Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CRISTINA PÊGO BRANCO | ||
Descritores: | OFENSA A PESSOA COLETIVA CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE PRAZO TAXA DE JUSTIÇA | ||
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Data do Acordão: | 01/08/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | VISEU (JUÍZO CENTRAL DE INSTRUÇÃO CRIMINAL – J1) | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 68º, 264º, N.º 4, CÓDIGO DE PROCESSO PENAL | ||
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Sumário: | 1. A imposição de um prazo limitado para a constituição de assistente no caso de procedimento por crimes particulares encontra justificação na necessidade de não condicionar o andamento do processo, uma vez que em crimes dessa natureza a constituição do denunciante como assistente, tal como a queixa e a acusação particular, constitui uma condição de procedibilidade, sem a qual o Ministério Público não tem legitimidade para prosseguir com a ação penal.
2. Contudo, nada obsta a que, em momento anterior ao início desse prazo, cujo cômputo só se inicia após a referida advertência, o denunciante requeira a sua constituição como assistente, já que pode fazê-lo em qualquer momento do processo, apenas com as limitações previstas no n.º 3 do art. 68.º do CPP. 3. Não tendo juntado, quando formulou o requerimento, o comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pela constituição de assistente, deveria a requerente ter sido notificada para o juntar no prazo de dez dias e, não o fazendo, deveria ter sido notificada para proceder à sua apresentação, no prazo de dez dias, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante, ficando sem efeito o requerimento apresentado em caso de não pagamento. 4- Pelo que se terá de considerar tempestiva a apresentação posterior do comprovativo de tal pagamento. | ||
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Decisão Texto Integral: | Relator: Cristina Pêgo Branco Adjuntos: Ana Carolina Cardoso Maria Alexandra Guiné ** Acordam, em conferência, na 5.ª Secção – Criminal – do Tribunal da Relação de Coimbra
I. Relatório 1. Nos autos de Inquérito que com o n.º 191/23.... corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Viseu, Juízo de Instrução Criminal de Viseu - Juiz 1, a participante “A... Unipessoal, Lda.”, não se conformando com o despacho que indeferiu a por si requerida constituição como assistente, veio dele interpor o presente recurso, que termina com as seguintes conclusões (transcrição): 2. Admitido o recurso, o Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou resposta na qual pugnou pela sua improcedência, concluindo (transcrição): 3. Nesta Relação, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu o seu parecer (Ref. Citius 11596430), no qual refere (transcrição): «1. Compulsados: a) o despacho recorrido datado de 8.5.2024; ***** P. que seja dado cumprimento ao disposto no artº. 417.º nº 2 do CPP.»
4. Cumprido o disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPP, e efectuada a notificação do arguido prevista no art. 411.º, n.º 6, do CPP, omitida na 1.ª instância, não foi oferecida resposta ao douto parecer. 5. Realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir. * II. Fundamentação 1. Delimitação do objecto do recurso Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (art. 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior. In casu, de acordo com essas conclusões, a única questão suscitada é a de saber se o requerimento para constituição de assistente apresentado pela participante “A... Unipessoal, Lda.” é ou não extemporâneo. * 2. Da decisão recorrida É do seguinte teor o despacho recorrido (transcrição): * 3. Da análise dos fundamentos do recurso Conforme acima referimos, a única questão que nos autos se coloca é a de saber se o requerimento para constituição de assistente apresentado pela participante “A... Unipessoal, Lda.” é ou não extemporâneo. A decisão recorrida não admitiu essa sociedade, ora recorrente, a intervir como assistente nos autos com fundamento na extemporaneidade do respectivo requerimento, por considerar que, estando em causa o procedimento por crimes particulares, o mesmo foi apresentado para além do prazo previsto no art. 68.º, n.º 2, do CPP, prazo esse de natureza peremptória. Contrapõe a recorrente, em síntese, que, na participação que apresentou, em 18-01-2023, requereu expressamente a constituição imediata dos participantes como assistentes, que apenas o seu coparticipante foi notificado nos termos e para os efeitos do disposto no art. 246.º, n.º 4, do CPP, e só na pessoa do seu mandatário, nenhum dos participantes tendo sido pessoalmente notificados, não tendo também a recorrente sido notificada para juntar aos autos o comprovativo do pagamento da taxa de justiça decorrente do pedido já formulado na participação inicial. Acrescenta que com data de 01-02-2024 foi o mandatário constituído confrontado com um despacho do MP que, não encerrando o inquérito, determinava o cumprimento do art. 285.º, n.ºs 1 e 2, aos assistentes já reconhecidos nos autos da dedução das acusações quanto aos crimes particulares denunciados nos autos, no prazo de dez dias, excluindo a aqui recorrente dessa qualidade, pelo que, sem prejuízo da reclamação hierárquica que formulou, só então a recorrente teve conhecimento dos elementos indiciários constantes dos autos e haja entendido a necessidade de comprovar o pagamento da taxa de justiça devida pela constituição de assistente, deduzindo ainda a sua acusação particular e pedido de indemnização civil, em 16-02-2024, independentemente das notificações que não lhe foram (e deveriam ter sido) efectuadas, sendo surpreendida com a prolação do despacho ora recorrido. Que o que está em causa no art. 68.º, n.º 2, do CPP é a apresentação de requerimento de constituição de assistente, só se suscitando a questão do cumprimento do prazo previsto no art. 246.º, n.º 4, do mesmo diploma se na denúncia, sendo escrita, o denunciante se limitar à declaração da intenção de se constituir assistente ou se essa denúncia for apresentada verbalmente perante autoridade judiciária ou órgão de polícia criminal, e não no caso dos autos, em que a recorrente, na denúncia inicial escrita expressamente requereu a imediatamente a sua constituição como assistente. E que a jurisprudência fixada pelo AJ n.º 1/2011, que apenas versa sobre a natureza peremptória do prazo decorrente da advertência prevista no art. 246.º, n.º 4, do CPP, não tem aplicação à situação dos autos, em que a recorrente já havia praticado o acto muito antes de qualquer notificação para o efeito, sendo que essa “advertência” nem sequer pode produzir efeitos relativamente a si, por ter sido efectuada apenas na pessoa do seu mandatário e tão-só na qualidade de mandatário de outro sujeito processual. Conclui que, estando em causa apenas a questão da junção do comprovativo do pagamento da taxa de justiça, uma vez que o requerimento já se encontrava previamente efectuado, é legítima e tempestiva a apresentação do comprovativo do pagamento feito em 16-02-2024, nunca havendo lugar à aplicação do preceituado no n.º 5 do art. 8.º do RCP, uma vez que nunca foi dado cumprimento ao n.º 3 do mesmo preceito.
Vejamos, antes de mais, o que resulta dos autos. - Em 18-01-2023, AA apresentou no DIAP da comarca de Viseu participação criminal, subscrita por mandatário judicial, por si e em representação da sociedade “A... Unipessoal, Lda”, contra incertos, mas indicando como suspeitos AA, BB e CC; (fls. 33-49 da certidão); - Nessa participação referia-se, para além do mais: «Todos os factos supra relatados constituem crime, e, pelo menos, designadamente, Difamação (art.º 180º CP) com Publicidade e Calúnia (Art.º183º CP) (…). Por tudo o exposto vem requerer a instauração do competente inquérito para apuramento da responsabilidade criminal, por estes motivos, determinando-se as diligências necessárias, mais requerendo, atenta a natureza dos crimes denunciados, e se encontrarem os mesmos em concurso real, a sua constituição como assistente. (…)»; - Em 23-01-2023 a Magistrada do Ministério Público proferiu despacho determinando, designadamente, a notificação do «denunciante e sociedade denunciante nos termos e para os efeitos do art, 246.º, n.º 4 do Código de Processo Penal.» (fls. 51 da certidão); - Em 28-04-2023, foi remetida ao Ilustre mandatário dos mencionados participantes, notificação nos seguintes termos: «Fica V. Exª notificado, na qualidade de Mandatário do Participante AA, nos termos e para os efeitos a seguir mencionados: De todo o conteúdo do douto despacho proferido, no âmbito do inquérito acima indicado, cuja cópia se junta. (…)» (fls. 53 da certidão); - Por requerimento entrado nos Serviços do MP/DIAP ... em 09-05-2023, o participante AA veio requerer «a junção aos autos do comprovativo do pagamento da taxa de justiça para efeitos de constituição de Assistente nos autos» (fls. 57 da certidão); - E por requerimento entrado nesses Serviços em 16-02-2024, a participante “A... Unipessoal, Lda. “ veio «requerer a sua constituição como Assistente nos mesmos, juntando desde já aos mesmos o comprovativo do respectivo pagamento da taxa de justiça devida para esse efeito.» (fls. 58-63 da certidão); - Em despacho de 26-02-2024, o Ministério Público determinou a remessa dos autos ao JIC, para os efeitos do disposto no art. 68.º, n.º 4, do CPP, promovendo «o indeferimento do requerimento de constituição como assistente apresentado pela sociedade A... Unipessoal, Lda., por ser extemporâneo, face à notificação efetuada a fls. 45 na pessoa do seu mandatário, em que foi igualmente remetida cópia do despacho de fls. 16» (fls. 65 da certidão); - Na sequência, foi proferido o despacho recorrido, já acima transcrito.
Sendo estas as incidências processuais relevantes, analisemos o mérito do recurso. Estabelece o art. 68.º do CPP, na parte que ora importa: «1 - Podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito: (…) 2 - Tratando-se de procedimento dependente de acusação particular, o requerimento tem lugar no prazo de 10 dias a contar da advertência referida no n.º 4 do artigo 246.º 3 - Os assistentes podem intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeiram ao juiz: a) Até cinco dias antes do início do debate instrutório ou da audiência de julgamento; b) Nos casos do artigo 284.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 287.º, no prazo estabelecido para a prática dos respectivos actos. c) No prazo para interposição de recurso da sentença. (…)»
Por sua vez, o art. 246.º, n.º 4, do CPP, dispõe que «o denunciante pode declarar, na denúncia, que deseja constituir-se assistente. Tratando-se de crime cujo procedimento depende de acusação particular, a declaração é obrigatória, devendo, neste caso, a autoridade judiciária ou o órgão de polícia criminal a quem a denúncia for feita verbalmente advertir o denunciante da obrigatoriedade de constituição de assistente e dos procedimentos a observar.» Como se lê no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 1/2011[1], «o prazo fixado no nº 2 do artigo 68º está indissociavelmente ligado à norma do nº 4 do artigo 246º, pois é com o devido e cabal cumprimento do dever de informação e advertência do denunciante, por crime cujo procedimento depende de acusação particular, que se inicia o prazo fixado na lei para que o denunciante requeira a sua constituição como assistente». A imposição de um prazo limitado para a constituição de assistente no caso de procedimento por crimes particulares encontra justificação na necessidade de não condicionar o andamento do processo, uma vez que em crimes dessa natureza a constituição do denunciante como assistente, tal como a queixa e a acusação particular, constitui uma condição de procedibilidade, sem a qual o Ministério Público não tem legitimidade para prosseguir com a acção penal (art. 50.º, n.º 1, do CPP). Contudo, nada obsta a que, em momento anterior ao início desse prazo, cujo cômputo só se inicia após a referida advertência, o denunciante requeira a sua constituição como assistente, já que pode fazê-lo em qualquer momento do processo, apenas com as limitações previstas no n.º 3 do art. 68.º do CPP.
No caso vertente, e como bem observa o Senhor Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, logo na participação inicial ficou bem claro o requerimento da agora recorrente, “A... Unipessoal, Lda.”, no sentido de ser admitida como assistente nos autos. Não uma «vaga manifestação de um desejo futuro» ou uma declaração de intenção, mas um pedido expresso, pelo que não colhe sentido a posterior advertência a que alude o art. 264.º, n.º 4, do CPP e a subsequente contagem do prazo de dez dias previsto no art. 68.º, n.º 2, do CPP para apresentação de um requerimento que já constava dos autos.
Mostrando-se a requerente devidamente representada à data da formulação de tal requerimento (cf. art. 70.º, n.º 1, do CPP), mas não tendo apresentado comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pela constituição de assistente, em conformidade com o disposto no art. 8.º, n.ºs 1 e 3, do RCP[2], deveria ter sido desde logo notificada para o juntar no prazo de dez dias, e, não o fazendo, deveria ter sido notificada para proceder à sua apresentação, no prazo de dez dias, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante, ficando sem efeito o requerimento apresentado em caso de não pagamento (cf. n.ºs 3, 4 e 5 do mencionado preceito). Toda esta tramitação foi omitida, por ter sido absolutamente desconsiderado o requerimento desde logo formulado, em 18-01-2023, circunstância que, não sendo imputável à ora recorrente, não pode redundar em seu prejuízo. Não poderá, por isso, deixar de considerar-se que, na ausência de qualquer das notificações previstas nos n.ºs 3 e 4 do art. 8.º do RCP, é também tempestiva a apresentação, em 16-02-2024, do comprovativo do pagamento da taxa de justiça devida pela constituição de assistente, esta atempadamente requerida, logo aquando da participação criminal. É, em suma, manifesto que assiste razão à recorrente, não podendo subsistir o despacho recorrido que indeferiu a por si requerida constituição como assistente com fundamento na sua extemporaneidade. Procede, pois, o recurso interposto, devendo o despacho recorrido ser substituído por outro que, não existindo outro fundamento legal para a rejeição do requerido, admita a ora recorrente a intervir como assistente nos presentes autos. * III. Decisão Em face do exposto, acordam os Juízes da 5.ª Secção Criminal da Relação de Coimbra em, concedendo provimento ao recurso interposto por “A... Unipessoal, Lda.”, revogar o despacho recorrido, o qual deverá ser substituído por outro que, não existindo outro fundamento legal para a rejeição do requerimento de constituição como assistente, admita a ora recorrente a intervir, nessa qualidade, nos presentes autos. Sem tributação. * * Coimbra, 08-01-2025 [1] In DR, Série I, n.º 18, de 26-01-2011, e www.stsj.pt. [2] É do seguinte teor o art. 8.º do Regulamento das Custas Processuais, na parte que aqui importa: «1 - A taxa de justiça devida pela constituição como assistente é autoliquidada no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz, para um valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração o desfecho do processo e a concreta actividade processual do assistente. 2 - A taxa de justiça devida pela abertura de instrução requerida pelo assistente é autoliquidada no montante de 1 UC, podendo ser corrigida, a final, pelo juiz para um valor entre 1 UC e 10 UC, tendo em consideração a utilidade prática da instrução na tramitação global do processo. 3 - O documento comprovativo do pagamento referido nos números anteriores deve ser junto ao processo com a apresentação do requerimento na secretaria ou no prazo de 10 dias a contar da sua formulação no processo, devendo o interessado ser notificado no acto para o efeito. 4 - Na falta de apresentação do documento comprovativo nos termos do número anterior, a secretaria notifica o interessado para proceder à sua apresentação no prazo de 10 dias, com acréscimo de taxa de justiça de igual montante. 5 - O não pagamento das quantias referidas no número anterior determina que o requerimento para constituição de assistente ou abertura de instrução seja considerado sem efeito.» |