Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
18/23.5GCGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FÁTIMA SANCHES
Descritores: REQUERIMENTO DO MINISTÉRIO PÚBLICO DE ATRIBUIÇÃO DE UMA QUANTIA A TÍTULO DE REPARAÇÃO À VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DANOS MORAIS
INDEMNIZAÇÃO
ALTERAÇÃO DA INDEMNIZAÇÃO ARBITRADA SEGUNDO A EQUIDADE PELO TRIBUNAL SUPERIOR
Data do Acordão: 09/27/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA - JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE CELORICO DA BEIRA
Texto Integral: N
Meio Processual: RECURSO DECIDIDO EM CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO
Legislação Nacional: ARTIGO 82.º-A DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL/C.P.P.
ARTIGO 21.º, NºS 1 E 2, DA LEI N.º 112/2009, DE 16 DE SETEMBRO/REGIME JURÍDICO APLICÁVEL À PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA, À PROTECÇÃO E À ASSISTÊNCIA DAS SUAS VÍTIMAS
ARTIGOS 495.º, 496.º, N.ºS 1 E 3, E 497.º DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I – O artigo 82.º-A do C.P.P. estabelece, em certos casos e reunidos determinados pressupostos, a atribuição oficiosa à vítima dos factos ilícitos de uma reparação pelos prejuízos sofridos.

II – Dado o carácter subsidiário da reparação oficiosa da vítima, se esta deduzir pedido de indemnização a reparação é feita no âmbito do pedido formulado, cessando a aplicação do disposto no referido artigo 82.º-A do C.P.P.

III – Em caso de condenação por crime de violência doméstica é obrigatório o arbitramento de uma compensação à vítima, nos termos do artigo 21.º, nºs 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, não dependendo tal arbitramento da verificação dos pressupostos estabelecidos no artigo 82.º-A do C.P.P.

IV – Tendo a indemnização arbitrada nos termos do artigo 21.º, nºs 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro, o caráter de instituto subsidiário do pedido de indemnização civil formulado pelo lesado, conforme decorre do n.º 1, não é admissível o arbitramento cumulativo de indemnizações, no âmbito de um e outro instituto, como resulta do n.º 3 do artigo 82.º-A do C.P.P.

V – Os danos morais ou prejuízos de natureza não patrimonial correspondem àquilo que se costuma designar por pretium doloris ou ressarcimento tendencial da angústia, da dor física, da doença ou do abalo psíquico-emocional resultante da situação do lesado gerado pelo acto ilícito a que foi sujeito.

VI – Em matéria de danos morais não há uma indemnização verdadeira e própria, mas antes uma reparação, que se destina a aumentar um património que não foi espoliado com vista a proporcionar ao lesado a possibilidade de, acedendo a bens ou atividades que lhe proporcionam bem-estar, poder, de alguma forma, encontrar uma compensação para a dor.

VII – Por isso a reparação deve ser proporcional à gravidade do dano, devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida, os padrões geralmente adoptados pela jurisprudência e as flutuações do valor da moeda e deve ter um alcance “significativo e não meramente simbólico”, conforme vem sendo repetidamente afirmado pelos tribunais superiores.

VIII – Estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais com apelo à a equidade, o tribunal de recurso deve limitar a sua intervenção correctiva aos casos em que a indemnização arbitrada se mostrar desconforme com aquelas regras.

Decisão Texto Integral:
            Acordam os Juízes da 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra:

            I. RELATÓRIO

            1. … foi proferida sentença, em 30-06-2023 [referência30495114], com o seguinte dispositivo (transcrição):

            «Pelo exposto e ao abrigo das disposições legais citadas, decide-se julgar a acusação parcialmente procedente e, em consequência:

               a) condenar o arguido AA, pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de violência doméstica previsto e punido pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º primeira proposição, 152.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea a), do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses de prisão;

               b) suspender a execução da pena de prisão aplicada ao arguido por igual período de 2 (dois) anos e 2 (dois) meses, ao abrigo do disposto no artigo 50.º, n.ºs 1 e 5, do Código Penal, subordinada a regime de prova, nos termos do previsto no artigo 53.º do Código Penal, a qual assentará em plano individual de readaptação a elaborar e fiscalizar pelos serviços da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais, conforme estatuído no artigo 494.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, e que passará necessariamente pela proibição de o arguido contactar com a vítima BB, por qualquer meio, e de frequentar a zona habitacional e laboral da mesma durante todo o período da suspensão (dois anos e dois meses);

               c) julgar o pedido de indemnização parcialmente procedente e, em consequência, condenar o demandante/arguido AA a pagar à demandante/vítima BB a quantia de € 1.000,00 (mil euros), acrescida de juros de mora, contados à taxa legal em vigor, desde a data desta sentença até efetivo e integral pagamento, absolvendo-o do demais peticionado;

               …»

            2. …, interpôs recurso a Assistente BB.

            Na sequência das respetivas alegações termina apresentando as seguintes conclusões e petitório (transcrição):

               «1. Ficou provado que, no dia 02/02/2023, pelas 19H30, dentro da casa onde residiam, o Arguido iniciou uma discussão com a Recorrente, tendo-a empurrado para o sofá, apertando-lhe (“esmagou-lhe”) o braço esquerdo, rasgou-lhe as calças, retirou-lhe o telemóvel e, munido de uma faca de cozinha, disse que a cortava em pedaços, além disso impediu-a de pedir auxílio, tendo-lhe retirado o cartão SIM do telemóvel da mesma;

               2. Provou-se igualmente que, em consequência directa e necessária da conduta do Arguido, a Recorrente apresentou as lesões constantes dos autos;

               3. Provado ficou também ficou que o Arguido levou a cabo tais condutas, sem se preocupar com a saúde física e psíquica da ofendida, provocando-lhe profundo desgaste físico e emocional, sabendo que, ao agir da como agiu, no interior da residência que partilhava com a vítima, violentava aquele que deveria ser um espaço intocado, reservado, protector e securitário da Recorrente, agindo com intenção de a atemorizar, de influenciar a sua livre determinação, causando-lhe receio pela sua saúde e vida, sabendo que tal era apto a condicionar o comportamento futuro da ofendida, sendo o seu modo de proceder apropriado a criar naquela um sentimento de insegurança e inquietação, agindo sempre de forma livre, voluntária e consciente, tendo a intenção, concretizada, de atingir e molestar a ofendida, sua esposa, ofendendo-a na sua saúde física e psíquica, dessa forma pretendendo fazer ressaltar o seu poder sobre a mesma, lesando a sua integridade moral, dignidade pessoal e saúde e provocando-lhe sofrimento físico e psicológico, bem sabendo, por fim, que todas as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal;

               …

               10. E, formulado pedido de indemnização civil, ficou igualmente provado que, em consequência directa e necessária da conduta do Arguido, a Recorrente sentiu dores, tristeza, angústia, humilhação e, medo;

               11. Tais danos assumem uma gravidade merecedora da tutela do direito, pelo que são legalmente ressarcíveis;

               12. Pelo que se concluiu pela existência de responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, por violação do direito à liberdade, à integridade física e dignidade pessoal da ofendida;

               13. A Recorrente foi fixada uma indemnização de €1.000,00, um valor, meramente, simbólico;

               …

               15. Ponderadas as circunstâncias do caso sub judice, seria adequado fixar a indemnização devida pelo Arguido à Recorrente, no montante de, pelo menos, €5.000,00 (cinco mil euros), acrescido dos respectivos juros legais até efectivo e integral pagamento;

               16. O Ministério Público promoveu, ainda, nos termos do estabelecido nos art.ºs 82.º-A do Código Penal e 21.º, n.ºs 1 e 2 da Lei n.º 112/2009, de 16/09, que fosse atribuída à Recorrente, a título de reparação, a quantia de €2.000,00 (dois mil euros);

               17. Promoção sobre o qual o Tribunal “a quo” não se pronunciou, devendo tê-lo feito, atribuindo à Recorrente esta justa e adequada reparação.

               … deve por V. Ex.ª a Douta Sentença ser alterada … e consequentemente ser fixada à Recorrente uma indemnização no montante de €5.000,00, e ainda de €2.000,00 resultante da promoção formulada pelo Ministério Público, acrescido dos respectivos juros legais até ao efectivo e integral pagamento.»

           

            3. Ao recurso interposto pela Assistente, respondeu o arguido AA, …

4. O Ministério Público junto da primeira instância, considerando não ter legitimidade/interesse processual para tal, uma vez que o recurso é restrito à parte cível da decisão, não respondeu, …

            5. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-geral Adjunto, apôs o seu visto …

                       

            6. Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos, o processo foi presente à conferência, por o recurso dever ser aí julgado, de harmonia com o preceituado no artigo 419º, n.º 3, alínea c) do Código de Processo Penal.

            II. FUNDAMENTAÇÃO

            1. Delimitação do objeto do recurso.

            …[1], …

           

            Atentas as conclusões formuladas pelo recorrente, as questões a decidir são as seguintes:

            a) – Omissão de pronúncia no que concerne à promoção do Ministério Público no sentido de dever ser atribuída à Assistente, nos termos do disposto nos artigos 82º-A do Código Penal e 21º, nºs 1 e 2 da Lei nº 112/2009, de 16/09, a título de reparação, a quantia de €2 000,00 (dois mil euros).

            b) – Inadequação ao caso concreto do valor da indemnização fixado, o qual deveria sê-lo em, pelo menos, €5 000,00 (cinco mil euros);

            2. Da decisão recorrida.

            O Tribunal a quo considerou provada a seguinte factualidade (transcrição):
            «1. O arguido, AA, casou catolicamente com a ofendida, BB, em 24/03/1991, na freguesia ..., concelho ....
               …
               5. No dia 02/02/2023, pelas 19H30, dentro da casa onde residiam, o arguido iniciou uma discussão com a ofendida, tendo-a empurrado para o sofá, apertando-lhe (“esmagou-lhe”) o braço esquerdo, rasgou-lhe as calças, retirou-lhe o telemóvel e, munido de uma faca de cozinha, disse que a cortava em pedaços.
               6. Nessa altura, o arguido impediu a ofendida de pedir auxílio, tendo retirado o cartão SIM do telemóvel da mesma.
               7. Em consequência direta e necessária da supra descrita conduta do arguido em 4., a ofendida apresentava as seguintes lesões:
               “-Membro superior esquerdo: Equimose com 6 cm de diâmetro na face anterior do ombro. Equimose com 2,5 cm na face antero medial do 1/3 médio do braço”;
               “-Membro inferior direito: Equimose com 1 cm de diâmetro na nádega”;
               “-Membro inferior esquerdo: Três equimoses com 1 cm de diâmetro na face anterior no 1/3 inferior da coxa. Equimose com 2 cm de diâmetro na face antero medial da perna no 1/3 superior”.
               8. Tais lesões determinaram “em condições normais, 6 dias para a cura: sem afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional”.
               9. No dia 10/02/2023, o arguido transferiu dinheiro de uma conta conjunta.
               10. Há alguns anos atrás, aproximadamente, 8 (oito) anos, a ofendida sofreu um acidente de trabalho, que afetou a sua saúde, designadamente, na coluna.
               11. O arguido levou a cabo as supra descritas condutas, sem se preocupar com a saúde física e psíquica da ofendida, provocando-lhe profundo desgaste físico e emocional.
               12. O arguido sabia ainda, que ao agir da forma descrita, também no interior da residência que partilhava com a vítima, violentava aquele que deveria ser um espaço intocado, reservado, protetor e securitário da ofendida.
               13. Ao atuar da forma descrita, proferindo a expressão referida em 5. à ofendida, nos termos referidos, o arguido agiu com intenção de a atemorizar, de influenciar a livre determinação da ofendida, causando-lhe receio pela sua saúde e vida, sabendo perfeitamente o arguido que tais afirmações eram aptas a condicionar o comportamento futuro da ofendida, sendo o seu modo de proceder apropriado a criar naquela um sentimento de insegurança e inquietação, afetando a sua paz individual, bem sabendo que a sua conduta era criminalmente proibida e punida.
               14. O arguido, com as atuações supra descritas, agiu sempre de forma livre, voluntária e consciente, tendo a intenção, concretizada, de atingir e molestar a ofendida, sua esposa, ofendendo-a na sua saúde física e psíquica, dessa forma pretendendo fazer ressaltar o seu poder sobre a mesma, lesando a sua integridade moral, dignidade pessoal e saúde e provocando-lhe sofrimento físico e psicológico.
               15. Bem sabia o arguido que todas as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
               …»

            … a decisão em crise, fundamenta a fixação da indemnização a título de reparação de danos não patrimoniais pela seguinte forma (transcrição):

            «4.5. Do pedido de indemnização civil

               …

               Descendo ao nosso caso, provou-se que o arguido, em 02/02/2023, pelas 19h30, dentro da casa onde residiam, o arguido iniciou uma discussão com a ofendida, tendo-a empurrado para o sofá, apertando-lhe (“esmagou-lhe”) o braço esquerdo, rasgou-lhe as calças, retirou-lhe o telemóvel e, munido de uma faca de cozinha, disse que a cortava em pedaços, impedindo-a de pedir auxílio, tendo retirado o cartão SIM do telemóvel da mesma.

               Ficou igualmente demonstrado que, em consequência direta e necessária da supra descrita conduta do arguido, a ofendida ficou com equimoses no membro superior esquerdo e membros inferiores que determinaram em condições normais, 6 dias para a cura.

               Resultou, ainda, que as descritas atuações do arguido provocou-lhe profundo desgaste físico e emocional e que sentisse dores, tristeza, angústia, humilhação e medo nos termos que melhor supra se explanou.

               Tais danos pelas suas repercussões na vida da vítima, em termos emocionais, em síntese pelo sofrimento por aquela vivenciado, afiguram-se-nos assumir gravidade merecedora da tutela do direito, pelo que são legalmente ressarcíveis, sendo que os mesmos decorreram diretamente da descrita atuação do arguido.

               Face ao que se deixa exposto, conclui-se pela responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, por violação do direito à liberdade, à integridade física e dignidade pessoal da ofendida, por banda do arguido.

               Tais direitos são juridicamente tutelados como direitos de personalidade e absolutos, impondo-se, por isso, a todos um dever geral de respeito e de abstenção da prática de atos lesivos dos mesmos – cfr. artigos 25.º, 26.º, n.º 1, e 27.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa e 70.º, n.º 1, do Código Civil.

               Assim sendo, importa agora quantificar a indemnização a arbitrar.

               Na fixação equitativa do montante da indemnização por dano não patrimonial devem ser atendidas o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso - cfr. artigo 494.º, n.º 4, ex vi artigo 496.º do Código Civil.

               A fixação da indemnização, de acordo com a equidade, significa que o seu valor é determinado considerando a culpa do agente, a sua situação económica e a situação económica do lesado, as especiais circunstâncias do caso e a gravidade do dano, ou seja, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida: a indemnização deve ser proporcional à gravidade do dano, a avaliar objetivamente, e ser fixada de acordo com critérios de boa prudência e ponderação das realidades da vida – neste sentido, Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, 2003, pág. 602 e seguintes.

               Deverá primeiramente relevar-se a natureza, intensidade e gravidade do dano, uma vez que a atribuição de uma quantia em dinheiro visa ainda compensar o lesado, proporcionando-lhe uma satisfação que atenue ou minore o mal sofrido.

               E porquanto se pretende um justo grau de compensação, o valor a atribuir não deve ser um valor meramente simbólico – cfr. o já aludido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/02/2013, processo n.º 269/09.5GBPNF.P1.S1, relator Raul Borges e arestos aí citados.

               Para o efeito e revertendo ao caso em apreço, não pode deixar de se considerar que se tratou de um episódio único, mas com consequências graves e continuadas na vida da vítima, nos termos já explanados, bem como os rendimentos auferidos pelo arguido e aos costumes desta Comarca para casos semelhantes.

               Assim, ponderadas as circunstâncias do caso sub judice, ao abrigo do disposto nos artigos 129.º do Código Penal e 483.º, n.º 1, 496.º, n.ºs 1 e 4, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil, socorrendo-nos de juízos de equidade, afigura-se-nos adequado fixar a indemnização devida pelo arguido à vítima/assistente, no montante de € 1.000,00 (mil euros).

               A este montante acrescem desde a presente decisão até efetivo e integral pagamento, como peticionado, uma vez que o tribunal teve em conta as condições e o valor monetário atuais – cfr. artigos 566.º, n.º 2, 805.º, n.º 3 e 806.º, n.º 1, todos do Código Civil.»

           

            3. Apreciação do recurso.

            A recorrente não põe em causa quer a matéria de facto dada como provada, quer a condenação de que o arguido foi objeto no que se refere à parte criminal, pelo que, tais matérias se têm por assentes[2].

            3.1. – Da omissão de pronúncia no que concerne à promoção do Ministério Público no sentido de dever ser atribuída à Assistente, nos termos do disposto nos artigos 82º-A do Código Penal e 21º, nºs 1 e 2 da Lei nº 112/2009, de 16/09, a título de reparação, a quantia de €2 000,00 (dois mil euros).

            A Recorrente sustenta que o Tribunal a quo deveria ter-se pronunciado expressamente sobre a promoção do Ministério Público em sede de despacho de encerramento do inquérito, após dedução da acusação[3] e que, nessa decorrência, a quantia ali mencionada, deveria acrescer à quantia arbitrada no âmbito do pedido de indemnização civil por si formulado nos autos.

            Embora a Recorrente não retire qualquer consequência da invocada omissão, nem indique qualquer norma legal que tenha sido violada, cabe, ainda assim, conhecer da questão colocada, adiantando-se, desde já, não lhe assistir razão.

            A Recorrente confunde institutos que são bem distintos, o que decorre, desde logo do desenho do respetivo regime legal.

             Estabelece o artigo 82º-A do Código de Processo Penal:

            “Artigo 82.º-A

               Reparação da vítima em casos especiais

               1 - Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72.º e 77.º, o tribunal, em caso de condenação, pode arbitrar uma quantia a título de reparação pelos prejuízos sofridos quando particulares exigências de protecção da vítima o imponham.

               2 - No caso previsto no número anterior, é assegurado o respeito pelo contraditório.

               3 - A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em acção que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.”

            Por seu turno, estabelece o artigo 21º nºs 1 e 2 da Lei nº112/2009 de 16 de setembro[4], com a redação dada pela Lei nº57/2021 de 16 de agosto:

            “Artigo 21.º

               Direito a indemnização e a restituição de bens

               1 - À vítima é reconhecido, no âmbito do processo penal, o direito a obter uma decisão de indemnização por parte do agente do crime, dentro de um prazo razoável.

               2 - Para efeito da presente lei, há sempre lugar à aplicação do disposto no artigo 82.º-A do Código de Processo Penal, exceto nos casos em que a vítima a tal expressamente se opuser.”

            O primeiro dos preceitos transcritos estabelece, em certos casos e reunidos determinados pressupostos, a atribuição oficiosa à vítima dos factos ilícitos em que se fundamenta a condenação criminal, de uma reparação pelos prejuízos sofridos, sem prejuízo, naturalmente, do disposto no artigo 129º do Código Penal e nos artigos 71º a 82º do Código de Processo Penal, relativos à dedução em Processo Penal, de pedido de indemnização por quem tem legitimidade (artigo 74º do mesmo código).

            No caso de se estar perante uma condenação por crime de violência doméstica, por força do segundo dos preceitos acima transcritos, tal arbitramento de uma compensação à respetiva vítima, é obrigatório e decorre da condenação criminal, não dependendo da verificação dos pressupostos estabelecidos no transcrito artigo 82º-A, mantendo, contudo, o seu caráter de instituto subsidiário do pedido de indemnização civil formulado pelo lesado, conforme decorre do nº1 do preceito, não se admitindo o arbitramento cumulativo de quantias fixadas no âmbito de um e outro instituto, como decorre do nº3 (“A quantia arbitrada a título de reparação é tida em conta em ação que venha a conhecer de pedido civil de indemnização.”).

            Em anotação ao artigo 82º-A do Código de Processo Penal, escreve Tiago Caiado Milheiro[5]:

            “O pedido cível em processo penal ou não penal mantém-se autónomo e em nada é afetado por este instituto. Tem um caráter subsidiário (como resulta claramente da afirmação literal pela negativa “Não tendo sido deduzido pedido de indemnização civil no processo penal ou em separado, nos termos dos artigos 72º e 77º”). Significa que, se tiver sido deduzido o pedido cível em processo criminal ou em processo não penal (de qualquer índole: cível, laboral, comercial, administrativo, família e menores, etc.) ou já existir decisão que tenha fixado a indemnização (entendendo-se toda aquela que seja vinculativa), não poderá haver lugar a arbitramento oficioso. Se porventura, existiu um pedido, mas não uma decisão de fundo (v.g. absolvição da instância por questões formais) mantém-se a possibilidade de reparação oficiosa. Só o veredito que tenha analisado os pressupostos materiais para a concessão de uma indemnização impede a reparação oficiosa. (…) O procedimento é oficiosamente iniciado e decidido pelo Tribunal. Isso não impede que possa ser solicitado (aliás é um dever do MP “pedir” quando seja aplicado o processo sumaríssimo cf. Art. 394º nº2 alínea b), mesmo que a vítima tenha deixado decorrer os prazos para dedução do pedido cível.

            (…)

            Assim, só será arbitrada uma indemnização oficiosa se a vítima de violência doméstica ou especialmente vulnerável não tenha deduzido pedido cível, o agressor tiver sido condenado e se provar a existência de danos.”

             Voltando ao caso dos autos, tendo presentes as breves considerações tecidas supra.

            O Ministério Público, em sede de despacho de encerramento do inquérito em que deduziu acusação contra o arguido imputando-lhe a prática de um crime de violência doméstica, promoveu, e bem, que à vítima fosse atribuída uma quantia que reputa adequada - no caso, €2 000,00 - a título de reparação, nos termos do disposto no artigo 82º-A do Código Penal e por imposição do artigo 21º, nºs 1 e 2 da Lei nº 112/2009, de 16/09.

            O Ministério Público, neste caso, atuou enquanto garante da legalidade, promovendo o cumprimento do disposto nas citadas disposições legais, sugerindo uma quantia concreta. Não atua nas vestes de representante da vítima, formulando, em nome dela, um pedido de indemnização, como faz noutros casos.

            Aliás, atente-se no teor da promoção em causa, na qual não se peticiona uma indemnização, mas pede-se/promove-se, que se aplique a lei. …

            Não obstante, a vítima do crime pelo qual foi deduzida a mencionada acusação, constituiu-se Assistente e deduziu pedido de indemnização contra o Arguido, peticionando a condenação do mesmo no pagamento de indemnização por danos não patrimoniais decorrentes da prática do crime que computa em €8 000,00 (oito mil euros).

            Tal pedido foi admitido nos autos e, posteriormente, apreciado pelo Tribunal em sede de sentença.

            Ora, decorre de tudo quanto se explicitou supra que, dado o caráter subsidiário da reparação oficiosa da vítima ex vi artigo 82º-A do Código de Processo Penal, deduzido por esta pedido de indemnização, aquela reparação é feita no âmbito do pedido formulado, de acordo com o alegado pela própria, cessando, naturalmente, a aplicação do disposto no artigo 82º-A do Código de Processo Penal.

            O Tribunal a quo conheceu do pedido de indemnização formulado pela Assistente nos autos e, com isso, conheceu da questão da reparação da vítima, não existindo qualquer omissão de pronúncia.

            Sendo assim, como pensamos que é, a acumulação das quantias, a que se reportam a promoção e o pedido de indemnização, peticionada pela Recorrente, não é admissível, não tendo qualquer fundamento legal.

            Atento tudo o exposto, improcede o recurso nesta parte.

 

3.2.Da inadequação ao caso concreto do valor da indemnização fixado, o qual deveria sê-lo em, pelo menos, €5 000,00 (cinco mil euros);

            Vejamos.

            Nesta parte, a sentença em recurso é do seguinte teor (transcrição):

            «Na fixação equitativa do montante da indemnização por dano não patrimonial devem ser atendidas o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso - cfr. artigo 494.º, n.º 4, ex vi artigo 496.º do Código Civil.

               A fixação da indemnização, de acordo com a equidade, significa que o seu valor é determinado considerando a culpa do agente, a sua situação económica e a situação económica do lesado, as especiais circunstâncias do caso e a gravidade do dano, ou seja, todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida: a indemnização deve ser proporcional à gravidade do dano, a avaliar objetivamente, e ser fixada de acordo com critérios de boa prudência e ponderação das realidades da vida – neste sentido, Antunes Varela, in “Das Obrigações em Geral”, 2003, pág. 602 e seguintes.

               Deverá primeiramente relevar-se a natureza, intensidade e gravidade do dano, uma vez que a atribuição de uma quantia em dinheiro visa ainda compensar o lesado, proporcionando-lhe uma satisfação que atenue ou minore o mal sofrido.

               E porquanto se pretende um justo grau de compensação, o valor a atribuir não deve ser um valor meramente simbólico – cfr. o já aludido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/02/2013, processo n.º 269/09.5GBPNF.P1.S1, relator Raul Borges e arestos aí citados.

               Para o efeito e revertendo ao caso em apreço, não pode deixar de se considerar que se tratou de um episódio único, mas com consequências graves e continuadas na vida da vítima, nos termos já explanados, bem como os rendimentos auferidos pelo arguido e aos costumes desta Comarca para casos semelhantes.

               Assim, ponderadas as circunstâncias do caso sub judice, ao abrigo do disposto nos artigos 129.º do Código Penal e 483.º, n.º 1, 496.º, n.ºs 1 e 4, 562.º, 563.º, 564.º e 566.º do Código Civil, socorrendo-nos de juízos de equidade, afigura-se-nos adequado fixar a indemnização devida pelo arguido à vítima/assistente, no montante de € 1.000,00 (mil euros).»

            No caso em apreço estão em causa apenas danos não patrimoniais.

            Relativamente a este tipo de danos, de acordo com o disposto no artigo 496º, nº 1, do Código Civil, apenas são atendíveis os que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, ou seja, aqueles que afetem profundamente os valores ou interesses da personalidade moral.

            Tem-se entendido que os danos morais ou prejuízos de natureza não patrimonial correspondem àquilo que se costuma designar por pretium doloris ou ressarcimento tendencial da angústia, da dor física, da doença ou do abalo psíquico-emocional resultante da situação do lesado gerado pelo ato ilícito a que foi sujeito[6].

            Na síntese do douto acórdão do STJ de 25-11-2009[7], “Danos não patrimoniais são os que afectam bens não patrimoniais (bens da personalidade), insusceptíveis de avaliação pecuniária ou medida monetária, porque atingem bens, como a vida, a saúde, a integridade física, a perfeição física, a liberdade, a honra, o bom nome, a reputação, a beleza, de que resultam o inerente sofrimento físico e psíquico, o desgosto pela perda, a angústia por ter de viver com uma deformidade ou deficiência, os vexames, a perda de prestígio ou reputação, tudo constituindo prejuízos que não se integram no património do lesado, apenas podendo ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo mais uma satisfação do que uma indemnização, assumindo o seu ressarcimento uma função essencialmente compensatória, de modo a atenuar os padecimentos derivados das lesões e a neutralizar a dor física e psíquica sofrida, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória ou de pena privada”.

            Como refere VAZ SERRA[8], “A indemnização por danos não patrimoniais não é uma indemnização no sentido próprio, por não ser equivalente do dano, um valor que reponha as coisas no status quo ante. É, tão só, uma satisfação ou compensação do dano sofrido, que não é verdadeiramente avaliável em dinheiro.”

            O montante de tais danos deve ser fixado equitativamente, tendo em atenção o grau de culpa do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, designadamente a sensibilidade do indemnizando e o sofrimento por ele suportado (n.º 3 do artigo 496º do Código Civil).

            Acresce assinalar que, nesta matéria, não há uma indemnização verdadeira e própria, mas antes uma reparação, ou seja, a atribuição de uma soma pecuniária que se julga adequada a compensar e reparar dores e sofrimentos, através do proporcionar de um certo número de alegrias ou satisfações que as minorem ou façam esquecer.

            Ao contrário da indemnização cujo objetivo é preencher uma lacuna verificada no património do lesado, sendo possível a sua quantificação exata, a reparação destina-se a aumentar um património que não foi espoliado, com vista a proporcionar ao lesado a possibilidade de, acedendo a bens ou atividades que lhe proporcionam bem-estar, poder, de alguma forma, encontrar uma compensação para a dor.

            Por isso que o valor dessa reparação, como ensinava o Prof. Antunes Varela[9], deva ser proporcional à gravidade do dano, devendo ter-se em conta, na sua fixação, todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, de criteriosa ponderação das realidades da vida.

            Isso mesmo se colhe da lei, nomeadamente dos artigos 495º, 496º, n.º3 e 497º, todos do Código Civil.

            Para além disso, a Doutrina vem, desde há muito, assinalando que esta reparação do dano não patrimonial, assume, paralelamente, uma dimensão de reprovação da conduta do agente que o causou.

            Antunes Varela[10]   salienta que “a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza eminentemente mista: por um lado, visa reparar, de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente.”

            Como dissemos, tratando-se da fixação de um “quantum” indemnizatório com vista à compensação de danos não patrimoniais importa que lancemos mão da Equidade[11], e consideradas as demais circunstâncias aludidas na lei.

            Mais haverá que atender aos padrões geralmente adotados pela jurisprudência e às flutuações do valor da moeda. Porém, acima de tudo, a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance “significativo e não meramente simbólico”, conforme, aliás, vem sendo repetidamente afirmado pelos nossos tribunais superiores[12].

            É genericamente aceite a ideia de que as indemnizações não devem ser fixadas em montantes tão reduzidos que, na prática, se apague a função preventiva, sancionatória ou repressiva da responsabilidade civil.

            Como lapidarmente afirma o STJ no acórdão datado de 08-06-1999[13]: “VIII - A compensação por danos não patrimoniais, para responder actualizadamente ao comando do artigo 496 do C. Civil e constituir uma efectiva possibilidade compensatória, tem de ser significativa, viabilizando um lenitivo para os danos suportados e, porventura, a suportar, pelo que não pode ser miserabilista.” e afinando pelo mesmo diapasão, o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 13-01-2020[14]Em Tempos de usura dos valores primaciais da Pessoa Humana, como sejam a vida, a integridade física, a saúde, a liberdade, a auto-determinação sexual – que ficam espelhados na violência de género e no seio da família mas, ainda, em meio escolar, no desporto e no ciberespaço – importa que os Tribunais façam uma leitura afinada das necessidades de prevenção, naturalmente sem nunca desconsiderar a culpa (criminal e cível) e a reintegração do arguido, porque à Justiça compete restaurar os bens ofendidos e sinalizar as condutas que flagelam o bem-estar singular e comum.”

            No caso de indemnização por danos não patrimoniais a intervenção do tribunal de recurso é, por natureza, limitada.

            Na verdade, estando em causa a fixação do valor da indemnização por danos não patrimoniais com apelo a um julgamento segundo a equidade, em que o critérios que os tribunais devem seguir não são fixos, devem os tribunais de recurso limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras de boa prudência, de bom senso prático, da justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida, só se justificando uma intervenção corretiva se a indemnização se mostrar exagerada por desconforme a esses elementos[15].

            A Jurisprudência dos tribunais superiores aponta para que, uma vez fixada pelo tribunal da 1ª instância a indemnização por danos não patrimoniais com base na equidade, o tribunal de recurso só deve alterar o montante fixado quando colidir com os critérios jurisprudenciais que são geralmente adotados para assegurar a igualdade[16].

            Regressando ao caso dos autos, e tendo em conta as linhas orientadoras explicitadas supra, é de considerar assistir razão à Recorrente, pois que, atentas as circunstâncias do caso, a quantia arbitrada se revela manifestamente insuficiente para compensar os danos sofridos, justificando-se a intervenção corretiva deste Tribunal.

            A culpa do demandado é assinalável.

            Com efeito, resultou provado que atuou com dolo direto (forma mais grave de culpa) – pontos 11. a 15. dos factos provados – e, pese embora se tenha tratado de um único episódio, não o demoveu de o protagonizar, a circunstância de a vítima ser sua esposa há mais de 30 anos, o que agudiza a censura de que é merecedora a sua conduta.

            Por outro lado, a factualidade apurada é reveladora de danos com bastante expressão.

            Resultou provado que:
            - Em consequência direta e necessária da supra descrita conduta do arguido em 4. (agressão física), a ofendida apresentava as seguintes lesões:
            -Membro superior esquerdo: Equimose com 6 cm de diâmetro na face anterior do ombro. Equimose com 2,5 cm na face antero medial do 1/3 médio do braço;
             -Membro inferior direito: Equimose com 1 cm de diâmetro na nádega;
             -Membro inferior esquerdo: Três equimoses com 1 cm de diâmetro na face anterior no 1/3 inferior da coxa. Equimose com 2 cm de diâmetro na face antero medial da perna no 1/3 superior.
            Tais lesões determinaram “em condições normais, 6 dias para a cura: sem afetação da capacidade de trabalho geral e sem afetação da capacidade de trabalho profissional.  (pontos 7. e 8.).
            Mais se provou que, o arguido levou a cabo as supra descritas condutas (agressão física, ameaça de morte com uma faca, mais impedindo que a vítima pedisse auxílio, retirando-lhe o telemóvel e respetivo cartão SIM), provocando na vítima profundo desgaste físico e emocional (ponto 11.); causando-lhe receio pela sua saúde e vida (ponto 13.); provocando-lhe sofrimento físico e psicológico (ponto 14.).
            Ainda em consequência direta e necessária das condutas levadas a cabo pelo Arguido, a Demandante sentiu-se nervosa e ansiosa, bem como sentiu dores, tristeza, angústia, humilhação e medo e receia estar sozinha, teme pela sua vida e pouco sai à rua (pontos 51. e 53.) – Sublinhado nosso.

            Tenha-se em conta que estes últimos danos (receio de estar sozinha, temor pela própria vida, pouco saindo à rua) ainda se verificavam à data da decisão, isto é, prolongaram-se, pelo menos pelo período de cerca de cinco meses (entre fevereiro e junho).
            Relativamente à situação económica da demandante e do demandado, resultou provado que, aquela, após ter trabalhado num café durante cerca de um ano em 2011, deixou de trabalhar permanecendo em casa e estando inativa há cerca de dez ou doze anos (pontos 36. e 38.) e que este, recebe o vencimento de 1.000,00€ mensais (ponto 41.) residindo em casa dos padrinhos da demandante (ponto 45.).
            Assim, tendo em conta todas as coordenadas do caso, mormente a culpa do Arguido e o grau de violação do especial de dever de respeito que se lhe impunha face à demandante por ser o seu cônjuge há mais de 30 anos e mãe da sua filha, a intensidade dos danos físicos e psíquicos sofridos pela Ofendida, (prolongando-se no tempo, alguns dos mais relevantes), a situação económica da Ofendida e do Arguido, bem como a bitola jurisprudencial em casos idênticos, entendemos que a compensação deverá ser fixada no valor de €3 000,00 (três mil euros) face ao repositório factual dado como provado.

            Procede, pois, parcialmente, nesta parte, o recurso.

            III. DISPOSITIVO

            Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes da 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra em conceder parcial provimento ao recurso interposto pela Assistente/Demandante BB e, consequentemente, decidem:

            - Revogar a douta sentença recorrida relativamente ao montante indemnizatório ali fixado, fixando-se o mesmo em € 3.000,00 (três mil euros).

            - Quanto ao mais, julgar improcedente o recurso, mantendo o decidido na douta sentença recorrida.  

            Sem tributação, atenta a parcial procedência do recurso (artigo 513º, n.º 1, do Código de Processo Penal).


            (Texto elaborado pela relatora e revisto pelos seus signatários - art. 94º, n.º 2, do CPP)

           

                                               Coimbra, 27-09-2023       

Os Juízes Desembargadores

Fátima Sanches (relatora)

Teresa Coimbra (1º Adjunto)

João Abrunhosa (2º Adjunto)

              

(data certificada pelo sistema informático e assinaturas eletrónicas qualificadas certificadas)


           





[1]
[2] Assim, é inócua a resposta apresentada pelo arguido, na parte em que faz referência à prova gravada, uma vez que o mesmo não apresentou recurso da sentença.
[3] A promoção em causa é do seguinte teor:
Reparação à Vítima (artigo 82º-A do Código de Processo Penal)
Nos termos do estabelecido nos artigos 82º-A do Código Penal e 21º, nºs 1 e 2 da Lei nº 112/2009, de 16/09, promove-se seja atribuída à ofendida, a título de reparação, a quantia de € 2.000,00 (dois mil euros).”
[4] A qual, nos termos do seu artigo 1ª “estabelece o regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à proteção e à assistência das suas vítimas.”
[5] In “Comentário Judiciário do Código de Processo Penal”, Tomo I, Almedina dezembro de 2019, páginas 879 a 888.

[6] Vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 28-10-92, CJ, IV, 31 e do Tribunal da Relação do Porto de 2-5-80, CJ, III, 61; na doutrina, por todos, Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil Anotado”, Vol. I, p. 499.

[7]  Acórdão prolatado no âmbito do processo nº397/03.0GEBNV.S1, Relator: Cons.º Raul Borges, disponível em www.dgsi.pt
[8] In B.M.J., n.º 83-83.
[9] In “Das Obrigações em Geral”, Volume I, Almedina, página 591.
[10] Obra citada, página 578.
[11] A propósito de equidade, vide, Paulo Ferreira da Cunha, in “Danos Não Patrimoniais e equidade. Brevíssimo contributo especialmente à luz da Jurisprudência Portuguesa”, in Revista Julgar, on line, Março de 2021.
[12] Cfr. Acórdão do STJ de 16-12-1993, in CJ – Acs. do STJ, III, 182 e acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 20-12-2018, processo nº828/15.7T9STR.E1; Relator: João Amaro, este, disponível para consulta em www.dgsi.pt
[13] Prolatado no âmbito do processo nº 99A391, Relator: Cons.º Garcia Marques, disponível para consulta em www.dgsi.pt
[14] Prolatado no âmbito do processo nº69/17.9GBAVV.G1; Relatora Maria José dos Santos Matos (não publicado).
[15] Cfr. Antunes Varela-Pires de Lima in “Código Civil Anotado”, vol. 1º, anotação ao artigo 494.º e Acórdão do STJ de 6-1-2010, in Col. de Jur.-Acs do STJ, ano XVIII, tomo 1, pág. 173 (este último com inúmeras outras referências jurisprudências).
[16] Neste sentido, vejam-se os seguintes acórdãos: do Supremo Tribunal de Justiça de 22/2/2017, processo 5808/12.1tbalm.L1.S1 e de 29/6/2017, processo 976/12.5tbbcl.G1.S1, ambos relatados pelo Cons.º Lopes do Rego; da Relação de Guimarães de 12/10/2017, processo 1180/15.6t8chv.G1, relatado por Purificação Carvalho; e mais recentemente do Supremo Tribunal de Justiça de 10/11/2022, processo 239/20.2t8vrl.G1.S1, relatado pela Conselheira Maria da Graça Trigo, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.