Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | LUÍS CRAVO | ||
Descritores: | CITAÇÃO FALTA DE CITAÇÃO NULIDADE DA CITAÇÃO TAXA SANCIONATÓRIA EXCEPCIONAL | ||
Data do Acordão: | 07/13/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE – JUIZ 2 – DO T.J. DA COMARCA DE COIMBRA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADO EM PARTE | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 188, 191, 227, 228, 230, 233, 259, 571, 732 CPC | ||
Sumário: | I – A citação pessoal ou quase pessoal efetuada por carta registada com aviso de receção, nos termos do disposto no nº 1 do art. 230º do n.C.P.Civil, considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário – que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados. II – Sucede que atento o facto de neste art. 230º, nº1 se estabelecer que o citando presume-se citado na data em que se mostre assinado o aviso de receção na sua própria pessoa, mesmo nos casos em que esse aviso de receção se encontre assinado por terceiro, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário, leva a que a generalidade da doutrina e da jurisprudência considerem que a formalidade enunciada no referido art. 233º do CPC, não é um ato essencial da citação, posto que esta se considera realizada e o prazo para a dedução da oposição pelo citando se inicia independentemente do cumprimento ou não desta formalidade. III – Ademais tem sido entendido que o não cumprimento do preceituado neste art. 233º do n.C.P.Civil, quando seja legalmente imposto, não gera a “falta de citação”, mas que se está perante a mera omissão de uma diligência complementar, cautelar ou confirmativa da citação quase-pessoal antes efetuada e que, por conseguinte, a omissão dessa diligência por parte da Secção não determina a “falta de citação” prevista nos arts. 187º, al. a), 188º, nº1, als. a), b) ou e) e 189º do n.C.P.Civil, mas apenas poderá determinar a “nulidade da citação” a que aludem os arts. 191º, nos 1 e 2 do n.C.P.Civil . IV – Contudo, em conformidade com o ínsito no artigo 188º, nº1 al.e) [cuja aplicação está ressalvada na 1ª parte do nº1 do art. 191º do mesmo n.C.P.Civil], para que ocorra nulidade de citação é necessário que o respetivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do ato por motivo que não lhe foi imputável. V – A aplicação da taxa sancionatória excecional prevista no art. 531º do n.C.P.Civil pressupõe uma decisão judicial com fundamentos válidos e concretos de onde resulte evidente, manifesto, que a parte não agiu no processo com a prudência ou diligência devida. VI – Esta taxa sancionatória excecional poderá/deverá ser aplicada somente quando o ato processual praticado pela parte seja manifestamente infundado, tendo ainda a parte revelado nessa prática falta de prudência ou de diligência, a que estava obrigada, assumindo o ato um carácter excecionalmente reprovável, por constituir um incidente anómalo, um desvio acentuado e injustificado à tramitação regular e adequada do processo. VII – Não é possível concluir pela verificação dos requisitos vindos de enunciar, quando a arguição da nulidade em apreciação não configurou a utilização de nenhum meio processual anómalo ou abusivo, antes se tratou do exercício normal do direito de defesa – a qual se apresentava materialmente justificada no não envio tempestivo da carta a que alude o art. 233º do n.C.P.Civil – isto é, a arguição da nulidade, na circunstância, correspondeu à utilização de um meio que a lei contempla e adequado de reagir à situação ocorrida, não constituindo, perante o seu texto e contexto, nenhuma anomalia, nem uma atitude perversa ou abusiva. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO Na Execução Comum para pagamento de quantia certa deduzida por “N (…) S.A.” (na qualidade de sucessor nos direitos e obrigações transferidos do “Banco (…) S.A.”, sendo que este último havia incorporado por fusão o “Banco (…), S.A.”) contra A (…) e outro, operada a penhora da fração autónoma designada pela letra "P" do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de X... sob o n.º 5588, da freguesia de X... , fração essa de que a Executada é legítima possuidora mas sobre a qual a Exequente tem hipoteca registada a seu favor, veio a dita Executada deduzir oposição/embargos à execução em que, além do mais, argui a “nulidade da citação” [cf. art. 191º, nº1 do n.C.P.Civil]. Alega que a carta da sua citação foi enviada em 28 de Março de 2019, com o registo dos CTT n.º RA337783936PT, e entregue no dia 29 de Março de 2019, pelas 11:46 horas, em X... , à exma. sra. “(…)”, isto é, que a carta expedida pelo sr. Agente de Execução foi entregue a pessoa diversa da Executada, pelo que o aviso de receção foi assinado pelo terceiro que recebeu a carta. Mais alega que na eventualidade do Sr. Agente de Execução vir ainda a enviar a carta a que alude o artigo 233º do n.C.P.Civil, ter-se-á de considerar que o envio dessa carta — para além do prazo de dois dias úteis estabelecido no preceito legal — equivale ao seu não envio para todos os efeitos legais. Ora, porque sem o cumprimento do ato complementar da citação prescrito artigo 233º, do n.C.P.Civil, não se encontram cumpridas todas as formalidades legais e cautelares consideradas indispensáveis pela lei para que se possa considerar que o citando tomou conhecimento efetivo do processo e para que possa exercer plenamente os seus direitos de defesa, neste particular, existe inequivocamente a preterição de uma formalidade legal, pelo que ela executada vem arguir a preterição dessa formalidade e, por conseguinte, a nulidade da citação de que foi alvo neste processo para todos os efeitos legais. Nestes termos, perante os fundamentos fácticos e jurídicos enunciados, a executada pede para ser julgada procedente, por provada, a arguição da nulidade da sua citação, decidindo-se, por conseguinte, anular a citação de que foi alvo nos referidos autos de execução, com a consequente anulação dos atos processuais subsequentes. Juntou um documento. * O Exmo. AE pronunciou-se, pugnando pela tempestividade dos embargos apresentados pela executada A... . Já a Exequente, apesar de lhe ter sido facultado pronunciar-se sobre a arguição de nulidade em referência, nada aduziu. * Na sequência processual, a Exma. Juíza titular dos autos decidiu a questão no sentido de julgar improcedente o incidente, mais concretamente sustentando que competia à citanda alegar que não houve citação por não ter tomado conhecimento de tal ato (da citação) por facto que não lhe era imputável, nos termos do art. 188º, nº 1, al. e) do n.C.P.Civil, o que não foi feito, sendo certo que a mesma não contestou a forma como recebeu a citação, o que não a impediu de deduzir embargos de executado, ou seja, resultava que a citação cujo aviso de receção foi assinado em 29-03-2019 (tendo sido pelo AE cumprido o disposto no art. 233º, do n.C.P.Civil, em 27-05-2019), não dificultou nem impediu a executada de instaurar embargos à execução, donde, o não cumprimento dentro do prazo (que foi justificado pelo AE) da norma do art. 233º do CPC, não prejudicou a executada, pelo que importava aplicar o nº 4 do art. 191º do n.C.P.Civil, o qual refere que a arguição da nulidade da citação só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado. Nestes termos concluiu no seguinte sentido: «Por isso, julgo improcedente a exceção da nulidade da citação da executada A... . Atendendo à manifesta ausência de fundamento da pretensão apresentada pela executada e acima exposta, decido, ao abrigo do disposto no art.º 732, n.º 1, al. d), e n.º 2, do CPC, aplicar à requerente a MULTA de 1 UC. Notifique e comunique, determinando-se o prosseguimento da ação executiva.» * Inconformada com uma tal decisão, dela interpôs recurso de apelação a dita executada A... , finalizando a minuta alegatória através das seguintes conclusões: « Segundo. Posteriormente, tendo o exmo. sr. Agente de Execução reconhecido que, face ao lapso temporal decorrido, já não poderia tempestivamente praticar o ato que foi por si suprimido, veio solicitar ao douto Tribunal que o informasse sobre o procedimento que deveria adotar, mormente, sugerindo a repetição do ato de citação da executada, aqui recorrente; a) Revogar o despacho recorrido, determinando que, em sua substituição seja proferido outro que reconheça a existência de preterição de uma formalidade legal e, por consequência, conclua pela anulação da citação da executada, com a consequente anulação dos atos processuais subsequentes. b) Revogar a condenação da executada recorrente na multa fixada em 1UC, por carece de sustentação legal. Com o que o douto Tribunal da Relação fará Justiça.» * Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações. * Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso cumpre apreciar e decidir. * 2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do N.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine”, do mesmo N.C.P.Civil): - omissão de despacho de admissão ou não admissão do recurso interlocutório apresentado em 10-06-2019?; - incorreto julgamento de direito da decisão recorrida, devendo ser proferida decisão que reconheça a nulidade da citação da executada? - incorreção da condenação em “multa” («ao abrigo do disposto no art. 732º, nº 1, al. d), e nº 2, do C.P.Civil»)? * 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Vejamos o elenco factual que foi considerado fixado/provado pelo tribunal a quo, sendo certo que o recurso deduzido não questiona tal: «1. A 28-03-2019, procedeu o AE à penhora do prédio urbano sito (…) X... , fração designada pela letra P que corresponde a um T3 com área privativa de 141m2 e área dependente com área de 22m2, descrito na CRP X... 5588/20010807 – P e inscrito na matriz urbana sob o n.º 3292 P. 2. No mesmo dia 28-03-2019, o AE enviou carta de citação da executada A (…) para a morada Rua (…), com registo e aviso de receção. 3. A referida carta de citação da executada A (…)foi recebida por terceira pessoa, que assinou o aviso de receção em 29-03-2019. 4. A 27-05-2019, o AE procedeu ao envio de carta registada à executada A (…) nos termos do disposto no art.º 233, do CPC. 5. Tal envio foi feito apenas em 27-05-2019 porque o AE, por lapso, classificou o AR de citação da executada A (…) como tendo sido assinado pelo própria. 6. Os embargos de executada A... – Apenso A – foram tempestivamente instaurados em 29-03-2019.» * 4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 4.1 - A primeira questão que com precedência lógica cumpre apreciar é a da alegada omissão de despacho de admissão ou não admissão do recurso interlocutório apresentado em 10-06-2019. Que dizer? Muito inequivocamente que a alegação desta situação é completamente desajustada nesta sede processual. Na verdade, se foi apresentado um tal recurso interlocutório – situação que apenas se admite para efeitos deste raciocínio, na medida em que os elementos que foram enviados a este tribunal de recurso ou a que o mesmo teve acesso, são completamente omissos nesse particular! – e se esse recurso não foi admitido – relativamente ao que se reproduz o vindo de salientar quanto à interposição do recurso! – tudo isso deveria ter sido suscitado nos autos de embargos em referência, porque a eles respeitante e neles tendo que ser solucionado, nomeadamente neles se suscitando a nulidade de omissão do despacho atinente. O que tudo serve para dizer que não é esta via recursiva o meio processual próprio para suscitar todo e qualquer aspeto respeitante à invocada não admissão do recurso em questão. Termos em que, sem necessidade de maiores considerações, se declara sem mais improcedente esta primeira questão. * 4.2 - A segunda questão que importa dilucidar diz respeito ao acolhimento (ou não) do incorreto julgamento de direito da decisão recorrida, devendo ser proferida decisão que reconheça a nulidade da citação da executada. Será que foi cometida e se impõe reconhecer /declarar a dita nulidade? Comecemos por salientar que a citação é o ato através do qual se dá a conhecer ao Réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama o mesmo ao processo para se defender (cf. art. 219º, nº1 do n.C.P.CIvil), pelo que é pela citação que se assegura o cumprimento do princípio do contraditório e o inerente exercício do direito de defesa pelo Réu, implicando, aliás, o ato de citação a remessa ou entrega ao citando do duplicado da petição inicial e da cópia dos documentos que a acompanhem, a indicação do tribunal, juízo e secção por onde corre o processo, se já tiver havido distribuição, bem como a indicação do prazo dentro do qual aquele pode oferecer a sua defesa, a necessidade ou não de patrocínio judiciário e as cominações em que incorre no caso de revelia (cf. arts. 227º e 563º do mesmo n.C.P.Civil). Acresce que é pela citação que se concretiza a relação jurídica controvertida, sendo que, por regra, a propositura da ação, apenas produz efeitos em relação ao réu a partir do momento da citação deste (art. 259º do n.C.P.Civil). Assim, além de produzir relevantes efeitos processuais, a citação produz importantíssimos efeitos materiais[2], compreendendo-se, por isso, não só que a lei regule exaustivamente o ato de citação e comine com sanções processuais severas a preterição dessas formalidades processuais. Ocorre que, uma coisa é a “falta de citação” e outra, diversa, é a “nulidade de citação” a que alude o art. 191º do n.C.P.Civil. Senão vejamos, começando por rememorar, antes de mais, os normativos legais atinentes a cada uma das situações, a saber: «Artigo 188.º Quando se verifica a falta de citação 1 — Há falta de citação: a) Quando o ato tenha sido completamente omitido; b) Quando tenha havido erro de identidade do citado; c) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; d) Quando se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade; e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável. 2 — Quando a carta para citação haja sido enviada para o domicílio convencionado, a prova da falta de conhecimento do ato deve ser acompanhada da prova da mudança de domicílio em data posterior àquela em que o destinatário alegue terem-se extinto as relações emergentes do contrato; a nulidade da citação decretada fica sem efeito se, no final, não se provar o facto extintivo invocado.» «Artigo 191.º Nulidade da citação 1 — Sem prejuízo do disposto no artigo 188.º, é nula a citação quando não hajam sido, na sua realização, observadas as formalidades prescritas na lei. 2 — O prazo para a arguição da nulidade é o que tiver sido indicado para a contestação; sendo, porém, a citação edital, ou não tendo sido indicado prazo para a defesa, a nulidade pode ser arguida quando da primeira intervenção do citado no processo. 3 — Se a irregularidade consistir em se ter indicado para a defesa prazo superior ao que a lei concede, deve a defesa ser admitida dentro do prazo indicado, a não ser que o autor tenha feito citar novamente o réu em termos regulares. 4 — A arguição só é atendida se a falta cometida puder prejudicar a defesa do citado.»
Deste modo, a “falta de citação” traduz-se na inexistência pura e simples do ato de citação ou quando se verifiquem determinadas situações que são legalmente equiparadas a essa falta de citação, enquanto a “nulidade de citação” pressupõe a realização da citação, embora tenha havido preterição de formalidades prescritas na lei no respetivo cumprimento. Isto é, uma coisa é a “falta de citação” e outra, diversa, é a “nulidade de citação” a que alude o dito art. 191º do n.C.P.Civil: a “falta de citação” traduz-se na inexistência pura e simples do ato de citação ou quando se verifiquem determinadas situação (as já atrás identificadas) que são legalmente equiparadas a essa falta de citação, enquanto a “nulidade de citação” pressupõe a realização da citação, embora tenha havido preterição de formalidades prescritas na lei no respetivo cumprimento. De referir que no sistema processual atualmente vigente, a carta registada com aviso de receção destinada à citação pode ser entregue pelo distribuidor postal ao próprio citando ou a qualquer pessoa que se encontre na residência ou local de trabalho deste e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando (art. 228º, nº2 do n.C.P.Civil), devendo, antes da assinatura do aviso de receção, o distribuidor postal proceder à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou outro documento oficial que permita a identificação (nº 3 do mesmo art. 228º) e advertir expressamente o terceiro recetor da carta do dever de pronta entrega daquela ao citando (seu nº 4). A citação pessoal ou quase pessoal efetuada por carta registada com aviso de receção, nos termos do disposto no nº 1 do art. 230º do n.C.P.Civil, considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário – que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados. No entanto, nestes casos de citação quase pessoal, em que a carta de citação não é entregue ao próprio citando, mas a um terceiro que declarou estar em condições de a entregar prontamente ao citando, estabelece o art. 233º do n.C.P.Civil, impender sobre o agente de execução ou a secretaria, o ónus legal de, no prazo de dois dias úteis, enviar carta registada ao citando, comunicando-lhe: a) a data e o modo por que o ato de citação se considera realizado; b) o prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta; c) o destino dado ao duplicado; e d) a identidade da pessoa em que a citação foi realizada. Ao estabelecer este ónus sobre a Secção de processos, conforme realça a generalidade da doutrina e da jurisprudência, está-se perante uma “diligência complementar e cautelar”, consistente no envio ao citando, no caso de citação quase-pessoal, realizada na pessoa de terceiro [arts. 228º, nº2 e 232º, nº2, al. b) do n.C.P.Civil] ou mediante afixação da nota de citação (art. 232º, nº4 do n.C.P.Civil), de uma carta registada em que ele é informado da data e do modo por que se considera realizada a citação, do prazo para deduzir oposição, das cominações em que incorrerá em caso de revelia, do destino dado ao duplicado e da identidade da pessoa a quem a citação foi realizada, destinada a adverti-lo desses factos para o caso de, por qualquer motivo, ainda não ter tomado conhecimento da citação, nomeadamente, por o terceiro não lhe ter chegado a entregar a carta da citação. Por assim ser é que vem sendo sublinhado que se trata de uma “derradeira formalidade” imposta pelo legislador com vista a salvaguardar que a citação chega efetivamente ao conhecimento do citando e a garantir a efetiva possibilidade deste exercer o direito ao contraditório que lhe assiste ou, sendo caso disso, poder ilidir a presunção do referido art. 230º, nº1 do n.C.P.Civil.[3] Sucede que atento o facto de neste art. 230º, nº1 se estabelecer que o citando presume-se citado na data em que se mostre assinado o aviso de receção na sua própria pessoa, mesmo nos casos em que esse aviso de receção se encontre assinado por terceiro, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário, leva a que a generalidade da doutrina e da jurisprudência considerem que a formalidade enunciada no referido art. 233º do CPC, não é um ato essencial da citação, posto que esta se considera realizada e o prazo para a dedução da oposição pelo citando se inicia independentemente do cumprimento ou não desta formalidade. Isto mesmo já foi doutamente sublinhado em douto aresto, particularmente no seguinte segmento: «Na origem, o CPC de 1939 no seu art. 195º, nº 4, al. c) e na redacção do art.º 195º, nº 1, al. d) e nº 2, al. c), (do CPC de 1961) cominava com a falta de citação a falta do envio da carta por omissão de uma formalidade essencial, explicando Alberto dos Reis, in Comentário, vol. 2º, pág. 331, que «esta forma de citação oferece menos segurança do que a citação feita numa pessoa. Bem se compreende que quanto mais precária seja a forma da citação, maior seja a soma de formalidades essenciais». Assim, na origem do preceito, a exigência do envio da carta como acto posterior à citação em pessoa diversa do citando só podia ser entendida legalmente, por imposição da própria letra da lei, como formalidade essencial cuja omissão determinava que se considerasse a citação como inexistente, num entendimento que não desacreditando formalmente a afirmação de que a citação ocorria em momento anterior, fazia depender a própria existência dessa citação e os seus efeitos de uma formalidade posterior reputada de essencial. Porém, a lei retirou o envio da carta a que alude agora o art. 233 do elenco das causas de falta de citação pelo que julgamos dever concluir que a citação, quando efectuada em pessoa diversa do citando se encontra realizada, nos seus efeitos úteis, no momento em que o terceiro assine o aviso de recepção. E tanto assim é que o mencionado art. 230 nº1 expressamente impõe que se presuma que a carta entregue ao terceiro, foi oportunamente entregue ao destinatário. Isto é, ao declarar o momento em que a citação se considera feita este normativo não o faz em sentido condicional, exigindo qualquer formalidade essencial posterior para que o prazo de contestação tenha início, fixando antes, de forma bem intencional, uma presunção de que com a entrega ao terceiro que recebe a carta o próprio citando a recebeu oportunamente e em termos de o seu prazo de contestar começar a correr a partir do momento em que o mencionado terceiro assinou o aviso de recepção.».[4] A esta luz, tem sido entendido que o não cumprimento do preceituado neste art. 233º do n.C.P.Civil, quando seja legalmente imposto, não gera a “falta de citação”, mas que se está perante a mera omissão de uma diligência complementar, cautelar ou confirmativa[5] da citação quase-pessoal antes efetuada e que, por conseguinte, a omissão dessa diligência por parte da Secção não determina a “falta de citação” prevista nos arts. 187º, al. a), 188º, nº1, als. a), b) ou e) e 189º do n.C.P.Civil, mas apenas poderá determinar a “nulidade da citação” a que aludem os arts. 191º, nos 1 e 2 do n.C.P.Civil, apenas arguível pelo citando, dentro do prazo indicada para oferecer a sua contestação, dependendo a procedência dessa nulidade de citação da alegação e prova pelo citando de que a carta destinada à citação não lhe foi oportunamente entregue pelo terceiro que a rececionou e que, por isso, por motivo que não lhe é imputável, não teve conhecimento da citação. Na verdade, em conformidade com o ínsito no artigo 188º, nº1 al.e) [cuja aplicação está ressalvada na 1ª parte do nº1 do art. 191º do mesmo n.C.P.Civil], para que ocorra nulidade de citação é necessário que o respetivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do ato por motivo que não lhe foi imputável! Ora, nada disso se verificou na situação ajuizada, na medida em que era necessário que a Executada, aqui recorrente tivesse arguido em primeira instância e perante o tribunal recorrido que não tinha tomado conhecimento de tal ato (da citação) por facto que não lhe era imputável, nos termos do art. 188º nº1 al.e) do n.C.P.Civil, ou que de que por não ter tido conhecimento oportuno dessa citação, havia resultado prejudicado, em concreto, o seu direito de defesa. Sucede que nada disso foi sequer alegado pela mesma, antes pelo contrário, é perfeitamente legítimo concluir pela circunstância de a mesma ter “tempestivamente” deduzido os embargos de executado – cf. facto supra dado como “provado” sob o ponto “6.”, naturalmente que essa “tempestividade” a ser aferida em função da referenciada presunção do art. 230º, nº1 do n.C.P.Civil – que a Executada, ora recorrente, teve efetivo e tempestivo conhecimento da citação, em nada tendo sido afetado/prejudicado o seu direito de defesa! Mas mesmo que assim se não entendesse, sempre importaria concluir pela improcedência da argumentação recursiva da Executada, por uma decisiva e definitiva razão: é ela a que resulta de o próprio normativo em causa – o art. 191º do n.C.P.Civil –, no seu nº4, condicionar a procedência da nulidade em causa, isto é, o seu atendimento, a que a falta cometida pudesse prejudicar a defesa do citado.[6] O que insofismavelmente não se pode afirmar no caso vertente, ao ter a Executada deduzido tempestivamente os embargos, sem arguição de qualquer constrangimento, limitação ou deficiência, quer de ordem formal, quer substancial, relativamente à defesa que apresentou, e no tempo em que a fez! Atente-se que «A exigência de que a falta seja suscetível de prejudicar a defesa do citado constitui a garantia de o regime instituído ser utilizado para realizar o seu escopo (evitar a restrição ou supressão prática do direito de defesa) e não para finalidades puramente formais ou dilatórias»[7]… Acontece que, s.m.j., a eventual procedência desta arguição de nulidade, na circunstância, corresponderia a satisfazer um objetivo puramente teórico/académico, na medida em que se constata que a ter ocorrido alguma falha, foi ela de ordem puramente formal, sem consequências negativas/prejudiciais para a defesa efetiva e substancial da Executada ora recorrente. Não vemos, assim nada que censurar à decisão recorrida quanto a este particular, antes a subscrevemos de pleno. Nestes termos improcedendo esta questão recursiva. * 4.3. – Resta apreciar a última questão recursiva, a saber, aferir a (in)correção da condenação em “multa” («ao abrigo do disposto no art. 732º, nº 1, al. d), e nº 2, do C.P.Civil»). Vejamos. O normativo em referência tem efetivamente a seguinte redação: «Artigo 732.º Termos da oposição à execução 1 - Os embargos, que devem ser autuados por apenso, são liminarmente indeferidos quando: a) Tiverem sido deduzidos fora do prazo; b) b) O fundamento não se ajustar ao disposto nos artigos 729.º a 731.º; c) Forem manifestamente improcedentes. 2 - Se forem recebidos os embargos, o exequente é notificado para contestar, dentro do prazo de 20 dias, seguindo-se, sem mais articulados, os termos do processo comum declarativo. 3 - À falta de contestação é aplicável o disposto no n.º 1 do artigo 567.º e no artigo 568.º, não se considerando, porém, confessados os factos que estiverem em oposição com os expressamente alegados pelo exequente no requerimento executivo. 4 - A procedência dos embargos extingue a execução, no todo ou em parte. 6 - Para além dos efeitos sobre a instância executiva, a decisão de mérito proferida nos embargos à execução constitui, nos termos gerais, caso julgado quanto à existência, validade e exigibilidade da obrigação exequenda.»
Para fundamentar a aplicação da “multa” em causa, a Exma. Juíza a quo apresentou o seguinte: «Atendendo à manifesta ausência de fundamento da pretensão apresentada pela executada e acima exposta, decido, ao abrigo do disposto no art.º 732, n.º 1, al. d), e n.º 2, do CPC, aplicar à requerente a MULTA de 1 UC.». Que dizer? Desde logo que, para além do aparente lapso na invocação do dispositivo da “al.d)” que nem sequer existe, se constata que o normativo invocado está literalmente concebido para regular os termos da “oposição à execução”, quando não foi isso que foi apreciado e decidido, antes o tendo sido um incidente de arguição de nulidade. É certo que também um qualquer incidente pode ser objeto de tributação, nomeadamente ao abrigo do art. 531º do n.C.P.Civil, com a epígrafe de “taxa sancionatória excecional”. Neste normativo dispõe-se que: «Por decisão fundamentada do juiz, pode ser excecionalmente aplicada uma taxa sancionatória quando a ação, oposição, requerimento, recurso, reclamação ou incidente seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida.» Acontece que independentemente de uma “taxa sancionatória” aplicável ao abrigo deste normativo ser dogmaticamente distinta de uma “multa”, sempre temos que a decisão de aplicação da “multa” que teve lugar, não se mostra fundamentada de forma material e concreta, pois que isso não o configura seguramente a invocação vaga e conclusiva de «Atendendo à manifesta ausência de fundamento da pretensão apresentada pela executada…» Ora aqui reside a razão decisiva para se dar acolhimento, nesta parte, à apelação. É que vem sendo pacificamente entendido que a aplicação a uma parte da taxa sancionatória excecional em referência, pressupõe uma decisão judicial com fundamentos válidos e concretos de onde resulte evidente, manifesto, que a parte não agiu no processo com a prudência ou diligência devida[8], isto porque «[e]sta taxa [sancionatória excepcional] como a própria designação indica, não tem natureza tributária (como a tem a taxa de justiça), mas sim sancionatória, o que significa que ela se destina a punir uma conduta processual censurável ou reprovável».[9] Com efeito, já foi doutamente sublinhado o seguinte: «II – É pressuposto de aplicação da taxa sancionatória excepcional que, de modo genérico, o art. 531º CPC enuncia, que o processado revele a presença de pretensões formuladas por um sujeito processual que sejam manifestamente infundadas, abusivas e reveladoras de violação do dever de diligência que dêem azo a assinalável actividade processual, sendo de exigir ao juiz, para essa avaliação, muito rigor e critério na utilização desta medida sancionatória de modo a salvaguardar o direito das partes à defesa dos seus interesses pela via processual. III - Somente em situações excepcionais em que o sujeito aja de forma patológica no desenrolar normal da instância, ao tentar contrariar ostensivamente a legalidade da sua marcha ou a eficácia da decisão praticando acto processual manifestamente improcedente é que se justifica a aplicação da taxa sancionatória – por isso chamada – excepcional. IV – A taxa sancionatória excepcional poderá/deverá ser aplicada somente quando o acto processual praticado pela parte seja manifestamente infundado, tendo ainda a parte revelado nessa prática falta de prudência ou de diligência, a que estava obrigada, assumindo o acto um carácter excepcionalmente reprovável, por constituir um incidente anómalo, um desvio acentuado e injustificado à tramitação regular e adequada do processo. V - A actividade processual tida pelo Tribunal da Relação como «manifestamente inadmissível», que «sobrecarrega o Tribunal e os contribuintes com actos e despesas desnecessárias e inúteis, num claro abuso de direito» referenciada no acórdão recorrido para justificar a condenação na taxa sancionatória excepcional traduziu-se na apresentação do requerimento em que a agora recorrente argui a nulidade do acórdão ali proferido. VI - A condenação numa taxa sancionatória excepcional só se justificaria no caso de o acto praticado poder ser qualificado como inusitado, abusivo ou imprudente, o que manifestamente não sucede pois, independentemente da valia dos argumentos aí condensados, o que não está em causa neste recurso , o requerimento de arguição de nulidades do acórdão proferido, apresenta-se como um meio que a lei contempla e adequado de reagir à decisão proferida, não constituindo, perante o seu texto e contexto, nenhuma anomalia, nem uma atitude perversa ou abusiva. Consequentemente, não tem justificação a condenação da recorrente em taxa sancionatória excepcional, procedendo, pois, o recurso interposto.»[10] Salvo o devido respeito, tal aplica-se paradigmaticamente ao caso ajuizado. Na verdade, a arguição da nulidade em apreciação não configura a utilização de nenhum meio processual anómalo ou abusivo, antes se trata do exercício normal do direito de defesa – quando se apresentava materialmente justificada no não envio tempestivo da carta a que alude o art. 233º do n.C.P.Civil – isto é, a arguição da nulidade, na circunstância, corresponde à utilização de um meio que a lei contempla e adequado de reagir à situação ocorrida, não constituindo, perante o seu texto e contexto, nenhuma anomalia, nem uma atitude perversa ou abusiva. Sendo certo que importa não confundir a defesa enérgica e exaustiva dos interesses dos sujeitos processuais com um uso desviante dos mesmos, esta última a exigir uma apreciação concreta de especial rigor, o que cremos não se poder concluir face à situação ajuizada. Dito de outra forma: não é seguro que a nulidade em referência seja manifestamente improcedente e a parte não tenha agido com a prudência ou diligência devida em argui-la (dito art. 531º do n.C.P.Civil). Procedem, pois, as conclusões da alegante ora recorrente a este particular respeitantes, o que conduz ao provimento do recurso e à revogação, na correspondente parte, da decisão recorrida. Nestes termos e limites procedendo o recurso. * 5 – SÍNTESE CONCLUSIVA I – A citação pessoal ou quase pessoal efetuada por carta registada com aviso de receção, nos termos do disposto no nº 1 do art. 230º do n.C.P.Civil, considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário – que o destinatário teve oportuno conhecimento dos elementos que lhe foram deixados. II – Sucede que atento o facto de neste art. 230º, nº1 se estabelecer que o citando presume-se citado na data em que se mostre assinado o aviso de receção na sua própria pessoa, mesmo nos casos em que esse aviso de receção se encontre assinado por terceiro, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário, leva a que a generalidade da doutrina e da jurisprudência considerem que a formalidade enunciada no referido art. 233º do CPC, não é um ato essencial da citação, posto que esta se considera realizada e o prazo para a dedução da oposição pelo citando se inicia independentemente do cumprimento ou não desta formalidade. III – Ademais tem sido entendido que o não cumprimento do preceituado neste art. 233º do n.C.P.Civil, quando seja legalmente imposto, não gera a “falta de citação”, mas que se está perante a mera omissão de uma diligência complementar, cautelar ou confirmativa da citação quase-pessoal antes efetuada e que, por conseguinte, a omissão dessa diligência por parte da Secção não determina a “falta de citação” prevista nos arts. 187º, al. a), 188º, nº1, als. a), b) ou e) e 189º do n.C.P.Civil, mas apenas poderá determinar a “nulidade da citação” a que aludem os arts. 191º, nos 1 e 2 do n.C.P.Civil . IV – Contudo, em conformidade com o ínsito no artigo 188º, nº1 al.e) [cuja aplicação está ressalvada na 1ª parte do nº1 do art. 191º do mesmo n.C.P.Civil], para que ocorra nulidade de citação é necessário que o respetivo destinatário alegue e demonstre que não chegou a ter conhecimento do ato por motivo que não lhe foi imputável. V – A aplicação da taxa sancionatória excecional prevista no art. 531º do n.C.P.Civil pressupõe uma decisão judicial com fundamentos válidos e concretos de onde resulte evidente, manifesto, que a parte não agiu no processo com a prudência ou diligência devida. VI – Esta taxa sancionatória excecional poderá/deverá ser aplicada somente quando o ato processual praticado pela parte seja manifestamente infundado, tendo ainda a parte revelado nessa prática falta de prudência ou de diligência, a que estava obrigada, assumindo o ato um carácter excecionalmente reprovável, por constituir um incidente anómalo, um desvio acentuado e injustificado à tramitação regular e adequada do processo. VII – Não é possível concluir pela verificação dos requisitos vindos de enunciar, quando a arguição da nulidade em apreciação não configurou a utilização de nenhum meio processual anómalo ou abusivo, antes se tratou do exercício normal do direito de defesa – a qual se apresentava materialmente justificada no não envio tempestivo da carta a que alude o art. 233º do n.C.P.Civil – isto é, a arguição da nulidade, na circunstância, correspondeu à utilização de um meio que a lei contempla e adequado de reagir à situação ocorrida, não constituindo, perante o seu texto e contexto, nenhuma anomalia, nem uma atitude perversa ou abusiva. * 6 – DISPOSITIVO Pelo exposto, decide-se a final julgar parcialmente procedente o recurso, em consequência do que, mantendo-se a decisão de improcedência da exceção da nulidade da citação da Executada, contudo se revoga o despacho recorrido na parte em que condenou a mesma Executada ora recorrente numa “multa” de 1 UC. Custas pela Executada ora recorrente, na proporção de ¼ das devidas.
Coimbra, 13 de Julho de 2020
Luís Filipe Cravo ( Relator ) Fernando Monteiro Ana Márcia Vieira
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