Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
38/21.4T8CNF-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO CORREIA
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
ARTICULADO SUPERVENIENTE
AMPLIAÇÃO DA RELAÇÃO DE BENS
INTEMPESTIVIDADE
Data do Acordão: 09/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DE CINFÃES DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 1110.º, N.º 1, AL.ª A), E 588.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: I – Em processo de inventário apresenta-se como intempestivo o requerimento apresentado pelo cabeça de casal no sentido de serem efetuadas diligências tendentes à identificação de contas bancárias onde se mostrem depositados valores que alegadamente integram o património comum do casal, efetuado depois de proferida a decisão a que se refere o art. 1110.º, n.º 1, a) do CPC – resolução das questões suscetíveis de influir na determinação dos bens a partilhar.
II – Apesar de notoriamente vocacionado para o processo comum, não repugna a admissibilidade, em geral, do regime constante do art. 588.º do CPC (apresentação de articulado superveniente), na tramitação do processo especial de inventário (cfr. art. 549.º, n.º 1 do CPC), ainda que com as necessárias adaptações.

III – A apresentação desse articulado superveniente, com o objetivo de ampliar a relação de bens por parte do cabeça-de-casal, é intempestiva quando a sua dedução tenha ocorrido depois do encerramento da discussão da fase processual destinada à determinação dos bens a partilhar.

IV – Para efeitos do disposto no art. 588.º, n.ºs 4 e 5 do CPC é exigível, sob pena de indeferimento liminar, a alegação quanto à data em que a parte tomou conhecimento dos factos, e a indicação da prova a esse propósito, não podendo o tribunal suprir essas omissões mediante o convite ao seu suprimento, efetuado ao abrigo do princípio da cooperação.

(Sumário elaborado pelo Relator)

Decisão Texto Integral: Apelação n.º 38/21.4T8CNF-A.C1

Juízo de Competência Genérica de Cinfães

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Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

I - Relatório
Corre os seus termos pelo Juízo de Competência Genérica de Cinfães o processo de inventário, para partilha dos bens do dissolvido casal que foi constituído entre AA e BB, nos quais esta última desempenha as funções de cabeça de casal.
A 13.02.2023 (ref. 5769180), já depois de ter sido decidida a reclamação quanto à relação de bens, a cabeça de casal veio apresentar requerimento, dizendo “teve agora conhecimento, através de informações muito credíveis de familiares, que o interessado AA, à data do divórcio, tinha várias contas em nome próprio (para além da já referida no inventário na verba n.º 1 da nova relação de bens).
Tal facto seria absolutamente normal dada a profissão exercida pelo interessado que necessitava, para o exercício da mesma, movimentar largas somas de dinheiro, situação que não se compaginava com os movimentos bancários da verba n.º 1 (tratando-se de um mero depósito estático) ”.
Terminou requerendo “Face a esta nova informação e como forma de obtenção de elementos essenciais para uma justa e verdadeira relação de bens, se requer a V. Exa.:
a) Mandar oficiar o Banco de Portugal para informar quais as contas tituladas em nome de AA em .../.../2007 (data do divórcio) e em que Bancos estavam sedeadas.
b) Após a informação obtida, mais se requer a V. Exa. que sejam oficiadas essas entidades bancárias para que as mesmas informem o Tribunal sobre os valores nelas depositadas”.
Por despacho de 13.03.2023 (ref. 92559466) o Sr. Juiz, com os fundamentos que dele constam – e que mais à frente se irão transcrever –, indeferiu o requerido.
                                                                  *

Inconformada, a cabeça de casal interpôs recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever:”
I. O Tribunal a quo ao indeferir o pedido formulado pela cabeça-de-casal, a qual requeria diligências probatórias, tendo em vista aferir contas bancárias que eram tituladas pelo interessado, fê-lo sem qualquer apoio legal, aliás reconhecido pelo próprio Meritíssimo Juiz ao afirmar “a preclusão não encontra assento legal expresso, configura um instituto de criação doutrinal e jurisprudencial”, violando assim o dever de fundamentação expresso no artigo 154.º do Código de Processo Civil.
II. Entendeu o Meritíssimo Juiz a quo que o “regime do inventário na redacção dada pela Lei n.º 117/2019, de 13/09 introduziu amplas alterações ao paradigma pregresso, sendo uma delas a existência de fases processuais estanques”, acrescentando, todavia, que “a preclusão não encontra assento legal expresso”, mas que “configura um instituto de criação doutrinal e jurisprudencial”.
III. Refere ainda o Meritíssimo Juiz do Tribunal a quo que “uma vez proferidos os despachos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art. 1110.º do CPC, não seja admitida a reapreciação das questões de facto e direito sobre as quais eles incidiram...”.
IV. Ora, não pode o Tribunal estribar-se numa regra não aplicável ao caso dos autos, na medida em que o requerimento foi apresentado antes de proferido o despacho previsto no n.º 2 do artigo 1110.º do CPC.
V. Refere ainda o Tribunal a quo que “a cabeça-de-casal não indicou qualquer meio de prova da superveniência que alega”.
VI. Discordando aqui também a Recorrente com o decidido pelo Tribunal, dado que após o silêncio da contraparte quanto ao requerimento apresentado, cabia ao Mmo. Juiz convidar a Recorrente a apresentar a sua prova, ao abrigo do princípio da cooperação, estipulado no art.º 7.º n.º 2 do CPC. Sendo, por essa forma, violada a norma legal referida.
VII. Entende a Recorrente que o ónus de relacionar as contas em nome próprio cabia ao interessado AA pois só ele tinha conhecimento daquelas.
VIII. A Recorrente ao pedir ao Tribunal para ordenar oficiar o Banco de Portugal para informar quais as contas tituladas em nome de AA em .../.../2007 (data do divórcio) e em que Bancos estavam sediadas e não havendo oposição do interessado AA devia o Tribunal a quo deferir tal pretensão como forma de obtenção de elementos essenciais para uma justa e verdadeira relação de bens e posterior partilha.
IX. Pois a existirem os alegados valores na posse do interessado AA tal facto consubstancia, agora que o mesmo foi confrontado com tal facto e nada disse, sonegação de bens, nos termos do artigo 2096.º do Código Civil.
X. Deverá assim a pretensão da Recorrente ser atendida pois o requerido pela Recorrente consubstancia um facto superveniente devidamente fundamentado de grande importância para uma justa partilha e não foi apresentado depois do despacho previsto no artigo 1110.º, n.º 2 do Código de Processo Civil”.

Terminou pugnando no sentido de a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que dê deferimento ao pretendido pela Recorrente.


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Não foi oferecida resposta.
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Dispensados os vistos, foi realizada a conferência, com a prévia obtenção dos votos, sugestões e contributos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos.
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II-Objeto do recurso
Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, são as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de atuação deste tribunal em sede do recurso (arts. 635, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC).
No caso, perante as conclusões apresentadas, a única questão a apreciar e decidir é a de saber se devia ter sido ordenada a realização das diligências pretendidas pela recorrente (solicitação ao Banco de Portugal para informar das contas tituladas pelo interessado AA em 25.05.2007 e, após, solicitado às instituições bancárias para informarem qual os valores nelas depositados).
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III-Fundamentação
O despacho recorrido tem o seguinte teor:

BB, cabeça de casal no presente inventário para separação de meações, veio requerer a realização de diligências probatórias adicionais, tendo em vista aferir que contas bancárias eram tituladas pelo interessado AA à data da decretação do divórcio. Para tanto, alega ter agora obtido “informações muito credíveis de familiares” de que o ex-cônjuge era titular de várias contas bancárias, circunstância que reputa de “absolutamente normal” face à profissão por este exercida.

Notificado para pronunciar quanto à pretensão da cabeça de casal, o interessado AA nada disse.

Cumpre apreciar e decidir.

É consabido que o quadro processual do regime do inventário na redacção dada pela Lei n.º 117/2019, de 13/09 introduziu amplas alterações ao paradigma pregresso, sendo uma delas a existência de fases processuais estanques, numa lógica de auto-responsabilização das partes. Aos desideratos de celeridade e de simplificação processual inerentes à reforma do processo de inventário, o legislador fez corresponder um princípio de auto-responsabilidade das partes, instituindo um sistema de preclusões que, concorrendo embora para uma marcha processual mais ágil, onera as partes com o exercício tempestivo das faculdades que adjectivamente lhes são conferidas.

Sabendo-se que a preclusão não encontra assento legal expresso, configura um instituto de criação doutrinal e jurisprudencial, radicado no ónus da concentração da defesa aplicável à contestação, cf. art. 573.º do CPC. Na síntese de Miguel Teixeira de Sousa, “(…) a preclusão pode ser definida como a inadmissibilidade da prática de um acto processual pela parte depois do prazo peremptório fixado, pela lei ou pelo juiz, para a sua realização” – “Preclusão e caso julgado”, Blog do IPPC, 2016, p. 1.

Nas esclarecedoras palavras de Pedro Pinheiro Torres, a propósito do ónus de alegação e prova a cargo do cabeça de casal, “[p]rocurou valorizar-se o processo de partes, configurado pelos articulados, o que, de modo significativo, se traduz na imposição ao requerente do inventário, quando este se arrogue ser titular (por direito ou obrigação legal) do exercício das funções de cabeça de casal, de um ónus de alegação e prova em tudo semelhante ao cometido a um qualquer autor numa ação judicial, passando a competir-lhe, nos termos do artigo 1097.º do CPC, trazer aos autos os elementos de identificação e prova suficientes para que sejam conhecidos a causa de pedir (abertura de sucessão) a sua legitimidade e os demais interessados, todos os elementos que entenda poderem influenciar a partilha, e a relação dos bens e dos créditos e dívidas da herança, deste modo se reunindo naquela peça processual diversos actos até aqui dispersos” - Notas Breves de Apresentação do Processo de Inventário na Redacção dada pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro, Inventário: o novo regime, Centro de Estudos Judiciários, 2020, p. 21.

Também Carlos Lopes do Rego deixa clara a mudança de paradigma, sublinhando que é possível destrinçar, actualmente, uma fase de articulados, que abrange a fase inicial (espoletada com um requerimento que, quando apresentado pelo cabeça de casal, assume a natureza de petição inicial) e as fases de oposições e de verificação do passivo, “em que as partes, para além de requererem a instauração do processo, têm obrigatoriamente de suscitar e discutir todas as questões que condicionam a partilha, alegando e sustentando quem são os interessados e respetivas quotas ideais e qual o acervo patrimonial, ativo e passivo, que constitui objeto da sucessão” – “A recapitulação do processo de inventário”, Julgar Online, Dezembro de 2019, p. 9.

A marcha processual do processo de inventário caracteriza-se, assim, por fases distintas e estanques, que fluem inexoravelmente para a realização da partilha, e entre as quais não há, nem pode haver, vasos comunicantes. São elas: (i) a fase dos articulados, que tem por elemento axial a relação de bens e a declaração de compromisso de honra, (ii) a fase de oposição, impugnação e reclamação, (iii) o despacho de saneamento, forma à partilha e agendamento da conferência de interessados, (iv) conferência de interessados e, finalmente, (v) mapa de partilha e sentença homologatório.

É através deste recorte processual que o legislador pretende que se estabilizem, na fase de saneamento do processo, todas as questões que possam influir na partilha, quais sejam a identificação das pessoas que a ela concorrem, os respectivos quinhões ideais e o acervo patrimonial a partilhar. Daí que, uma vez proferidos os despachos previstos nos n.ºs 1 e 2 do art. 1110.º do CPC, não seja admitida a reapreciação das questões de facto e direito sobre as quais eles incidiram, sendo a interposição de recurso o meio processualmente próprio para reagir a tais decisões, como previsto no art. 1123.º, n.º, 2, al. b).

São apodícticas as palavras de Pedro Pinheiro Torres a este propósito: “Após o termo do prazo resultante da notificação prevista na al. b) do n.º 1 do art. 1110.º, o juiz deverá proferir um despacho sobre o modo como deve ser organizada a partilha, definindo as quotas ideais de cada interessado e designando dia para a realização da conferência de interessados. Com a previsão da prolação dos despachos enunciados nos n.ºs 1 e 2 do artigo 1110.º do CPC o legislador procurou dotar os interessados do conhecimento dos termos (fixados pelo Juiz) em que deverão intervir na Conferência de Interessados, quer relativos aos bens a partilhar ou aos encargos da herança, quer os relativos ao quinhão ideal de cada um na herança, isto é, à “percentagem” com que cada um concorre à mesma, independentemente dos bens que, em concreto, poderão vir a preencher esses quinhões.

Com estas decisões pretende-se estabilizar, nesta fase do saneamento, as questões de facto e de Direito suscetíveis de interferir no curso da “partilha” propriamente dita, excetuando deste o conhecimento de eventual incidente de verificação e redução de inoficiosidades, que deve ser suscitado até ao momento do início das licitações e sobre o qual mais abaixo será feita uma referência mais detalhada.

Como reforço dessa proposta de estabilidade – e, naturalmente, da força dessas decisões no processo – foi consagrada, na alínea b) do n.º 1 do artigo 1123.º do CPC a possibilidade de apelação autónoma das decisões de saneamento do processo e de determinação dos bens a partilhar e da forma da partilha, admitindo-se, mesmo, no n.º 3 desse artigo que o Juiz poderá atribuir efeito suspensivo do processo ao recurso interposto daquelas decisões se a questão a ser apreciada puder afetar a utilidade prática das diligências que devam ser realizadas na conferência de interessados.

Com esta previsão de recorribilidade, cria-se, naturalmente, a força do trânsito em julgado daquelas decisões, quando não impugnadas, retirando, assim, às partes, a possibilidade de virem a suscitar, posteriormente, as questões conhecidas nas mesmas, como se de meras decisões interlocutoras se tratasse” – cf. “Notas Breves (…)” cit., p. 26.

Tendo presentes estas premissas, fácil é concluir que a realização das diligências probatórias requerida pela cabeça de casal carece de fundamento legal, por ostensivamente extemporânea.

Com efeito, no dia 14/01/2023 foi proferida sentença relativa à reclamação à relação de bens deduzida pelo interessado AA, o que equivale dizer que foram resolvidas todas as questões susceptíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar, sem prejuízo daquelas quanto às quais as partes foram remetidas para os meios comuns. Logo, a realização de diligências probatórias adicionais com vista à identificação de outros saldos bancários que, eventualmente, pudessem integrar o património comum, implicaria a reapreciação de questões relativamente às quais o tribunal já se pronunciou e, decorrentemente, quanto às quais está esgotado o seu poder jurisdicional (cf. art. 613.º, n.º 1 do CPC). Numa palavra, está encerrada a segunda fase do processo, i.e., a fase de oposição, impugnação e reclamação.

Sempre se diga que, ainda que não tivesse sido proferida decisão quanto à reclamação à relação de bens, sempre a pretensão da cabeça de casal estaria votada ao insucesso. Isto porque, pese embora pudessem ser alegados factos objectiva ou subjectivamente supervenientes, nos termos consignados no art. 588.º do CPC, esta segunda modalidade de superveniência (como é o caso da invocada) depende da prova de que a parte apenas tomou conhecimento dos mesmos após o termo dos prazos previstos nos artigos 1104.º e 1105.º. Ora, uma vez que a cabeça de casal não indicou qualquer meio de prova da superveniência que alega, não poderia ser admitida a introdução de elementos factuais inovadores. Mal se compreende, de resto, que, sendo conhecedora da profissão do interessado, carecesse da informação de um familiar para requerer as informações bancárias ora solicitadas, já que as poderia ter requerido no momento processualmente próprio.

Em face do exposto, e sem necessidade de considerações adicionais, indefere-se o requerido pela cabeça de casal”.
Ou seja, no despacho recorrido entendeu-se, para fundamentar o indeferimento da realização das diligências pretendidas, que
- à data da formulação do requerimento se encontrava encerrada a fase de oposição, impugnação e reclamação
e
- não ter sido produzida prova da superveniência do conhecimento (quanto à existência de outras contas tituladas pelo cointeressado à data do divórcio).
Já a recorrente defende nas suas alegações de recurso que o requerimento é tempestivo na medida em que foi apresentado antes de ter sido proferido o despacho a que se refere o art. 1110.º, n.º 2 do CPC e que, a ser exigível a apresentação de prova quanto à superveniência do conhecimento, cabia ao Sr. Juiz convidar a recorrente a apresentar essa prova, ao abrigo do princípio da cooperação.
Vejamos:
A interessada, ora recorrente, desempenha no processo de inventário as funções de cabeça de casal, sendo que o requerimento inicial foi apresentado pelo seu ex-marido.
Competia-lhe, como tal, após a citação, apresentar a relação de todos os bens sujeitos a inventário, a incluir a relação dos créditos e das dívidas (cfr. art. 1097.º, n.º 3, c), 1098.º e 1102.º, n.º 1, b) do CPC).
Na relação de bens que apresentou (em 19 de maio de 2021 – ref. 4688313), e no que se refere a saldos de contas bancárias, a cabeça de casal apenas relacionou o montante depositado no Banco 1... na conta n.º ...39 (verna n.º 7 – dinheiro/frutos civis), no montante de € 16.315,83.
Nada mais referiu quanto à possível existência de outras bancárias onde estivesse depositado dinheiro ou valores pertença do casal, nem requereu a realização de qualquer diligência no sentido de verificar a sua hipotética existência.
O interessado apresentou reclamação quanto à relação de bens (a 30.06.2021 – ref.- 4765004), a que a cabeça de casal respondeu.
Após realização da audiência prévia, o Sr. Juiz, por despacho de 26.05.2022 (ref. 90667543),
a) ordenou a exclusão da relação de bens das verbas 1 a 6, 8 e 9 relativamente ao período posterior a 25.05.2007;
b) remeteu as partes para os meios comuns a fim de discutirem a matéria relacionada com as verbas 8 e 9 entre 01.01 e 25.05.2007
c) julgou improcedente a reclamação no que respeita à matéria sob as alínea D e E.
d) determinou o prosseguimento dos autos para apurar se o resgate a que se refere a verba n.º 7 da relação de bens ocorreu em data anterior ao divórcio.
Após produção de prova, a 14.01.2023 (ref. 91817798), foi proferida decisão atinente à reclamação, na parte que ainda subsistia, julgando-a improcedente, com a manutenção da verba n.º 7 na relação de bens (embora com redução do valor para € 15.404,86).
No final dessa decisão o Sr. Juiz ordenou a notificação dos interessados para efeitos do disposto no art. 1110.º, n.º 1, b) do CPC (proporem a forma da partilha), e bem assim a cabeça de casal para juntar nova relação de bens atualizada em função do decidido quanto à reclamação à relação de bens.
Foi então, decorrido mais de um mês após a prolação dessa decisão, em 13.02.2023, que a cabeça de casal veio formular o requerimento em causa, com o óbvio propósito de ampliar o objeto da partilha a créditos correspondentes ao saldo - à data do divórcio - de outras contas bancárias tituladas pelo interessado.
 Contudo, esse requerimento apresenta-se como manifestamente intempestivo, por não ter sido formulado aquando da apresentação da relação de bens.
Se a cabeça de casal entendia que existiam outros créditos a relacionar, correspondentes a depósitos existentes em contas bancárias, deveria, sem prejuízo de eventual prorrogação do prazo que lhe fosse concedida para o efeito, nos 30 dias subsequentes à citação, proceder à sua menção na relação de bens (ainda que a ser concretizado após a realização das diligências tendentes à identificação das contas e concretização dos saldos).
Veja-se que, no caso, não se trata, sequer, de um incumprimento do “ónus de reclamação”[2], mas de um dever processual que incumbia sobre a próprio cabeça de casal e que a mesma não observou – sibi imputet.
É que, contrariamente ao que que parece ter sido intuído (cfr. conclusão VII), o dever de relacionar os bens, incluindo os saldos das contas bancárias, era um dever processual seu e não de outros sujeitos processuais.
Por outro lado, salvaguardado o devido respeito, crê-se que o fundamento avançado em sede de recurso - o requerimento ter sido apresentado antes de proferido o despacho a que se refere o art. 1110.º, n.º 2 do CPC – não traduz nada de útil ou consequente, na justa medida em que se trata de um ato praticado após o decurso do prazo legal concedido para o efeito e mesmo depois de proferida decisão final quanto à fase processual que releva – a relativa a resolver todas as questões suscetíveis de influir na partilha e na determinação dos bens a partilhar (1104.º a 1110.º, n.º 1, a) do CPC).
Resta aferir se o requerimento podia ter sido enquadrado no âmbito do art. 588.º do CPC e se, nesse âmbito, incumbia ao tribunal o dever de convidar o cabeça-de-casal a suprir a falta de indicação da prova quanto à superveniência.
Apesar de notoriamente vocacionado para o processo comum, não repugna a admissibilidade, em geral, do regime constante do art. 588.º do CPC (articulado superveniente), ainda que com as necessárias adaptações, na tramitação do processo especial de inventário (cfr. art. 549.º, n.º 1 do CPC).
Todavia, ainda que no caso estivéssemos na presença de factos supervenientes - na justa medida em que relevam para efeitos da definição da massa a partilhar e foram conhecidos depois de findar o prazo para a prática do ato de relacionar os bens – o recurso a este mecanismo processual é intempestivo, por a sua dedução ter ocorrido depois do encerramento da discussão quanto à determinação dos bens a partilhar.
Na verdade, o requerimento em causa foi apresentado depois da decisão relativa a essa fixação e, consequentemente, depois de formado caso julgado formal sobre a mesma.
Na fase presente, os autos incluem apenas a determinação da forma da partilha, a conferência de interessados e a sentença da partilha, que não comportam a possibilidade de discussão sobre o património a partilhar, não tendo nenhum desses atos as finalidades correspondentes à audiência prévia ou à audiência final.
 Mas, ainda que assim não se entendesse, e mesmo que se ignorassem também os termos imprecisos com que foi formulado[3], sem ao menos mencionar a fonte do conhecimento, nunca o requerimento podia ser admitido porquanto a recorrente não concretizou a data em que tomou conhecimento dos factos, nem ofereceu prova a esse propósito, inviabilizando, desde logo, a apreciação da tempestividade para efeitos do disposto no art. 588.º, n.º 3 do CPC.
  E, face ao que resulta diretamente do art. 588.º, n.ºs 4 e 5 do CPC, essas faltas implicam a rejeição liminar do requerimento, não se justificando qualquer convite ao seu suprimento, efetuado ao abrigo do princípio da cooperação (art. 7.º do CPC[4]).
Na verdade, não impende sobre o tribunal qualquer dever de atuação oficiosa neste domínio, sendo que, como se refere no Ac. do TRG de 23.05.2019 (processo 1345/18.9T8CHV-A.G1[5]) “o exercício do dever de diligenciar pelo apuramento da verdade e justa composição do litígio, não comporta uma amplitude tal que o autorizem a colidir quer com o princípio da legalidade e da tipicidade que comanda toda a tramitação processual, quer com outros princípios fundamentais como o do dispositivo, da autorresponsabilidade das partes e o da preclusão”.
Improcede, como tal, a apelação.

                                                                  *         

Sumário[6]:

(…)

                                                                  *                                             

IV - DECISÃO.

Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se integralmente a decisão recorrida.

                                                                      *

Custas pela apelante (arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 607.º, n.º 6 e 663.º, n.º 2 do CPC).

                                                                     *

Coimbra, 12 de setembro de 2023


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(Paulo Correia)

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(Catarina Gonçalves)

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(José Avelino Gonçalves)



[1] Relator – Paulo Correia
Adjuntos – Catarina Gonçalves e José Avelino Gonçalves
[2] - No velhíssimo CPC previa-se expressamente no art. 1348.º, n.º 6 a possibilidade de as reclamações contra a relação de bens poderem ainda ser apresentadas posteriormente, ainda que mediante a condenação em multa.
[3] - “teve agora conhecimento, através de informações muito credíveis de familiares”.
[4] - Como referem José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, pág. 615) “Que, na falta de prova da superveniência, o articulado deve ser rejeitado, é uma decorrência do dever judicial de rejeição por verificação da apresentação do articulado fora de prazo. Só assim não seria se, ao invés, a apresentação fora do prazo não fosse oficiosamente cognoscível”
[5] - Disponível em www.dgsi.pt
[6] - Da exclusiva responsabilidade do relator (art. 663.º, n.º 7 do CPC).