Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
9759/18.8T8SNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: EXTINÇÃO DE SOCIEDADE COMERCIAL
AÇÕES JUDICIAIS PENDENTES
SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL
LIQUIDATÁRIOS
Data do Acordão: 11/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – ALCOBAÇA – JUÍZO DE EXECUÇÃO – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 162° E 163° DO CÓDIGO DAS SOCIEDADES COMERCIAIS
Sumário: I – As ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, operando-se a substituição no próprio processo e sem necessidade de habilitação [art. 162º do Código das Sociedades Comerciais].

II – Os arts. 162° e 163° do Código das Sociedades Comerciais, distinguem e regulam dois modos diferentes de fazer intervir os sócios em ação instaurada por dívida da sociedade extinta, consoante a ação esteja pendente à data da extinção da sociedade ou seja instaurada após a extinção da sociedade.

III – Sendo que o art. 162º do Código das Sociedades Comerciais ao estatuir que o processo prossegue contra a “generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário”, reconhece assim a personalidade judiciária deste “coletivo dos sócios”.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: *

      Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]

                                                                       *

            1 – RELATÓRIO

A... STC”, com sede no Ed. D. AA, R. ... Quinta ... ... [na qualidade de cessionária de “Banco 1...” (“Banco 1...”)], intentou execução sumária para pagamento de quantia certa contra “B..., Lda.”, com morada na Praça ..., ..., ... ... ..., apresentando como título executivo uma escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca, celebrada em 12 de Junho de 2008 entre a dita cedente “Banco 1...” e a Executada, cujo incumprimento se verificou (não tendo sido pagas as prestações que se venceram após 12/12/2010), sendo o valor da Execução de € 55 014,58, aos quais «(…) acrescerão os respetivos juros de mora vincendos até efetivo e integral pagamento, calculados sobre o capital em divida à taxa de 4%, bem como o respetivo Imposto de Selo, nos termos legais aplicáveis».

                                                           *

Por requerimento de 24.06.2019, a primitiva Senhora Agente de Execução informou nos autos que a executada “B..., Lda.” se encontrava extinta (conforme consulta aí anexa).

                                                           *

Nesse seguimento, em 26.06.2019, veio a Exequente requerer o prosseguimento dos autos contra o(s) sócio(s) da executada (atualmente extinta), o que concretizou por requerimento de 05.11.2019, a ora apelante requereu à primitiva Senhora Agente de Execução o prosseguimento da instância contra os sócios da Executada (atualmente extinta – com dissolução e encerramento da liquidação de 25 Jan. 2019), nos termos e para os efeitos do artigo 162º do Código das Sociedades Comerciais.[2]

                                                           *

De referir que nesse requerimento juntou código de acesso à certidão comercial da sociedade executada da qual consta decisão administrativa proferida [«Decisão: proferida em procedimento administrativo oficioso de dissolução e encerramento da liquidação a que se refere o averbamento n.º1 à inscrição n.º1, não tendo sido apurada a existência de qualquer ativo ou passivo a liquidar e também não foi comunicada a sua existência à Conservatória Data da Decisão: 20-11-2018»].

                                                           *

Nessa sequência, a primitiva Senhora Agente de Execução em 21.11.2019 requereu ao Tribunal de 1ª instância que se dignasse ordenar a inserção dos sócios da executada extinta (constantes da certidão comercial que anexou), para os termos e efeitos dos art. 162º e 163º do Código das Sociedades Comerciais, sendo que os mesmos vieram efetivamente a ser inseridos.

*

Os sócios da sociedade Executada nunca vieram dizer nada aos presentes autos.

                                                           *

Nos presentes autos de Execução está penhorado imóvel Prédio misto sito em ..., descrito na CRP ... sob o nº ...17 e inscrito nas matrizes urbana sob o nº ...94 e rústica sob o nº ...05, secção 007 da União de Freguesias ... e ..., imóvel esse que é propriedade da sociedade Executada “B... Unipessoal, Lda.”.

                                                           *

           Tendo entretanto os autos transitado e já se encontrando a pender no Juízo de Execução de alcobaça, foi aí proferido o seguinte despacho judicial:

            «(…)

Importa apreciar a situação (que não foi ainda submetida a decisão judicial e que se entende não ser matéria da competência do AE, por respeitar à modificação da instância executiva, sendo reservada a competência jurisdicional), sendo que se entende desnecessário qualquer outro contraditório adicional, uma vez que a exequente suscitou a questão e teve a possibilidade de tomar posição e algo requerer, face à situação registral da executada.

(…) nada consta quanto a eventual património, antes consta que foi proferida uma decisão de dissolução e encerramento da liquidação por inexistir informação sobre a existência de activo ou de passivo (art. 11.º, n.º 4, do aludido anexo) – o que, à partida, pressupõe que inexistia ou não foi comunicada (mal ou bem, agora não interessa) a existência de activo e passivo (tanto assim que também não consta a nomeação de liquidatário, que seria necessária em caso contrário).

(…)

Em resumo, entende-se que a execução não pode prosseguir contra a sociedade executada (por falta de personalidade judiciária) e, por outro lado, entende-se que a execução não é a sede própria para averiguar e decidir sobre a existência de bens e da sua distribuição aos sócios (arts. 162.º e 163.º do CSC), certo que, além disso, o ónus de alegação (e prova) da partilha de bens entre os sócios (facto constitutivo a equacionar-se o prosseguimento da execução contra estes ou a sua generalidade) pertenceria à exequente (ou, no limite, a outro credor) e não foi cumprido, e sendo que, por fim, a ser ponderada outra solução face à inexistência de liquidação, também a execução não será a sede própria para levar a cabo essa liquidação do património da sociedade extinta, pelo que deve a presente execução ser declarada extinta quanto à executada “B...”, cabendo à exequente (ou, no limite, a outro credor), se for caso disso e verificados os pressupostos legais, recorrer agora aos meios declarativos, conforme entender conveniente, nomeadamente nos termos acima expostos.

Face ao exposto, declara-se extinta a execução, com o inerente levantamento da penhora após trânsito em julgado da presente decisão (e ficando, por essa via, também prejudicada a apreciação da ref. 26885588).»

*

Inconformada com essa decisão, apresentou a Exequente recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
«A. O apelante vem requerer a revogação da Douta Sentença proferida, em 20.03.2025, pelo Douto Tribunal a quo.
B. Entende a ora recorrente que o Tribunal a quo fez uma incorreta subsunção dos factos ao Direito, consequentemente, incorreu em erro de julgamento, e que a Douta Sentença, ora recorrida, é nula nos termos do artigo 615. n.º 1 alíneas c) e d) do CPC, por os fundamentos estarem em oposição com a decisão, por ambiguidade que tornam a decisão ininteligível, e por conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento.
C. Os autos executivos foram instaurados pela a ora apelante, em 22.05.2018, no Juizo de Execução de Sintra contra a Executada B..., Lda.
D. Por requerimento de 24.06.2019, a primitiva Senhora Agente de Execução informou nos autos que a executada B..., Lda encontra-se extinta, conforme consulta aí anexa.
E. Nesse seguimento, em 26.06.2019, veio a ora apelante requerer o prosseguimento dos autos contra o(s) sócio(s) da executada, actualmente extinta.
F. E, em 05.11.2019, a ora apelante requereu à primitiva Senhora Agente de Execução o prosseguimento da instância contra os sócios da executada (actualmente extinta – com dissolução e encerramento da liquidação de 25 Jan. 2019), nos termos e para os efeitos do artigo 162º do Código das Sociedades Comerciais.
G. No mencionado requerimento juntou código de acesso à certidão comercial da sociedade executada da qual consta decisão administrativa proferida Decisão: proferida em procedimento administrativo oficioso de dissolução e encerramento da liquidação a que se refere o averbamento n.º1 à inscrição n.º1, não tendo sido apurada a existência de qualquer ativo ou passivo a liquidar e também não foi comunicada a sua existência à Conservatória Data da Decisão: 20-11-2018.
H. Por efeito a extinção da sociedade executa ocorreu na pendência da presente execução.
I. Nessa sequência, a primitiva Senhora Agente de Execução em 21.11.2019 requereu ao Douto Tribunal a quo se digne ordenar a inserção dos sócios da executada extinta, constantes da certidão comercial que se anexa, para os termos e efeitos dos art. 162º e 163º do Código das Sociedades Comerciais, conforme requerimento da Ilustre Mandatária da Exequente que se anexa.
J. Vieram aqueles a ser inseridos conforme oficio a Agente de Execução de 25-11-2019.
K. Os sócios da Sociedade executada nunca vieram dizer nada aos presentes autos.
L. Por Despacho de 20.03.2025 o Douto Juizo de Execução de Sintra julgou-se territorialmente incompetente, vindo os autos a serem distribuídos para o atual Douto Tribunal a quo.
M. Veio o Douto Tribunal a quo determinar na Douta Sentença de 20.03.2025: Importa apreciar a situação (que não foi ainda submetida a decisão judicial e que se entende não ser matéria da competência do AE, por respeitar à modificação da instância executiva, sendo reservada a competência jurisdicional), sendo que se entende desnecessário qualquer outro contraditório adicional, uma vez que a exequente suscitou a questão e teve a possibilidade de tomar posição e algo requerer, face à situação registral da executada.
N. Desde já se refira, que a exequente requereu o prosseguimento dos autos quanto aos sócios da Sociedade Executada nos termos do artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais.
O. Porquanto, conforme consta da Sentença ora recorrida Conforme decorre dos elementos disponíveis nos autos, o encerramento da liquidação e o subsequente cancelamento da matrícula da sociedade na pendência da presente execução.
P. Conforme resulta das publicações a sociedade foi declarada extinta conforme AP. ...25.
Q. Nos presentes autos de Execução está penhorado imóvel Prédio misto sito em ..., descrito na CRP ... sob o nº ...17 e inscrito nas matrizes urbana sob o nº ...94 e rústica sob o nº ...05, secção 007 da União de Freguesias ... e ....
R. O mencionado imóvel é propriedade da Sociedade Executada B... Unipessoal, Lda.
S. Sob a Certidão de Registo Predial do imóvel penhorado, não consta qualquer ato de liquidação da mencionada Sociedade Executada.
T. Pelo que, permanece em dívida à ora recorrente pela Sociedade Executada os valores executados nos presentes autos, bem como, permanece a Sociedade Executada como proprietária do imóvel penhorados nos presentes autos e que servem de garantia à recorrente.
U. Pelo que, salvo o devido respeito por opinião diversa, face à prova constante nos autos, tendo a sociedade execuda sido extinta em procedimento administrativo oficioso de dissolução e encerramento da liquidação, entende a apelante que os presentes autos devem prosseguir contra os Sócios da Sociedade Executada nos termos do artigo 162.º do CSC para a venda do imóvel penhorado nos autos.
V. Nos termos do artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais:
“1 - As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.os 2, 4 e 5, e 164.º, n.os 2 e 5.
2 - A instância não se suspende nem é necessária habilitação.”.
W. O artigo 163.º do Código das Sociedades Comerciais “Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.”
X. Pelo que salvo o devido respeito por opinião diversa, o artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais serve precisamente para acautelar as situações dos presentes autos em que existem ações pendentes ao encerramento administrativo da sociedade, sem necessidade da prova suplementar referida na Douta Sentença recorrida, e o artigo 163.º do Código da Sociedades Comerciais para acutelar ações/passivo que se venha a apurar após a extinção da Sociedade (supervenientes).
Y. Neste Sentido:
- Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05-05-2015 (Pº 119/14.0TBCTB.C1, rel. FALCÃO DE MAGALHÃES): “Os arts. 162° e 163° do Código das Sociedades Comerciais, distinguem e regulam dois modos diferentes de fazer intervir os sócios em acção instaurada por dívida da sociedade extinta, consoante a acção esteja pendente à data da extinção da sociedade ou seja instaurada após a extinção da sociedade. Tratando-se de acção pendente à data da extinção da sociedade, a substituição da sociedade pelo conjunto dos sócios, representados pelos liquidatários, é imediata e feita no próprio processo, sem necessidade de qualquer justificação e sem necessidade de recorrer ao incidente de habilitação (art. 162° do CSC). Tratando-se de acção a instaurar após a extinção da sociedade por dívida não paga nem acautelada no acto da liquidação, terá que ser proposta contra a generalidade dos sócios, também representados pelos liquidatários, e considerando que cada sócio apenas responde até ao montante que recebeu na partilha (art. 163°, n° 1, do CSC), o demandante terá que justificar, na petição inicial, que, aquando do encerramento da liquidação, a extinta sociedade possuía bens e/ou valores e que esses bens e/ou valores foram distribuídos pelos sócios demandados”; -
- Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 08-10-2015 (Pº 482/12.8TBCBT.G1, rel. MARIA LUÍSA RAMOS): “Encontrando-se a sociedade Autora extinta pelo registo do encerramento da liquidação, nos termos do nº2 do artº 160º do CSC, tal não impede o prosseguimento da acção e reconvenção nos termos do citado artº 162º, do citado diploma legal, prosseguindo a acção, sendo a generalidade dos sócios representados pelos liquidatários.
Nos termos do disposto no nº1 do artº 151º do CSC, “os membros da admistração da sociedade” passam a ser os liquidatários desta a partir do momento em que a sociedade se considera dissolvida, e, cujas funções terminam com a extinção da sociedade, sem prejuízo, porém, do disposto nos artº 162º a 164º”;
- Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11-02-2021 (Pº 2538/15.6T8PDL-B.L1-2, rel. LAURINDA GEMAS): “Na execução para pagamento de quantia certa em que, na pendência da mesma, ocorre a extinção da sociedade comercial (anónima) Executada, nos termos dos artigos 11.º, n.º 4, e 13.º do RJPADLEC, com o registo da decisão administrativa da dissolução e encerramento da liquidação, é aplicável o disposto no art. 162.º do CSC, do qual resulta que as ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5, do CSC. Com efeito, o legislador optou por facultar ao credor que já foi a juízo (para fazer valer o seu direito) um “caminho mais fácil”, o do n.º 2 do art. 163.º, ou seja, não determinou que o processo prosseguirá contra os próprios sócios (em sentido amplo entenda-se, incluindo, pois, os acionistas), que teriam de ser “habilitados”, mas sim contra a “generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário”, reconhecendo assim a personalidade judiciária deste “coletivo dos sócios”. Em situações como a dos autos, em que não existiu procedimento de liquidação com partilha, mas está comprovada a existência de ativo, de bens que não foram partilhados (no caso, imóveis penhorados, com registo de aquisição a favor da sociedade Executada) e de passivo (no caso, o crédito exequendo), a execução pode e deve prosseguir contra a “generalidade dos sócios”, representados pelos liquidatários, pois não se está perante uma circunstância conducente à inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide”.
Z. Pelo que, salvo o devido respeito por opinião diversa, não se concorda com o fundamento da Douta Sentença ora recorrida de que A esse respeito, nota-se, em primeiro lugar, que a questão da substituição respeitante à sociedade extinta, existindo acções pendentes (que é a única hipótese aqui relevante), surge no contexto de passivo ou activo supervenientes (arts. 163.º e 164.º do CSC), na perspectiva da responsabilidade e da titularidade desse passivo ou activo passarem, em certos termos, para os sócios dessa sociedade extinta (ainda que com a intervenção da generalidade dos sócios, conforme abaixo se explanará).
AA. Salvo o devido respeito por opnião diversa, o regime previsto no artigo 162.º do CSC não surge para acautelar passivo ou activo supervenientes, antes sim ações pendentes à altura do procedimento administrativo em apreço.
BB. Salvo o devido respeito por opinião diversa, tal entendimento do Douto Tribunal a quo torna a decisão proferida ambígua, ao restringir o regime do artigo 162.º do CSC a passivo superveniente quando o regime diz respeito a ações pendentes e ao exigir que a ora recorrente provasse e alegasse a liquidação e a distribuição entre os sócios quando nos termos constantes da Certidão Comercial da Executada tal não ocorreu.
CC. Assim como torna-se ambígua ao entender que Por outro lado, dispõe o art. 162.º do CSC que as acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos arts. 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5 (n.º 1), sendo que a instância não se suspende nem é necessária habilitação (n.º 2)., mas por outro lado restringe o regime previsto no artigo 162.º do CSC ao ativo e passivo superveniente quando o regime é aplicável ações pendentes à altura da extinção da sociedade.
DD.Assim como não se aceita da Douta Sentença, ora requrrida, “entende-se que, mesmo ao abrigo do disposto no art. 162.º, n.º 1, do CSC, por força da remissão deste normativo para o art. 163.º, será sempre necessário que se alegue (e demonstre) que, aquando do encerramento da liquidação da extinta sociedade, esta possuía bens e/ou valores e que esses bens e/ou valores foram distribuídos pelos sócios, pertencendo o ónus de alegação (e prova) ao exequente”, porquanto esta informação já constava dos autos.
EE. Assim como o previsto na Sentença de que Ainda assim, estando em causa uma execução, a posição que se afigura mais pertinente pela particular natureza da acção executiva é da que “o apuramento da existência de uma eventual partilha de bens da sociedade executada pelos sócios deverá fazer-se em acção declarativa e não através de um qualquer incidente da instância executiva” (Ac. da RP de 23/01/2012, disponível em www.dgsi.pt, a respeito também de uma situação de dissolução no âmbito do procedimento administrativo oficioso), uma vez que, salvo o devido respeito por opinião diversa, esvazia de qualquer fundamento o regime previsto no artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais.
FF. Tão pouco, salvo o devido respeito por opinião diversa, se compreende o fundamento da Douta Sentença, ora recorrida, de que Acresce que, no caso concreto, para além de se entender que o apuramento dos eventuais bens recebidos por sócio não deve ter lugar na execução, importa ainda salientar que, mesmo em entendimento diverso, nada foi alegado pela exequente e não resulta dos autos que os putativos bens da sociedade (existe pelo menos um bem imóvel, penhorado na execução) tenham sido efectivamente distribuídos pelos sócios (o que se entende aplicável mesmo estando em causa execução pendente – cfr. quanto a isto, o citado Ac. da RP),
GG. Conforme consta da Douta Sentença, ora recorrida Aliás, não resulta dos autos que tenha sido outorgada a partilha pelos sócios, nomeadamente para efeitos do disposto no art. 163.º, n.º 1, do CSC, antes pelo contrário.
HH.Salvo o devido respeito por opinião diversa, há evidência nos autos do passivo, do ativo, da declaração de encerramento do procedimento administrativo consta que não houve qualquer distribuição pelo os Sócios, e, salvo o devido respeito por opinião diversa, tal distribuição ou falta dela caberia aos sócios chamados à execução provar ou alegar e não à ora recorrente.
II. Pelo que, também não se consegue entender o fundamento da Douta Sentença recorrida de que entende-se que seria ainda necessário alegar (e demonstrar) que tais bens foram efectivamente distribuídos pelos sócios em partilha, uma vez que conforme consta dos autos não houve qualquer partilha.
JJ. Tornando para a recorrente, os fundamentos da Douta Sentença ora recorrida, obscuros e ambíguos, porquanto se por uma lado está provado que não houve liquidação, por outro caberia à ora recorrente alegar e provar essa distribuição.
KK. Conforme está demonstrado nos autos aquele procedimento administrativo concluiu que não havia passivo nem ativo a distribuir pelos sócios.
LL. Pelo que não poderia a apelante vir alegar e demonstrar a partilha, uma vez que da própria decisão administrativa consta a prova que os sócios não receberam quelquer valor.
MM. Salvo o devido respeito por opinião diversa o Douto Tribunal a quo não deveria ter extinto a execução, porquanto a mesma deveria ter prosseguido contra os sócios da executada após o seu encerramento, nos termos do artigo 162.º do CSC, bem como está demonstrado e provado nos autos o passivo da sociedade, a demonstração da existência da ativo pelo bem imóvel penhorado nos autos, ao que acresce que carecendo o Douto Tribunal a quo de prova adicional deveria ter ordenado a sua junção, querendo, aos Sócios da Executada e não caberia a mesma à ora recorrente.
NN. Considera a ora recorrente que apenas lhe cabe a aprova dos factos constitutivos do seu direito sobre a sociedade, nos termos do artigo 342º, nº 1, do Código Civil, os quais já constam dos autos.
OO. Salvo o devido respeito por opinião diversa, a Douta Sentença, ora recorrida, não faz jus ao regime previsto no artigo 162.º do CSC, nomeadamente, para além do supra referido, ao fundamentar “Com efeito, está em causa o normal funcionamento dos procedimentos legais vigentes e do apuramento ou não de bens nesse procedimento administrativo, no qual os credores (entre outros) tiveram, querendo, oportunidade de intervir, informando sobre o activo e o passivo, desde logo a notificação prevista no art. 8.º, n.º 4, do RJPADLEC. Assim, se ninguém se prestou a informar da existência do imóvel nesse procedimento, afigura-se que não cabe agora procurar ultrapassar o disposto no art. 163.º, n.º 1, do CSC, para obter o prosseguimento da execução e provocar uma espécie de “liquidação” ad hoc do activo da sociedade extinta no âmbito da execução – até porque, em rigor, se poderá equacionar um mecanismo legal para tal hipótese (existência de activo sem liquidação no procedimento administrativo).”.
PP. Ora, salvo o devido respeito por opinão diversa, a decisão proferida pelo Douto Tribunal a quo não fez uma correta subsunção dos factos ao direito, consequentemente, incorreu em erro de julgamento, porquanto a extinção da sociedade executada ocorreu na pendência da ação, deve prosseguir conforme requerido pela ora requerente contra a generalidade dos sócios, sem necessidade de habilitação, nos termos do artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais.
QQ. A Douta Sentença recorrida nos termos em que se encontra fundamentada, por os fundamentos estarem em oposição com a decisão, é ambígua, os quais tornam a decisão ininteligível, ao prever, nomeadamente, caberia à ora apelante prova de factos que não ocorreram designadamente a partilha de bens da sociedade pelos sócios, e ao implicar o regime do artigo 162.º do Código das Sociedades Comerciais para ações pendentes mas depois considerar apenas aplicável a passivo superveniente à dissolução da sociedade,
RR. Salvo o devido respeito por opinião diversa, além de erro de julgamento, o Douto Tribunal a quo conheceu de questões que não deveria ter conhecido, porquanto o prosseguimento da ação contra os sócios da Executada e a falta de oposição ou pronuncia dos sócios não se trata de questão de conhecimento oficioso ou que se prenda com a perda de personalidade da sociedade Executada mas antes a aplicação do regime previsto no artigo 162.º do Código das Sociedades Comercias,
SS. Salvo o devido respeito por opinião diversa, tendo a Sociedade sido declara extinta na pendência da execução, ao contrario do fundamentado pela Douta Sentença recorrida, não existe qualquer questão de conhecimento oficioso, mormente a falta de personalidade judiciária, que possa legitimidar a Sentença ora recorrida, volvidos 4 anos do prosseguimento dos autos contra aos sócios, sendo que qualquer prova adicional ou oposição caberia aos sócios alegar em contraditório.
TT. Devendo a execução prosseguir, salvo o devido respeito por opinião diversa, contra a generalidade dos sócios, nos termos do artigo 162.º do Código das Sociedades Comercias, sem qualquer prova adicional pela ora recorrente face à prova já constante dos autos.
UU. Por efeito, salvo o devido respeito por opinão diversa, além da errada subsunção dos factos ao direito, a Douta Sentença, ora recorrida, é nula por os fundamentos estarem em oposição com a decisão, por ambiguidade que tornam a decisão ininteligível, e por conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento (artigo 615. n.º 1 alíneas c) e d) do CPC).
VV. Por via do supra exposto, salvo o devido respeito por opinião diversa, a Douta Sentença, ora recorrida, deve ser revogada, devendo ser admitido e mantido o prosseguimento dos autos contra os Sócios da Executada, sem mais e sem prova adicional da ora recorrente, conforme requerido pela ora recorrente e nos termos do artigo 162.º do CSC, ou caso assim não se entenda ser a Douta Sentença, ora recorrida ser declarada nula por excesso de pronúncia e obscuridade, e, caso assim se entenda ser ordenado ao Douto Tribunal a quo a citação dos sócios da executada para querendo virem alegar o que tiverem por conveniente.
Nestes termos e nos melhores de direito deve dar-se provimento ao presente recurso e, em consequência ser revogada e substituída a Douta Sentença de 20.03.2025 proferida pelo Douto Tribunal a quo, nos termos supra expostos, com as legais consequências, devendo ser admitido e mantido o prosseguimento dos autos contra os Sócios da Executada, nos termos do artigo 162.º do CSC, ou caso assim não se entenda, ser a Douta Sentença, ora recorrida ser declarada nula por excesso de pronúncia e obscuridade, e, caso assim se entenda ser ordenado ao Douto Tribunal a quo a citação dos sócios da executada para querendo virem alegar o que tiverem por conveniente.»
                                                                               *
Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.
                                                           *

           A Exma. Juíza a quo proferiu despacho a admitir o recurso interposto, providenciando pela subida dos autos devidamente instruídos.

                                                                       *

           Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                                       *

           2QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:

- nulidades da decisão recorrida [art. 615º, nº1, als. c) e d) do n.C.P.Civil]?;

- desacerto da decisão, porquanto em caso de dissolução de sociedade devedora na pendência da execução movida contra a mesma, deve ser admitido e mantido o prosseguimento dos autos contra os sócios da Executada, nos termos do artigo 162º do CSC?

                                                                       *

3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A matéria de facto a ter em conta para a decisão do presente recurso é essencialmente a que consta do relatório que antecede.

                                                           *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

4.1 – A primeira ordem de questões que com precedência lógica importa solucionar é a que se traduz nas alegadas nulidades da decisão recorrida

Será, então, que ocorre nulidade da sentença consistente em “contradição entre os fundamentos e a decisão” e “obscuridade” [cf. al. c) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil]?

 A resposta a esta questão é claramente negativa – e releve-se este juízo antecipatório! – aliás, só se compreendendo a sua arguição por um qualquer equívoco ou deficiente interpretação dos conceitos legais.

Senão vejamos.

Consabidamente, nos termos da al. c) do art. 615º, nº1 do n.C.P.Civil, verifica-se a nulidade da sentença quando, nomeadamente (1ª parte), “Os fundamentos estejam em oposição com a decisão”.

Sucede que quando se fala, a tal propósito, em “oposição entre os fundamentos e a decisão”, está-se a aludir à contradição real entre os fundamentos e a decisão; está-se a aludir à hipótese de a fundamentação apontar num sentido e a decisão seguir caminho oposto.

Na verdade, o que está em causa nesse normativo é a contradição resultante de a fundamentação da sentença apontar num sentido e a decisão (dispositivo da sentença) seguir caminho oposto ou direção diferente[3], inserindo-se no quadro dos vícios formais da sentença, tal como elencados nos art.os 667º e 668º do C.P.Civil[4], e atualmente nos art.os 614º e segs. do n.C.P.Civil, sem contender, pois, com questões de substância, que, como tais, já se prendem com o mérito, e não com o âmbito formal.

Ora, compulsada a decisão, o que se constata é que foi tendo em conta o quadro factual dos autos (encerramento da liquidação e o subsequente cancelamento da matrícula da sociedade executada, verificada no âmbito da liquidação administrativa) que se perfilhou um determinado enquadramento jurídico, a saber, que tal ocasionava a extinção da sociedade executada, o que determinava a falta de personalidade judiciária da mesma, e não sendo a execução a sede própria para averiguar e decidir sobre a existência de bens e da sua distribuição aos sócios, acrescendo que se entendia não ser também a execução a sede própria para levar a cabo a pretendida/requerida liquidação do património da sociedade extinta, sendo em coerência com essa fundamentação/enquadramento jurídico que veio a ser proferida a “decisão”.

Sucede que se assim é, na medida em que a Recorrente invoca o desacerto deste enquadramento jurídico face às normas legais que invoca, resulta que efetivamente entende ter ocorrido uma errada interpretação e aplicação das ditas normas substantivas, isto é, questiona diretamente o mérito da decisão, que não a nulidade de julgamento, sob o ponto de vista formal, que é o que está em causa nestas nulidades do art. 615º do n.C.P.Civil.

Idem se diga, mutatis mutandis, relativamente ao que é invocado em termos de “obscuridade” da decisão.

Dito de outra forma: o que a Recorrente discorda é da interpretação e aplicação que das leis foi feita.

Só que isso é outro patamar da questão…, sendo certo que a ter havido erro de julgamento, sob o ponto de vista substantivo, tal será aquilatado nesta instância de recurso, sendo essa a função primordial do recurso interposto e a que este Tribunal está interpelado, o que o mesmo cumprirá face à fundamentação que foi enunciada na decisão e que constitui o percurso lógico-jurídico da mesma.

Apreciação essa de que se tratará na sequência imediata.

Termos em que, sem necessidade maiores considerações, improcede esta arguição de nulidade.

                                                           ¨¨

E que dizer da arguição de nulidade por “excesso de pronúncia” [art. 615º, nº1, al.d) do n.C.P.Civil]?

Atente-se que quanto a este segunda vertente visada pelo recurso, a dimensão do excesso decorreria de se ter proferido decisão judicial tendo desde logo como justificação a “falta de personalidade judiciária” da sociedade Executada [consequente do encerramento da liquidação e o subsequente cancelamento da matrícula dessa sociedade executada, verificada no âmbito da liquidação administrativa].

Que dizer?

Também a esta questão a nossa resposta é claramente negativa, aliás, só se compreendendo a sua arguição como fruto de um qualquer equívoco ou deficiente compreensão dogmática desta temática.

Senão vejamos.

Nos termos da dita al. d) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil, verifica-se a nulidade da sentença quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”.

Na verdade, à luz do disposto neste normativo, a decisão padece do vício da nulidade quer no caso de o juiz conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, quer no caso de deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, isto tendo-se presente que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – art. 608º, nº2 do mesmo n.C.P.Civil.

Ora, cremos que será inquestionável a afirmação de que o Exmo. Juiz de 1ª instância ao emitir pronúncia sobre a “falta de personalidade judiciária” da sociedade Executada versou sobre questão que devia apreciar, sendo como era questão de conhecimento oficioso.

Donde se assim é, importa concluir que não foi cometido o aludido vício, designadamente nesta sua vertente da excesso.

Assim sendo, não ocorreu qualquer “excesso de pronúncia” no quadro e para efeitos do art. 615º, nº1, al.d) do n.C.P.Civil.

Termos em que igualmente improcede claramente esta via de argumentação aduzida pela Exequente/recorrente como fundamento para a procedência do recurso.

                                                           *

4.2 – Questão do desacerto da decisão, porquanto em caso de dissolução de sociedade devedora na pendência da execução movida contra a mesma, deve ser admitido e mantido o prosseguimento dos autos contra os sócios da Executada, nos termos do artigo 162º do CSC.

De referir que a resposta à questão decidenda implica a apreciação e decisão sobre se numa execução pendente, os ex-sócios da sociedade executada podiam ou não ser responsabilizados pelo pagamento da quantia exequenda.

Salvo o devido respeito – e ressalvado o juízo antecipatório! – a resposta em termos académicos e teóricos deve ser, em regra, de sentido afirmativo, ainda que com uma especificidade que a própria solução legal contempla, donde procederem os argumentos recursivos.

Senão vejamos.

Começando a análise pelo regime legal invocado e aplicável [o Código das Sociedades Comerciais, doravante “C.S.C.”]:

                                    «Artigo 162º - Ações pendentes

1 - As acções em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5.

2 - A instância não se suspende nem é necessária habilitação.»

                                    «Artigo 163º - Passivo superveniente

1 – Encerrada a liquidação e extinta a sociedade, os antigos sócios respondem pelo passivo social não satisfeito ou acautelado, até ao montante que receberam na partilha, sem prejuízo do disposto quanto a sócios de responsabilidade ilimitada.

(…)»

Por força deste regime jurídico, apesar da extinção da sociedade [que perde a sua personalidade jurídica e judiciária] as relações jurídicas de que a mesma era titular não se extinguem.

Na verdade, no artigo 162º do C.S.C., estabelece-se que as ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, nos 2, 4 e 5, e 164.º, nos 2 e 5 (nº1), sendo que a instância não se suspende nem é necessária habilitação (nº2).

No caso sub judice, a extinção da sociedade verificou-se na pendência da instância executiva.

Donde, será legítima a aplicação do disposto no artigo 162º, do C.S.C., isto é, a sociedade considera-se substituída pela generalidade dos sócios e o procedimento da sua substituição pelo conjunto dos sócios é feito no próprio processo, sem necessidade de recorrer ao incidente de habilitação – reside aqui a especificidade da solução legal a que supra se aludiu.

Mas se por meio do requerimento apresentado pela Exequente nos autos de execução era possível regularizar a instância – passando a estar na lide, em substituição da sociedade extinta, os sócios representados pelos liquidatários! – o passo subsequente da averiguação era determinar qual a responsabilidade social e/ou pessoal dos sócios da sociedade extinta, consabido que havendo passivo social não satisfeito ou acautelado [como era o caso], é dos sócios a respetiva responsabilidade.

De referir que “in casu” não está em causa essa responsabilidade circunscrever-se ou ter por limite o montante que receberam na partilha.

Isso é aspeto sobre o qual estatui mais direta e aprofundadamente o dito art. 163º, nº 1, do C.S.C.[5]

Ora, no caso vertente, um dos dados de facto era que o bem imóvel em causa – e que havia sido penhorado à sociedade Executada – não foi partilhado e distribuído pelos sócios…

A decisão recorrida assenta, em alguma medida, na ideia de que por se tratar de caso em que os sócios nada tinham recebido, também nenhuma responsabilidade lhes podia ser exigida.

Sucede que, salvo o devido respeito, o que estava em causa nos autos era tão somente poder (ou não) prosseguir a execução contra os sócios quanto ao bem imóvel da sociedade que havia sido penhorado nos autos e quanto ao qual não foi dado destino no âmbito da “liquidação administrativa”.

Sendo que, quanto a nós, sobre tal estatui diretamente o citado artigo 162º do C.S.C..

Senão vejamos.

Se bem atentarmos na literalidade deste normativo, nele se prevê e estabelece que as ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários.

E é disso que basicamente se tratava e estava em causa nos autos.

Desta forma já se adivinha qual a nossa posição nesta temática.

Na verdade, aderimos ao entendimento de que «Os arts. 162° e 163° do Código das Sociedades Comerciais, distinguem e regulam dois modos diferentes de fazer intervir os sócios em acção instaurada por dívida da sociedade extinta, consoante a acção esteja pendente à data da extinção da sociedade ou seja instaurada após a extinção da sociedade. Tratando-se de acção pendente à data da extinção da sociedade, a substituição da sociedade pelo conjunto dos sócios, representados pelos liquidatários, é imediata e feita no próprio processo, sem necessidade de qualquer justificação e sem necessidade de recorrer ao incidente de habilitação (art. 162° do CSC).»[6]

É que, como igualmente foi explicitado em outro douto aresto no mesmo sentido, «[N]a execução para pagamento de quantia certa em que, na pendência da mesma, ocorre a extinção da sociedade comercial (anónima) Executada, nos termos dos artigos 11.º, n.º 4, e 13.º do RJPADLEC, com o registo da decisão administrativa da dissolução e encerramento da liquidação, é aplicável o disposto no art. 162.º do CSC, do qual resulta que as ações em que a sociedade seja parte continuam após a extinção desta, que se considera substituída pela generalidade dos sócios, representados pelos liquidatários, nos termos dos artigos 163.º, n.ºs 2, 4 e 5, e 164.º, n.ºs 2 e 5, do CSC. Com efeito, o legislador optou por facultar ao credor que já foi a juízo (para fazer valer o seu direito) um “caminho mais fácil”, o do n.º 2 do art. 163.º, ou seja, não determinou que o processo prosseguirá contra os próprios sócios (em sentido amplo entenda-se, incluindo, pois, os acionistas), que teriam de ser “habilitados”, mas sim contra a “generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário”, reconhecendo assim a personalidade judiciária deste “coletivo dos sócios”. Em situações como a dos autos, em que não existiu procedimento de liquidação com partilha, mas está comprovada a existência de ativo, de bens que não foram partilhados (no caso, imóveis penhorados, com registo de aquisição a favor da sociedade Executada) e de passivo (no caso, o crédito exequendo), a execução pode e deve prosseguir contra a “generalidade dos sócios”, representados pelos liquidatários, pois não se está perante uma circunstância conducente à inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide».[7]

De referir que neste último aresto estava em causa uma situação factual perfeitamente equiparada/semelhante à dos presentes autos – execução já pendente, não tendo havido partilha/distribuição pelos sócios do bem penhorado à sociedade executada no âmbito da “liquidação administrativa”.

Assim, salvo o devido respeito, não estávamos reconduzidos in casu a uma “falta de personalidade judiciária” da sociedade Executada determinante da necessária e incontornável extinção da execução, pois que é o próprio art. 162º do C.S.C. a estatuir o “remédio” “solução” para a situação, a saber, que o processo prossegue contra a “generalidade dos sócios, representados pelo liquidatário”, reconhecendo assim a personalidade judiciária deste “coletivo dos sócios”.

Nem, aliás, nos encontrávamos perante uma circunstância conducente à inutilidade ou impossibilidade superveniente da lide.

Antes e ao invés, continuando penhorado o imóvel ajuizado, isto é, existindo esse bem que não foi partilhado, impõe-se que os autos executivos prossigam, nomeadamente para a venda do mesmo (sobre o qual até incide hipoteca para garantia do crédito exequendo), com vista ao pagamento da quantia exequenda, sendo certo que, a existir um valor remanescente do produto da venda, ser-lhe-á dado destino pelo(s) liquidatário(s).

Termos em que, brevitatis causa, o recurso merece provimento, devendo a execução prosseguir, como pretende a Exequente/recorrente, contra a “generalidade dos sócios”, o que se traduz na revogação da decisão recorrida.

                                                           *                    

5 – SÍNTESE CONCLUSIVA (…).
                                                                       *

6 – DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final, dar procedência à apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida, determinando, em substituição da mesma, o prosseguimento da ação executiva, agora contra a “generalidade dos sócios” da extinta sociedade Executada, representados pelo(s) liquidatário(s).

Custas do recurso pela “generalidade dos sócios”, as quais sairão precípuas do produto do bem penhorado.

                                           Coimbra, 11 de Novembro de 2025


Luís Filipe Cravo

Fernando Monteiro

Carlos Moreira



[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira
[2] A saber: - BB, NIF ...99, casado em comunhão de adquiridos com CC, com morada conhecida na Rua ..., ..., Bairro ..., ..., actualmente insolvente, estando o processo de insolvência a decorrer sob o nº 499/15...., sendo administrador de insolvência a Dra. DD, com escritório na Rua ..., ... ...;
- EE, NIF ...14, divorciado, com morada conhecida na Praça ..., ..., ..., ... ..., actualmente insolvente, estando o processo de insolvência a decorrer sob o nº 4781/19...., sendo administrador de insolvência o Dr. FF, com escritório na R. do ..., ..., ... ....

[3] Assim o acórdão do STJ de 14.01.2010, no proc. nº 2299/05.7TBMGR.C1.S1, com sumário disponível em www.dgsi.pt.
[4] Cfr., por todos, o acórdão do STJ de 23.05.2006, no proc. nº 06A1090, acessível em www.dgsi.pt/jstj.
[5] Recorde-se que o fundamento da limitação para, extinta uma sociedade comercial, os antigos sócios responderem pelo passivo social, mas só até ao montante que receberam na partilha, assenta na distinção entre o património social e o património individual dos sócios, em obediência à autonomia da personalidade jurídica de cada um.

[6] Assim o acórdão do TRC de 05-05-2015, proferido no proc. nº 119/14.0TBCTB.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[7] Trata-se do acórdão do TRL de 11-02-2021, proferido no proc. nº 2538/15.6T8PDL-B.L1-2, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jtrl, sendo certo que quer este aresto, quer o citado na precedente nota foram invocados nas alegações recursivas