Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2692/23.3T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: INCIDENTE DE INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA PASSIVA
REJEIÇÃO LIMINAR
MOMENTO DA INTERPOSIÇÃO DE RECURSO
LITISCONSÓRCIO VOLUNTÁRIO PASSIVO
Data do Acordão: 04/23/2024
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA, COM VOTO DE VENCIDO
Legislação Nacional: ARTIGO 342.º, 1, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 30.º, 3; 33.º; 316.º, 1 E 3, A); 319.º, 1 E 644.º, 1, A) E 3 E 4, DO CPC
Sumário: 1. - No âmbito do incidente de intervenção principal provocada passiva, suscitado pela parte demandada, não cabe recurso de apelação autónoma se a decisão incidental for de rejeição liminar da intervenção (por não se verificarem os pressupostos legais de admissibilidade ou manifesta improcedência), caso em que o recurso deve ser interposto posteriormente, nos termos dos n.ºs 3 e 4 do art.º 644.º do NCPCiv..
2. - A intervenção a que alude o art.º 316.º, n.º 3, al.ª a), do NCPCiv. depende da verificação de litisconsórcio voluntário entre o réu e o interessado que se pretende chamar, o que pressupõe a existência de uma relação material controvertida – de acordo com a configuração do autor na sua petição – em que sejam sujeitos passivos tais réu e interessado.

3. - Se, num tal âmbito incidental, o autor apenas alegou a existência de uma dívida faturada (referente a transporte de frutas), de pendor contratual, de que é credor aquele e devedor o demandado, a relação material controvertida vem reportada a esses sujeitos (e respetivos interesses) e a esse horizonte contratual, e não a outra(s) sociedade(s), pelo que apenas eles têm interesse em demandar e em contradizer, sendo, pois, as partes legítimas, não se mostrando que ocorra litisconsórcio voluntário passivo com a sociedade que se pretende fazer intervir.

Decisão Texto Integral: ***

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

                                               ***

I – Relatório

A..., LDA.”, com os sinais dos autos,

intentou ação declarativa condenatória, com processo comum, contra

B..., SL”, com sede em Espanha e os demais sinais dos autos,

pedindo a condenação da R. a pagar-lhe a quantia de € 50.918,14, acrescida de juros moratórios, à taxa supletiva legal aplicável às dívidas de natureza comercial, desde a data de vencimento de cada uma das faturas a que alude na petição inicial e até efetivo e integral pagamento.

Invocou a A., em síntese:

- relacionamento comercial, de base contratual, por via do qual a R. devia comprar, como comprou, frutas determinadas, na campanha agrícola de 2020, suportando tal R., nomeadamente, os custos de transporte, resultando, assim, “claro, que os custos, designadamente, os que se discutem nestes autos, só podem ser exigidos à aqui Ré B...” (cfr. art.ºs 29.º e 30.º da petição);

- porém, a R. não pagou uma parte das faturas que a A., no âmbito acordado, emitiu a respeito [“Das 18 faturas emitidas, as 8 primeiras foram pagas”, “Mas as restantes não” (cfr. art.ºs 39.º e 40.º da petição)], daí resultando a dívida cujo cumprimento/satisfação se pretende.

A R. contestou, defendendo-se por impugnação e por exceção e, assim, concluindo que:

«(i) seja admitida a intervenção provocada da sociedade C..., SA. (…), chamando a mesma aos presentes autos na qualidade de Ré, nos termos do disposto no artigo 316.º, n.º 3, alínea a), do CPC;

(ii) seja julgada procedente a exceção dilatória de ineptidão da petição inicial e em consequência absolvida a Ré da instância;

(iii) e caso assim não se entenda, o que se refere sem conceder, ser julgada procedente a exceção perentória de abuso de direito e em consequência absolvida a Ré da totalidade do pedido;

(iv) e sendo outro o entendimento de v. Exa., deve a presente ação ser considerada totalmente improcedente por não provada e em consequência ser a Ré absolvida da totalidade do pedido.».

Quanto àquela pretendida a intervenção provocada, argumentou assim:

«(…)

2. A génese da constituição da Ré, teve por base uma sinergia de negócio, criada entre sociedades espanholas, produtores de fruta e um grupo societário português, que além da produção de fruta, dispunha ainda dos meios logísticos necessários ao processamento e transporte da mesma.

3. Assim, a Ré era inicialmente participada por:

a. AA, titular de 98.000 participações sociais com o valor nominal de 1€ cada uma;

b. BB, titular de 99.000 participações sociais com o valor nominal de 1€ cada uma;

c. CC, titular de 103.000 participações sociais com o valor nominal de 1€ cada uma;

i. A que designaremos no conjunto como família DD .

d. D..., SL., sociedade de direito espanhol, titular de 400.000 participações sociais com o valor nominal de 1€ cada uma;

e. E... SGPS, S.A., sociedade de direito português, titular de 200.000 participações sociais com o valor nominal de 1€ cada uma;

4. (…) a sociedade E... SGPS S.A., que também participa no capital social da Ré, detém 90% do capital social da Autora.

5. O negócio da Ré compreende a produção de fruta exclusivamente mirtilos e a sua comercialização junto do cliente final.

6. Em 2019, aquando da constituição da Ré, os respetivos sócios detinham diferentes negócios no mesmo ramo de atividade, sendo.

a. A família DD e D... SL, detentoras de quintas de produção de mirtilos em Espanha,

b. A E... SGPS, detentora de quintas de produção de framboesas em Portugal, além do Centro de Processamento e da empresa de transporte, (aqui Autora).

7. A produção de fruta e o centro de processamento do grupo E... SGPS, era assegurada por uma sociedade, designada C..., S.A., pessoa coletiva de direito português (…);

8. Da análise à certidão comercial permanente da sociedade E... SGPS, S.A, (…) podemos verificar que o Presidente e o Vogal do Conselho de Administração da C..., S.A, são os mesmos da E... SGPS, S.A., sendo ainda estas mesmas pessoas que detêm igualmente quotas e integram a gerência da Autora.

9. Verifica-se assim uma relação societária, entre as empresas do grupo E... SGPS, S.A., que detém a sociedade aqui Autora e a sociedade C..., S.A., participando ainda a primeira, no capital social da aqui Ré.

10. A génese do negócio celebrado entre os sócios espanhóis (família DD e D... SL) e os sócios portugueses (Grupo E...) teve por ponto de partida o aumento da capacidade de produção e venda de fruta (…).

11. Criou-se assim esta sinergia entre sócios espanhóis e portugueses, nos quais os primeiros, apenas dedicados à produção, conseguiriam aumentar a capacidade de negócio dos segundos, cuja mais valia era o centro de processamento, procedimentos de logística e embalamento (…).

12. Considerando ainda que a C..., S.A., tinha ainda um cliente muito importante, denominado “F...”, cadeia de supermercados alemã, a quem a sociedade C... S.A. (detida pelo grupo E...) já fornecia frutos vermelhos.

13. Estabeleceu-se assim o seguinte negócio:

a. A Ré produzia a fruta nas suas quintas em Espanha, que depois era expedida para Portugal, a fim de ser processada, embalada e remetida ao cliente final;

b. a sociedade C..., S.A., tratava do processamento e embalamento da fruta produzida pela Ré;

c. a fruta era vendida pela Ré, com exceção do cliente “F...” que era diretamente faturado pela C..., S.A.;

i. Sendo que o cliente “F...” representava cerca de 60% das vendas de fruta, que era produzida e embalada no âmbito desta parceria de negócio.

14. Tendo sido este o “modus operandi” durante a campanha de fruta no ano de 2020, que decorreu entre Junho e Outubro.».

Em matéria desse incidente de intervenção provocada, foi proferido despacho de indeferimento/improcedência (datado de 21/11/2023), com o seguinte teor relevante:

«(…)

A Autora não se opôs ao chamamento depois de devidamente notificada nos termos e para os efeitos previstos no artigo 318.º, n.º 2 do CPC.

(…)

A intervenção principal serve para chamar à acção alguém que é titular da relação material controvertida, ou seja, que haja entre o chamado e a parte ao lado de quem deve intervir uma relação de litisconsórcio, necessário ou voluntário.

Efectivamente, de acordo com o artigo 33.º, n.º 2 e 3 do CPC estamos perante um litisconsórcio voluntário quando, pela própria natureza da relação jurídica, a intervenção de todos os interessados seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, ou seja, sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.

Para decidir o presente incidente importa analisar a forma como a acção foi configurada pela Autora, dado que a relação material controvertida se estabelece em função da causa de pedir e do pedido indicados na petição inicial.

Ora, na petição inicial a Autora alega que as sócias da Ré acordaram que toda a fruta seria adquirida e vendida pela sociedade Ré, única proprietária da fruta que, por isso mesmo, suportaria os custos inerentes à recolha, transporte, embalamento, armazenagem e venda da mesma fruta; acrescenta que a fruta seria transportada a expensas da Ré B...; avança que todo o trabalho/custos de transporte, nomeadamente, de recolha e entrega, de fruta e outros bens, relacionados com a Colheita, era da exclusiva responsabilidade da Ré; narra que relativamente às embalagens para o acondicionamento da fruta da Ré B..., quer em fresco, quer após o respetivo congelamento, estes fornecimentos eram faturados diretamente pelos fornecedores à ré B... e que os transportes também aconteciam por responsabilidade e no interesse e direcção da ré B..., de harmonia com as necessidades da empresa e especifica que no caso, as encomendas dos transportes para a ré B... eram feitas de harmonia com a quantidade de fruta desta, sendo que a Autora comunicava à Ré tal facto, controlando esta tais serviços.

Perante tal factualidade a Autora concluiu ser claro, que os custos, designadamente, os que se discutem nestes autos, só podem ser exigidos à aqui Ré B..., que a mesma é a única responsável pelo pagamento do transporte, seja para os armazéns, para tratamento e embalamento, seja dos armazéns para o cliente e que vários são os serviços logísticos que a B... não pagou, não obstante saber dever, explicando, por fim, porque razão foram tais serviços facturados à Ré, fazendo alusão à emissão de 18 facturas, das quais a Ré liquidou as 8 primeiras, mantendo em dívida as restantes, numa dívida acumulada, de capital de mais de 50.000€.

Por fim, a Autora dirige contra a Ré um pedido de condenação no pagamento da quantia de novecentos e dezoito euros e catorze cêntimos), acrescido dos juros moratórios, devidos desde a data de vencimento de cada uma das facturas, até efectivo e integral pagamento, a calcular à máxima taxa legal aplicável às dívidas comerciais,

Neste conspecto, dúvidas não nos ficam que a titularidade da relação material controvertida, tal como foi configurada pela Autora, se centra apenas na ora Ré, dado que só a Ré poderá vir a ser prejudicada com a procedência da acção, sendo certo que a alegação que a Requerente utiliza para justificar o chamamento de que os serviços facturados foram todos contratados diretamente pela C..., S.A. poderá ser relevante para a prova dos fundamentos da defesa e para a apreciação do mérito da causa, mas não converte a situação descrita na contestação no exigido litisconsórcio voluntário.

Destarte, por não se verificarem os pressupostos legais, julga-se improcedente o incidente e não se admite a intervenção principal provocada passiva requerida pela Ré.».

É desta decisão que, inconformada, recorre a R., apresentando alegação, onde formula as seguintes

Conclusões:

«A. O Tribunal a quo, andou mal, com o devido respeito, na apreciação feita à relação material controvertida conforme configurada pela Autora em sede de Petição Inicial, daí concluindo que inexiste uma situação de litisconsórcio que permita chamar a sociedade C..., S.A. a intervir na qualidade de Ré.

B. Entende a Recorrente que não só se verifica uma situação de litisconsórcio, como não se afigura possível regular definitivamente a situação em discussão nos autos, sem a presença da sociedade C..., S.A., cuja intervenção principal, na qualidade de Ré, se requereu junto do Tribunal a quo.

C. A Autora pertence ao mesmo grupo societário – grupo E... SGPS, S.A. – que a sociedade C..., S.A.

D. Por sua vez, o grupo E... SGPS, S.A detém uma participação no capital social da Ré.

E. A relação comercial que fundamenta a presente relação material controvertida, concretamente quanto às faturas exigidas pela Autora à Ré, apenas se verifica em consequência da relação societária existente entre a Autora e a C..., S.A.

F. A Ré nunca teve qualquer relação negocial com a Autora, nem a Autora prestou qualquer serviço à Ré; aliás, a posição da Autora poderia até pertencer a outra empresa do grupo E... SGPS, S.A, bastando para tanto ter sido utilizada outra empresa daquele grupo societário, para efeitos de emissão de faturas à Ré.

G. Toda a relação comercial que existiu foi centrada num negócio feito, exclusivamente, entre a Ré e a sociedade C..., S.A., tendo em vista o processamento da fruta que a própria Ré produzia.

H. Estando inclusivamente confessado pela Autora que os serviços de transporte foram prestados por uma empresa denominada G... (G...) que é completamente desconhecida e alheia à Ré, aqui Recorrente, empresa terceira contratada diretamente pela C..., S.A. e cujos serviços foram posteriormente (re)faturados à Ré, em nome da Autora, por questões de agilidade ou conveniência fiscal ou contabilística da sociedade C..., S.A.

I. Destarte, embora a relação material controvertida seja configurada pela Autora, nela se estabelecendo uma relação direta, apenas entre Autora e Ré, em sede de contestação a Ré demonstra cabalmente que é a sociedade C... S.A. – cuja intervenção se requer – que originou as faturas cujo pagamento a Autora se encontra a reclamar da Ré, sendo por esse prisma, a responsável pelo seu pagamento.

J. Pelo que a justa composição do presente litígio tem de incluir a intervenção da C..., SA., que foi quem contratou, geriu e beneficiou com os serviços de transporte aqui em causa, pelo que a sua chamada aos autos se revela crucial para efeitos de apuramento da verdade material.

K. Sem prejuízo da configuração feita pela Autora, quanto à relação material controvertida, verifica-se in casu a situação prevista do nº 2 do artigo 33.º, do CPC, ou seja, trata-se de um caso em que a natureza da relação jurídica controvertida exige a intervenção de todas as partes intervenientes no negócio, para que a decisão a obter possa produzir o seu efeito útil normal, tendo-se esta como a que possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado, evitando-se assim a prolação de sentenças inúteis.

L. O que nos presentes autos é manifestamente o caso, porquanto a Ré, em caso de condenação, sempre teria de demandar a sociedade C... S.A., e a própria Autora, invertendo o pedido com base nos mesmos factos, pelo facto de não ter sido beneficiária dos serviços faturados.

M. E mesmo em caso de absolvição, atendendo aos fundamentos invocadas na contestação da Ré, a Autora, querendo, teria de demandar a C..., S.A. com vista ao ressarcimento dos serviços de transporte alegadamente prestados.

N. Ou seja, a não intervenção da C..., S.A. tem a virtualidade de poder vir a colocar a sentença em crise, não regulando definitivamente a situação jurídica das partes, pois poderá vir a ser afetada pela solução dada numa outra ação que a Ré, ou a Autora, em função da absolvição ou condenação, sempre teriam de esgrimir contra a sociedade C..., S.A, por ser esta a responsável pela contratação e pagamento dos serviços cujas faturas fundamentam o presente pedido de condenação da Ré.

O. E sem prejuízo do supra exposto, ainda que se entenda que a falta de alguns dos interessados não obstará a uma regulação definitiva da situação concreta entre os litigantes presentes, no que não se concede mas se alvitra por mero dever de raciocínio, impõe-se igualmente o litisconsórcio, não sendo apenas este permitido, nas diversas situações previstas no artigo 33.º do CPC, mas igualmente para os casos em que a relação material controvertida respeita a várias pessoas, conforme prefigurado no artigo 32.º, do CPC e que se verifica igualmente nos presentes autos.

P. Nos presentes autos, não restam dúvidas – sendo facto admitido quer pela Autora quer pela Ré – que a sociedade C..., SA., integra, diretamente, na qualidade de parte e como parte principal, a presente relação material controvertida, pois foi por via desta sociedade que surge o negócio jurídico que serve de fundamento à presente demanda.

Q. Negócio jurídico no qual a Ré não participou diretamente com a Autora, mas antes com a sociedade C..., S.A., pelo que esta última tem um interesse atendível na demanda, igual ao da Ré, exigindo-se a sua intervenção para uma justa composição do litígio.

R. Ao assim não entender, violou o Tribunal a quo, o que se refere, salvaguardando o elevadíssimo respeito que nos merece, as normas contantes dos artigos 6.º, n.º 1, 32.º, n.º 1, 33.º, n.º 2 e n.º 3, 316.º, n.º 3, alínea a), todas do Código de Processo Civil.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO QUE DOUTAMENTE V. EXAS. SUPRIRÃO, requer-se que o presente Recurso seja declarado procedente e, em consequência, seja revogado o despacho recorrido, substituindo-se por douto Acórdão que determine a admissão do incidente de intervenção principal e, por consequência, ordene a intervenção da sociedade C..., SA. (…), chamando a mesma aos presentes autos na qualidade de Ré.» (destaques retirados).

Não se mostra junta contra-alegação de recurso.


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O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo, após o que foi ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, com manutenção do regime recursivo.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do recurso, cumpre apreciar e decidir.


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II – Âmbito recursivo

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([1]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil atualmente em vigor (doravante, NCPCiv.) –, cabe saber, apenas em matéria de direito, se, a ser o recurso admissível como apelação autónoma [art.º 644.º, n.º 1, al.ª a), do mesmo Cód.], deve ser admitida a pretendida intervenção principal provocada, por ocorrer, do lado passivo da lide, litisconsórcio voluntário [haver outro sujeito passivo da relação material controvertida, a dita sociedade “C..., S. A.”, no quadro do art.º 316.º, n.º 3, al.ª a), desse mesmo Cód.].


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III – Fundamentação

         A) Matéria de facto

A materialidade fáctica e a dinâmica processual a considerar para decisão do recurso são as enunciadas no antecedente relatório, que aqui se dá por reproduzido.


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B) Fundamentação de direito

1. - Da (in)admissibilidade do recurso como apelação autónoma, à luz do disposto no art.º 644.º, n.º 1, al.ª a), do NCPCiv.

O presente recurso foi interposto e admitido, como apelação autónoma (ou seja, com subida imediata, tendo por objeto decisão intercalar do processo), ao abrigo do disposto no art.º 644.º, n.º 1, al.ª a), do NCPCiv., norma que, quanto ao ora relevante, dispõe assim: cabe recurso de apelação (autónoma) da decisão, proferida em 1.ª instância, que ponha termo a incidente processado autonomamente.

Pretende a Recorrente, em matéria de direito, que o incidente de intervenção principal provocada passiva, por si deduzido – para intervenção de sociedade terceira – seja admitido, em vez de, como ocorreu em 1.ª instância, rejeitado ou considerado manifestamente improcedente (por não verificação dos respetivos pressupostos legais, de admissibilidade e/ou procedência).

Por isso, cabe desde logo saber da admissibilidade do recurso como apelação autónoma neste caso (em vez de subida diferida, nos moldes dos n.ºs 3 e 4 do mesmo art.º 644.º).

Ora, como já referido por Abrantes Geraldes, tem de distinguir-se entre «decisão que ponha termo ao incidente» e «outra que não admita (liminarmente) o incidente suscitado, sendo que apenas as decisões de rejeição final ou de admissão final do incidente são abarcadas no n.º 1, al. a). As demais ficam submetidas à regra geral sobre a impugnação de decisões intercalares, nos termos do n.º 3 do art. 644.º» ([2]).

E é sabido que, se a R./Requerente/Recorrente entende aplicável o disposto no art.º 316.º, n.º 3, al.ª a), do NCPCiv., o Tribunal recorrido deu cumprimento, em conformidade, ao previsto no art.º 318.º, n.º 2, do mesmo Cód. – este a estatuir que, “Ouvida a parte contrária, decide-se da admissibilidade do chamamento” ([3]), após o que, se for admitida a intervenção, terá lugar (só então) a citação do sujeito chamado (art.º 319.º, n.º 1, do NCPCiv.) ([4]) –, perante o que a A. não se opôs ao chamamento.

Relevante é ainda, neste horizonte processual, a posição jurisprudencial acolhida no Ac. TRC de 15/05/2007 ([5]), em cujo sumário, tendo por base uma situação – inversa – de admissão do chamamento, pode ler-se (com reporte a normas do CPCiv. revogado, mas de pendor semelhante aos atuais art.ºs 316.º e segs. do NCPCiv.): «A despeito de não consentir recurso, o despacho de admissão do incidente de intervenção de terceiro – reportado no art. 327º nº 1 do CPC – jamais transita em julgado, sendo, pois um mero despacho liminar, susceptível sempre de vir a ser objecto de diametral inflexão em momento ulterior – mais precisamente até à peça saneadora –, com fundamento tanto em questões entretanto “ex novo” surgidas, como em questões já operantes, mas de cujo devido alcance, nesse inicial despacho, se não atentou» ([6]) ([7]) ([8]).

E também na doutrina vem sendo entendido que o despacho que admita a intervenção não é autonomamente recorrível, mas pode ser impugnado no recurso que venha a ser interposto da decisão final ([9]), posição que parece adequada, salvaguardando o direito ao recurso, embora em termos diferidos ([10]).

No caso, logo se decidiu, sem produção de quaisquer provas, pela manifesta inadmissibilidade/improcedência (por não verificação dos pressupostos legais respetivos) do deduzido requerimento de intervenção, o aqui em questão.

Isto é, considerada (manifesta) a inadmissibilidade/improcedência do requerimento incidental, entendeu-se que o mesmo tinha de ser (liminarmente) indeferido/rejeitado, sem mais, dispensando quaisquer diligências a respeito ([11]).

Daí que seja de entender, salvo sempre o devido respeito por diversa perspetiva, não estarmos ainda, para o efeito recursivo em análise, perante uma «decisão que ponha termo ao incidente», na perspetiva das aludidas «decisões de rejeição final», mas em face, apenas, de decisão de não admissão (liminar) de tal suscitado incidente processual, tanto mais que, sem produção de prova, houve um único despacho a respeito.

Em suma, estamos perante uma decisão de indeferimento/rejeição in limine, por inadmissibilidade manifesta, com a consequência de não ser admissível, no caso, recurso de apelação autónoma.

Ou seja, sendo a decisão incidental recorrível, a interposição do recurso, todavia, só poderia ocorrer a jusante, nos moldes previstos nos n.ºs 3 e 4 do art.º 644.º do NCPCiv. ([12]).

2. - Da (in)admissibilidade da pretendida intervenção principal provocada

Ainda que se considerasse ser o recurso admissível, como apelação autónoma, não poderia o mesmo obter provimento, como, ex abundanti cautela, se verá de seguida.

Entende a Recorrente, como visto, que se verifica, do lado passivo da lide, litisconsórcio voluntário – existência de outro sujeito passivo da relação material controvertida, a dita sociedade “C..., S. A.”, no quadro do art.º 316.º, n.º 3, al.ª a), do NCPCiv..

Ora, decorre do disposto no n.º 1 daquele art.º 316.º que, ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.

Já o respetivo n.º 3, al.ª a), estabelece, em matéria – diversa – de litisconsórcio voluntário, que o chamamento pode ainda ser deduzido por iniciativa do réu quando este mostre interesse atendível em chamar a intervir outros litisconsortes voluntários, sujeitos passivos da relação material controvertida.

Referiu o Tribunal recorrido que, «de acordo com o artigo 33.º, n.º 2 e 3 do CPC estamos perante um litisconsórcio voluntário quando, pela própria natureza da relação jurídica, a intervenção de todos os interessados seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal, ou seja, sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado».

Porém, o art.º 33.º do NCPCiv. reporta-se, como logo se retira da sua redação, ao litisconsórcio necessário (não ao voluntário), os casos em que, como se extrai do n.º 1, por exigência da lei ou do negócio, é necessária/imprescindível a intervenção de todos (os “vários”) interessados na relação controvertida, sob pela de ilegitimidade (se faltar “qualquer deles”).

Sendo igualmente necessária – n.º 2 do mesmo art.º – a intervenção de todos os interessados quando, pela natureza da relação jurídica (a relação material controvertida, tal como configurada pelo autor, a que alude o art.º 30.º, n.º 3, do NCPCiv.), ocorra imprescindibilidade dessa intervenção para que a decisão produza o seu efeito útil normal.

Trata-se, pois, dos chamados litisconsórcio legal e convencional, mas também litisconsórcio natural, todos, assim, integrantes da figura do litisconsórcio necessário ([13]), quando o que importa para o caso é, como referido, o litisconsórcio voluntário, este explicitado pelo art.º 32.º do NCPCiv..

Estabelece este último dispositivo legal:

«1 - Se a relação material controvertida respeitar a várias pessoas, a ação respetiva pode ser proposta por todos ou contra todos os interessados; mas, se a lei ou o negócio for omisso, a ação pode também ser proposta por um só ou contra um só dos interessados, devendo o tribunal, nesse caso, conhecer apenas da respetiva quota-parte do interesse ou da responsabilidade, ainda que o pedido abranja a totalidade.

2 - Se a lei ou o negócio permitir que o direito seja exercido por um só ou que a obrigação comum seja exigida de um só dos interessados, basta que um deles intervenha para assegurar a legitimidade.».

Assim sendo, e tendo também em consideração a formulação do n.º 3 do art.º 30.º do NCPCiv. – quanto aos sujeitos da relação controvertida, tal como configurada pelo autor –, importa saber se a relação material controvertida trazida aos autos pela aqui A., na sua petição ([14]), respeita também à sociedade “C..., S. A.”, como pretende a R..

Ora, de acordo com o alegado na petição, trata-se de uma dívida (referente a transporte de frutas), de pendor contratual, de que é credora a A. e devedora a R. (cfr. art.ºs 13.º a 21.º da petição, bem como 22.º a 30.º desse articulado).

À luz da causa de pedir da ação, ante o alegado a respeito pela A., a relação material controvertida reporta-se a A. e R., e não a outra(s) sociedade(s), pelo que apenas estas (A. e R./Recorrente) têm interesse em demandar e em contradizer, sendo, pois, as partes processualmente legítimas ([15]).

Assim – se nada obstar ao prosseguimento dos autos e ao conhecimento de meritis –, ou se prova(rá) a factualidade integrante da causa de pedir (ónus a cargo da A., de acordo com o disposto no art.º 342.º, n.º 1, do CCiv.) e a ação poderá obter procedência, com condenação da R. a respeito, ou não se prova(rá) e a R. deverá, nesse caso, ser absolvida do pedido.

Não se vê, pois, qualquer conexão que possa fundamentar um juízo positivo quanto a um litisconsórcio (voluntário ou outro) entre a R. e a sociedade “C..., S. A.”.

E nem tal litisconsórcio poderia resultar da invocada necessidade de a A. intentar posterior ação de cumprimento contra outrem em caso de perda deste processo/litígio – se, num tal caso, será de intentar nova ação contra terceiro, é ponderação que apenas a tal demandante caberá fazer, sendo certo que, quer a presente ação redunde em condenação ou em absolvição, ficará definitivamente dirimido o litígio entre as ora A. e R., tal como vertido nos autos por tal A..

A matéria alegada pela R. (na contestação, no exercício da sua defesa), a provar-se, poderá determinar a improcedência da ação, com a decorrente absolvição da demandada, caso em que o litígio (entre as partes) ficará, também aqui, definitivamente resolvido.

E o mesmo se diga se houver condenação (total ou parcial), caso em que a decisão produzirá o seu efeito útil normal, solucionando definitivamente o litígio entre estas partes ([16]).

Assim, inexistindo litisconsórcio (voluntário ou necessário), nem se vislumbrando qualquer interesse atendível no chamamento perante o objeto da ação, é de reputar, a esta luz, como correta a decisão recorrida, não se vendo, pois, que a mesma tenha incorrido em qualquer invocada violação de lei ou erro de direito influente sobre o respetivo dispositivo.

Em suma, sendo inadmissível, desde logo, a pretendida apelação autónoma e improcedendo, em qualquer caso, as conclusões da R./Apelante, sem necessidade de mais demoradas considerações, deve manter-se a decisão recorrida (embora com fundamentação não totalmente coincidente).

Vencida no recurso, cabe à R./Apelante suportar as respetivas custas, por total decaimento (cfr. art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

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V – Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação, na inadmissibilidade e, em todo o caso, improcedência da apelação, em manter a decisão impugnada.

Custas da apelação pela R./Recorrente, vencida no recurso (art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 23/04/2024

Vítor Amaral (relator)

Rui Moura

João Moreira do Carmo (com voto de vencido)

Voto de Vencido

Concorda-se com a 2ª parte do acórdão e respectiva decisão, mas não com o decidido na 1ª parte, por se entender que o recurso deve ser admitido a subir imediatamente, tal como foi determinado na 1ª instância.

Ouvida a parte contrária, no suscitado incidente de intervenção principal provocada, proferiu-se despacho, à sombra do art. 318º, nº 2, do NCPC.

Com tal decisão terminou o referido incidente.

Assim, posto termo a tal incidente o recurso a interpor é o que está previsto no art. 644º, nº 1, a), in fine, do NCPC.

No acórdão cita-se posição doutrinal de Abrantes Geraldes, na sua obra Recursos …, no sentido do decidido, mas da consulta que efectuámos na referida obra (última edição, a 7ª), não conseguimos descortinar que assim seja. O mesmo autor no CPC Anotado dele (e mais dois outros autores), no 1º Vol. (última edição, a 3ª), consultado o mesmo, do que conseguimos descortinar, também não defende a posição que fez vencimento.

Também se citou Lebre de Freitas (no CPC Anotado, Vol. 1º, 4ª Ed.,) para defender a controversa questão, a propósito de despacho que admita a intervenção não ser autonomamente recorrível. Mas o nosso caso é exactamente o contrário.

Tal professor na referida obra, Vol. 3º (última edição, a 3ª), que cobre a análise do regime de recursos também não aponta para o decidido. Só no referido Vol. 1º (mencionada edição) o faz e defende exactamente o contrário da posição agora sentenciada. Diz tal autor que em caso de não admissão da intervenção - é o nosso caso - o recurso sobe imediatamente.

Também se diz no acórdão que estamos perante uma decisão de indeferimento/rejeição in limine do aludido incidente. Tratando-se de um indeferimento liminar, então menos se justifica o decidido, atento aquele art. 644º, nº 1, a), do NCPC.

Ou seja, a decisão incidental de indeferimento deve subir imediatamente e não diferidamente. No mesmo sentido pode ver-se Rui Pinto, na Rev. da Fac. Direito de Lisboa, 2020, nº 2, no seu artigo doutrinal Oportunidade processual de interposição de apelação à luz do artigo 644º do CPC, págs. 632/637.

                                                                *

                                                                Moreira do Carmo


([1]) Excetuando questões de conhecimento oficioso, desde que não obviado por ocorrido trânsito em julgado.
([2]) Cfr. Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 152.
([3]) Formulação legal (referente às normas da intervenção provocada) diversa da plasmada no n.º 1 do art.º 315.º (este referente à “Intervenção espontânea”) do NCPCiv., onde se prevê que, requerida a intervenção, o juiz, se não houver motivo para a rejeitar liminarmente, ordena a notificação das partes primitivas para lhe responderem, após o que decidirá da admissibilidade do incidente.
([4]) Note-se que o art.º 226.º, n.º 4, al.ª d), do NCPCiv. – tal como antes constava do art.º 234.º, n.º 4, al.ª d), do CPCiv. revogado – prevê, em exceção à regra geral enunciada no comando do respetivo n.º 1 (citação pela secretaria, sem despacho prévio do juiz), que a citação fique na dependência de prévio despacho judicial (liminar) quando se trate de citar terceiros chamados a intervir em causa pendente. Norma esta a dever ser conjugada com o disposto no art.º 590.º, n.º 1, do NCPCiv. (anterior art.º 234.º-A, n.º 1, do CPCiv. revogado), permitindo que o juiz, em vez de ordenar a citação do “terceiro chamado”, indefira (liminarmente) o requerimento/petição de intervenção provocada, quando o pedido seja manifestamente improcedente ou ocorram, de forma evidente, exceções dilatórias insupríveis e de conhecimento oficioso.
([5]) Proc. 898/03.0TBCTB.C1 (Rel. Hélder Almeida), disponível em www.dgsi.pt (com itálico aditado).
([6]) Assim, num caso em que foi requerida por uma parte a intervenção de terceiro, tendo tal chamamento, após audição da contraparte, sido julgado admissível (num primeiro momento) e, em consequência, ordenada a citação do chamado, vindo este, por sua vez, a apresentar contestação, onde pugnou, em questão prévia, pela inadmissibilidade da sua intervenção, o Tribunal, conhecendo desta questão, voltou validamente a pronunciar-se sobre a matéria, julgando, finalmente, inadmissível a requerida intervenção e excluindo da lide o chamado [veja-se, atualmente, o disposto no art.º 226.º, n.º 5, do NCPCiv., pondo em equação, do mesmo modo, o despacho que mande citar os requeridos e um possível (anterior) indeferimento liminar].
([7]) Como já entendido nesta Relação [cfr. Ac. TRC de 11/09/2012, Proc. 464/09.7TBMLD-A.C1 (Rel. Carlos Marinho), em www.dgsi.pt], num «incidente de intervenção de terceiros – intervenção principal provocada – que tem como fim último gerar o aparecimento, no seio do processo, na qualidade de associado de uma das partes, de uma pessoa singular ou colectiva que nela não tinha intervenção inicial», a «citação do chamado obedece (…) a um processado prévio e específico que contém a obrigatória audição prévia da parte contrária e a prolação de um despacho incidente sobre a respectiva admissibilidade, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 326.º do Código de Processo Civil» (norma do CPCiv. revogado, entretanto substituída pelo art.º 318.º, n.º 2, do NCPCiv.).
([8]) Veja-se ainda o Ac. STJ de 19/11/1987, Proc. 075610 (Cons. Alcides Almeida), também sumariado em www.dgsi.pt, defendendo que, «Pedido o chamamento de terceiro à autoria, o indeferimento do requerimento, que constitui autêntica petição inicial quanto ao chamamento, outra coisa não é que indeferimento liminar.».
([9]) Assim, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 1.º, 4.ª ed., Almedina, Coimbra, 2018, ps. 628 e 637.
([10]) Deixar os Chamados na indefesa quanto à (in)admissibilidade do chamamento/intervenção – impedindo-os de ter voz nessa matéria – poderia ser visto como desproporcional e suscetível de afrontar o princípio do proibição da indefesa, constitucionalmente consagrado (cfr. art.º 20.º, n.º 4, da CRPort., referente à exigência de «processo equitativo»).
([11]) Não resulta da certidão enviada pelo Tribunal recorrido que tenha havido qualquer anterior despacho/pronúncia sobre esta específica matéria incidental, designadamente um despacho de admissão liminar, pelo que o despacho recorrido poderá ser perspetivado como o primeiro (liminar/inicial) que recaiu sobre este incidente de intervenção. Por outro lado, consultados nesta Relação os autos principais (em formato eletrónico), verifica-se, efetivamente, que o primeiro e único despacho sobre esta matéria incidental se traduz na decisão aqui recorrida, datada de 21/11/2023 (com ref. 94202373), tendo a anterior notificação da contestação (e no âmbito incidental suscitado nesse articulado) tido lugar sem qualquer intervenção do Exm.º Juiz a quo.
([12]) Neste sentido, o Ac. TRC de 08/07/2021, Proc. 6398/19.0T8CBR-A.C1 (relatado pelo aqui relator, com um voto de vencido e, ao que se crê, não publicado), com o seguinte sumário: «1. - Sendo legalmente admissível a prolação de decisão liminar, por oposição a decisão final incidental, no âmbito específico dos incidentes de intervenção de terceiros, uma decisão de rejeição do incidente por manifesta extemporaneidade, proferida no âmbito do primeiro contacto do julgador com a matéria incidental, sem produção das provas requeridas, é de considerar, para efeitos recursivos, como decisão liminar, em vez de decisão que ponha termo ao incidente, a que alude o 644.º, n.º 1, al.ª a), do NCPCiv.. // 2. - Por isso, uma tal decisão liminar não é suscetível de recurso de apelação autónoma, apenas sendo recorrível ulteriormente, nos termos aplicáveis do disposto nos n.ºs 3 e 4 do art.º 644.º do NCPCiv.».
([13]) Cfr. Abrantes Geraldes e outros, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, Almedina, Coimbra, 2018, ps. 62 e segs.. No mesmo sentido, por todos, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, cit., ps. 98 e segs., distinguindo as situações em que o litisconsórcio é “imposto” (o necessário, do art.º 33.º aludido) daquelas em que é “apenas permitido, como acontece em regra, de acordo com o art. 32”.
([14]) Interessa, como refere a própria Recorrente [nas suas conclusões A), I) e K)], a relação material controvertida alegada na petição (e não os moldes invocados na contestação).
([15]) Diversa é a matéria de legitimidade substantiva: esta pode ser entendida como a posição «de um sujeito face a uma determinada posição» ou relação «jurídica concreta, ou como a susceptibilidade ou insusceptibilidade de certa pessoa exercer um direito ou uma obrigação, resultante, não das qualidades ou situação jurídica da pessoa, mas das relações entre ela e o direito ou obrigação em causa» [cfr. Ac. TRC de 13/12/2023, Proc. 2180/21.2T8SRE-A.C1 (Rel. Henrique Antunes), em www.dgsi.pt].
([16]) Caberá à aqui R., em caso de decaimento nesta ação, ponderar se, na lógica da sua argumentação, deverá demandar outrem, perante o resultado da lide, mormente a sociedade “C...”.