetos e pavimentos, instalações elétricas e canalizações, registando-se ainda a remoção de aparelhos de iluminação e a existência de muitos resíduos, lixos e outros objetos estranhos no seu interior.

e) A execução de trabalhos para reparação das anomalias descritas em d) determinam a realização de uma despesa no montante de € 54.940,41. (artigo 18.º)».

Está, pois, em causa o juízo de não provado quanto a danos invocados: por um lado, bens e equipamentos (móveis) não devolvidos ao A., no montante de € 36.732,81, e, por outro, danos/anomalias no imóvel, cuja reparação tem um custo de € 54.940,41.

O Tribunal recorrido fundamentou assim a sua convicção a este respeito:

«Quanto à testemunha BB, assistente técnica da secção de contabilidade do Autor desde 2011, e conhecido do Réu, referiu ter pertencido à equipa que fez primeira vistoria ao complexo turístico após entrega deste espaço pelo Réu ao Autor. Foi confrontada com o teor de fls. 19v., 20, 21 e 22 a 27v., tendo dito em suma que foi feito um auto de vistoria e de entrega das chaves, tendo sido elaborado um documento/tabela onde foi vertido o número de bens que existiam no dia da entrega naquele complexo.

Ora, apesar de a depoente ter prestado um depoimento simples, tendo-se coibido de se referir a factos que não presenciou (por exemplo, apenas depôs sobre o dia em que se deslocou ao local, em Agosto de 2017, e constatou o estado do complexo turístico), o que é certo é que do mesmo não resulta inequivocamente que concretos danos existiam no imóvel, tendo sido bastante genérica na sua descrição, e tendo chegado a assumir que «não era perita».

Por outro lado, não é plausível que o inventário que a testemunha tenha feito seja o documento de fls. 19, verso. Por um lado, esse inventário não está datado, não se encontra assinado por ninguém, podendo ser elaborado em qualquer computador ou processador onde se possa inserir tabelas. Por outro lado, muito se estranha que o Réu assinasse o auto de entrega de chaves, mas já não um inventário no qual constassem os bens que efectivamente se encontrariam naquele imóvel. Igualmente se estranha que nenhum funcionário camarário tenha assinado e datado tal tabela junta a fls. 19, verso, visto que tal documento assumiria uma importância crucial, talvez tão relevante como a entrega das chaves. Por essa razão, ressaltam muitas dúvidas que tal documento de fls. 19, verso, corresponda ao «inventário» referido pela testemunha.

Quanto à testemunha CC, técnica superior, trabalhadora da Biblioteca Municipal de ... desde Outubro de 2018, referiu que em 2017 trabalhava a recibos verdes para o Município, e que nesse ano esteve presente aquando da contagem de bens no complexo turístico, tendo estado presente com outras funcionárias municipais (BB e DD). Fez uma descrição muito genérica e conclusiva do que observou na estalagem/complexo turístico, não concretizando os danos que relatou ali ver.

Por assim ser, foi um depoimento pouco esclarecedor da matéria de facto litigiosa.

No que respeita à testemunha EE, assistente operacional referiu ter trabalhado para o Réu entre 2012 até momento em que começou a auferir subsídio de desemprego (sendo certo que após junção da informação da SS de 11-10-2023 se chegou à conclusão de que seria o dia 12-10-2016), relatou o estado do Complexo Turístico durante a gestão de AA), sendo certo que já em 2017 regressou ao estabelecimento com o Sr. AA e viu lâmpadas penduradas no balcão.

O seu depoimento foi, por isso, pouco crucial na fixação da matéria de facto acima descrita.

O depoente FF, administrativo do Município de ... desde 1994, conhecido do Réu, relatou conhecer a Pousada/Complexo Turístico em causa, contudo, declarou não ter presenciado qualquer facto com relevância para os autos.

No que respeita a GG, que foi Presidente de Câmara do Município de ... de 2001 a 2013, apenas confirmou o conteúdo do contrato celebrado inicialmente entre o Município e a A..., nada mais de relevante tendo acrescentado aos autos.

O depoente HH, professor de biologia que trabalha para o ICNF, conhecido das partes, não revelou nada com interesse para a matéria litigiosa em apreço.

Finalmente, a testemunha II, conhecida do Réu há mais de 15 anos, que conheceu o Complexo Turístico de B... durante o tempo em que foi explorado pelo Réu, tendo relatado ter um aspecto cuidado, com boa apresentação. Mais referiu ter ido em data não concretamente apurada em 2017 (mas entre Maio e Agosto), com o Réu, ao estabelecimento em apreço, fazendo um retrato bem vívido e expressivo daquilo que presenciou, designadamente quartos do alojamento vandalizados, com peças de roupa interior feminina com dizeres escritos, e tubagens de gás danificadas.

No mais, não relatou mais qualquer circunstância com relevo para os autos.

Quanto aos factos não provados, importa escalpelizar alguns pontos em concreto, em conformidade com a análise das testemunhas acima referidas. No que respeita ao facto não provado a), efectivamente não houve prova suficiente de que tal listagem/auto de contagem que eventualmente possa ter sido realizada corresponda ao documento n.º 4 junto com a petição inicial, face às dúvidas deixadas e já atrás assinaladas nos depoimentos de BB e CC (que afirmaram estar presentes no acto da entrega das chaves em Agosto de 2017).

No que respeita aos factos b) e d), importa antes de mais referir que o Autor, mesmo após convite ao aperfeiçoamento lançado por este Tribunal a 02-10-2022, não concretizou que danos efectivamente surgiram no Complexo Turístico ou que bens ali faltavam (deixando uma redacção manifestamente conclusiva). Ou seja, não supriu as deficiências que se lhe foram apontadas. Ora, «[a]s afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.» (Acórdão do TRP, de 09-03-2020, Proc. 3789/15.9T8VFR.P1). Efectivamente, o Autor não concretizou os danos, veja-se que no facto d), várias vezes se faz referência a «detectados danos», mas sem explicitar que tipo (manchas, partes quebradas, rachas, cortes, …), pelo que nunca tal poderia ser dado como provado, tendo-se levado apenas à factualidade não provada para melhor clareza processual (e para se evitar uma putativa omissão de pronúncia sobre tal facto). Mais, da instrução também não foram concretizados os «danos» conclusivamente alegados.

Por outro lado, mesmo após convite, o Autor não concretizou, pois, que bens faltavam no Complexo Turístico, remetendo para um documento que, para além de não ser claro (por dele ser possível extrair várias leituras díspares), não tem a virtualidade de provar que faltavam tais bens na Estalagem. E a esta conclusão chega-se pelas mesmíssimas razões que acima se avançaram na análise ao depoimento de BB. O Tribunal não ficou convencido que tal documento constitua o suposto inventário elaborado pela equipa camarária, por não estar assinado, datado ou rubricado (não se sabendo de quem é a autoria sequer), sendo apenas um documento particular que, na verdade, poderia a qualquer altura ter sido elaborado. Assim, face a toda a prova produzida, inexistiu qualquer comprovação verosímil de que com a entrega do estabelecimento explorado faltassem, em concreto, os bens descritos no facto b), tendo-se provado apenas em rigor o descrito em 17), reportado à data de 23-05-2017, por ter sido elaborado por uma entidade pública isenta e desinteressada.

Em consequência, não se provaram os factos c) e e), sendo certo que as tabelas juntas a fls. 28 e seguintes, alusivas a um orçamento nunca provariam por si só os custos de reparação aventados nos factos em apreço, visto que inexistiu qualquer outra prova a corroborá-las.».

Invoca o impugnante – considerando estarem devidamente concretizados os danos –, como prova, a seguinte: prova testemunhal (as testemunhas a que alude na sua antecedente alegação/motivação), prova documental (os diversos documentos que, discriminadamente, convoca na mesma motivação) e “por confissão de parte” (as declarações de parte do R. AA, como prova admitida, produzida e gravada, de acordo com a ata da sessão de audiência final de 11/09/2023, a fls. 222 v.º do processo físico).

Assim, cumpridos que se mostram, suficientemente, no geral ([5]), os ónus a cargo do Recorrente, enquanto impugnante da decisão de facto (cfr. art.º 640.º, n.ºs 1 e 2, do NCPCiv.), importa apreciar a argumentação do Apelante.

Vejamos, então.

O A./Apelante começa por invocar prova documental, desde logo uma queixa-crime apresentada pelos RR. contra incertos, onde estariam descritos – por aqueles – os danos causados ao imóvel e os bens dali retirados ou deteriorados, sendo, porém, que o impugnante não identifica concretamente esse documento, posto apenas referir que tal “consta do documento junto aos autos pelos réus, cópia de referida queixa-crime, que aqui se dá por reproduzida”, antes parecendo pretender transferir para o Tribunal de recurso o ónus de indagação e determinação de tal documento (não diz, como podia e devia, em que data foi junto ou a que fls. do processo físico se encontra, apenas deixando a informação sobre quem o juntou).

Todavia, entendendo-se, ainda assim, que houve determinação mínima do elemento de prova documental em causa, cabe procurá-lo nos autos, tratando-se, em sede alegatória, da “queixa-crime” que o R. AA refere ter sido apresentada pela sua co-R. “junto da G.N.R.”, como consta do art.º 25.º da contestação (fls. 105 do processo físico), e, em plano probatório, do documento/certidão de fls. 212 a 217 v.º do processo físico, documento esse junto por aquele R. em 04/09/2023 (como se retira do requerimento de fls. 209 e segs.).

Importa, pois, começar por analisar o assim alegado na contestação, em conjugação com o teor daquela certidão, sabido que se trata, invariavelmente, de elementos e materialidade carreados pelo próprio R./contestante.

Ora, na contestação, logo reconhece o dito R. que, obtido o assentimento do A., foi diligenciada pela co-R. “A...” a cedência (por esta) da (sua) “posição contratual (…) ao empresário JJ” (cfr. art.º 15.º), âmbito em que aquela co-R. “deu conhecimento à A. que iriam assinar o contrato a 18 de Novembro” de 2016, “de acordo com as condições impostas pela A.” (art.ºs 16.º e 17.º).

Remetida ao destinatário JJ a cópia/minuta do pretendido contrato de cessão da posição contratual, foi a R. “A...” quem “cedeu as chaves do Complexo ao empresário JJ”, o que fez antes da assinatura de contrato/cessão, que este viria a recusar-se a assinar, “não obstante encontrar-se já na posse do referido Complexo” (art.ºs 18.º a 20.º da dita contestação).

Tanto mais que, em 28/11/2016, a mencionada co-R. “informou formalmente a A. que o empresário JJ não havia assinado o contrato de cessão de exploração – Cfr. Doc. 5” (cfr. art.º 21.º da contestação).

Este “Doc. 5” é o que consta de fls. 111 a 112 do processo físico, dele se retirando (comunicação de e-mail enviada por “AA”, como “Sócio Gerente A... lda”, dirigida para “..........@.....”, endereçada ao “Presidente da Camara Municipal”) que «JJ recusou assinar o contrato de cedência de posição contratual», âmbito em que «pretendemos continuar a cumprir o contrato de exploração do complexo turístico», assim informando que «o acesso as instalações foi-nos recusado e vedado pelo Sr JJ», razão pela qual «fomos obrigados a solicitar a presença da GNR» e «apresentamos também queixa crime (…) por abuso de confiança e ocupação indevida das instalações», bem como «demos já instruções ao nosso advogado para inicia[r] de imediato ação judicial de forma a salvaguardar os nossos direitos e sermos ressarcidos de todos os prejuízos decorrentes desta atitude ilegal do Sr JJ», sem deixar de reconhecer «termos possibilitado o acesso ao Sr JJ durante o período negocial com o objetivo de facilitar o processo de transição e adaptação» e não poder «continuar a garantir a salvaguarda dos bens e equipamentos existentes no referido espaço», havendo receio quanto a tais bens/equipamentos, pelo que «Aconselhamos (…) a que seja efetuada inspeção ao referido local (…)».

A dita “ação judicial”, falhados “todos os meios tentados” para “retomar a posse”, segundo relatado pelo R. naquele articulado de contestação, traduziu-se em a sua co-R. ter lançado “mão de acção de restituição de posse”, processo que culminou “em 18 de Maio de 2017 na transacção, homologada por Douta Sentença e que se junta à presente. Cfr. Doc. n.º 8” (art.ºs 25.º a 28.º da contestação e doc. de fls. 114 e v.º do processo físico), transação essa com estipulação de «data para a restituição da posse do imóvel por parte do empresário JJ à Ré “A...” (…)» (art.º 29.º), sendo que esta (depois) «constatou que efectivamente alguns actos de vandalismo haviam sido praticados enquanto o Complexo esteve na posse do empresário JJ, assim como haviam desaparecido alguns móveis que lhe pertenciam» (art.º 31.º da contestação), ao ponto de ter apresentado «queixa-crime junto das autoridades pelos bens desaparecidos e pelos danos causados enquanto o imóvel esteve na posse do empresário JJ» (art.º 32.º), tudo não obstante os “avisos e alertas” daquela R. ao A., que este “desprezou”, pelo que os RR. “tudo fizeram, dentro do que estava ao seu alcance”, perante a “total passividade da A.” (art.ºs 33.º a 41.º).

Passando à dita “queixa-crime” – aludido documento/certidão de fls. 212 a 217 v.º, que a parte demandada juntou e o A./Recorrente agora pretende ver escrutinado –, cabe dizer que está certificado auto de denúncia, comunicada pelo 2.º R., enquanto representante da 1.ª R., “devido a atos de vandalismo e furto nas instalações do Complexo (…)”, do qual consta:

«Relativamente aos equipamentos furtados do espaço foram registados em lista anexa a esta queixa, equipamentos e respetiva avaliação dos mesmos, da propriedade da empresa denunciante bem como da propriedade da autarquia e entregues a guarda da denunciante através do contrato de concessão do espaço de acordo com inventário existente no contrato de concessão da exploração do complexo turístico B....

Faz parte integrante da presente queixa, atos de vandalismo e destruição sobre bens e o edifício do complexo turístico (…) e que abaixo são identificados pelo denunciante.

(…)

Relativamente aos danos causados foram registados os seguintes:

(…).

Relativamente a bens furtados foram registados os seguintes:

(…).

Dos equipamentos propriedade da autarquia e roubados registamos os seguintes:

(…).».

Ou seja, trata-se de uma longa lista de “danos” nas instalações/imóvel e equipamentos do mesmo, como consta de fls. 215 e v.º, bem como de “bens furtados”, como consta de fls. 215 v.º a 216.

Só pode, pois, salvo sempre o devido respeito, conferir-se razão ao A./Apelante quando, na sua motivação de recurso, refere que na queixa-crime são descritos (os) «danos causados ao edifício» e elencados (os) bens desaparecidos (“furtados”) «ou que foram deteriorados».

Tal já teria de obrigar a uma diversa resposta quanto à matéria das al.ªs b) e d) da factualidade julgada não provada, posto serem os próprios RR. a admitir/declarar, na dita denúncia certificada, terem sido causados «danos ao edifício», bem como haver bens “furtados” e outros “deteriorados”, de acordo, aliás, com discriminação ali operada, tudo em conjugação com o articulado de contestação também já mencionado.

Ou seja, quanto ao (extenso) rol/ discriminação constante da denúncia criminal, não se vê como não dar por provados esses eventos, por devidamente caraterizados e localizados, no concernente ao edifício/instalações e equipamentos, o mesmo devendo dizer-se quanto aos bens/equipamentos, ali discriminados, que se mostravam desaparecidos/deteriorados.

Daí que, com todo o respeito devido, não pudessem essas al.ªs, desde logo, ser dadas como integralmente não provadas, antes devendo dar-se como provada factualidade no mencionado âmbito admitido, visto o teor expresso da dita “queixa-crime”.

O que resulta corroborado pela factualidade provada dos pontos 17 a 20, de que decorre, sem margem para dúvidas (factualidade sem impugnação recursiva e, por isso, definitivamente adquirida), que, em 23/05/2017, aquando da entrega do “Complexo Turístico”, e das respetivas chaves, por JJ ao 2.º R., na qualidade de representante da 1.ª R., apesar de não se ter verificado o funcionamento dos equipamentos elétricos e das canalizações, se constatou o seguinte:

«O estado do estabelecimento, bem como de alguns equipamentos, apresentava sinais de degradação geral, alguma decorrente de mau uso, outra com sinais claros de vandalismo» (destaques aditados).

Passando à prova pessoal, refere o A./Recorrente que o 2.º R., em declarações de parte, disse:

“Ao minuto 08:34 e seguintes, respondendo ao M.mo Juiz sobre se as chaves do estabelecimento haviam sido entregues a JJ antes de ser assinado o contrato de cessão da posição contratual : «...o Sr. JJ diz-me que está tudo tratado, eu ia-te pedir se não te importas eu vou começar a mudar algumas coisas para lá e eu na minha boa fé disse sim senhor»

Ao minuto 9:30 e seguintes, em resposta ao M.mo Juiz sobre se o acordo com JJ envolvia também o Município: «Não. Foi só entre nós, mesmo relativamente à entrega das chaves.»

Ao minuto 10:25 e seguintes: «Nós íamos assinar o contrato e o Sr JJ começou a protelar a assinatura», «abriu ao público sem ter autorização para isso», «...não havia autorização da Câmara»

AO minuto 30:30 e seguintes «Quando eu entrei lá dentro efetivamente o espaço estava fortemente vandalizado», «… faltavam equipamentos, aparelhos de ar-condicionado, ...», «...nos quartos faltavam espelhos, havia sanitas partidas, ...» (minuto 33:00 e seguintes)

Ao minuto 37:00 e seguintes, em resposta ao M.mo Juiz sobre se admitia que muitos bens que se encontravam no estabelecimento eram propriedade do réu e ora recorrente: «...havia bens que o Município tinha lá», sobre se 16 beliches, 13 cabeceiras, 26 bases , 37 colchões, 13 consolas eram propriedade do Município disse: «sim».

Ao minuto 01:08:00, em resposta ao M.mo Juiz sobre que uso deu ao espaço desde que recebeu as chaves do Sr JJ até que as voltou a entregar ao Município, disse: «Não dei uso nenhum a não ser ficar de guarda.»”.

Ora, na sua contra-alegação, o 2.º R./Recorrido não pôs em causa esta transcrição de excertos da gravação áudio – tal como não o fez quanto às demais exibidas pelo Recorrente –, seja quanto à sua exatidão, seja quanto à sua fidedignidade/representatividade.

Todavia, esta Relação, com acesso à gravação da prova (referente à ata de 11/09/2023), constatou que o teor de tal transcrição não merece qualquer reparo.

Assim sendo, o R./declarante até referiu que:

- anteriormente à disponibilização do espaço a JJ, a “pousada”/estalagem (ainda na posse da 1.ª R.) estava “impecavelmente a funcionar” (minuto 9:34);

- aquele JJ passou a protelar a assinatura do contrato de cessão da posição contratual e a usar o espaço em seu benefício, de forma não consentida, pois o declarante havia saído “logo dois dias depois do espaço” (minutos 10:20 a 11,05) e somente tinha dado autorização para aquele JJ começar a mudar as suas coisas para ali;

- o declarante, na proximidade temporal da “entrega das chaves” por JJ, já sabia que “havia grandes estragos dentro da estalagem” (minuto 29:10 a 29:25), estragos esses que depois constatou e, por isso, referenciou genericamente nas suas declarações, tendo então sido obtido registo fotográfico respetivo (minutos 29:55 e seguintes);

- não sabe “quem é que eles lá meteram”, mas que “estava nesse estado, estava”, sendo que foram tiradas fotografias a respeito na altura (minuto 32:13 a 32:50).

Quanto à prova testemunhal, começando pela testemunha BB (cfr. ata da sessão de 11/09/2023), assistente técnica, ao serviço do A., na secção de contabilidade, património a aprovisionamento, para o qual trabalha desde o ano de 2011 (minutos 00:00 a 01:20), sendo que, quando ocorreu a entrega das chaves (ao Município), a depoente foi, com outros colaboradores do Município, fazer o “inventário ao Complexo Turístico” (minuto 05:10 a 05:20), razão pela qual depôs sobre essa matéria, são indicados pelo Recorrente os seguintes excertos:

“BB, ao minuto 05:00: «...pertenci à equipa que fez o inventário aquando da entrega das chaves»

Sobre quem estava presente no momento: « … o sr AA o sr KK (…) e da parte da equipa eu a CC, a DD e LL»

Sobre se teve acesso aos bens iniciais do estabelecimento: «Sim. Junto ao contrato que fizeram na altura havia uma lista. (...) Mas havia uma listagem que estava anexa ao contrato e foi com base nessa listagem que se fez o inventário», «Não me recordo de quais os bens, mas sei que havia bens que não se encontravam e bens que se encontravam deteriorados».

E confrontada com o teor de fls 22 e seguintes dos autos confirmou que as fotografias que observou foram tiradas no momento e local e que o espaço era assim que se encontrava.

Sobre se o gerente, ora recorrido, se encontrava presente disse: «Sim. Fez o inventário connosco. Acompanhou tudo com o resto da equipa.» (minuto 10:00 e seguintes)

Ao minuto 11:26 disse: «Foi feito um auto de contagem, de vistoria e de entrega das chaves do sr AA ao Município»

Ao minuto 13:40 e seguintes: «Quando fizemos o inventário a equipa era composta por alguém que tirava as fotografias e por outros que faziam a contagem e verificavam os equipamentos.»

Ao minuto 13:57 e seguintes: «Essa listagem contém os bens iniciais e depois os bens à presente data. O valor zero caso não existissem ou com a diferença relativamente aos iniciais.»

Ao minuto 15:00 e seguintes, quanto a bens deteriorados se contavam como inexistentes disse: «Não. Diferenciava-se que estavam deteriorados.»

Ao minuto 19:30 disse: «Muitos bens não seriam recuperáveis».

Ao minuto 21:10 e seguintes disse: «Fui lá por duas vezes. Na primeira foi a entrega das chaves com o inventário na presença do sr AA. Na segunda vez, não sei se o sr AA estava, mas foi para confirmação do número de etiquetas».

Ao minuto 25:25 e seguintes: Eu só pertenci à equipa do inventário, com o sr AA ao lado no dia 16 se não estou em erro no dia 17.

Ao minuto 31:50 e seguintes: e resposta ao M.mo Juiz sobre como fez o inventário: «Junto ao contrato creio que estava uma lista de bens e foi com base nessa lista que fomos confirmar.»

Sobre fls 19 verso disse: «fizeram uma lista.». «É o inventário que fizeram».

Confrontada com as fotografias contidas no doc 4 junto à p.i., ao minuto 40:00 e seguintes disse, questionada pelo M.mo. Juiz sobre se o que viu no dia 16 era o que constava nas fotografias ou se era diferente disse: «Não. Era isso.»”.

Ora, confrontada com o teor dos documentos de fls. 22 e segs. dos autos, a testemunha confirmou que as fotografias, que observou, foram tiradas no momento e no local e que correspondem ao espaço e ao estado em que o mesmo se encontrava.

Confirmando também a testemunha a elaboração de auto de entrega das chaves (fls. 19 dos autos), é seguro que os excertos convocados correspondem ao que consta da gravação respetiva, âmbito em que a testemunha foi perentória quanto à veracidade do que consta das aludidas fotografias de fls. 22 a 27 v.º do processo físico, o que presenciou/viu no local, integrada na equipa que procedeu ao dito “inventário”.

Ou seja, embora possa entender-se que suscita dúvidas o documento/listagem de fls 19 v.º do processo físico – como enfatizado pelo Tribunal recorrido, na sua fundamentação da convicção –, o qual não contém data nem assinatura, e seja seguro que a testemunha admitiu já não se recordar dos bens que faltavam (minutos 35:20 e 35:45 a 35:55), em concreto, certo é que tal testemunha confirmou, com conhecimento direto e pessoal, o que consta das ditas fotografias, sem que o seu depoimento lograsse ser abalado nessa parte.

O que bem se compatibiliza com as próprias declarações de parte do 2.º R., que expressamente reconheceu, como visto, que “havia grandes estragos dentro da estalagem”.

Relativamente à testemunha II (cfr. ata da sessão de 11/09/2023), que foi colaboradora do A. entre 2018 e o final de 2019 (já não o é, sendo ao tempo do depoimento empregada bancária), tendo sido coordenadora de um projeto piloto ligado ao Tejo, para além de ter sido frequentadora da “estalagem” (cliente), sendo amiga do 2.º R., são indicados pelo Recorrente os seguintes excertos:

“ao minuto 09:20 e seguintes: «Os danos eram bastante significativos, nomeadamente na cozinha.»

Ao minuto 18:40 e seguintes, confrontada com as fotos de fls 22 e seguintes confirmou que as fotos retravam o local naquele momento.

Ao minuto 24:40, em resposta ao M.mo Juiz sobre se as fotos representavam o estado em que o imóvel se encontrava disse. «Sim»

E ao minuto 26:10: «foi uma destruição»

Ao minuto 14:13 e seguintes sobre a lista elaborada relativa a bens e que conclusões retiraram disse: »que faltava muito material»

E se deram conta dessa falta no relatório disse: «Acho que sim».

Ao minuto 20:00 confirmou que comparou o que viu com alista que havia junto ao contrato e ao minuto 20:43 e seguintes confrontada com as fotos de fls 22 e seguintes confirmou a sua autenticidade.”.

Ouvida a gravação do depoimento, verifica-se que também o mesmo bem se compatibiliza com a prova já referida, mormente o depoimento testemunhal de BB e as declarações de parte do 2.º R., que expressamente reconheceu, mais uma vez se refere, que “havia grandes estragos dentro da estalagem”.

Quanto à testemunha CC (cfr. dita ata de 11/09/2023), o Recorrente não indicou as passagens da gravação do depoimento a atender, nem ofereceu transcrição dos excertos que considerasse relevantes, termos em que não cumpriu o ónus a que alude a norma imperativa do art.º 640.º, n.º 2, al.ª a), do NCPCiv., motivo bastante para a imediata rejeição da impugnação recursiva com base neste meio de prova.

O mesmo não ocorre com o depoimento da testemunha JJ (cfr. ata de 11/09/2023), já que neste particular o A. ofereceu a seguinte transcrição da gravação (mesmo se, de si, pouco relevante para o esclarecimento dos factos):

“Ao minuto 27:40 e seguintes, após ter sido confrontado com as fotos de fls 22 e seguintes (minuto 24:00 e seguintes) disse ao minuto 27:40 e seguintes, em resposta sobre se quando entregou o estabelecimento ao réus estava ou não nas condições evidenciadas nas fotografias de fls 212 e seguintes disse : «Não, não estava».”.

Dúvidas não existem, por outro lado, de que dos autos consta o invocado relatório de inspeção às condições existentes no imóvel (fls. 20 e seg. do processo físico), levado a cabo por três técnicos dos serviços técnicos municipais do A., dois arquitetos e um fiscal municipal, do qual também resulta uma referenciação – embora não totalmente pormenorizada – claramente compatível com a descrita existência de “grandes estragos dentro da estalagem”.

Ou seja, a prova analisada aponta – dir-se-ia de forma até esmagadora, com todo o respeito devido – pela existência daqueles “estragos dentro da estalagem”, como evidenciado, objetivamente, nas fotografias de fls. 22 e segs. do processo físico.

Embora admitindo a dita falta de pormenorização alegatória e descritiva, como evidenciado na sentença, tem de concluir-se que seria desproporcionado, em termos de avaliação probatória, no âmbito da ação judicial e da justiça material que se procura, dar como totalmente não provada a ocorrência dos danos/“estragos” invocados.

Que “estragos” existiram e eram bem visíveis, sendo de segura relevância, até o R. contestante o admite/reconhece (reiteradamente), pelo que tal não pode ser negado em plenitude, no âmbito probatório. Porém, não resulta apurado o valor/montante desses “estragos” – para o que não bastam os documentos, intitulados “ORÇAMENTO” e “Proposta”, de fls. 28 e segs. do processo físico, que não se mostram assinados, para além de não ser possível efetuar, em plenitude, a correspondência entre o respetivo teor e os concretos danos/anomalias apurados –, tal como não resulta apurado o valor dos bens desaparecidos (não devolvidos), nem o custo de reparação ou aquisição de bens/equipamentos com “estragos”.

Ao invés, tem de ser julgado provado, desde logo, que se verificavam os vícios/anomalias a que se reportam as mencionadas fotografias (de fls. 22 a 27 v.º), tal como, do mesmo modo, os aludidos na dita certidão de fls. 215 a 216 do processo físico.

Assim, à materialidade vertida nas impugnadas al.ªs a) a e) passa a caber – em sindicância/revisão pela Relação – o seguinte sentido decisório:

- al. a):

Provado que: «27. - Após a entrega das chaves aludida em 24 dos factos provados, vários funcionários do Autor procederam à verificação do estado do imóvel, tendo procedido à contagem/listagem comparativa entre os bens inicialmente existentes e aqueles que foram devolvidos.»;

Não provado que: «a) Em 16-08-2017 e 17-08-2017, tenha sido elaborado um auto de contagem/listagem, que se encontra junto com a petição inicial como documento n.º 4, a fls. 19 v.º do processo físico.»;

- al.ª b):

Provado que: «28. - Não foram devolvidos ao Autor os bens e equipamentos indicados na listagem de fls. 215 v.º e 216 do processo físico»;

Não provado que: «b) Não foram devolvidos ao Autor todos os bens e equipamentos indicados no documento n.º 4»;

- al.ª c):

Provado que: «29. - Os bens e equipamentos não devolvidos ao Autor ascendem a um valor/montante não concretamente apurado»;

Não provado que: «c) Os bens e equipamentos não devolvidos ao Autor cifram-se no montante de € 36.732,81»;

- al.ª d):

Provado que: «30. - No dia 28-09-2017 foram constatados nas divisões que compõem o edifício anomalias/“estragos” nos termos indicados na listagem de fls. 215 e v.º e como retratado nas fotografias de fls. 22 a 27 v.º do processo físico»;

Não provado que: «d) No dia 28-09-2017 foram constatadas nas divisões que compõem o edifício outras anomalias para além do aludido em 30 dos factos provados»;

- al.ª e):

Provado que: «31. - A execução de trabalhos para reparação das anomalias descritas em 30 determina uma despesa em montante não apurado.»;

Não provado que: «e) A execução de trabalhos para reparação das anomalias descritas em d) determina a realização de uma despesa no montante de € 54.940,41.».

Por fim, quanto à matéria da al.ª f) – com o seguinte teor: «O Réu ordenou a não entrega e a não devolução dos bens indicados no documento n.º 4 e a danificação ou destruição das instalações e infraestruturas do edifício» –, cabe dizer que, embora o Apelante a ela aluda, desgarradamente, na sua motivação, não transpôs esta matéria para o seu acervo conclusivo (totalmente omissivo a respeito), sendo este, como visto, que delimita o objeto e o âmbito recursivo.

Para além disso, nenhuma prova foi explicitada no sentido de impor decisão contrária quanto a esta materialidade fáctica (cfr. art.ºs 640.º, n.º 1, al.ª b), e 662.º, n.º 1, ambos do NCPCiv.).

Donde que nada haja a alterar quanto a tal al.ª f) dos elenco dos factos dados como não provados.

Em suma, procedendo em parte a impugnação recursiva da decisão relativa à matéria de facto, devem as alterações supra referidas ser efetuadas no local próprio da factualidade provada, tal como da não provada, mantendo-se inalterado em tudo mais o quadro fáctico da sentença.

B) Matéria de facto

1. - Operada a sindicância recursiva da decisão de facto, é a seguinte a factualidade provada:

«1) Por documento escrito datado de 09-03-2012, intitulado «Contrato nº ...12 - Cessão de Exploração do Complexo Turístico B...», o Autor, na qualidade de cedente, declarou ceder a exploração do estabelecimento designado «Complexo Turístico B...» à sociedade A... Unipessoal, Lda., pelo período de 10 anos, mediante o pagamento desta à primeira de uma renda de € 550,00 por mês, que AA declarou aceitar em representação da sociedade A... Unipessoal, Lda., conforme consta do seu clausulado, no documento n.º 1, junto com a petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido.

2) Do documento escrito referido em 1), outorgado pela Autora e por AA, em representação da sociedade A... Unipessoal, Lda., consta ainda o seguinte:

«No dia nove de março de dois mil e doze, no edifício dos Paços do Concelho de ..., comigo, MM, Técnica Superior, designada oficial público pelo despacho da Senhora Presidente da Câmara de 5 de janeiro de 2011, compareceram como outorgantes:

PRIMEIRO: - GG, casada, natural de ..., onde reside, Concelho ..., que outorga na qualidade de Presidente da Câmara Municipal de ... e em representação do Município, pessoa coletiva número ...98.

SEGUNDO:- AA, residente no lugar ..., freguesia e concelho ..., portador do Cartão de Cidadão ...20, valido até ../../2014, que outorga em representação da sociedade por quotas A... Unipessoal Lda, com sede na Rua ... ..., NIPC ...50, número esse com que se encontra matriculada na Conservatória do Registo Comercial ....

----Disse a Primeira Outorgante que, no seguimento da hasta pública realizada no dia 20/2/2012 e das deliberações de Câmara de 01/02/2012 e de 29/02/2012, foi entregue ao segundo outorgante a cessão de exploração do equipamento constituído por alojamento local, café e restaurante, conhecido por C...; Que nesta conformidade vem celebrar com o segundo outorgante o presente contrato, nos termos das cláusulas seguintes: -

PRIMEIRA

1. O Município de ... é proprietário do empreendimento e Bar, "C...", empreendimento licenciado pela Câmara Municipal como Alojamento Local, Restaurante encontrando-se o edifício inscrito na matriz predial urbana da freguesia ... sob o artigo ...64. -

2. Para efeito do presente contrato, as Piscinas e o Campo de Ténis ficam fora sua exploração entregue à do Complexo Turístico, não sendo a representada do segundo outorgante, mas tendo os hóspedes do Complexo o direito de os usar gratuitamente, desde que devidamente identificados como tal.

SEGUNDA

1. Pelo presente contrato cede à "A... Unipessoal Lda." a exploração do empreendimento referido no número anterior, com início em 09/03/2012, e pelo prazo de 10 (dez) anos, que se renovará automaticamente por igual período, desde que até 30 dias do termo do contrato não seja comunicada ao cessionário, por escrito, a intenção de o não renovar.

TERCEIRA

O segundo outorgante não poderá ceder a sua posição contratual adveniente da presente cessão de exploração, sem a prévia autorização escrita da Câmara Municipal, sob pena de esta poder rescindir a Cessão de Exploração.

QUARTA

1. Com o presente contrato é aceite e assinado o Auto de Entrega dos Equipamentos que fazem parte do Complexo Turístico, e que são propriedade do município ou se encontram na sua posse, auto esse que ambos os outorgantes aceitam e confirmam, e que fica a fazer parte integrante deste contrato.

2. Se, findo o período de exploração, os equipamentos que constam do Auto de Entrega apresentarem um estado de degradação que impeça a sua utilização normal, a representada do segundo outorgante fica obrigada à sua substituição por outros com características idênticas.

QUINTA

1. Para cobrir os danos que eventualmente venham a acontecer ao edifício e equipamentos constantes do Auto de Transferência, o segundo outorgante fica obrigado a manter válido o seguro apresentado, apólice n.º ...42 no valor de 740.000,00€, e a comprovar, anualmente, que o seguro continua válido, sob pena de, caso não o faça, poder a Câmara Municipal rescindir a Cessão de Exploração agora feita;

2. Se para tal for obtida autorização da Câmara Municipal, a apólice referida no número 1 poderá ser substituída por outra, de igual cobertura e valor.

SEXTA

1. O preço da presente Cessão de Exploração é de € 550,00€/mês (quinhentos e cinquenta euros) por mês e, consequentemente de 6.600,00€ (seis mil e seiscentos euros) pelo primeiro ano da cessão de exploração; -

2. O valor mês referido no número anterior será atualizado anualmente, de acordo com o valor da inflação publicado pelo INE;

3. Aos valores de renda mensal acresce o IVA legal.

SÉTIMA

1. O pagamento da renda deverá ser efetuado até ao dia 8 (oito) do mês a que respeita.

2. Caso a exploração se inicie depois do dia 8, relativamente a esse mês será devido o valor de 12 da renda mensal, a pagar com a assinatura do contrato.-

OITAVA

1. O Complexo Turístico é entregue à empresa A... Unipessoal Lda sem empregados e o segundo outorgante obriga-se a só ter ao seu serviço, na exploração do mesmo, pessoal legalmente contratado e a manter atualizados os respetivos descontos a mostrá-los a legais, nomeadamente para a Segurança Social e representantes da Câmara Municipal, sempre que solicitados, os respetivos processos.

2. Finda a Cessão de Exploração, o Complexo Turístico será entregue ao Município sem empregados, ficando a representada da segunda outorgante responsável por regularizar toda e qualquer situação que se encontra pendente e que diga respeito à contratação de pessoal, nomeadamente entrega de contribuições para a segurança social, impostos, etc. ---

NONA

Para efeitos da cláusula anterior, são representantes da Câmara Municipal, para além da sua presidente e dos Vereadores a tempo inteiro, qualquer dirigente que para o efeito esteja mandatado.

DÉCIMA

1. O pagamento do consumo de água, eletricidade, gás bem como qualquer despesa de manutenção/reparação das instalações e/ou equipamento, fica por conta do cessionário;

2. Excecionam-se das despesas a cargo do cessionário alguma intervenção que se mostre necessária e imprescindível a nível da estrutura do edifício, cabendo, nesse caso, a responsabilidade à câmara municipal.

DÉCIMA-PRIMEIRA

Ficam a cargo da representada do segundo outorgante o pagamento de todas as contribuições, impostos, taxas e multas devidas ao Estado e Autarquia Local e a quaisquer outros organismos públicos.

DÉCIMA-SEGUNDA

Para garantia do pontual cumprimento das obrigações decorrentes deste contrato, o segundo outorgante apresentou caução no valor de 6.600,00€, que lhe será devolvida no final do contrato, excepto se a Câmara Municipal a ela tiver de recorrer para se ressarcir de prejuízos sofridos no Complexo ou por dívidas decorrentes da exploração do mesmo.

DÉCIMA- TERCEIRA

A cessionário obriga-se a ter aberto o restaurante todos os dias da semana, exceto no dia de descanso semanal, e apenas o poderá utilizar em festas, nomeadamente aniversários, casamentos e batizados, se garantir os serviços mínimos aos utentes do Complexo Turístico.

DÉCIMA-QUARTA

O dia de encerramento do Restaurante, para descanso do pessoal não poderá coincidir com Sábados, Domingos e feriados.

DÉCIMA-QUINTA

A Câmara Municipal poderá rescindir, a todo o tempo, o presente contrato, sem direito a indemnização, se:

a) - Pelo cessionário não for paga, pontualmente, a quantia prevista na cláusula sétima do presente contrato;

b) - Pelo cessionário não for dado cumprimento às restantes obrigações previstas no presente contrato e no Caderno de Encargos anexo a este contrato e que se dá por reproduzido, tendo os outorgantes declarado conhecê-lo.

Disseram ambos os outorgantes que aceitam o presente contrato, nos termos exarados.

Assim o disseram e outorgaram:

- O presente contrato foi lido em voz alta e explicado quanto ao seu conteúdo na presença simultânea dos outorgantes, tendo os outorgantes dispensado a leitura do Caderno de Encargos, que declararam conhecer perfeitamente -

Arquivo: Condições da Cessão de Exploração, Auto de Entrega do Equipamento, cópia da ata da hasta pública; Partes das atas de deliberações do executivo aprovadas em 09/06/2010 e 23/06/2010; Certidão do Comercial; Certidão do Serviço de Finanças obtida informaticamente por onde se verifica não ser a empresa devedora ao Estado por contribuições e impostos, Declaração do Instituto Financeiro da Segurança Social atestando que a A... não é devedora à segurança social, Apólice de seguro ...42; fotocópia do comprovativo de ter sido efetuada a caução no valor 6.600,00€.»

3) Das «Condições da Cessão de Exploração» a que se alude em 2) consta:

«PRIMEIRO

A Câmara Municipal de ... é dona do empreendimento "C...", empreendimento licenciado pela Câmara Municipal como Alojamento Local, Restaurante e Bar.

SEGUNDO

1. A Câmara Municipal pretende entregar a exploração do Complexo pelo período de 10 anos, que se renovará automaticamente por igual período, desde que até 30 dias do termo do contrato não seja comunicada ao cessionário, por escrito, a intenção de o não renovar;

(…)

TERCEIRO

1. O espaço em questão encontra-se equipado, nos termos descritos no anexo I às presentes normas, sendo esse equipamento propriedade do município;

2. Se, findo o período de exploração, os equipamentos apresentarem um estado de degradação que impeça a sua utilização normal, o cessionário fica obrigado à sua substituição por outros com características idênticas;

QUARTO

1. A cessão de exploração será entregue em hasta pública, a quem maior renda/mensal oferecer, sendo o valor mínimo aceite pela Câmara Municipal 500,00€ (quinhentos euros), não sendo admitidos lances inferiores a 50,00€ (cinquenta euros) e não havendo lugar à entrega, desde que não haja, pelo menos, um lance;

(…)

NONO

O cessionário não poderá, sem ordem expressa da câmara municipal:

1. Ceder a posição contratual adveniente da presente cessão de exploração, salvo se a tal for expressamente autorizado pela Câmara Municipal;

2. Alterar o uso aprovado para o edifício e tido em consideração na cessão de exploração.

DÉCIMO

1. O pagamento do consumo de água, electricidade, gás ou qualquer despesa de manutenção/reparação das instalações e equipamento, fica por conta do cessionário;

2. Excepcionam-se das despesas a cargo do cessionário alguma intervenção que se mostre necessária a nível da estrutura do edifício, cabendo, nesse caso, a responsabilidade à câmara municipal.

3. O pagamento da renda deverá ser efectuado até ao dia 8 do mês a que respeita;

3.1.

Caso a exploração se inicie depois do dia 8, relativamente a esse mês será devido o valor de 12 da renda mensal, a pagar com a assinatura do contrato;

3.2. Ao valor da renda acresce o IVA legal;

(…)

DÉCIMO-QUINTO

Celebrado que seja o contrato de cessão de exploração, a Câmara Municipal poderá rescindi-lo, a todo o tempo, sem direito a indemnização, se:

a) - Pelo cessionário não for paga, pontualmente, a renda devida;

b) - Pelo cessionário não for dado cumprimento às restantes obrigações previstas nas presentes normas e estabelecidas em contrato.

c)- O cessionário deixar de preencher os requisitos legais para o exercício da actividade;

d) O cessionário deixar de respeitar, na exploração do estabelecimento, as boas práticas seguidas nessa área;

e) Nos casos referidos nas alíneas b) e d) deve a Câmara Municipal, previamente, notificar o cessionário para que dê cumprimento às suas obrigações, dando-lhe um prazo que variará entre os dez e os vinte dias, para que passe a actuar de acordo com o estabelecido, antes de optar por declarar o incumprimento e por fim ao contrato;

f) Nos casos referidos em a) e c), logo que a Câmara Municipal tenha conhecimento da situação de incumprimento notificará o cessionário para que este, no prazo de 30 dias, encerre o estabelecimento e o entregue à Câmara Municipal.

DÉCIMO-QUINTO

Tanto a Câmara Municipal como o Cessionário podem fazer cessar o contrato, a todo o tempo, desde que disso notifiquem a outra parte com aviso prévio de dois meses.»

4) Em anexo ao documento referido em 1), consta uma relação de bens e equipamentos, junta aos autos a fls. 10-11, que faziam parte do estabelecimento cuja exploração foi cedida pela Autora à A..., Unipessoal, Lda., relação que foi devidamente aceite e assinada por ambos os contraentes, tendo a A..., Unipessoal, Lda., por via do sócio gerente AA, recebido tais bens e equipamentos em bom estado de conservação.

5) O acordo referido em 1) sofreu uma alteração a 23-05-2016, conforme consta da respectiva adenda, que se encontra junta como documento n.º 2 da petição inicial, que aqui se dá por integralmente reproduzido, tendo o Autor, na qualidade de primeiro outorgante, e AA, em representação da sociedade A... Unipessoal, Lda., e na qualidade de segundo outorgante, declarado por escrito, entre o mais, o seguinte:

«Acordam em introduzir algumas alterações ao contrato ...12, que se justificam tendo em consideração que:

1. Em 05/03/2012 as partes celebraram entre si um contrato de cessão de exploração do Complexo Turístico de ..., pelo período de 10 (dez) anos, com início em 09/03/2012;

2. A Câmara Municipal vai proceder à reabilitação das Piscinas Municipais e suas envolventes, integradas no espaço do Complexo Turístico; -

3. O desenvolvimento desse projeto implica que a sala situada sobre os balneários das mesmas (assinalada no anexo I), atualmente na posse da A... Unipessoal, Lda. no âmbito da atrás referida cessão de exploração volte à posse do município;

4. Com a realização deste projeto o Município vai poder pôr à disposição de munícipes e visitantes uma oferta de lazer de qualidade superior, com a melhoria significativa dos serviços oferecidos;

5. Por outro lado, a A... Unipessoal, Lda. não só vê o seu espaço reduzido, uma vez que perde a sala onde recebia grupos de maior dimensão, como terá de sofrer a contrariedade de disponibilizar um serviço de menor qualidade aos seus clientes durante o período das obras;

6. A defesa do interesse público não deve impor aos particulares sacrifícios desproporcionados nem a Administração se poderá fazer valor de uma posição de supremacia não justificada face aos interesses dos agentes económicos;

Nestes termos, primeiro e segundo outorgantes acordam, em nome das suas representadas, em celebrar uma adenda ao contrato ...12 atrás referido, nos termos das cláusulas seguintes:

Cláusula 1.ª

A A... Unipessoal, Lda. entregará à Câmara Municipal a sala sita por cima dos balneários das Piscinas, deixando a mesma de integrar a cessão de exploração celebrada em 2012. -

Cláusula 2.ª

A entrega far-se-á logo que a Câmara Municipal dela necessite para execução das obras, devendo notificar a A... Unipessoal, Lda. com 30 dias de antecedência.

Cláusula 3.ª

A Câmara Municipal de ... compromete-se a proceder à ampliação da sala de refeições situada no corpo central do edifício, passando esta a ter a capacidade de 100 (cem) pessoas, e a adquirir as cadeiras necessárias por via desta ampliação, que se prevê seja no máximo em número de 50 (cinquenta), do mesmo tipo das já existentes na sala.

Cláusula 4.ª

As obras de ampliação referidas terão início, previsivelmente, no terceiro trimestre de 2016 e deverão estar finalizadas até final do mesmo ano.

Cláusula 5.ª

A A... Unipessoal, Lda. fica dispensada do pagamento da renda mensal à Câmara Municipal durante o período de 1 (um) ano, contado da assinatura do presente documento, sendo 6 (seis) meses por compensação da perda da sala sita sobre as piscinas e 6 (seis) meses por compensação da perda de movimento causada pelas obras.

Cláusula 6.ª

A... Unipessoal, Lda. compromete-se a, depois de finalizadas as obras de ampliação referidas no ponto terceiro, manter o restaurante a funcionar e aberto ao público todos os dias, com exceção do dia de descanso semanal em que o estabelecimento esteja encerrado.

Cláusula 7.ª

A infração ao disposto no ponto Sexto pode dar lugar à rescisão do contrato de cessão de exploração, por parte da Câmara Municipal, sem direito a qualquer indemnização.

Cláusula 8.ª

Não haverá aumento da renda estabelecida, salvo as atualizações já previstas no contrato celebrado em 2012.

Cláusula 9.ª

Para efeito de qualquer notificação ou troca de correspondência, a morada da A... Unipessoal, Lda. é o próprio Complexo Turístico. -

Cláusula 10.ª

Em tudo o mais mantém-se inalterado o contrato celebrado em 2012.

Cláusula 11.ª

A Câmara Municipal aprovou a minuta desta adenda ao contrato ...12 em reunião de 06/05/2016.

..., aos vinte e três dias do mês de maio de 2016».

6) Em meados de Outubro de 2016, a A... Unipessoal, Lda., dirigiu um pedido ao Autor, no sentido de esta autorizar a cedência da sua posição contratual no Contrato nº ...12 ao empresário JJ, o qual obteve autorização da Câmara Municipal de ... datada de 21-10-2016, mediante as seguintes condições:

«a) seja formalizada a cessão da posição contratual agora autorizada, devendo esclarecer-se a interpretação e o alcance do ponto DÉCIMO-QUINTO das “Condições da Cessão de Exploração do Complexo Turístico de ...”, nos termos da minuta que se anexa e aprova;

b) se faça cessar o “Protocolo para a criação de um espaço de atividades na área do turismo ativo”, assinado em 18/05/2006, nos termos da minuta que se anexa e aprova».

7) Recebido o oficio da Câmara Municipal com a aprovação da cessão, mediante condições, a A... Unipessoal, Lda. comunicou ao Autor, em 11-11-2016, que cedente e cedida tinham aceitado as condições.

8) A 16-11-2016, a A... Unipessoal, Lda., deu conhecimento ao Autor que iriam assinar o contrato a 18-11-2016 de acordo com as condições impostas pela Autor na Reunião de 21-10-2016 e transmitidas à A... Unipessoal, Lda.

9) Em 17-11-2016, a A... Unipessoal, Lda., remeteu a JJ a cópia do contrato de acordo com a minuta referida em 6), tendo-se acordado que o contrato iria ser formalizado em 18-11-2016.

10) Em data não concretamente apurada, mas antes de 18-11-2016, a A... Unipessoal, Lda., cedeu as chaves do Complexo a JJ.

11) JJ não assinou o contrato referido em 9), não obstante se encontrar já na posse do referido Complexo Turístico.

12) A 28-11-2016, a A... Unipessoal, Lda., informou o Autor que JJ não havia assinado o contrato de cessão da exploração.

13) A 02-12-2016, em Reunião Ordinária da Câmara Municipal do Concelho ..., AA comunicou ao Sr. Presidente da Câmara de ... que JJ se recusou a assinar o contrato, que ocupava o Complexo Turístico B... e que se recusava a dar-lhe acesso ao espaço, o que mereceu a resposta do Sr. Presidente da Câmara com o seguinte teor: «A Câmara detém um contrato de cessão de exploração do Complexo Turístico com a A..., logo é exclusivamente com essa entidade que tem de tratar todos os assuntos a ele respeitantes, pelo que todas as questões entre terceiros e a A... nada tem a ver com elas».

14) Em data não concretamente apurada, mas anterior a 07-12-2016, o Autor remeteu à A..., Unipessoal, Lda., a comunicação com a referência ... com o seguinte teor:

«ASSUNTO: Cessação da Cessão de Exploração

1. Em 09/03/2012 foi por este Município celebrado com essa empresa um contrato de cessão de exploração do complexo turístico B...;

2. Tal contrato remete para o caderno de encargos anexo que dá como reproduzido;

3. Do referido caderno de encargos consta o ponto 15, segundo o qual "Tanto a Câmara Municipal como o cessionário podem faze-cessar o contrato a todo o tempo, desde que disso notifiquem a outra parte com aviso prévio de dois meses";

4. Com fundamento no referido ponto do caderno de encargos, e devido a alterações de circunstâncias que determinaram a celebração do referido contrato de cessão de exploração, a Câmara Municipal vem por este meio notificar essa empresa da cessação do referido contrato que ocorrerá decorrido o prazo de dois meses a contar do receção do presente oficio.

O Presidente da Câmara Municipal».

15) A A... Unipessoal, Lda., respondeu à comunicação referida em 14), por e-mail datado de 07-12-2016, declarando não aceitar o seu teor e que se mantinha em vigor o contrato.

16) A A... Unipessoal, Lda., na qualidade de requerente, intentou procedimento cautelar contra JJ, requerido, que veio culminar com a sentença proferida a 18-05-2017, transitada em julgado a 02-06-2017, no âmbito do procedimento cautelar que correu termos sob o n.º 313/17...., no Juízo Local Cível ..., que homologou a seguinte transacção:

«1 – O requerido obriga-se a proceder à entrega do Complexo Turístico B... ao requerente, no dia 23 de Maio de 2017 às 16:00 horas.

2- Em caso de impedimento nesta data, que deverá ser atempadamente comunicado pelo meio mais expedito, acordam em proceder à mencionada entrega no dia 25 de Maio de 2017 pelas 10:30 horas.

3- As partes reservam-se o direito de se fazerem acompanha, para além dos Mandatários, na data em que se vier a concretizar a entrega, por Notário, Agente de Execução ou outra pessoa idónea.

4- Da entrega far-se-á o respectivo auto do qual deverá constar o estado do estabelecimento em causa, recheio ali existente, bem como o estado respectivo (…)»

17) A 23-05-2017, em conformidade com a sentença referida em 16), perante o solicitador NN, JJ entregou o Complexo Turístico B... e duas chaves a AA, na qualidade de representante da A... Unipessoal, Lda.

18) No acto da entrega referida em 17), não existia fornecimento de energia eléctrica nem de água e não se verificou o funcionamento dos equipamentos eléctricos e das canalizações.

19) Nas mesmas circunstâncias de tempo atrás referidas, constavam do Complexo Turístico B... os seguintes bens:

Quartos e WC:

- 16 beliches metálicos solteiros

- 5 mesas de apoio em madeira

- 13 cabeceiras cama painéis forrado a tecido

- 26 bases de madeira com estofo tecido (0,90x1,95)

- 37 colchões com estrutura molas (0,90x1,95)

- 26 mesas cabeceira madeira Teka (1,00x0,85)

- 9 cadeirões em verga (0,60x0,70)

- 1 cama de casal

- 1 colchão de casal

Lavandaria/Rouparia:

- 1 bancada de alumínio

- 1 máquina de lavar roupa (10 kg)

- 1 máquina de lavar roupa (7,3 kg)

- 1 máquina de secar roupa

- 1 tanque para lavar roupa

- 1 máquina de passar (calandra)

- 1 cesto em alumínio para roupa (Iona)

- 1 mesa fórmica branca (100x55x75)

Equipamento eléctrico:

- 6 televisões

- 35 Ar condicionado

Equipamento de Cozinha/Cafetaria:

- 4 Estantes metálicas (5 prateleiras)

- 2 Estantes de alumínio

- 2 prateleiras duplas inox (parede)

- 1 Arca frigorífica horizontal

- 1 Arca frigorífica vertical inox

- 2 Arcas frigoríficas

- 1 Combinado marca Indesit

- 3 Arrefecedores

- 17 Bancadas inox

- 1 Balcão (corte de carne)

- 1 Armário Inox 2 prateleiras

- 1 Carro de transporte de tabuleiros

- 1 Carrinho de transporte de loiça

- 1 Carrinho de sobremesa

- 1 Cepo de Cortar carnes

- 2 Fritadeiras

- 1 Fogão Junex

- 1 Exaustor (cozinha)

- 1 Máquina de fazer sumo

- 1 Torradeira

- 1 Máquinas de lavar loiça

- 3 Suportes de frapé (gelo)

- 1 Carrinho com fogão

DIVERSOS

- 10 Mesas de madeira (0,80x0,80)

- 1 Mesa redonda em madeira

- 7 Cadeiras de ferro amarelas

- 2 Cadeiras de madeira com almofada (quartos)

- 10 Cortinados azuis

- 5 Cortinados de tecido (algodão)

- 5 Cortinados em tecido algodão (2,50,2,00)

- 4 Floreiras

- 2 Bengaleiro metálico

- 1 Conjunto de lareira

- 3 Armários metálicos/cacifos

- 1 Móvel de receção/balcão

- 1 Chaveiro

- 1 Mesa de reunião

- 1 Sofá de dois lugares

- 3 Sofás de madeira

- 1 Espelho com moldura (2,00x0,90)

- 2 Mesas de apoio madeira de pinho e estofo

- 1 Móvel apoio em madeira Teka (2,30x2,00)

- 4 Quadros de caixa com flores

- 4 Quadros (0,70x0,50)

- 6 Quadros-quartos

- 2 Quadros em tela (0,80x0,80)

- 6 Quadros com azulejo

- 2 Estantes em madeira

- 1 Estante metálica

- 10 Varões latão e ferro forjado c/2mt

- 8 Varões em ferro forjado c/2mt

- 1 Quadros em acrílico (1,50x0,90)

- 1 Candeeiro ferro (escadas)

- 16 Candeeiros quadrados pequenos

- 6 Candeeiros quadrados grandes

- 2 Bancos em napa pretos

- 1 Prateleira vertical

- 2 Biombos de luz (1,50x2,00)

- 8 Candeeiros teto c/abj em tecido (0,50x1,20)

- 37 Canas bambu (1,20 altura)

- 2 Escadas em bambu (decorativas)

- 2 Cadeiras alta estofo branco

- 1 Bomba UPS 75 com falanges.

20) Do auto de entrega do Complexo Turístico B..., elaborado pelo solicitador NN, consta: «O estado do estabelecimento, bem como de alguns equipamentos, apresentava sinais de degradação geral, alguma decorrente de mau uso, outra com sinais claros de vandalismo».

21) O Autor não esteve presente nem se fez representar no acto da entrega do Complexo Turístico B....

22) A 26-06-2017, a A... Unipessoal, Lda., alertou o Autor de que o Complexo estava sem ligação à rede pública de água e de que tal não permitia fazer as limpezas necessárias.

23) A 30-06-2017, AA apresentou queixa-crime junto da GNR, que deu origem ao NUIPC 67/17...., por desaparecimento de bens e pela prática de actos de vandalismo no Complexo Turístico B... durante o período de ocupação da mesma por JJ.

24) A 16-08-2017, pelas 10h20, o Réu AA, na qualidade de gerente da A... Unipessoal, Lda., entregou as chaves das instalações do Complexo Turístico de ... a KK, Técnico Superior do Município de ... designado para as receber pelo Presidente da Câmara Municipal, após extinção do contrato referido em 1) por deliberação municipal.

25) No dia 28-09-2017, os serviços técnicos municipais de ... deslocaram-se ao Complexo Turístico das B..., sito na Rua ..., em ..., e realizaram uma acção inspectiva ao edifício.

26) Pela Apresentação ...04, encontra-se registada a dissolução e encerramento da liquidação da sociedade A... Unipessoal, Lda., constando como depositário o aqui Réu AA, e encontrando-se registado o cancelamento da matrícula por via da mesma Apresentação.».

«27. - Após a entrega das chaves aludida em 24 dos factos provados, vários funcionários do Autor procederam à verificação do estado do imóvel, tendo procedido à contagem/listagem comparativa entre os bens inicialmente existentes e aqueles que foram devolvidos.» [ADITADO].

«28. - Não foram devolvidos ao Autor os bens e equipamentos indicados na listagem de fls. 215 v.º e 216 do processo físico» [ADITADO].

«29. - Os bens e equipamentos não devolvidos ao Autor ascendem a um valor/montante não concretamente apurado» [ADITADO].

«30. - No dia 28-09-2017 foram constatados nas divisões que compõem o edifício anomalias/“estragos” nos termos indicados na listagem de fls. 215 e v.º e como retratado nas fotografias de fls. 22 a 27 v.º do processo físico» [ADITADO].

«31. - A execução de trabalhos para reparação das anomalias descritas em 30 determina uma despesa em montante não apurado.» [ADITADO].

2. - E encontra-se não provado que:

«Da petição inicial (aperfeiçoada):

“a) Em 16-08-2017 e 17-08-2017, tenha sido elaborado um auto de contagem/listagem, que se encontra junto com a petição inicial como documento n.º 4, a fls. 19 v.º do processo físico”;

“b) Não foram devolvidos ao Autor todos os bens e equipamentos indicados no documento n.º 4”;

“c) Os bens e equipamentos não devolvidos ao Autor cifram-se no montante de € 36.732,81”;

“d) No dia 28-09-2017 foram constatadas nas divisões que compõem o edifício outras anomalias para além do aludido em 30 dos factos provados”;

“e) A execução de trabalhos para reparação das anomalias descritas em d) determina a realização de uma despesa no montante de € 54.940,41”;

f) O Réu ordenou a não entrega e a não devolução dos bens indicados no documento n.º 4 e a danificação ou destruição das instalações e infraestruturas do edifício.

Da contestação:

g) Foram furtados do complexo Karts, moto-4, máquinas de café, motosserra, insuflável, berbequim, e aquecedores da A... Unipessoal, Lda.

h) Acresce que a Ré A... Unipessoal, Lda., após a recusa por parte do referido empresário JJ, e por este ter vedado o acesso da Ré “A...” ao Complexo Turístico, mudando as fechaduras, tal levou a que aquela apresentasse queixa-crime junto da .... 112/16....).

i) A A... Unipessoal, Lda., convidou o Autor a fim de estar presente no acto formal da entrega da chave e retoma da posse e aí poder igualmente verificar do imóvel e dos seus pertences.

j) A A... Unipessoal, Lda., alertou o Autor para o facto de o Complexo se encontrar sem fornecimento de energia eléctrica, (cortada fruto de uma dívida superior a € 4.000,00) e tal facto impedir o fechamento da porta de entrada (eléctrica) e de activação dos alarmes.».


***

***


C) Da impugnação de direito

1. - Se estão verificados os requisitos da responsabilidade contratual ou extracontratual

Como visto, vem provado, desde logo, que, por intitulado «Contrato» de «Cessão de Exploração do Complexo Turístico B...», datado de 09/03/2012, o A./Apelante (Município), na sua qualidade de cedente, declarou ceder, a título oneroso, a exploração do estabelecimento em causa (“Complexo Turístico”) à sociedade aqui 1.ª R. (“A...”), o que o 2.º R. (AA) declarou aceitar, em representação da sociedade 1.ª R. [factos 1 e 2 provados].

Ficou então definido o clausulado contratual objeto de vinculação, sendo que as posteriores alterações operadas pelas partes – A. e 1.ª R. – em 23/05/2016 [facto provado 5] em nada contendem com a matéria decidenda.

Claro resulta, assim, que a relação contratual e inerente vinculação se estabeleceu entre aqueles A. (Município) e 1.ª R. (sociedade), não sendo parte no contrato o 2.º R. (AA), que apenas outorgou/interveio em representação daquela R. sociedade.

Também é clara – e não controvertida por qualquer das partes, logo, pacífica – a qualificação jurídica deste contrato, tal operada na sentença em crise:

«O contrato de cessão de exploração de estabelecimento é um contrato inominado que se rege pelas estipulações nele vertidas pelas partes e, subsidiariamente, pelas disposições dos contratos típicos mais afins, e, depois, pelas regras gerais dos contratos, sendo-lhe inaplicáveis as normas excepcionais dos arrendamentos para comércio, indústria ou profissões liberais e dos arrendamentos urbanos que limitam a liberdade contratual em matéria de locação, não só por via do disposto no artigo 11.º, como do artigo 1085.º, n.º 1 do Código Civil, cuja ratio legis foi facilitar a negociação do estabelecimento, privilegiando o valor dinâmico da exploração em prejuízo do valor estático do imóvel.

Ora, não há dúvidas de que, no caso em apreço, face à factualidade vertida em 1) a 4), o acordo das partes configura um contrato de cessão de exploração de estabelecimento ou locação de estabelecimento, o contrato pelo qual o Autor cedeu à A..., por determinado prazo e mediante pagamento duma contrapartida mensal, o direito de exploração de estabelecimento comercial de um alojamento local, café e restaurante, transferindo para esta última todo o mobiliário e utensílios que o compõem e indispensáveis ao seu funcionamento.».

Já é manifestamente controvertida a conclusão, a que chegou o Tribunal recorrido – fundado este no seu efetivado julgamento sobre os factos (factualidade provada e não provada) –, no sentido de, «Não provado o incumprimento do contrato – o facto ilícito contratual, na responsabilidade contratual – prejudicada fica a questão da culpa», determinando a improcedência da ação.

Na verdade, pugna o A./Recorrente – com deduzida impugnação da decisão de facto – pela existência de ilicitude e pela verificação, ainda, dos demais requisitos da obrigação de indemnizar, da 1.ª R. (com base em responsabilidade contratual) e do 2.º R. (por via de responsabilidade contratual ou, subsidiariamente, extracontratual).

Vejamos, então, a questão da ilicitude, no campo da responsabilidade contratual.

Entende o A./Apelante que os RR. violaram obrigações contratuais, ao incumprirem o dever de entrega/devolução do estabelecimento em estado adequado, uma vez que o imóvel/instalações apresentava diversos danos, para além de também haver móveis/equipamentos danificados e outros desaparecidos (não entregues).

O 2.º R./Recorrido, por sua vez, pareceria apontar para a imputação dos factos a terceiro, sem culpa da R. cessionária (ou do seu representante), e/ou para a culpa do próprio A./cedente.

Vem provado ter ficado convencionado entre as partes – A. e 1.ª R. – que foi «aceite e assinado o Auto de Entrega dos Equipamentos que fazem parte do Complexo Turístico, e que são propriedade do município ou se encontram na sua posse, auto esse que ambos os outorgantes aceitam e confirmam, e que fica a fazer parte integrante deste contrato», âmbito em que, «Se, findo o período de exploração, os equipamentos que constam do Auto de Entrega apresentarem um estado de degradação que impeça a sua utilização normal, a representada do segundo outorgante fica obrigada à sua substituição por outros com características idênticas» [cláusula QUARTA, facto 2, com itálico aditado].

Ao ponto até de ter sido também convencionado que, «Para cobrir os danos que eventualmente venham a acontecer ao edifício e equipamentos constantes do Auto de Transferência, o segundo outorgante fica obrigado a manter válido o seguro apresentado, apólice n.º ...42 no valor de 740.000,00€, e a comprovar, anualmente, que o seguro continua válido, sob pena de, caso não o faça, poder a Câmara Municipal rescindir a Cessão de Exploração agora feita», podendo haver substituição da apólice (contratação de novo seguro, desde que “de igual cobertura e valor”), «Se para tal for obtida autorização da Câmara Municipal» [cláusula QUINTA, facto provado 2] ([6]).

Do mesmo modo, prova-se [facto 3] que das «Condições da Cessão de Exploração» consta que: «1. O espaço em questão encontra-se equipado, nos termos descritos no anexo I às presentes normas, sendo esse equipamento propriedade do município; // 2. Se, findo o período de exploração, os equipamentos apresentarem um estado de degradação que impeça a sua utilização normal, o cessionário fica obrigado à sua substituição por outros com características idênticas».

Mais, é líquido que, em anexo ao contrato, «consta uma relação de bens e equipamentos, junta aos autos a fls. 10-11, que faziam parte do estabelecimento cuja exploração foi cedida pela Autora à A... (…), relação que foi devidamente aceite e assinada por ambos os contraentes, tendo a A... (…), por via do sócio gerente AA, recebido tais bens e equipamentos em bom estado de conservação» [facto 4].

Ou seja, é por demais inequívoco que cabia, nos termos estritos da vinculação contratual a que as partes se quiseram submeter, à 1.ª R. (cessionária do estabelecimento) entregar/devolver ao A. (cedente), finda a relação contratual, o imóvel/instalações, com todos os bens móveis/equipamentos que lhe haviam sido disponibilizados/entregues – até com elaboração/listagem em “Auto de Entrega dos Equipamentos” anexo ao contrato –, em adequado estado de conservação e funcionamento, já que a mesma R. havia «recebido tais bens e equipamentos em bom estado de conservação».

Assim lho impunha o disposto nos art.ºs 405.º, n.º 1, e 406.º, n.º 1, do CCiv. (princípio da liberdade contratual e eficácia vinculante relativa dos contratos).

Ora, o que vem agora provado – diversamente do dado como provado em 1.ª instância – é que:

- após a entrega das chaves ao A., vários funcionários deste procederam à verificação do estado do imóvel, com contagem/listagem comparativa entre os bens inicialmente existentes e aqueles que foram devolvidos [facto 27, aditado];

- não foram devolvidos ao A. os bens e equipamentos indicados na listagem de fls. 215 v.º e 216 do processo físico [facto 28, aditado], em valor/montante não concretamente apurado [facto 29, aditado];

- e foram constatados nas divisões que compõem o edifício anomalias/“estragos” nos termos indicados na listagem de fls. 215 e v.º e como retratado nas fotografias de fls. 22 a 27 v.º do processo físico [facto 30, aditado];

- sendo que a execução de trabalhos para reparação destas anomalias determina uma despesa em montante não apurado [facto 31, aditado].

Perante esta factualidade – agora julgada provada –, tem de concluir-se que aquela 1.ª R. incumpriu o seu dever de entregar/devolver ao A. o imóvel/instalações, com todos os bens móveis/equipamentos que lhe haviam sido disponibilizados/entregues, em adequado estado de conservação e funcionamento, termos em que não se conformou a mesma, nesta parte, com o estipulado no contrato por si celebrado, nem com o disposto, em conjugação, naquele art.º 406.º, n.º 1, do CCiv..

Daí que esteja configurada a ilicitude da conduta contratual dessa 1.ª R., o mesmo não podendo dizer-se do 2.º R., por não ser parte no contrato, mas apenas outorgante em representação da R. sociedade.

Não oferece, assim, dúvidas que cabia à 1.ª R. – era esta a parte no contrato com o Município, sendo o 2.º R. um representante daquela (este não era, por isso, parte no contrato de cessão de exploração de estabelecimento, nem ao mesmo estava sujeito em termos de vinculação pessoal) –, findo o contrato, devolver o estabelecimento, com tudo o que o compunha, quanto a instalações, bens e equipamentos, ao A./cedente.

Porém, assim não fez, provando-se que havia anomalias/“estragos” em instalações/imóvel e móveis/equipamentos, para além do desaparecimento de outros bens.

Ao assim proceder, violou aquela R. uma obrigação contratual por si assumida, a de devolução integral e sem dano de tudo o que lhe havia sido entregue no âmbito da cessão de exploração.

Daí que, como pretende o A./Apelante, a sua conduta se revista de ilicitude (violação de expresso dever contratual), âmbito em que não pode colher, salvo o respeito devido, a invocação de tais “estragos” não terem sido praticados por qualquer dos RR., mas por terceiro.

Com efeito, tal não os poderia liberar/desonerar perante o A./Recorrente.

É que foi a 1.ª R., através do seu legal representante (o 2.º R.), quem entregou as chaves do estabelecimento (instalações) ao dito terceiro (JJ), assim lhe permitindo o acesso ao mesmo e a tudo o que o compunha (ponto 10 dos factos provados), do qual resultaram os danos.

A 1.ª R. tinha a posse do estabelecimento, incluindo instalações, bens e equipamentos, que lhe foram cedidos pelo A..

Cabia-lhe, assim, a guarda desses bens, bem como a sua devolução, em estado adequado, quando cessasse o contrato, de acordo com a vinculação contratual livremente assumida.

Todavia, a entrega das chaves – e decorrente disponibilização do todo – a terceiro só à dita 1.ª R. é imputável, posto não o ter feito (entrega) com autorização do A..

Se esse terceiro, a quem aquela R., enquanto possuidora, com dever de guarda, disponibilizara o acesso, permitiu o dano – ou o causou, por si ou por outrem –, tal não desonera essa R. perante o demandante/cedente, pois somente com esta o A. se vinculou contratualmente (não com o terceiro).

Ou seja, o A. nenhuma relação contratual teve com esse terceiro, apenas à 1.ª R. o ligando o vínculo contratual estabelecido. Donde que o A. seja efetivamente alheio a tudo o que foi acordado entre aquela R. e aquele terceiro.

E nem a efetiva autorização do A. para o efeito da cessão da posição contratual – pretendida esta última, mas nunca realizada/celebrada –, da 1.ª R. para esse terceiro, torna o demandante responsável pelo que se passou entre essa R. e o terceiro.

O A. apenas autorizou/consentiu, nos termos expressos do contrato ([7]) e da lei ([8]), que fosse celebrada a cessão da posição contratual da dita R. para terceiro (como estes pretendiam), não intervindo como parte nessoutro contrato, nem nele se vinculando ([9]), obviamente, a qualquer título, tanto mais que – insiste-se – o pretendido contrato nunca chegou sequer a ser formalizado/celebrado.

Só à 1.ª R. é imputável a prematura entrega das chaves ao terceiro, visto que tal ocorreu sem que existisse qualquer contrato de cessão da posição contratual ([10]).

Se o terceiro, a quem a possuidora entregou as chaves, permitindo-lhe o acesso, se não mesmo transmitindo-lhe, de algum modo, a posse (cfr. o aludido facto 11), causou danos aos bens do A., ocorre nexo de causalidade entre essa prematura e não autorizada entrega (antes de celebrado qualquer contrato) e os danos sobrevindos, não por se ter provado que houvessem sido praticados por qualquer dos RR., mas por inobservância do dever de guarda e de preservação dos bens até à sua devolução à A., como era obrigação da 1.ª R. ([11]).

Assim, tal 1.ª R. tem de ser responsabilizada, à luz do contrato celebrado com o A. – e da lei aplicável, apontando no mesmo sentido –, pelo incumprimento do convencionado e vinculante dever de entrega ([12]).

Em suma, há ilicitude, por incumprimento contratual, bem como culpa (negligente entrega do bem pelo possuidor, com dever de guarda e restituição, a quem/terceiro lhe causou dano, ou permitiu, ou não evitou, que o dano ocorresse), de acordo até com o disposto nos art.ºs 798.º e 799.º do CCiv., tal como o imprescindível nexo de causalidade.

Há, pois, responsabilidade contratual, perante o A., da 1.ª R., que pode, se assim o entender, por sua vez, demandar – reitera-se – o terceiro causador dos danos.

Porém, não há responsabilidade contratual – ou extracontratual – do 2.º R., por não ser parte celebrante no contrato com o A. (apenas representante de uma das partes, não se confundindo com a mesma), nem ter sido ele, mas a 1.ª R., a entregar as chaves e facultar o acesso (ou mesmo a posse), ao terceiro.

Também, no plano da responsabilidade extracontratual, nada se apurou, perante o que consta dos factos provados, no sentido de ter o 2.º R., por si e para si, praticado qualquer facto ilícito e, como tal, lesivo para o património do A. – veja-se até o facto não provado f), âmbito em que o A./Apelante, notoriamente, decaiu na prova a seu cargo (cfr. art.º 342.º, n.º 1, do CCiv.).

Como dito, a intervenção do 2.º R. cinge-se ao quadro de representação da 1.ª R., a única outorgante no contrato com o A..

A 1.ª R. – mais precisamente, como dito na sentença, nesta parte sem impugnação a respeito, «o Réu AA, (…) na qualidade de liquidatário representante da generalidade de sócios da extinta A..., UNIPESSOAL, LDA.» – tem, pois, de responder pelos danos causados ao A., danos esses nos moldes em que apurados e, como tal, indesmentíveis, embora ainda carecidos de quantificação, como se verá adiante.

Para a produção de tais danos não concorreu, por ação ou omissão, o A./lesado, inexistindo factualidade que permitisse um juízo positivo de repartição de culpas e decorrente mitigação ou afastamento da indemnização (cfr. art.º 570.º, n.º 1, do CCiv.).

Daí que, tudo visto neste âmbito, não possa subsistir a absolvição no que tange a essa R. (levando em conta, todavia, a sua extinção entretanto ocorrida), mas deva permanecer o juízo absolutório – no horizonte da responsabilidade contratual ou extracontratual – relativamente ao 2.º R..

2. - Se, em substituição ao Tribunal recorrido, pode fixar-se o montante indemnizatório

Importa, então, verificados todos os pressupostos da obrigação indemnizatória por ilícito contratual, procurar determinar o quantum da prestação indemnizatória, a suportar, no concernente à conduta da 1.ª R., pelo aludido «Réu AA, (…) na qualidade de liquidatário representante da generalidade de sócios da extinta A..., UNIPESSOAL, LDA.».

Porém, nesta parte, como sinalizado já, estando os danos apurados e, como tal, sendo indesmentíveis, não é (ainda) possível proceder à sua completa quantificação, posto ser sabido que:

- não foram devolvidos ao A. os bens e equipamentos indicados na referida listagem de fls. 215 v.º e 216 [facto 28]; todavia, em valor/montante não concretamente apurado [facto 29];

- foram constatados nas divisões que compõem o edifício anomalias/“estragos” nos termos indicados na listagem de fls. 215 e v.º e como retratado nas fotografias de fls. 22 a 27 v.º [facto 30]; porém, demandando trabalhos de reparação com custo/despesa em montante não apurado [facto 31].

Nada obsta, no entanto, a um juízo de prognose positiva quanto à possibilidade futura de prova do que nesta sede não foi conseguido: o valor dos concretos danos sofridos.

Com efeito, prevê o art.º 609.º, n.º 2, do NCPCiv., que, não havendo “… elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condena no que vier a ser liquidado, sem prejuízo de condenação imediata na parte que já seja líquida”.

E, no âmbito da indemnização em dinheiro por danos causados (cfr. art.º 566.º, n.º 3, do CCiv., que remete para a equidade no caso de não ser possível averiguar o valor exato dos danos), já foi entendido pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ) que a opção entre equidade e liquidação em fase posterior, uma vez provado o dano, mas não estabelecida a sua quantificação, “deve obedecer àquela que dê mais garantias de se mostrar ajustada à realidade”.

Assim é que, “se apesar de provado o dano, não foi possível atingir-se na fase que vai até à Sentença um valor exacto para a sua quantificação, mas seja admissível que ainda é possível atingi-lo com recurso a prova complementar sobre o montante exacto ou muito próximo dos danos reais, não deve passar-se para a fase executiva na parte em que a condenação ainda não esteja líquida, sendo o instrumento adequado o incidente de liquidação …”.

Já “se, pelo contrário, apesar de provado o dano, não foi possível atingir-se a determinação do seu montante exacto, nem se veja forma de o poder atingir com prova complementar sobre a quantificação dele, o meio adequado para o estabelecer é utilizar desde logo a equidade – art. 566.º-3 do CC. (entre outras razões por racionalidade de meios), dentro dos limites que o tribunal tenha disponíveis para o efeito” ([13]).

Seguindo este critério, parece adequado também para o caso dos autos considerar, apurado que a obrigação de indemnizar existe, mas faltando determinar o seu quantitativo, que seria excessivo, na perspetiva da obtenção da justiça material, absolver agora a parte demandada/devedora da reparação – sabe-se que esta deve indemnizar o lesado e é ainda possível apurar o quantum respetivo.

Donde que seja de relegar o quantum da condenação para ulterior incidente de liquidação, pois que se perspetiva como possível que outras provas sejam apresentadas pelas partes, o que sempre afastaria o julgamento, por ora, segundo padrões de equidade ([14]) ([15]).

Também não colheria o argumento, em contrário, de se estar a beneficiar uma das partes em detrimento da outra, violando-se os princípios da igualdade das partes e do contraditório.

Com efeito, a igualdade das partes e o contraditório continuarão a vigorar, obviamente, também na subsequente fase incidental da liquidação e, se é certo que se concede a uma das partes uma nova oportunidade de provar o quantum da obrigação indemnizatória, tal só ocorre depois de estar demonstrada a obrigação e na perspetiva do bem maior da justiça material ([16]).

Donde que, em vez de beneficiar uma das partes com nova oportunidade probatória, o que está em causa é o escopo de obtenção da justiça material, fim último do processo ([17]).

Termos em que tem de condenar-se agora, com revogação da sentença absolutória e substituição ao Tribunal recorrido, mas sem necessidade de nova observância do princípio do contraditório, por já observado em matéria de indemnização (art.º 665.º, n.ºs 2 e 3, do NCPCiv.), no que vier a liquidar-se em adequado incidente de liquidação.

Procede, portanto, em parte a apelação.

***

(…)

                                               ***

V – Decisão
Pelo exposto, julga-se procedente em parte a apelação, revogando-se a sentença absolutória no respeitante à 1.ª R., termos em que:
a) Em substituição ao Tribunal recorrido – no concernente à conduta daquela 1.ª R. –, vai o «Réu AA, (…) na qualidade de liquidatário representante da generalidade de sócios da extinta A..., UNIPESSOAL, LDA.» condenado a indemnizar o A., dentro do peticionado, no que vier a liquidar-se em adequado incidente de liquidação, quanto aos seguintes danos:
1. - Pelo valor dos bens e equipamentos indicados na listagem de fls. 215 v.º e 216 do processo físico [facto 28], não devolvidos ao A.;
2. - Pelo custo dos trabalhos de reparação das anomalias/“estragos” nas divisões que compõem o edifício do A. nos termos indicados na listagem de fls. 215 e v.º e como retratado nas fotografias de fls. 22 a 27 v.º [facto 30];
b) Mantendo-se no mais a decisão recorrida.
Custas da ação e da apelação por A./Apelante e R. condenado, provisoriamente, na proporção de metade por ambos, sem prejuízo de adequada definição na ulterior liquidação e do benefício do apoio judiciário concedido (fls. 98 e segs. do processo físico).

                                               ***

Coimbra, 21/05/2024
Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior)

Assinaturas eletrónicas

Vítor Amaral (relator)

Carlos Moreira

Luís Cravo


([1]) Em 18/12/2019, no Juízo Central Cível de Castelo Branco (Juiz ...) do Tribunal Judicial da Comarca de Castelo Branco.
([2]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([3]) Aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06.
([4]) Factualidade retirada, toda ela, da petição inicial.
([5]) Sem prejuízo da apreciação, que se fará a jusante, quanto a cada um dos convocados meios de prova pessoal.
([6]) E não desconheciam os RR. – nem o A. – o teor da cláusula “DÉCIMA-SEGUNDA”, nos termos da qual, «Para garantia do pontual cumprimento das obrigações decorrentes deste contrato, o segundo outorgante apresentou caução no valor de 6.600,00€, que lhe será devolvida no final do contrato, excepto se a Câmara Municipal a ela tiver de recorrer para se ressarcir de prejuízos sofridos no Complexo ou por dívidas decorrentes da exploração do mesmo.».
([7]) Está patentemente provado que o cessionário não poderia, sem ordem/autorização expressa da Câmara, «Ceder a posição contratual adveniente da presente cessão de exploração, salvo se a tal for expressamente autorizado pela Câmara Municipal», bem como que, em meados de outubro de 2016, a 1.ª R. «dirigiu um pedido ao Autor, no sentido de esta autorizar a cedência da sua posição contratual no Contrato nº ...12 ao empresário JJ, o qual obteve autorização da Câmara Municipal de ... datada de 21-10-2016», mediante determinadas condições (facto 6), as quais foram aceites (facto 7). Porém, sem interferência do A., «JJ não assinou o contrato referido em 9), não obstante se encontrar já na posse do referido Complexo Turístico» (facto 11).
([8]) Veja-se o disposto, em matéria civilística, no art.º 424.º, n.º 1, do CCiv., quanto à necessidade de consentimento do outro contraente (no caso, o A.) na transmissão.
([9]) O consentimento na transmissão (art.º 424.º, n.º 1, do CCiv.), como ato essencial para que esta valha, assume-se, pois, como condição de validade da cessão da posição contratual, mas não mais que isso, não traduzindo qualquer vinculação (do declarante do consentimento) no contrato de cessão da posição contratual, em que o cedido/declarante não é parte – este apenas é parte no contrato-base, e não no contrato-instrumento da cessão, «que é o realizado para transmissão de uma das posições derivadas do contrato-base» (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 4.ª ed. revista e actualizada, Coimbra Editora, Coimbra, 1987, ps. 400 a 402).
([10]) Tem, pois, de distinguir-se entre consentimento na transmissão – que o A. prestou – e consentimento na prematura – e imponderada – entrega das chaves/disponibilização do espaço e inerentes bens (que tal A. não prestou).
([11]) A esta, que, como possuidora, concedera as chaves a terceiro, cabia defender e recuperar a (sua) posse (perante esse mesmo terceiro, que só acedeu aos bens por via da conduta de quem lhe entregou tais chaves), como viria a recuperar (em procedimento cautelar de restituição da posse), plano relacional a que o A. era alheio (cfr. factos 16 e 17, bem como o doc. de fls. 114 a 115 do processo físico).
([12]) Pense-se, pelo paralelismo com as vicissitudes do contrato de arrendamento de imóveis urbanos (ou de locação), no inquilino/locatário que faculta a terceiro a coisa locada, causando esse terceiro, no âmbito da entrega pelo dito inquilino, danos nessa coisa, caso em que não pode esse inquilino/possuidor desonerar-se perante o senhorio/locador, ao entregar-lhe a coisa danificada, sob a argumentação de que foi um terceiro o autor dos danos. Ainda que assim fosse, nem por isso o inquilino/locatário deixaria de ser responsável, perante o seu senhorio/locador, pelo dano causado por aquele a quem entregara a coisa/bem por si possuído e que lhe competia guardar/preservar (já que sabia ter de o devolver quando findasse o arrendamento/locação). Tudo sem prejuízo, obviamente, dos direitos do mesmo inquilino/locatário contra o autor do dano.

([13]) Assim o Ac. STJ, de 03/02/2009, Proc. 08A3942 (Cons. Mário Cruz), in www.dgsi.pt.
([14]) Esta, como escrito no Ac. do STJ de 07/07/2009, Proc. 704/09.9TBNF.S1 (Cons. Fonseca Ramos), in www.dgsi.pt, «é um “Termo de procedência latina (aequitas) com o significado etimológico e corrente de “igualdade”, “proporção”, “justiça”, “conveniência”, “moderação”, “indulgência”, é utilizado na linguagem da ética e das ciências jurídicas sobretudo para designar a adequação das leis humanas e do direito às necessidades sociais e às circunstâncias das situações singulares (a equidade é, por assim dizer, a “justiça do caso concreto”)».

([15]) No sentido aqui defendido, considerando que o preceituado no art.º 661.º, n.º 2, do CPCiv. (atual art.º 609.º, n.º 2, do NCPCiv.), tanto tem aplicação quanto a pedido originário genérico, sem que tenha sido possível convertê-lo em pedido específico, como relativamente a pedido inicial específico, sem obtenção subsequente de elementos que permitissem fixar, com precisão e segurança, o quantum na sentença, não obstando, pois, a dedução originária de pedido líquido a que a sentença venha a condenar em montante a liquidar ulteriormente, cfr., entre muitos outros, o Ac. do STJ, de 04/05/2010, Proc. 5002/05.8TBCSC.L1.S1 (Cons. Azevedo Ramos), em www.dgsi.pt.
([16]) Assim também, entre outros, o Ac. do STJ, de 25/03/2010, Proc. 203/2001.S1 (Cons. Sousa Leite), em www.dgsi.pt.
([17]) Neste sentido, o Ac. TRC de 09/05/2017, Proc. 2440/13.6TBLRA.C1 (relatado pelo aqui relator), em www.dgsi.pt.