Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
7173/21.7YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS MIGUEL CALDAS
Descritores: AÇÃO ESPECIAL PARA O CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS EMERGENTES DE CONTRATOS
AÇÃO DE HONORÁRIOS
LAUDO
PROVA DOCUMENTAL
Data do Acordão: 03/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – VISEU – JUÍZO LOCAL CÍVEL – JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1157.º E 1158.º DO CÓDIGO CIVIL.
ARTIGOS 73.º, 195.º, N.º 1 E 424.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
ARTIGO 105.º, N.º 3, DO ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS – LEI N.º 145/2015, DE 09 DE SETEMBRO.
ARTIGOS 3.º, N.º 4, 4.º, N.º 3, 16.º, N.º 1, 17.º, N.º 1, DO PROCEDIMENTOS CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES EMERGENTES DE CONTRATOS – INJUNÇÃO – DL N.º 269/98, DE 1 DE SETEMBRO.
Sumário: 1. No âmbito da acção especial para cumprimento de obrigações emergentes de contrato a prova documental deve ser apresentada no início da audiência final, nos termos do art. 3.º, n.º 4, do regime anexo ao DL n.º 269/98, sem prejuízo de poder ser apresentada em momento temporal anterior.

2. O laudo da Ordem dos Advogados, elaborado a pedido do Tribunal, no âmbito de uma acção de honorários, é um mero parecer, e, como tal, não é vinculativo para o Tribunal, estando sujeito às regras da livre apreciação da prova.

3. É justificado e deve ser deferido o requerimento formulado no início da audiência final de uma acção sujeita ao regime anexo ao DL n.º 269/98, em que se debatem os honorários devidos a um advogado, a pedir a junção do processo em que os serviços forenses foram prestados, caso a acção de honorários não corra por apenso àquele processo.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: *

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra,[1]

No Juízo Local Cível de Viseu – Juiz 2 está pendente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, em que é autor AA e ré BB, resultante da frustração da notificação do requerimento de injunção, apresentado no Balcão Nacional de Injunções [2] – cf. art. 16.º, n.º 1, do DL n.º 269/98, de 01-09 –, em que é pedido o pagamento da quantia total de € 10 247,59 (dez mil duzentos e quarenta e sete euros e cinquenta e nove cêntimos).


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Invoca o autor, para tanto e em síntese, que no exercício da sua actividade profissional de advocacia foi procurado pela ré, que lhe solicitou a prestação dos seus serviços e o patrocínio no processo de inventário que correu termos no Cartório Notarial ... sob o n.º ...45/15, e foi, posteriormente, remetido ao Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo Local Cível – Juiz 2 sob o Processo n.º 3955/20..... Na sequência da prestação desses serviços e do patrocínio da ré, o autor enviou-lhe, em 26-11-2020, a nota discriminativa de honorários e despesas que ascende a € 10 080,41 (dez mil e oitenta euros e quarenta e um cêntimos) (IVA incluído), solicitando o seu pagamento, não tendo a ré procedido à liquidação respectiva.

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 Em sede de oposição, a ré, após reconhecer que mandatou o autor no âmbito daquele processo de inventário, impugnou, por desconhecimento, a prestação dos serviços descritos no requerimento de injunção e, mesmo que tais serviços tenham sido prestados, considera o seu valor excessivo, invocando, também, que o processo de inventário está parado há muito tempo sem qualquer desenvolvimento processual. Conclui, em consonância, que a acção deve ser considerada improcedente por não provada e consequentemente absolvida do pedido.

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            Por despacho de 28-10-2021, atento o desacordo entre as partes quanto ao valor dos honorários adequado ao trabalho desenvolvido pelo autor, o tribunal a quo determinou a realização de laudo sobre o valor daqueles honorários, tendo sido apresentado um primeiro laudo da Ordem dos Advogados, datado de 04-04-2023, com o seguinte teor final:

“VI – Conclusão/Proposta

Perante a escassez discriminativa constante da CdII sub judice, e a completa ausência de elementos adicionais (que o Sr. Advogado requerido, convidado a fazê-lo, não apresentou) somos forçados a concluir pela impossibilidade de concessão de Laudo.

De facto, só mediante consulta de elementos adicionais, nomeadamente do processo de inventário, é que se poderia vir a formular um juízo sobre o valor dos serviços prestados pelo Sr. Advogado requerido.

Pelo que se dá o seguinte Parecer: Não conceder Laudo ao valor peticionado, a título de honorários, de € 8.000,00 + IVA” (sic).

            Em face do carácter inconclusivo desse laudo, o tribunal a quo determinou a remessa dos elementos necessários para a emissão de novo laudo, o qual foi junto ao processo em 28-02-2024, do mesmo constando o seguinte segmento final:

            “VII – Conclusão

            Pelo que se dá o seguinte parecer: Não conceder Laudo ao valor peticionado, a título de honorários, de € 8.000,00 + IVA;

Que seria concedido pelo valor de € 2.600,00 + IVA

À próxima reunião da 2.ª Secção

Lisboa, 02 de Dezembro de 2023.”.


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Notificado o laudo às partes, foi designada data para a audiência final, tendo a mandatária judicial do autor requerido no seu início, além do mais: “Desde já requer a junção aos autos a titulo devolutivo do processo de inventario nº 3955/20...., que corre termos por este Juízo, na eventualidade da requerida junção não ser por V. Exª admitida, desde já requer a junção aos autos do referido processo que se encontra na posse do ora requerente neste Tribunal em dois dossiês, sendo certo que considera o mais correto a junção do processo a título devolutivo (…).”.

Na sequência deste requerimento, o tribunal a quo proferiu o seguinte despacho: “(…) No que concerne a documentação cuja junção foi ora junta cumpre antes de mais atender a especificidade do objeto dos presentes autos e designadamente da causa de pedir.

Estando em causa a prestação de serviços por parte do autor, serviços esses de advocacia e atendendo a especificidade e particularidade de tal matéria foi solicitada a realização do laudo pericial.

Para a instrução de tal laudo foi solicitada pela Ordem dos Advogados a remessa de vários elementos documentais especificamente elementos documentais referentes ao pedido deduzido nestes autos.

Em tal âmbito e no primeiro laudo remetido aos autos datado de 8/5/2023, refere o laudo designadamente o seguinte «Note-se que o Senhor Advogado requerido notificado “para juntar aos autos toda a documentação que entender por conveniente ( nomeadamente peças processuais) e todos os elementos relevantes para a concretização dos diversos fatores que concorrem para a fixação dos honorários, nomeadamente quanto à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais”...nada respondeu».

Mais conclui o referido laudo no ponto 6. nos seguintes termos: "Perante a escassez discriminativa constante da CdII sub judice, e a completa ausência de elementos adicionais (que o Sr. Advogado requerido, convidado a fazê-lo, não apresentou), somos forçados a concluir pela impossibilidade de concessão de laudo.

De facto, só mediante a consulta de elementos adicionais, nomeadamente do processo de inventário, é que se poderia vir a formular um juízo sobre o valor dos serviços prestados pelo Sr. Advogado requerido.

Pelo que se dá o seguinte Parecer:

Não conceder Laudo ao valor peticionado”.

Nesta sequência foi todavia dada uma segunda oportunidade ao autor para juntar os elementos documentais subjacentes ao pedido deduzido e que conformam a causa de pedir de forma a instruir os autos para realização do necessário laudo.

Tendo sido dada esta segunda possibilidade ao autor, foram remetidos os elementos juntos pelo mesmo para tal efeito ao Concelho Superior da Ordem dos Advogados que nessa sequência emitiu um novo laudo o qual foi junto aos autos em 28/2/2024, o qual concluiu no seu ponto 7 nos seguintes termos " Pelo que se dá o seguinte Parecer:

Não conceder Laudo ao valor peticionado, a título de honorários, de €8.000,00 + IVA;

Que seria concedido pelo valor de €2.600,00 + IVA”.

Deste modo, o ora requerido pelo autor no sentido da junção dos elementos documentais que referiu, elementos documentais esses que conformam a referida causa de pedir e que visam provar o pedido deduzido será naturalmente de indeferir uma vez que, na verdade até já foi dada uma segunda oportunidade ao autor para a sua junção o que de resto foi feito, procedendo à junção dos elementos que entendeu para efeito da elaboração do laudo pericial.

Assim sendo, e tal como se referiu no início deste despacho, atendendo ao pedido deduzido nestes autos a prova documental (que subjaz ao referido pedido) foi já oportunamente junta aos autos para o efeito supramencionado de elaboração do laudo.

Assim sendo, e no caso concreto a junção dos documentos ora requerida encontra-se a ser efetuada após o momento processual próprio (uma vez que, reitera-se, atendendo à especificidade do pedido deduzido, os documentos subjacentes ao mesmo foram já juntos aos autos para efeitos de elaboração do laudo) sendo que além de mais e por todas as razões supra expostas os documentos cuja junção ora é pretendida se afiguram destituídas de relevância para a apreciação da causa pois que revestindo o laudo proferido pelo Concelho Superior da Ordem dos Advogados um carácter probatório de natureza pericial terá sempre um valor probatório reforçado e que será em tais moldes tido em consideração nestes autos.

De resto, nenhuma reclamação ou pedido de esclarecimento foi oportunamente deduzida no que concerne ao teor do alaudo constante dos autos, pelo que não revestindo relevância para os presentes autos se indefere a junção da prova documental referida pelo autor. (sic)


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Inconformado com a decisão exarada em sede de audiência final, sobre a junção da prova documental, recorreu o autor, concluindo:

“1. Nos presentes autos está em causa uma Ação Especial de Cumprimento de Obrigações Pecuniárias de acordo com o disposto no DL 269/98 de 1 de setembro;

2. O pedido diz respeito a honorários e despesas relativos aos serviços prestados pelo recorrente, enquanto advogado, no âmbito de um processo de inventário;

3. Por ordem da Meritíssima Juiz do Tribunal a quo foi requerida ao Conselho Superior da Ordem dos Advogados, a emissão de laudo;

4. O autor apresentou, na audiência de julgamento, requerimento de prova, e no que respeita à prova documental requereu a junção aos autos título devolutivo, do processo de inventário no âmbito do qual prestou os serviços cujos honorários peticiona ou, caso não fosse admitida a junção do processo de inventário, a junção aos autos do referido processo que se encontra do requerente em dois dossiês.

5. A Meritíssima Juiz do Tribunal a quo indeferiu a prova documental requerida.

6. O momento próprio para indicar as provas é, no que à tramitação do procedimento em causa diz respeito, “na audiência”, donde resulta que a decisão recorrida viola frontalmente o disposto no n.º 4 do artigo 3º do DL 269/98 de 1 de setembro.

7. A não admissão de um meio legal de prova, indicado no momento próprio e a consequente não valoração dessa prova, acarreta a omissão de um ato que a lei prescreve e, portanto, uma nulidade, a qual se projeta na decisão, pois a decisão será tomada sem um elemento de prova fundamental, conforme decorre do disposto nos n.ºs 1 e 2 do artigo 195º do CPC.

8. Nulidade que expressamente se invoca, requerendo-se que a mesma seja declarada, no sentido de a decisão em apreço ser declarada nula e anulando-se todos os atos posteriores.

9. Acresce que a prova documental cuja junção foi requerida é relevante, pertinente e fundamental para a boa decisão da causa. E,

10. O laudo emitido pelo Conselho Superior da Ordem dos Advogados constitui um parecer técnico, contudo o mesmo não vincula o Tribunal, constitui um meio de prova a apreciar livremente pelo Tribunal.

11. A decisão recorrida, viola como se disse o disposto no n.º 4 do artigo 3º do DL 269/98 de 1 de setembro e acarreta uma nulidade conforme decorre do disposto no artigo 195º do CPC.

12. Termos em que se requer seja dado provimento ao recurso, anulando-se a decisão recorrida e substituindo-a por outra que admita a prova documental requerida e anule todos os termos posteriores à decisão recorrida.

13. Assim fazendo V.ª Ex.ªs a costumada Justiça!


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            Não foram apresentadas contra-alegações.

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A questão a apreciar neste recurso consiste em apurar se o despacho proferido em sede de audiência final, a 20-11-2024, viola o estatuído no n.º 4 do art. 3.º do DL n.º 269/98, e se foi cometida a nulidade a que alude o art. 195.º do Código de Processo Civil (CPC).

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A. Fundamentação de facto.

As incidências processuais antes enunciadas constituem a factualidade relevante para a decisão do recurso.


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B. Fundamentação de Direito.

Analisemos, então, o recurso do autor.

Começando pelo fim, importa clarificar que o facto de o tribunal a quo ter tomado a decisão de não admissão da prova documental requerida pelo autor, vertida no despacho judicial exarado no início da audiência final, não consubstancia qualquer nulidade processual, contrariamente ao sustentado pelo autor, uma vez que o que está em causa é uma decisão judicial da qual o recorrente dissente.

Tal como explica, cristalinamente, Miguel Teixeira de Sousa, O que é uma nulidade processual?, 18-04-2028, Blog do IPCC:

“1. Tem-se vindo a observar que o conceito de nulidade processual tem originado algumas confusões. Importa procurar desfazer estas confusões (o que, aliás, nem sequer é difícil).

2. Todo o processo comporta um procedimento, ou seja, um conjunto de actos do tribunal e das partes. Cada um destes actos pode ser visto por duas ópticas distintas:

-- Como trâmite, isto é, como acto pertencente a uma tramitação processual;

-- Como acto do tribunal ou da parte, ou seja, como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte.

No acto perspectivado como trâmite, considera-se não só a pertença do acto a uma certa tramitação processual, como o momento em que o acto deve ou pode ser praticado nesta tramitação. Em contrapartida, no acto perspectivado como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte, o que se considera é o conteúdo que o acto tem de ter ou não pode ter.

3. Do disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC decorre que se verifica uma nulidade processual quando seja praticado um acto não previsto na tramitação legal ou judicialmente definida ou quando seja omitido um acto que é imposto por essa tramitação.

Isto demonstra que a nulidade processual se refere ao acto como trâmite, e não ao acto como expressão da decisão do tribunal ou da posição da parte. O acto até pode ter um conteúdo totalmente legal, mas se for praticado pelo tribunal ou pela parte numa tramitação que o não comporta ou fora do momento fixado nesta tramitação, o tribunal ou a parte comete uma nulidade processual. Em suma: a nulidade processual tem a ver com o acto como trâmite de uma tramitação processual, não com o conteúdo do acto praticado pelo tribunal ou pela parte. (…)

4. Em conclusão:

-- Só há nulidade processual quando o vício respeita ao acto como trâmite, não ao acto como expressão de uma decisão do tribunal ou de uma posição da parte;

-- Em especial, não é correcto reconduzir qualquer vício relativo ao conteúdo de um acto processual do tribunal ou da parte ao disposto no art. 195.º, n.º 1, CPC.”. [3]

            Por conseguinte, é evidente que o facto de o tribunal a quo ter indeferido a junção de prova documental apresentada pelo autor, com a fundamentação que consta do despacho sob recurso, apenas deve ser avaliada na perspectiva do seu conteúdo, não tendo sido cometida qualquer nulidade processual subsumível ao estatuído no art. 195.º do CPC.

Avançando.

Ao processo sub judice aplica-se o regime jurídico-processual que consta do Decreto-Lei n.º 269/98, de 01-09 – que aprovou o “regime dos procedimentos destinados a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a (euro) 15 000” [art. 1.º] – , o qual foi já objecto de treze alterações legislativas, a última das quais operada pela Lei n.º 117/2019, de 13-09.

Como resulta do preâmbulo daquele diploma o legislador teve como objectivo a criação em tal domínio de um tipo de acção correspondente a uma versão simplificada do modelo da acção sumaríssima (então existente), em consonância com a frequente simplicidade das pretensões subjacentes.

Especificamente, o autor recorreu ao procedimento de injunção para lograr obter da ré o pagamento de honorários relativos aos serviços de advocacia que lhe prestou, no âmbito de um processo de inventário, e que esta, alegadamente, não pagou, e, tendo-se frustrado a notificação daquela, prosseguiram os autos os seus termos como acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos – cf. arts. 16.º, n.º 1 e 17.º, n.º 1, do regime anexo àquele diploma.

Os honorários devidos pela prestação de serviços de advocacia emergem de um contrato de mandato oneroso, legalmente tipificado nos artigos 1157.º e 1158.º do Código Civil, levando ao pagamento, por parte do mandante, de uma prestação pecuniária, estipulando o art. 105.º, n.º 3, do Estatuto da Ordem dos Advogados, aprovado pela Lei n.º Lei n.º 145/2015, de 09-09, que “[n]a fixação dos honorários deve o advogado atender à importância dos serviços prestados, à dificuldade e urgência do assunto, ao grau de criatividade intelectual da sua prestação, ao resultado obtido, ao tempo despendido, às responsabilidades por ele assumidas e aos demais usos profissionais.”.

Maioritariamente a jurisprudência tem entendido que não existe qualquer impedimento legal ao uso do procedimento de injunção para a cobrança de honorários de advogado pelo exercício do mandato forense, tendo por base a nota de honorários e despesas enviadas ao constituinte, sem que a mesma tenha sido liquidada, reconduzindo-se essa situação ao incumprimento de uma obrigação pecuniária emergente de contrato, posição que se corrobora – cf. entre outros, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 14-10-2014, Proc. n.º 138823/13.1YIPRT.C1; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 27-05-2015, Proc. n.º 83525/14.3YIPRT.C1; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 24-05-2021, Proc. n.º 7271/20.4YIPRT.P1;  Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 13-05-2021, Proc. n.º 21133/20.1YIPRT-A.L1-2; Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 28-04-2022, Proc. n.º 16327/21.5YIPRT.E1, todos acessíveis em http://www.dgsi.pt, à semelhança dos demais que se mencionarem nesta decisão.

No que tange, especificamente, à junção dos meios probatórios, rege o art. 4.º, n.º 3, do anexo ao DL n.º 269/98: “As provas são oferecidas na audiência, podendo cada parte apresentar até três testemunhas, se o valor da acção não exceder a alçada do tribunal de 1.ª instância, ou até cinco testemunhas, nos restantes casos.”.

A respeito desta norma, Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Acção e Execução, 8.ª edição, 2020, p. 47: “Assim, ao invés do que a lei prevê para as ações a que corresponda o processo comum, na quais, em regras, as provas devem ser indicadas pelas partes, nos termos dos artigos 55.º, n.º 2, e 572.º, alínea d), do referido Código, ou seja, na petição inicial e na contestação, neste tipo de ações de processo especial o oferecimento das provas ocorre no início da audiência final.

Sob pena de se desvirtuar a especialidade desta espécie de ações em relação ao processo comum, a lei não permite que as partes, invocando unilateralmente os princípios da adequação formal e da gestão do processo, indiquem as provas nos articulados ou antes da fase a que o normativo em análise se reporta.

Mas a apresentação das provas pelas partes na fase a que se reporta este normativo, o juízo sobre a sua admissão ou não e a resposta do autor a exceções deduzidas pelo réu são suscetíveis de gerar ab initio inconveniente complexidade, geradora de protelamento insuportável da audiência propriamente dita.”.

Tal significa, por um lado, que a prova testemunhal é apresentada pelas partes, não havendo, em princípio, lugar à sua notificação pelo tribunal, tendo a parte interessada o ónus da sua apresentação[4], e, por outro lado, que a prova documental será apresentada, outrossim, na própria audiência, à semelhança, aliás, do que sucederá com os restantes meios de prova (v.g., declarações e depoimento de parte).

Na verdade, importa ter presente que o art. 3.º, n.º 4, do regime anexo ao DL n.º 269/98, ao referir que “[a]s provas são oferecidas na audiência (…)”, deve ser interpretado no sentido de que o momento temporal a que alude a norma será o do início da audiência final – cf., v.g., Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 24-05-2018, Proc. n.º 69186/16.9YIPRT-BE1 –, sem prejuízo de poderem ser apresentados documentos em momento processual anterior.

Neste sentido tem militado a jurisprudência, de que se enumeram os seguintes exemplos: Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 08-04-2014, Proc. n.º 890/10.9TBACB.C1: “O art. 3º, nº 4, do Regime Anexo ao Dec. Lei nº 269/98 de 01/09, quando determina que as provas são oferecidas na audiência, não obsta a que possa e deva ser admitida a prova documental e a prova testemunhal apresentada por escrito que sejam juntas aos autos em momento anterior ao do início da audiência.”; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 10-02-2015, Proc. n.º 1819/07.7TBACB.C1: “1. Não está vedado pelo nº 4 do art. 3º do regime anexo ao DL 269/98 de 01/09, o oferecimento, anteriormente à audiência, de um meio de prova correspondente a um depoimento escrito, nos termos do artigo 5º do mesmo regime. 2. O indicado artigo 3º nº 4 do regime anexo, ao referir que «(a)s provas são oferecidas na audiência (…)», quer significar apenas que as provas podem ser oferecidas na audiência, não inviabilizando que o sejam antes.”; Acórdão do Tribunal de Guimarães, de 18-12-2024, Proc. n.º 107062/21.9YIPRT-A.G1: “Quando o art.º 3º, n.º 4, do anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98 de 1/9, refere que “As provas são oferecidas na audiência (…)”, reporta-se ao início da audiência, sem prejuízo da sua apresentação em momento anterior, e do previsto noutras disposições legais que sejam aplicáveis aos procedimentos ali regulados.”. [5]

Nem outra interpretação faria sentido, uma vez que, aberta a audiência e frustrando-se a conciliação das partes, a audiência prosseguirá com a produção da prova que ao caso couber – art. 4.º, n.º 1, do regime anexo ao DL n.º 269/98 –, e tal só é possível se no início da audiência as partes indicarem as provas que ali se propõem apresentar; por outro lado, a possibilidade de apresentação de prova, nomeadamente a documental, no decurso da audiência não será consentânea com a natureza célere do procedimento, pois poderia vir a originar sucessivos adiamentos ou interrupções da audiência para exercício do contraditório, como sucede nas circunstâncias previstas no art. 424.º do CPC.

Aqui chegados, e voltando ao caso dos autos, verifica-se que o autor requereu ao tribunal a quo, logo no início da audiência final, a junção, a título devolutivo, do processo de inventário em que prestou os seus serviços ou, na eventualidade da requerida junção não ser admitida, a junção de dois dossiês, contendo cópias daquele processo.

Porém, essa junção foi indeferida pela 1ª Instância com a seguinte motivação:

– A documentação foi solicitada pela Ordem dos Advogados aquando da elaboração do laudo de honorários, tendo até sido dada uma segunda oportunidade ao autor para a sua junção, tendo este procedido à “junção dos elementos que entendeu para efeito da elaboração do laudo pericial” e “a junção dos documentos ora requerida encontra-se a ser efetuada após o momento processual próprio”.

– A junção da documentação “pretendida se afigura destituída de relevância para a apreciação da causa pois que revestindo o laudo proferido pelo Concelho Superior da Ordem dos Advogados um carácter probatório de natureza pericial terá sempre um valor probatório reforçado e que será em tais moldes tido em consideração nestes autos”, não tendo sido apresentada, oportunamente, nenhuma reclamação ou pedido de esclarecimento relativamente ao teor desse laudo.

Salvo o devido respeito, não se acompanha a decisão do tribunal.

Em primeiro lugar, o tribunal a quo estabelece confusão entre a natureza do laudo de honorários e o seu valor probatório, uma vez que, contrariamente ao entendido pela decisão recorrida, o laudo da Ordem dos Advogados é um mero parecer, e, pese embora seja elaborado  por profissionais do mesmo ramo de actividade, eleitos pela assembleia geral daquela Ordem, o que faz pressupor que possuem elevados conhecimentos técnicos para aferir sobre o montante dos honorários devidos, esse parecer não é vinculativo para o tribunal, estando, por isso, sujeito às regras da livre apreciação da prova – neste sentido, cf., entre muita outra jurisprudência, Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-07-2018, Proc. n.º 701/14.6TVLSB.L1.S1; Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11-05-2023, Proc. n.º 552/07.4TVPRT.P2.S2; Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 04-06-2024, Proc. n.º 305/21.7T8STS.P1; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 25-06-2015, Proc. n.º 555/12.7TVLSB.L1-2; Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 29-06-2023, Proc. n.º 227/20.9T8VRL.G1; e Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 09-02-2023, Proc. n.º 689/15.6T8EVR-B.E1.

Por outro lado, o facto do tribunal a quo ter determinado a realização de laudo pela Ordem dos Advogados não pode cercear o direito da parte de requerer a junção da prova documental no início da audiência final, de harmonia com a regra vertida no art. 3.º, n.º 4, antes citada, mesmo que essa documentação possa ter sido atendida no laudo, uma vez que é ao tribunal – e não àquela Ordem – que compete verificar o trabalho realmente realizado pelo advogado/autor, no âmbito do processo de inventário, não sendo correcto afirmar que a junção em apreço foi requerida após o momento processual próprio.

Com efeito, a procedência de uma acção de honorários pressupõe a alegação e prova dos factos constitutivos do direito invocado pelo mandatário/advogado relativamente aos serviços que prestou ao cliente, fixados de harmonia com os critérios estabelecidos no art. 105.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, e no n.º 2 do art. 1158.º do Código Civil, incumbindo ao tribunal realizar, em exclusivo, essa avaliação.

Recorde-se, ademais, que a importância de apelar à análise do processo judicial em que os serviços do advogado foram prestados, para fixar os honorários, decorre, indirectamente, da regra processual vertida no art. 73.º do CPC, segundo a qual “para a acção de honorários de mandatários judiciais (…) é competente o tribunal da causa na qual foi prestado o serviço, devendo aquela correr por apenso a esta”, permitindo-se, deste modo, uma mais fácil averiguação da actividade que o mandatário judicial desenvolveu no âmbito do respectivo processo judicial.

Seja como for, a verdade é que o requerimento do autor atinente à apresentação da prova documental, pedindo a junção aos autos, a título devolutivo, do processo de inventário no âmbito do qual prestou os serviços cujos honorários peticiona ou, caso não seja admitida a junção do processo de inventário, a juntada aos autos do aludido processo que se encontra em dois dossiês do autor, foi tempestiva e deve ser admitida, nos termos estatuídos pelo art. 3.º, n.º 4, do regime anexo ao DL n.º 269/98, sendo, assim, de revogar a decisão recorrida.

Procede, assim, o recurso, devendo as custas processuais recair sobre a parte que ficar vencida a final.


*

Sumário (art. 663.º, n.º 7, do CPC) (…).

           

Decisão:

De harmonia com o exposto, os juízes deste Tribunal da Relação julgam o recurso procedente e revogam o despacho recorrido que deve ser substituído por outro que admita a prova documental requerida pelo autor.

Custas do recurso a final a cargo da parte vencida.

Notifique.


Coimbra, 25-03-2025

Luís Miguel Caldas

Cristina Neves

Hugo Meireles



[1] Juiz Desembargador relator: Luís Miguel Caldas /Juízes Desembargadores adjuntos: Dra. Cristina Neves e Dr. Hugo Meireles.
[2] O requerimento de injunção foi apresentado no Balcão Nacional de Injunções a 25-01-2021.
[3] https://blogippc.blogspot.com/search?q=nulidade+processual+195
[4] Cf. Salvador da Costa, op. cit., p. 50: “(…) [E]stando a parte impossibilitada de apresentar as respetivas testemunhas em juízo, por exemplo no caso de se tratar de trabalhadores da parte contrária (…) pode o juiz deferir a sua pretensão dos depoentes para comparecerem na audiência final”.
[5] Em sentido diverso, que não acompanhamos, Salvador da Costa, op. cit., pp. 49/50.