Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1807/09.9TBCLD-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FONTE RAMOS
Descritores: PROTECÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO
JOVEM
MEDIDA DE APOIO PARA AUTONOMIA DE VIDA
PLANO DE INTERVENÇÃO
Data do Acordão: 11/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - C.RAINHA - JUÍZO FAM. MENORES
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.30, 45 DO DL Nº 12/2008 DE 17/1, LEI Nº 147/99 DE 1/9
Sumário: 11. A medida de apoio para a autonomia de vida consiste em proporcionar directamente ao jovem com idade superior a 15 anos apoio económico e acompanhamento psicopedagógico e social, nomeadamente através do acesso a programas de formação, visando proporcionar-lhe condições que o habilitem e lhe permitam viver por si só e adquirir progressivamente autonomia de vida (art.º 45º, n.º 1 da LPCJP), maxime, nos contextos escolar, profissional, social, bem como o fortalecimento de relações com os outros e consigo próprio (art.º 30º do DL n.º 12/2008, de 17.01).

2. Declarada cessada a medida de apoio junto de outro familiar a que se encontrava sujeito um jovem de 16 anos, é razoável e adequado determinar, a título cautelar, pelo período de três meses, a aplicação da medida de apoio para a autonomia de vida nos termos propostos pelo relatório do Instituto da Segurança Social (ISS), se, nomeadamente, resultando deste relatório a manutenção da situação de perigo para o jovem, necessitando de resposta adequada e célere, não se vislumbram razões para deixar de atentar na vontade determinada do mesmo revelada quando ouvido em juízo no sentido de se recusar a viver com a mãe, e é de afirmar a viabilidade do projecto do ISS e já iniciado na prática, bem como a adequação da residência do jovem e do curso que frequenta, não se antolhando relevante a falta de controlo por autoridade parental (nem havendo certeza de que antes se tenha revelado essencial).

3. E aquela medida, acompanhada dos correspondentes apoios, acaba sancionada pela evolução da situação se o jovem veio a revelar “compromisso com as acções elencadas no plano de intervenção para a execução da medida, bem como continua a comprometer-se que no futuro virá a assumir” as acções que lhe foram indicadas.

Decisão Texto Integral:   


         

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

           

            I. Em 13.7.2018, nos presentes autos de promoção e protecção movidos pelo M.º Público em benefício do menor F (…) nascido a 05.3.2002, filho de A (…) e de V (…), o Tribunal a quo (Tribunal Judicial da Comarca de Leiria - Juízo de Família e Menores das Caldas da Rainha), nos termos previstos pelos art.ºs 1º a 4º, 5º, al. a), 34º, 35º, n.º 1, al. d), 37º n.ºs 1 e 3, 45º, n.º 1 e 62º, n.ºs 1 e 3, al. b) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo/LPCJP (aprovada pela Lei n.º 147/99, de 01.9), declarou cessada a medida de apoio junto de outro familiar a que se encontrava sujeito o referido jovem[1] e determinou, a título cautelar, pelo período de 3 (três) meses, a aplicação da medida de apoio para a autonomia de vida, nos termos propostos pelo relatório do Instituto da Segurança Social (ISS).

            Inconformada com o decidido e visando a sua alteração, a requerida/progenitora apelou, terminando a alegação com as seguintes conclusões:

            (…)

            A Exma. Magistrada do M.º Público e o J (…) responderam concluindo pela improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida.

            Atento o referido acervo conclusivo, importa decidir, principalmente, se a medida aplicada se ajusta ao quadro fáctico apurado e à evolução da situação descrita no último relatório do ISS junto aos autos em Set./2018.

*
            II. 1. A 1ª instância ponderou o seguinte enquadramento fáctico e processual[2]:

            a) Junto aos autos relatório social sobre a situação dos jovens G (…) e F (…) (…) do qual consta informação de que teriam sido solicitados aos Centros Distritais das respectivas áreas de residência ( S (...) e Z (...) ) informações sociais sobre a situação e as actuais condições de vida dos progenitores, pelo ISS foi sugerida a substituição da medida vigente em relação a ambos: apoio junto do progenitor ou da progenitora, relativamente ao G (…) e medida de apoio para autonomia de vida, relativamente ao F (…) com sujeição aos deveres aí elencados e com atribuição de apoio económico no valor de € 380 mensais.[3]

            b) Do mesmo relatório consta que o jovem G (…) iria estar de férias entre 27.6.2018 e 15.7.2018 na companhia da progenitora em S (...) e que depois disso iria estar com o progenitor na residência deste entre 15.7.2018 a 31.7.2018.

            c) Foram ouvidos ambos os progenitores, a irmã agora maior[4], assim como ambos os jovens, a par da técnica do ISS com conhecimento sobre o acompanhamento do processo dos autos.

            d) Desde logo se constatou duas situações bastante diversas em relação aos jovens.

            Enquanto o G (…) se encontra a viver com a mãe em S (...) , tendo demonstrado vontade de adaptação ao novo meio social e escolar, e perspectivando ali continuar, aliás, de acordo com a vontade da progenitora e sem o desacordo do progenitor, igualmente não revelou grande ligação ao seu irmão mais velho F (…) pouco com ele falando, sequer pelo telefone, mais focado na sua nova vida futura que perspectiva na companhia da mãe.

            Já o F (…) revelou grande animosidade para com a mãe recusando terminantemente ser da sua vontade voltar a viver com ela, por razões ligadas ao passado de ambos que não está a considerar tentar ultrapassar. Mais referiu que pretende continuar a frequentar o seu estágio e continuar o seu curso de gestão desportiva no C (...) , desconhecendo que exista curso sequer semelhante na zona de residência da mãe; pretende viver a muito breve prazo na companhia da irmã L (…) em O (...) , em casa comum que já arrendaram e que com a ajuda da segurança social se encontram a personalizar e a equipar, aliado ao facto de a irmã frequentar o mesmo curso e turma.

            Até recentemente viveu com a tia-avó desde Fev./2017[5] e concordou em sujeitar-se ao cumprimento das acções que vierem a ser elencadas no plano de execução da medida de apoio para a autonomia de vida.

            e) Foi dado cumprimento ao disposto nos art.ºs 84º e 85º da LPCJP, tendo os dois jovens manifestado o seu assentimento à aplicação das acima indicadas medidas e a progenitora manifestado a sua vontade em que os seus dois filhos passassem a residir consigo, demonstrando a sua oposição a que o F (…) permanecesse a residir com a irmã L (…) em O (...) , nas condições estabelecidas no relatório do ISS.

            f) Foi também junto aos autos relatório social sobre a situação da progenitora, no qual se conclui que a mesma reúne condições, neste momento, para receber os filhos.[6]

            g) Não foi ainda junto qualquer relatório sobre a situação do progenitor.

            h) A premência da situação de emigrante adoptada pela tia-avó impõe a substituição da medida antes aplicada por outra que se adeqúe à situação em que qualquer dos jovens se encontra.

            i) No que respeita F (…), o Tribunal vê-se confrontado com propostas opostas: por um lado a vontade do jovem de 16 anos que quer viver junto da irmã com 18 anos, com o apoio do ISS, do director da escola e da tia-avó, sufragada pelo ISS e Ministério Público; por outro, a vontade dos progenitores que a tal se opõem alegando a falta de controlo do menor em tal situação.

            j) Por outro lado também se vê confrontado com a necessidade premente de definição mínima das condições do menor F (…) face à ausência recente da tia-avó e por outro a dificuldade de o fazer a título definitivo com base apenas em planos nunca experimentados e com opiniões muito pouco limadas sobre os mesmos.

            k) Assim, considera-se essencial ouvir as técnicas subscritoras do relatório social relativo ao jovem e que não puderam comparecer na diligência realizada uma vez que as mesmas serão dotadas de um conhecimento histórico e prospectivo directo da vida do jovem F (...) que a técnica substituta revelou não ter.

            l) Também se considera essencial apurarem-se as condições socioeconómicas e pessoais do progenitor que não se encontram documentadas nos autos.   

            m) Também a tia-avó, de regresso a Portugal entre Setembro e Dezembro, tem conhecimento directo de factos que importam elucidar relativos à vida do jovem.          n) Finalmente, importa apurar se existem alternativas efectivamente viáveis na zona de residência de qualquer dos progenitores do curso de gestão desportiva que o jovem se encontra presentemente a frequentar.

            o) Perante tantos factos ainda por esclarecer, torna-se impossível de momento a tomada de posição suficientemente sólida sobre a medida de promoção e protecção adequada ao jovem.

            p) Sem prejuízo, resultando do relatório do ISS uma inegável manutenção da situação de perigo em que se encontra, necessitando de resposta adequada e célere, considera-se que a título cautelar e pelo período de 3 meses, não se vislumbram razões para deixar de atentar na vontade determinada do jovem[7] revelada quando ouvido em juízo no sentido de se recusar a viver com a mãe, a viabilidade do projecto atestado pelo ISS e já iniciado na prática, o local actual da residência do jovem e do curso que frequenta e o facto de a separação do irmão não se revelar à partida factor destruturante, contra argumentos que por ora não se revelam decisivos como sejam uma falta de controlo por autoridade parental clássica, a qual não há certeza de que antes se tenha revelado essencial.

            2. Consequentemente,

            - Nos termos previstos pelos art.ºs 1º a 4º, 5º, al. a), 34º, 35º, n.º 1, al. d) e 37º n.º 1 e 3, 45º, n.º 1 e 62º, n.ºs 1 e 3, al. b) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, declarou cessada a medida de apoio junto de outro familiar a que se encontra sujeito o jovem F (…) e determinou a título cautelar pelo período de 3 (três meses) a aplicação da medida de apoio para a autonomia de vida nos termos propostos pelo relatório do ISS.

            - E que se oficiasse ao Centro Distrital de W (...) do ISSS - ao cuidado das técnicas que elaboraram o relatório junto aos autos - solicitando que, no início de Set./2018, fosse remetida aos presentes autos informação sobre a identificação e morada dos familiares do jovem que se disponibilizaram para lhe prestar apoio conforme consta do relatório e, bem assim, informação sobre a data em que a tia-avó do mesmo P (…) - se encontrará em Portugal, de modo a possibilitar a audição dessas pessoas pelo Tribunal, junto com as técnicas subscritoras do relatório, solicitando-se, ainda, ao ISS da área de residência de cada um dos progenitores averiguação e informação quanto à existência de curso de gestão desportiva na área de residência daqueles (em relação ao progenitor, solicitando-se ao ISS a junção de relatório social sobre as condições de vida do mesmo).

            3. Consta do relatório elaborado pelo ISS, datado de 05.9.2018[8], designadamente:

            - No campo de férias, o jovem F (…) revelou “ser bastante competente e qualificado, no exercício das funções que lhe são destacadas”.

            - O F (…) “continua a manifestar vontade em continuar a frequentar o curso de Gestão Desportiva (…) na Escola Secundária J (...) , tendo como objectivo completar o ensino secundário e vir a aceder ao ensino superior na área do desporto”, e o referido Estabelecimento de Ensino mantém disponibilidade para continuar o apoio ao F (...) no ano lectivo 2018/2019.

            - O jovem “continua a revelar recusa em estabelecer comunicação com a progenitora”; mantém contactos com o progenitor e passou um período de férias com o mesmo com início em 01.9.2018.

            - O progenitor referiu que na sua perspectiva o F (...) “amadureceu” (“está um homem”/sic), “manifestando que concorda com a decisão de prorrogação da medida de ´Autonomia de Vida` caso venha o Tribunal a decidir pela mesma, reconhecendo capacidades ao filho para o efeito”.

            - A tia P (…) informou que ia regressar a Portugal no dia 15.9.2018 mas espera voltar a exercer actividade profissional fora de Portugal; contudo, “enquanto se mantiver em Portugal e fora de Portugal, manterá disponibilidade para continuar a apoiar o F (...) na gestão e acompanhamento das suas actividades da vida diária, manifestando concordância com a decisão de prorrogação/confirmação da medida de ´Apoio para Autonomia de Vida`”.

            - Os tios (…) têm apoiado a L (…) e o F (…), acompanhando-os nas demais tarefas que estes necessitam, “como por exemplo, no transporte dos alimentos da T (...) para a sua morada, na aquisição e recolha de mobiliário e electrodomésticos para a habitação que a fatria veio a arrendar, tratamento de documentação, requisição de prestações sociais, entre outros”.

            - Nos últimos meses, o F (…) “continua a revelar-se autónomo e responsável pelas suas obrigações, tendo diligenciado pela alteração de morada no cartão de cidadão e para a abertura de conta bancária”.

            - “Em visita domiciliária à habitação que F (…) e L (…) vieram a arrendar, foi possível observar que se trata de um apartamento de tipologia T2, integrado num prédio de construção recente, composto por dois quartos, um WC, uma sala de estar e uma cozinha, estando os jovens a diligenciar para que a habitação seja equipada de forma adequada tendo em conta as suas necessidades”.

            - “Ao nível da gestão financeira L (…) e F (…) contam com a prestação social do RSI, no valor de € 280,02 por mês”.

            - O F (…) “conta ainda com o apoio económico” decidido pelo Tribunal, “no âmbito do art.º 13º do DL n.º 12/08, de 17.01, no valor de € 380”.

            - F (…) e L (…) “beneficiam de apoio ao nível de alimentos (cabaz de alimentos) e irão beneficiar de outros apoios ao nível escolar (alimentação e transporte escolar)”.

            - “O jovem mantém a vontade de se manter integrado na comunidade escolar e social de O (...) , onde se sente seguro e integrado”.

            - “F (…) revelou, nos últimos meses, compromisso com as acções elencadas no plano de intervenção para a execução da medida, bem como continua a comprometer-se que no futuro virá a assumir” as acções que lhe foram indicadas.

            4. E, no final do mesmo relatório do ISS, veio a ser emitido o seguinte “parecer”:

            - “ (…) somos de parecer (…) que se encontram reunidos os requisitos legais para ser decidida a confirmação da medida de promoção e protecção, decidida a título cautelar, de ´Apoio para Autonomia de Vida, relativamente a F (…) a vigorar pelo período de 6 meses”.

            - “É ainda parecer que se encontram reunidos pressupostos para ser decidida a prorrogação da atribuição de apoio económico a F (…) no valor mensal de € 380 pelo período em que vigorar a medida, de molde a que possa suportar o pagamento de arrendamento de habitação, alimentação, saúde e educação, nos termos do artigo 13º do DL 12/08, de 17 de Janeiro e desse modo garantir a satisfação das suas necessidades”.

            5. Da decisão de revisão de 09.11.2017[9], consta o seguinte:

            «(…) Foi junta aos autos a Informação Social (…) elaborada em 19.7.2017, e da qual resulta (…) que apesar dos jovens [F (…) e G (…)] não se encontrarem em situação de perigo actual junto da tia-avó, os mesmos recusaram voltar para junto da progenitora e manifestam a vontade de permanecer no agregado daquela, existem divergências entre a progenitora e a guardiã quanto ao modelo educativo assumido por esta, sendo certo que a progenitora depende economicamente das redes de apoio social, não se encontrando a trabalhar.

             (…) Foram ouvidos presencialmente os jovens L (…), F (…) e G (…) (…): o jovem F (…), com 15 anos de idade, declarou que acha que a mãe já não está com o padrasto, mas que, independente disso não quer voltar a viver com a mãe (tendo sido tal declaração prestada de forma expressa e firme), que transitou para o 10º ano de escolaridade, estando a frequentar o curso de desporto da Escola J (...) (esclarecendo que os indivíduos que o "incentivaram" à prática dos factos subjacentes à suspensão no ano lectivo transacto frequentam actualmente a escola na Cidade de R (...) , não acompanhando com os mesmos) e a actividade extracurricular de futebol no Q (...) (com treinos durante a semana e jogos ao fim-de-semana), sendo certo que se sente bem integrado em casa da tia-avó e junto dos colegas e amigos, revelando ainda ausência de vontade de visitar a mãe aos fins-de-semana, embora esteja disponível para permanecer com a mesma durante um período das férias lectivas de Natal; 

            (…) Dos elementos dos autos acima enunciados, resulta, em síntese, que:

            - os jovens L (…), F (…) e G (…) residiram, até 16.8.2016, com a progenitora, na cidade de R (...) ;

            - o presente processo de promoção e protecção iniciou-se porquanto, no dia 17.8.2016, o então companheiro da progenitora agrediu fisicamente a jovem L (…)à frente da mãe e dos irmãos, tendo os três jovens fugido a pé e percorrido cerca de 5 km até casa da tia-avó P (…), onde foram acolhidos e onde residem desde então;

            - a progenitora, juntamente com o irmão uterino dos jovens (L (…) com 18 meses) alterou a sua residência para a zona de S (...) ;

            - (…) o F (…) integrou o curso de desporto na Escola Secundária J (...) e verbaliza vontade de frequentar o ensino superior na área de fisioterapia;

            - (…) ambos os jovens verbalizam a vontade firme de não reintegrar o agregado familiar da mãe, quer por não quererem alterar a área de residência, quer por "gostarem" e "preferirem" ficar em casa da tia-avó;

             (…) Concluímos, nestes termos, que a prorrogação da medida em execução, de apoio junto de outro familiar, na pessoa da tia-avó P (…) afigura-se necessária para assegurar a continuidade do percurso escolar dos jovens, bem como a sua estabilidade emocional e afectiva.

            (…) Em conformidade, decido:

            1. Prorrogar a execução da medida de "apoio junto de outro familiar", na pessoa da tia-avó (…), aplicada aos jovens F (…) e G (…), até final do ano lectivo de 2017/2018, nos precisos termos exarados no acordo de promoção e protecção subscrito no passado dia 22.02.2017 (…);

            2. Determinar que o agregado familiar dos jovens F (…) e G (…) beneficiará, nos termos previstos na cláusula 13. do Acordo de Promoção e Protecção outorgado no dia 22.02.2017 (…), de apoio económico previsto no art.º 13º do DL 1212008, de 17.01, no valor mensal de 140 € para cada jovem;

            3. Consignar que a medida de promoção e protecção será novamente objecto de revisão no prazo de 6 meses; (…)

            5. Determinar que se proceda a avaliação psicológica dos jovens a fim de avaliar da rejeição verbalizada pelos mesmos relativamente à mãe (com maior enfoque no F (…)); (…)»

              6. Cumpre apreciar e decidir com a necessária concisão.

              Estamos perante um processo de jurisdição voluntária (art.º 100º, da LPCJP), pelo que o tribunal não está vinculado à observância rigorosa do direito aplicável à espécie vertente/não está sujeito a critérios de legalidade estrita, tendo a liberdade de se subtrair a esse enquadramento rígido e de proferir a decisão que lhe pareça mais equitativa (mais conveniente e oportuna) (art.º 987º, do Código de Processo Civil/CPC), a que melhor serve os interesses em causa[10]; salvaguardados os efeitos já produzidos, será sempre possível a alteração de tais resoluções com fundamento em circunstâncias supervenientes[11] (cf. os art.ºs 986º, n.º 2; 987º; 988º, n.º 1, 1ª parte e 989º, do CPC).

            Daí que, em cada caso, releve, sobretudo, a preocupação de respeitar a verdade material e a finalidade prosseguida no processo (de promoção e protecção), pelo que a actuação processual dos interessados no desfecho da lide e os princípios e as regras do Processo Civil poderão ser secundarizados se e quando colidam ou inviabilizem a possibilidade de proferir a decisão tida como mais equitativa, conveniente e oportuna.

            7. Os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos. Os filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles e sempre mediante decisão judicial (art.º 36º, n.ºs 5 e 6, da Constituição da República Portuguesa/CRP).

            A LPCJP tem por objecto a promoção dos direitos e a protecção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral (art.º 1º da LPCJP[12]).

            A intervenção para promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo tem lugar quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo (art.º 3º, n.º 1, na redacção conferida pela Lei n.º 26/2018, de 05.7). Considera-se que a criança ou o jovem está em perigo quando, designadamente, se encontra numa das seguintes situações: b) Sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; c) Não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; d) Está aos cuidados de terceiros, durante período de tempo em que se observou o estabelecimento com estes de forte relação de vinculação e em simultâneo com o não exercício pelos pais das suas funções parentais; f) Está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou o seu equilíbrio emocional. (n.º 2)

            A intervenção para a promoção dos direitos e protecção da criança e do jovem em perigo obedece, entre outros, aos seguintes princípios: a) Interesse superior da criança e do jovem - a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afecto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto; c) Intervenção precoce - a intervenção deve ser efectuada logo que a situação de perigo seja conhecida; e) Proporcionalidade e actualidade - a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade; f) Responsabilidade parental - a intervenção deve ser efectuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem; h) Prevalência da família - na promoção dos direitos e na protecção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adopção ou outra forma de integração familiar estável; i) Obrigatoriedade da informação - a criança e o jovem, os pais, o representante legal ou a pessoa que tenha a sua guarda de facto têm direito a ser informados dos seus direitos, dos motivos que determinaram a intervenção e da forma como esta se processa; j) Audição obrigatória e participação - a criança e o jovem, em separado ou na companhia dos pais ou de pessoa por si escolhida, bem como os pais, representante legal ou pessoa que tenha a sua guarda de facto, têm direito a ser ouvidos e a participar nos actos e na definição da medida de promoção dos direitos e de protecção. (art.º 4ª, na redacção introduzida pela Lei n.º 142/2915, de 08.9)

            Para efeitos da presente lei, considera-se: a) Criança ou jovem - a pessoa com menos de 18 anos ou a pessoa com menos de 21 anos que solicite a continuação da intervenção iniciada antes de atingir os 18 anos, e ainda a pessoa até aos 25 anos sempre que existam, e apenas enquanto durem, processos educativos ou de formação profissional; e) Medida de promoção dos direitos e de protecção - a providência adoptada pelas comissões de protecção de crianças e jovens ou pelos tribunais, nos termos do presente diploma, para proteger a criança e o jovem em perigo. (art.º 5º, na redacção dada pela Lei n.º 23/2017, de 23.5)

            As medidas de promoção dos direitos e de protecção das crianças e dos jovens em perigo, adiante designadas por medidas de promoção e protecção, visam: a) Afastar o perigo em que estes se encontram; b) Proporcionar-lhes as condições que permitam proteger e promover a sua segurança, saúde, formação, educação, bem-estar e desenvolvimento integral; c) Garantir a recuperação física e psicológica das crianças e jovens vítimas de qualquer forma de exploração ou abuso. (art.º 34º)

            As medidas de promoção e protecção são as seguintes: a) Apoio junto dos pais; b) Apoio junto de outro familiar; d) Apoio para a autonomia de vida; (…). (art.º 35, n.º 1, na redacção introduzida pela Lei n.º 142/2015, de 08.9) As referidas medidas de promoção e de protecção são executadas no meio natural de vida ou em regime de colocação, consoante a sua natureza, e podem ser decididas a título cautelar (…). (n.º 2). O regime de execução das medidas consta de legislação própria. (n.º 4)

            A título cautelar, o tribunal pode aplicar as medidas previstas nas alíneas a) a f) do n.º 1 do art.º 35º, nos termos previstos no n.º 1 do art.º 92º, ou enquanto se procede ao diagnóstico da situação da criança e à definição do seu encaminhamento subsequente. (art.º 37º, n.º 1, na redacção conferida pela Lei n.º 142/2015, de 08.9) As medidas aplicadas nos termos dos números anteriores têm a duração máxima de seis meses e devem ser revistas no prazo máximo de três meses. (n.º 3)

            A medida de apoio para a autonomia de vida consiste em proporcionar directamente ao jovem com idade superior a 15 anos apoio económico e acompanhamento psicopedagógico e social, nomeadamente através do acesso a programas de formação, visando proporcionar-lhe condições que o habilitem e lhe permitam viver por si só e adquirir progressivamente autonomia de vida. (art.º 45º, n.º 1)

            Sem prejuízo do disposto no número seguinte, as medidas previstas nas alíneas a), b), c) e d) do n.º 1 do art.º 35º têm a duração estabelecida no acordo ou na decisão judicial. (art.º 60º, n.º 1, na redacção conferida pela Lei n.º 23/2017, de 23.5) Sem prejuízo do disposto no número seguinte, cada uma das medidas referidas no número anterior não pode ter duração superior a um ano, podendo, todavia, ser prorrogadas até 18 meses se o interesse da criança ou do jovem o aconselhar e desde que se mantenham os consentimentos e os acordos legalmente exigidos. (n.º 2) Excepcionalmente, quando a defesa do superior interesse da criança ou do jovem o imponha, a medida prevista na alínea d) do n.º 1 do art.º 35º pode ser prorrogada até que aqueles perfaçam os 25 anos de idade. (n.º 3)

            Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do art.º 37º, as medidas aplicadas são obrigatoriamente revistas findo o prazo fixado no acordo ou na decisão judicial, e, em qualquer caso, decorridos períodos nunca superiores a seis meses, inclusive as medidas de acolhimento residencial e enquanto a criança aí permaneça. (art.º 62º, n.º 1, na redacção introduzida pela Lei 142/2015, de 08.9) A decisão de revisão determina a verificação das condições de execução da medida e pode determinar, ainda: a) A cessação da medida; b) A substituição da medida por outra mais adequada; c) A continuação ou a prorrogação da execução da medida; (…). (n.º 3) Nos casos previstos no número anterior, a decisão de revisão deve ser fundamentada em coerência com o projecto de vida da criança ou jovem. (n.º 4)

            8. A medida de apoio para a autonomia de vida visa proporcionar a autonomização do jovem nos contextos escolar, profissional, social, bem como o fortalecimento de relações com os outros e consigo próprio (art.º 30º do DL n.º 12/2008, de 17.01). Constituem objectivos específicos da medida de apoio para a autonomia de vida, designadamente, proporcionar ao jovem condições que lhe permitam viver por si só e adquirir progressivamente autonomia de vida através de um projecto integrado de educação e formação, tecnicamente orientado para a aquisição ou desenvolvimento das necessárias competências, capacidades e sentido de responsabilidade (n.º 2)

            A execução da medida de apoio para a autonomia de vida deve ter em conta as competências e potencialidades do jovem para mobilizar os recursos necessários que o habilitem a adquirir progressivamente a autonomia de vida. (art.º 31º, n.º 1 do mesmo DL)

            O plano de intervenção é discutido, elaborado e operacionalizado com a participação directa do jovem, sendo estabelecidos os objectivos a atingir, bem como as estratégias e as metas para o seu processo de autonomização, compreendendo nomeadamente as seguintes acções: a) Formação pessoal contínua; b) Continuação do percurso de formação escolar ou realização de cursos de formação profissional adequados ao perfil vocacional do jovem, consoante os casos; c) Apoio à inserção laboral do jovem; d) Apoio na utilização de redes inter-institucionais de suporte a nível de educação, formação profissional e emprego. (art.º 32º, n.º 1 do cit. DL)

            São direitos do jovem, nomeadamente, a) Ser ouvido e participar em todas as decisões que lhe respeitem; b) Beneficiar de acompanhamento psicopedagógico e social; c) Ser apoiado e acompanhamento ao nível escolar, de formação profissional ou de emprego; e) Ser apoiado no acesso aos recursos definidos pela comissão de protecção ou pelo tribunal, bem como aos constantes do plano de intervenção; f) Receber prestação pecuniária para apoio à sua manutenção, bem como equipamento indispensável para o seu processo de autonomização, sem prejuízo da eventual efectivação da prestação de alimentos devidos pelos seus familiares. (art.º 35º, n.º 1, do mesmo DL)

            9. À data da prolação da presente decisão a L (…) já completou 19 anos de idade e o F (…) tem agora mais de 16 anos e 8 meses.

            A recorrente/progenitora, ao longo de mais de dois anos, pouco (ou nada) fez para cativar aquele seu filho menor, enquanto este vem demonstrando a capacidade necessária a uma progressiva autonomia de vida, mormente à luz dos parâmetros traçados pelo legislador, sendo correcto afirmar - como na “alegação” do jovem F (…) - que aquela há muito deixou de constituir o necessário apoio que dela carecia e, assim, com o decurso do tempo, fortaleceu-se e autonomizou-se em relação às necessidades básicas e de bem-estar que aquela poderia vir agora a proporcionar-lhe, inexistindo, pois, o diálogo, a permanência, o apego e o respeito próprios da vida em família.

            Assim, transcorrido o tempo fixado para a duração da medida provisória/cautelar em análise, apenas se augura que o Tribunal recorrido tenha dado ou venha a dar o seguimento reclamado pelos factos e o direito parcialmente indicado, supra.

            E todos sabemos quão decisivo é o factor tempo na conformação do ser da criança e do jovem, sendo por demais evidente, in casu, que o Tribunal recorrido e as Instituições envolvidas tudo terão feito no sentido de dar a este jovem, que também teve, e terá, os problemas inerentes à sua integração na sociedade (“na comunidade escolar e na comunidade de O (...) onde tem amigos”), as respostas e as ajudas que se antolharam adequadas ao seu percurso de vida do passado recente, e que também foram por certo submetidas a um plano prospectivo (manifestando o F (...) o desejo de permanecer em O (...) a viver com a irmã para completar o curso que frequenta e com o apoio dos seus familiares e do ISS, sujeito a medida de apoio para autonomia de vida e às condições estabelecidas na sua execução).

            10. No descrito enquadramento fáctico e normativo é muito pouco invocar - para mais, de forma imprecisa e inconsequente - um qualquer “processo disciplinar durante o ano lectivo transacto” e o pretenso “absentismo nos treinos de futebol” (cf. as “conclusões 9ª e 10ª”, ponto I, supra), envolvendo o jovem F (…), não apenas porque sempre importaria explicitar todo o circunstancialismo subjacente e cumprir, minimamente, os requisitos de impugnação da decisão relativa à matéria de facto, mas também porque o jovem não deixou de dizer suficientemente o que esteve ligado àquela realidade e que não a configuram com a gravidade que a recorrente lhe pretende associar…[13]

            11. Assim, sendo evidente que não existe qualquer intempestividade nas medidas adoptadas (cf., designadamente, os art.ºs 37º, 60º e 62º da LPCJP), e não se mostrando necessária uma mais larga fundamentação para acolher e sancionar a medida cautelar que se decidiu aplicar (adequada e proporcional ao caso deste jovem, já que não negligencia a sua vontade, e teve em atenção o respectivo enquadramento pessoal, escolar e social), resta, apenas, confirmar o que bem se decidiu.

            12. Soçobram, desta forma, todas as “conclusões” da alegação de recurso, não se mostrando violadas quaisquer disposições legais.


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            III. Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a decisão recorrida.    

            Sem custas (art.º 4º, nº 1, alínea i), do Regulamento das Custas Processuais).


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06.11.2018

Fonte Ramos ( Relator )

Maria João Areias

Alberto Ruço


[1] Constando da decisão recorrida que a medida fora concretizada na pessoa da respectiva tia-avó P (…) por acordo de promoção e protecção judicialmente homologado em 22.02.2017 (fls. 247 a 249 dos autos principais, também reproduzido a fls. 88 e 89 e junto na sequência do despacho do relator de fls. 85), referente aos jovens G (…) e F (…) a qual foi posteriormente prorrogada em 09.11.2017, por 6 meses, quer por virtude da necessidade legal de revisão, quer pela comunicação súbita da tia-avó acima referida [por requerimento apresentado em 02.5.2018 pela Exma. patrona dos jovens F (…) e G (…), foi dado conhecimento que a citada tia-avó se iria deslocar para a Bélgica para trabalhar, situação que se previa viesse a ocorrer em 28.6.2018 e que, por isso, se mostrava necessária a substituição da medida aplicada], que levou à revisão imediata da medida vigente nos termos do art.º 62º, n.ºs 1 e 3, al. c) da Lei de Protecção de Crianças e Jovens em Perigo, por manifestamente as medidas vigentes se terem supervenientemente tornado obsoletas.
[2] Baseada nos relatórios sociais então juntos aos autos (reproduzidos a fls. 94 e seguintes e 108 verso e seguintes – de 14.12.2017, 11.6.2018 e 25.6.2018) e nas declarações prestadas no decurso da audiência de 12.7.2018 (cf. II. 1. c), infra).
[3] Cf., sobretudo, o relatório social de fls. 100 e seguintes, datado de 11.6.2018, maxime, a fls. 104 verso, junto na sequência do despacho do relator de fls. 85.
[4] Nascida em 20.10.1999.
[5] Cf. o acordo de promoção e protecção alcançado na conferência de 22.02.2017 (reproduzido a fls. 114).
[6] Trata-se do relatório do ISS de 14.12.2017, reproduzido a fls. 108 verso e seguintes, junto da sequência do despacho do relator de fls. 85.
[7] Sublinhado nosso, como o demais a incluir no texto.
[8] Também junto na sequência do despacho de fls. 85 (cf. fls. 91 e seguintes).
[9] Cf. o documento reproduzido a fls. 110 verso e seguintes.
[10] Vide Alberto dos Reis, Processos Especiais, Vol. II, Coimbra, 1982, págs. 400 e 401.
[11] Isto é, no dizer da lei, tanto as circunstâncias ocorridas posteriormente à decisão como as anteriores, que não tenham sido alegadas por ignorância ou outro motivo ponderoso (art.º 988º, n.º 1, 2ª parte, do CPC).
[12] Diploma a que pertencem as disposições doravante citadas sem menção da origem.
[13] Vejam-se/ouçam-se, a propósito, as declarações prestadas pelo jovem e pela irmã L (...) no decurso da audiência (de 12.7.2018) que precedeu a decisão cautelar recorrida; cf., ainda, nomeadamente, II. 5., supra.