Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
29358/16.8YIPRT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: PROCEDIMENTO EXTRAJUDICIAL DE REGULARIZAÇÃO DE SITUAÇÕES DE INCUMPRIMENTO
PERSI
NOTIFICAÇÃO
CRÉDITO AO CONSUMO
Data do Acordão: 11/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - M.GRANDE - JUÍZO C. GENÉRICA - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ANULADA
Legislação Nacional: DL Nº 227/2012 DE 25/10
Sumário: 1- Se for necessária a ampliação da matéria de facto, a sentença deve ser anulada, com repetição parcial do julgamento, como no caso de necessidade de determinação fáctica tendente a esclarecer quanto à notificação, ou não, da abertura e do encerramento de PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, previsto no DLei n.º 227/2012, de 25-10) ao cliente/devedor, sem prejuízo da apreciação de outros pontos fácticos, com o fim de evitar contradições.

2. - Com aquele PERSI pretendeu o legislador estabelecer, mediante normas imperativas, uma ordem pública de proteção do cliente/devedor/consumidor em situação de mora no cumprimento, visto como parte frágil na relação e, por isso, carecido de especial proteção, deixando a cargo da contraparte (uma instituição de crédito) especiais deveres de informação, esclarecimento e proteção.

3. - É nesse âmbito que é imposta a abertura, tramitação e encerramento de um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, que constitui uma fase pré-judicial destinada à composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, contemplando uma fase inicial, uma fase de avaliação e proposta e uma fase de negociação.

4. - Enquanto não ocorrer extinção do PERSI, está vedada à instituição de crédito a instauração de procedimentos/ações judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito.

5. - No quadro daqueles deveres de informação, esclarecimento e proteção, cabe à instituição de crédito dar oportunidade ao contacto e negociação com a contraparte (devedor/cliente/consumidor), sem o que seria ilusória a esfera de proteção estabelecida, para o que cabe ao credor dar conhecimento à contraparte da abertura e do encerramento do PERSI, impendendo sobre si o ónus da alegação e prova da respetiva notificação.

Decisão Texto Integral:











Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:


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I – Relatório

U (…) S. A.”, com os sinais dos autos,

intentou ([1]) procedimento de injunção contra

M (…), também com os sinais dos autos,

pedindo que seja a demandada condenada a pagar-lhe a quantia de € 13.258,35, bem como juros de mora contratuais (“às sucessivas taxas praticadas pela instituição em conformidade com o estabelecido pelas instruções do Banco de Portugal de acordo com o previsto no Decreto-Lei 133/2009 de 02 de Junho”) sobre o montante de € 10.986,25, desde 22/03/2016 e até integral pagamento.

Para tanto, alegou, em síntese, ter celebrado com a R. um contrato de crédito, com emissão de um cartão de crédito, o qual a Demandada veio a utilizar para aquisição de bens e serviços, sem, porém ter procedido ao pagamento dos montantes devidos, que ascendem àquele valor de capital de € 10.986,25, sendo que a Demandante procedeu à abertura de procedimento extrajudicial de regularização de situações de incumprimento (PERSI) em 02/09/2015, dando cumprimento, assim, ao disposto no DLei n.º 227/2012, de 25-10, procedimento esse que foi encerrado em 04/11/2015 (cfr., designadamente, pontos 10.º e seg. do requerimento de injunção).

Contestou a R., alegando, no essencial, a nulidade da citação, por efetuada apenas mediante a via postal simples com prova de depósito, a ineptidão da petição inicial, por falta de causa de pedir, e nulidade processual decorrente da falta de junção de documentos, bem como não dever o peticionado. Vincou desconhecer a abertura do PERSI, por nada ter recebido nesse sentido e não ter sido junto comprovativo respetivo (cfr. art.ºs 8.º a 10.º da oposição à injunção).

Face à oposição deduzida, os autos passaram a seguir termos como ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, em que se transmutaram.

Em observância do contraditório, a A. pronunciou-se sobre as exceções deduzidas na oposição, pugnando pela respetiva improcedência, âmbito em que insistiu na abertura e extinção do PERSI, só depois recorrendo ao procedimento de injunção.

Teve lugar audiência de julgamento, com produção de provas.

Na sentença, saneado o processo – âmbito em que foi julgada improcedente a arguição de nulidade da citação, bem como a exceção de ineptidão da petição inicial –, procedeu-se à decisão da matéria de facto, seguida de fundamentação de direito, culminada esta com o seguinte dispositivo:

«a) Julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, condenar a R. (…) a pagar à A. (…) o montante de € 10.986,25 (…), acrescido dos juros de mora vencidos até 22/03/2016, à taxa de 29,280%, no montante de € 1.877,19 (…), bem como dos juros que se vencerem até integral e efectivo pagamento;

b) No mais, julgar a acção improcedente, absolvendo a R. do restante pedido.».

De tal sentença veio a R., inconformada, interpor o presente recurso, apresentando alegação e as seguintes

(…)

Na sua contra-alegação, a A. pugna pelo não provimento do recurso e manutenção da sentença impugnada.


***

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa do processo a este Tribunal ad quem, onde foram mantidos o regime e o efeito determinados.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.


***

II – Âmbito do Recurso

Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais (excetuando questões de conhecimento oficioso não obviado por ocorrido trânsito em julgado) definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do Código de Processo Civil em vigor e aqui aplicável (doravante NCPCiv.), o aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26-06 –, cabe decidir, sobre matéria de facto e de direito ([2]):

a) Se foram, ou não, observadas as exigências legais inerentes ao PERSI, designadamente quanto a notificação ao devedor e a prazos, ou se é necessária, desde logo, a ampliação da matéria de facto, no âmbito do disposto no art.º 662.º, n.º 2, al.ª c), do NCPCiv., obrigando à anulação oficiosa da decisão recorrida;

b) Se é abusiva a taxa de juros.


***

III – Fundamentação

A) Matéria de facto

É a seguinte a factualidade julgada provada pela 1.ª instância:

«1 – A A. é uma instituição financeira de crédito que se dedica ao financiamento de crédito e à gestão e emissão de cartões de crédito.

2 – Por acordo escrito subscrito pelas partes em 18 de Novembro de 1991 (cujas condições gerais constam dos docs. de fls. 46v e 47v, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido), a A. acordou com a R. emitir a favor desta um cartão de crédito, o que fez, passando a R. a ser titular do cartão cujo último emitido tem o número (...) .

3 – Mais acordaram que a A. procederia ao pagamento dos bens e/ou serviços adquiridos pela R. a terceiros, os quais seriam posteriormente debitados no extracto de conta da R. para pagamento.

4 – Através do cartão de crédito referido em 2), foi concedida à R. a possibilidade de esta adquirir bens e/ou serviços pelo montante acordado entre este e o vendedor, bem como efectuar operações de levantamento em numerário na rede de ATMs e aos balcões de bancos aderentes ao sistema Visa, tendo a mesma utilizado o cartão para o efeito.

5 – A A. emitiu e remeteu à R. extractos de conta do cartão, sendo o saldo de capital em dívida de € 10.986,25 (dez mil novecentos e oitenta e seis euros e vinte e cinco cêntimos) e a data de vencimento em 22 de Agosto de 2015 (cfr. docs. de fls. 51 a 69, cujo teor aqui dou por integralmente reproduzido).

6 – A A. procedeu à abertura do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento em 5 de Setembro de 2015, o qual foi encerrado em 4 de Novembro de 2015.

7 – Em 2 de Janeiro de 2013, a A. comunicou à R. a alteração da taxa anual nominal para 27,350%, acrescida de imposto de selo, a partir de 1 de Março de 2013.» ([3]).

B) Substância do recurso

Da observância das exigências legais do PERSI ou da necessidade de ampliação da matéria de facto

Como visto, a primeira questão a enfrentar na decisão do recurso é a de saber se foram observadas as exigências legais inerentes ao PERSI, mormente quanto a notificação à devedora e a prazos, ou se é necessária, neste âmbito, a ampliação da matéria de facto.

Com efeito, foi a A. quem invocou, logo no requerimento de injunção – o que reforçou posteriormente –, ter procedido à abertura e encerramento de PERSI referente à R., assim cumprindo, na sua perspetiva, a legislação em vigor, na espécie o disposto no DLei n.º 227/2012, de 25-10.

O que a R., por sua vez, impugnou – motivadamente –, afirmando desconhecer totalmente a abertura/existência desse procedimento extrajudicial prévio, de que, segundo alegou, nunca foi notificada.

Na sentença, apenas foi dado como provado, neste âmbito, que a A. procedeu à abertura do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento em 5 de setembro de 2015, o qual foi encerrado em 4 de novembro de 2015 (facto 6).

Tudo o mais foi considerado não provado ou irrelevante/conclusivo.

Porém, da leitura da decisão recorrida verifica-se que nesta não se quis afastar, como não provada, a notificação do PERSI à R./devedora, visto que, se o elenco dos factos dados como provados é omisso nessa parte, na fundamentação da convicção da decisão de facto fez-se expressa referência, dentre as provas consideradas, aos «documentos de fls. 69v e 70v, os quais são as cartas remetidas pela A. à R., dando-lhe conta do início e encerramento do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, com base nos quais foi dado como provado o ponto 6) dos factos provados».

E acrescentou-se na sentença:

«Note-se que, quanto a esta última situação, a factualidade alegada pela A. no que concerne ao PERSI resultou provada, não obstante a alegação da R. em como desconhecia tal procedimento e nunca nada recebeu nesse sentido, uma vez que retira-se dos documentos em apreço que tais comunicações foram efectivamente remetidas para a morada convencionada e que as partes acordaram que “todas as comunicações da Unicre, nomeadamente o extracto de conta, serão enviados para a morada do titular, que deverá sempre informar a Unicre sobre qualquer alteração da mesma. Consideram-se recebidas as comunicações enviadas pela Unicre para o domicílio indicado pelo titular” (cfr. ponto 2) dos factos provados, nomeadamente o documento intitulado “condições gerais: direitos e deveres do titular”, relativas ao Cartão Unibanco, na sua cláusula 11, a fls. 47) e ainda que “quaisquer comunicações e informações que a Unicre remeta por escrito ao titular poderão ser enviadas para o endereço postal ou electrónico por este indicado. O endereço postal, para efeitos de citação ou notificação judicial, considera-se ser o domicílio convencionado, devendo qualquer alteração do endereço (postal ou de correio electrónico) ser comunicada à Unicre sob pena de o Titular ser responsável pela eventual não recepção de comunicações ou informações que lhe tenham sido enviadas. Considera-se realizada em suporte de qualquer informação prestada ao Titular através de mensagem inserida no Extracto da Conta enviado em suporte de papel e considera-se prestada por escrito qualquer informação quando inserida no Extracto de Conta enviado em suporte electrónico” (cfr. ponto 2) dos factos provados, nomeadamente o documento intitulado “Cartão de Crédito Particular Unibanco, Condições Gerais de Utilização, Direitos e Deveres das Partes”, a fls. 49, cláusula IV. 26)».

Acontece que a única factualidade dada como provada foi, neste particular – repete-se –, a da abertura do PERSI em 05/09/2015 e o seu encerramento em 04/11 seguinte, mas não qualquer notificação nesse âmbito à devedora, ao que acresce que os referenciados “documentos de fls. 69v e 70v” não comprovam, de per si, o envio – e menos ainda a receção – das correspondentes cartas pela A. à R..

Com efeito, trata-se de textos – com aposição das datas, respetivamente, de 05/09/2015 e 04/11/2015 ([4]) – que, se formalmente correspondentes a cartas e alusivos à R. e a PERSI, não vêm acompanhados de qualquer comprovativo de envio ou de receção, pelo que não demonstram que tal envio tenha ocorrido.

Assim, a ter-se o Tribunal a quo convencido de que “tais comunicações foram efectivamente remetidas para a morada convencionada” da R., a verdade é que tal não pode “retirar-se dos documentos em apreço”, os de fls. 69 v.º a 70 v.º, pois que, repete-se, desacompanhados de qualquer comprovativo de envio e menos ainda de receção, envio/receção esses que, claramente impugnados, não podem presumir-se.

Note-se que, se o Tribunal recorrido atendeu também à prova testemunhal, só o fez, como refere, quanto aos “pontos 2) a 7) dos factos provados”, que nada dizem quanto à efetivação, ou não, das notificações (de abertura e encerramento do PERSI), sequer do envio/entrega das cartas em questão ([5]).

E se, em sede de decisão de facto, não foi dada resposta – factual – à questão suscitada da (não) notificação/convocação da R./devedora para efeitos de PERSI, também essa questão não foi objeto de apreciação em sede de fundamentação de direito da decisão recorrida.

Quer dizer, a questão só mereceu referência do Tribunal a quo – e aí, como visto, em termos que não se poderiam sufragar, sem mais, ante a prova documental invocada – em sede de fundamentação da convicção do Julgador, mas de forma inconsequente ([6]), pois que nada vertido, neste aspeto, no elenco dos factos considerados (especialmente, os dados como provados) nem na fundamentação de direito explanada.

O que não pode, logicamente, constituir respaldo para se superar tal questão da invocada (não) notificação, mormente dando-a/pressupondo-a como realizada.

Mas seria essa comprovação notificatória essencial à boa decisão da causa, como pretende a Recorrente, que traz à colação essa matéria, expressamente, nas suas conclusões de apelação?

A entender-se que sim, então, restará a este Tribunal ad quem, oficiosamente, a via aberta pelo disposto no art.º 662.º, n.º 2, al.ª c), do NCPCiv., obrigando à anulação da decisão recorrida, para ampliação, nesta parte, da matéria de facto e consequente prova.

Vejamos.

Está em causa o invocado PERSI e sua disciplina legal, fixada pelo mencionado DLei n.º 227/2012, de 25-10, em cujo preâmbulo pode ler-se que visa «promover a adequada tutela dos interesses dos consumidores em incumprimento e a atuação célere das instituições de crédito na procura de medidas que contribuam para a superação das dificuldades no cumprimento das responsabilidades assumidas pelos clientes bancários», sendo que no âmbito do PERSI «as instituições de crédito devem aferir da natureza pontual ou duradoura do incumprimento registado, avaliar a capacidade financeira do consumidor e, sempre que tal seja viável, apresentar propostas de regularização adequadas à situação financeira, objetivos e necessidades do consumidor» (itálico aditado).

Quer dizer, pressupondo reais “assimetrias de informação entre consumidores e instituições de crédito”, que importa compensar/superar, de molde a recuperar o equilíbrio de posições entre as partes, tutelando o interesse da parte considerada frágil na relação creditícia (os devedores/consumidores em dificuldades financeiras), o legislador veio implementar medidas tendentes à “prestação de informação, do aconselhamento e do acompanhamento nos procedimentos de negociação que estabeleçam com as instituições de crédito”, em que quis envolver o credor/instituição de crédito, impondo-lhe deveres de suporte da contraparte fragilizada ([7]).

Um dos princípios consagrados apresenta a seguinte formulação (art.º 4.º, n.º 1):

«No cumprimento das disposições do presente diploma, as instituições de crédito devem proceder com diligência e lealdade, adotando as medidas adequadas à prevenção do incumprimento de contratos de crédito e, nos casos em que se registe o incumprimento das obrigações decorrentes desses contratos, envidando os esforços necessários para a regularização das situações de incumprimento em causa» (itálico aditado) ([8]).

Bem se compreende, pois, nesta perspetiva, que a tais instituições de crédito caibam deveres de avaliação e apresentação de propostas (art.º 10.º), tendentes a, nas situações legalmente previstas (quando ocorram indícios de degradação da capacidade financeira do cliente bancário ou este mostre risco de incumprimento), desenvolver “as diligências necessárias para avaliar esses indícios, tendo em vista aferir da existência de risco efetivo de incumprimento e da respetiva extensão”.

Assim, quando verifique, em resultado da avaliação referida, “que o cliente bancário dispõe de capacidade financeira para cumprir as obrigações decorrentes do contrato de crédito, nomeadamente através da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito, a instituição de crédito apresenta-lhe uma ou mais propostas que se revelem adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades” (n.º 4 do art.º 10.º), o que deve fazer (n.º 5) “ao cliente bancário através de comunicação em suporte duradouro” ([9]) e com observância dos “deveres de informação previstos na legislação e regulamentação específicas”.

Cabe, então, às instituições de crédito promover as diligências necessárias à implementação do Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento (PERSI) relativamente a clientes bancários que se encontrem em mora no cumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, como impõe o art.º 12.º, começando – preliminarmente –, verificada a mora, por informar, em prazo, o cliente do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida e, bem assim, desenvolvendo diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento (art.º 13.º).

Se o “incumprimento” persistir, o cliente é obrigatoriamente integrado no PERSI entre o 31.º dia e o 60.º dia subsequentes à data de vencimento da obrigação em causa (cfr. art.º 14.º).

Segue-se a importante “Fase de avaliação e proposta”, a que se reporta o art.º 15.º:

«1 - A instituição de crédito desenvolve as diligências necessárias para apurar se o incumprimento (…) se deve a circunstâncias pontuais e momentâneas ou se, pelo contrário, esse incumprimento reflete a incapacidade do cliente bancário para cumprir (…).

2 - (…) a instituição de crédito procede à avaliação da capacidade financeira do cliente bancário

(…)

4 - No prazo máximo de 30 dias após a integração do cliente bancário no PERSI, a instituição de crédito, através de comunicação em suporte duradouro, está obrigada a:

a) Comunicar ao cliente bancário o resultado da avaliação desenvolvida nos termos previstos nos números anteriores, quando verifique que o mesmo não dispõe de capacidade financeira para retomar o cumprimento das obrigações decorrentes do contrato de crédito, nem para regularizar a situação de incumprimento, (…) sendo inviável a obtenção de um acordo no âmbito do PERSI; ou

b) Apresentar ao cliente bancário uma ou mais propostas de regularização adequadas à sua situação financeira, objetivos e necessidades, quando conclua que aquele dispõe de capacidade financeira para reembolsar o capital ou para pagar os juros vencidos e vincendos do contrato de crédito através, designadamente, da renegociação das condições do contrato ou da sua consolidação com outros contratos de crédito.

5 - Na apresentação de propostas aos clientes bancários, as instituições de crédito observam os deveres de informação previstos na legislação e regulamentação específicas”.

Passa-se depois para a “Fase de negociação” (art.º 16.º), podendo o cliente bancário recusar as propostas apresentadas ou propor alterações, cabendo à instituição de crédito, quando considere que existem outras alternativas adequadas, apresentar nova proposta ou aceitar ou recusar as alterações, sendo-lhe lícito apresentar nova proposta, tudo em prazos legalmente estabelecidos.

São causas de extinção do PERSI (art.º 17.º, n.º 1): o pagamento integral, o acordo entre as partes para regularização da situação de incumprimento, o decurso do prazo de noventa dias subsequentes à data de integração do cliente bancário neste procedimento (salvo acordo escrito no sentido da sua prorrogação) e a declaração de insolvência do cliente bancário.

Acresce que a entidade de crédito pode, por sua iniciativa, extinguir o PERSI se: a) for realizada penhora ou decretado arresto a favor de terceiros sobre bens do devedor; b) for proferido despacho de nomeação de administrador judicial provisório; c) concluir, em resultado da avaliação desenvolvida, que o cliente não dispõe de capacidade financeira para regularizar a situação de incumprimento; d) este não colaborar, nomeadamente no que respeita à prestação de informações ou à disponibilização de documentos solicitados, ou na resposta atempada às propostas que lhe sejam apresentadas; e) praticar atos suscetíveis de pôr em causa os direitos ou as garantias da instituição de crédito; f) recusar a proposta apresentada, sem prejuízo do disposto no n.º 1 do artigo anterior; g) o credor recusar as alterações à sua proposta sugeridas pelo cliente (n.º 2).

Acresce ainda que a “instituição de crédito informa o cliente bancário, através de comunicação em suporte duradouro, da extinção do PERSI, descrevendo o fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento” (n.º 3, com itálico aditado), extinção que (cfr. n.º 4) “só produz efeitos após a comunicação referida no número anterior” (exceto se o fundamento de extinção for o previsto na al.ª b) do n.º 1).

Por fim, o art.º 18.º (“Garantias do cliente bancário”) deixa claro que, no “período compreendido entre a data de integração do cliente bancário no PERSI e a extinção deste procedimento, a instituição de crédito está impedida de:

a) Resolver o contrato de crédito com fundamento em incumprimento;

b) Intentar ações judiciais tendo em vista a satisfação do seu crédito;

(…)” (n.º 1).

E o art.º 19.º (quanto a “Deveres procedimentais”) obriga o credor a elaborar um documento interno que descreva, em linguagem simples e clara, os procedimentos adotados no âmbito da implementação do PERSI, especificando, designadamente: a) os procedimentos para o contacto com os clientes bancários nas várias fases do PERSI; b) os procedimentos para a recolha, tratamento e análise da informação referente aos clientes bancários; c) as soluções suscetíveis de serem propostas aos clientes bancários em incumprimento.

Sem esquecer que as “instituições de crédito devem criar, em suporte duradouro, processos individuais para os clientes bancários integrados no PERSI, os quais devem conter toda a documentação relevante no âmbito deste procedimento, nomeadamente as comunicações entre as partes, o relatório de avaliação da capacidade financeira desses clientes e as propostas apresentadas aos mesmos”, conservando “os processos individuais durante os cinco anos subsequentes à extinção do PERSI” (cfr. art.º 20.º).

É certo que a R. requereu, em sede de oposição e como agora salienta nas suas conclusões recursórias, que a A. procedesse à junção de “cópias das notificações (…) da abertura do PERSI e com prova de receção” pela destinatária (cfr. requerimento probatório de fls. 11 e v.º).

Porém, com referência a tal PERSI, a A. apenas complementou ter aberto esse procedimento, “o qual acabou por ser extinto, a 04/11/2015 (cfr. Doc n.º 29 e 30 que ora se junta)” ([10]), tratando-se dos já referidos documentos de fls. 69 v.º a 70 v.º, de que, como visto, nada resulta documentado quanto ao envio e/ou receção das cartas.

Sobre a matéria tem elaborado a jurisprudência dos Tribunais superiores.

Assim, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) já tomou posição ([11]) no sentido de o PERSI, em vigor desde 01/01/2013 e aplicável a clientes bancários (consumidores) que estejam em mora ou em incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, constituir uma fase pré-judicial que visa a composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, através de um procedimento que comporta três fases: (i) a fase inicial; (ii) a fase de avaliação e proposta; e (iii) a fase de negociação (arts. 14.º a 17.º do referido diploma legal). Por isso, durante «o período que decorre entre a integração do cliente no PERSI e a extinção deste procedimento, está vedada à instituição de crédito a instauração de acções judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito» [art. 18.º, n.º 1, al.ª b)].

Com efeito, como consta da fundamentação do mesmo Ac. do STJ, o legislador quis, quanto às instituições de crédito, «introduzir na nossa ordem jurídica princípios e regras a observar por aquelas instituições na prevenção e na regularização das situações de falta de cumprimento de contratos de crédito pelos clientes bancários que se integrem no referido conceito de consumidor e criar uma rede extrajudicial de apoio a esses clientes no âmbito da regularização dessas situações».

Assim, o propósito de legislador é o “de obviar a que as instituições bancárias, confrontadas com situações de incumprimento desses contratos, possam desencadear, de imediato, os procedimentos judiciais com vista à satisfação dos seus créditos relativamente a devedores enquadráveis no conceito legal de «consumidor»”, salvaguardando “a posição dos contraentes mais fracos e menos protegidos, particularmente, numa época de acentuada crise económica e financeira”.

Por isso, as “instituições de crédito passaram a ter de promover um conjunto de diligências relativamente a clientes bancários em mora ou incumprimento de obrigações decorrentes de contratos de crédito, tendo de integrá-los, obrigatoriamente, no chamado” PERSI, em cuja “fase inicial, a instituição, depois de identificar a mora do cliente, informa-o do atraso no cumprimento e dos montantes em dívida, desenvolvendo diligências no sentido de apurar as razões subjacentes ao incumprimento registado; persistindo o incumprimento, integra-o, obrigatoriamente, no PERSI entre o 31º dia e o 60º dia subsequente à data do vencimento da obrigação em causa».

Veja-se ainda o Ac. TRE de 06/10/2016 ([12]), com o seguinte sumário:

“I- A integração do cliente bancário (…) no PERSI (…) é obrigatória, quando verificados os respectivos pressupostos, pelo que a acção executiva só pode ser intentada contra os obrigados após a extinção deste procedimento.

II- Existe aqui uma falta de condição objectiva de procedibilidade que é enquadrada, com as necessárias adaptações, no regime jurídico das excepções dilatórias.

III- A não verificação desta condição não é sanável”.

E também o Ac. do mesmo TRE de 27/04/2017 ([13]), podendo ler-se no respetivo sumário: «I- No artº 14º nº4 do D.L. 227/2012 de 25 de Outubro exige-se que a instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro. II- O significado de tal expressão “suporte duradouro” é dado no artigo 3.º, alínea h) do citado diploma: “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas”. III- Por conseguinte, e exigindo a lei, como forma de tal declaração uma “comunicação em suporte duradouro” ou seja a sua representação através de um instrumento que possibilitasse a sua reprodução integral e inalterada, reconduzível, portanto, à noção de documento constante do artº 362º do Cód. Civil, não poderia a omissão de tal prova da declaração da instituição bancária/embargada ser colmatada com recurso à prova testemunhal (face à ausência de confissão expressa dos embargantes) – cfr. artº 364º nº2 do Cód. Civil. IV- Além do mais, tratando-se de uma declaração receptícia, a sua eficácia estaria também dependente da sua chegada ao conhecimento do seu destinatário (artº 224º nº1 -1ª parte do Cód. Civil que consagra a teoria da recepção), sendo sobre a instituição bancária/embargada que recaía o ónus de o provar (artº 342º nº1 do mesmo código).».

Do exposto já resulta que cabia à aqui A./Apelada o ónus da alegação e prova de ter procedido às legais comunicações à contraparte devedora, em observância dos seus deveres de informação e até proteção do devedor/cliente/consumidor, o que sempre teria de passar, para além do mais, pela demonstração da notificação da R. quanto às invocadas abertura e encerramento do PERSI.

Se este visa proteger a devedora cliente/consumidora – e não restam dúvidas de assim ser –, então não bastaria dar como provado que a credora procedeu à sua abertura e ao seu encerramento (do PERSI referenta à R.), antes se impondo que a Demandante fizesse a prova de ter expedido, de modo a terem chegado ao poder da R. (e, consequentemente, ao seu conhecimento), as mencionadas cartas de fls. 69 v.º a 70 v.º. (declarações recetícias, face aos legais deveres de informação e proteção a cargo da entidade de crédito/financeira).

Era, assim, incontornável, desde logo em termos probatórios – e, depois, em termos de aplicação do direito –, a matéria referente à notificação, ou não, da Demandada ([14]), quanto ao PERSI, sua abertura e seu encerramento.

Pois que tal é essencial para aferição do cumprimento dos deveres legais da A. e até para verificação da admissibilidade da ação de cumprimento, iniciada como procedimento de injunção, visto só após a extinção do PERSI – obviamente, com notificação dessa extinção ao devedor/cliente – poder a instituição de crédito intentar ações judiciais com a finalidade de obter a sua satisfação creditícia (mencionado art.º 18.º, n.º 1, al.ª b), do DLei citado).

Donde que, devidamente debatida e contraditada a matéria, reste agora ao Tribunal ad quem – não podendo decidir a questão, por falta de adequado respaldo factual –, oficiosamente, lançar mão do disposto no mencionado art.º 662.º, n.º 2, al.ª c), do NCPCiv., obrigando à anulação da decisão recorrida, para ampliação, nesta parte, da matéria de facto, consequente prova e decorrente reapreciação de direito.

O que logo deixa prejudicada a apreciação das demais questões suscitadas na apelação.


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IV – Sumário (art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):

1. - Se for necessária a ampliação da matéria de facto, a sentença deve ser anulada, com repetição parcial do julgamento, como no caso de necessidade de determinação fáctica tendente a esclarecer quanto à notificação, ou não, da abertura e do encerramento de PERSI (Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, previsto no DLei n.º 227/2012, de 25-10) ao cliente/devedor, sem prejuízo da apreciação de outros pontos fácticos, com o fim de evitar contradições.

2. - Com aquele PERSI pretendeu o legislador estabelecer, mediante normas imperativas, uma ordem pública de proteção do cliente/devedor/consumidor em situação de mora no cumprimento, visto como parte frágil na relação e, por isso, carecido de especial proteção, deixando a cargo da contraparte (uma instituição de crédito) especiais deveres de informação, esclarecimento e proteção.

3. - É nesse âmbito que é imposta a abertura, tramitação e encerramento de um Procedimento Extrajudicial de Regularização de Situações de Incumprimento, que constitui uma fase pré-judicial destinada à composição do litígio, por mútuo acordo, entre credor e devedor, contemplando uma fase inicial, uma fase de avaliação e proposta e uma fase de negociação.

4. - Enquanto não ocorrer extinção do PERSI, está vedada à instituição de crédito a instauração de procedimentos/ações judiciais com a finalidade de obter a satisfação do seu crédito.

5. - No quadro daqueles deveres de informação, esclarecimento e proteção, cabe à instituição de crédito dar oportunidade ao contacto e negociação com a contraparte (devedor/cliente/consumidor), sem o que seria ilusória a esfera de proteção estabelecida, para o que cabe ao credor dar conhecimento à contraparte da abertura e do encerramento do PERSI, impendendo sobre si o ónus da alegação e prova da respetiva notificação.


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V – Decisão

Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em, ao abrigo do estabelecido nos n.ºs 2, al.ª c), e 3, al.ª c), do art.º 662.º do NCPCiv.:

a) Anular, oficiosamente, a decisão recorrida, para ampliação da matéria de facto, com repetição parcial do julgamento, quanto ao mencionado âmbito fáctico referente à questão da notificação, ou não, à R./Apelante da abertura e do encerramento do PERSI (cfr. art.ºs 8.º a 10.º da oposição e 34.º e seg. da resposta respetiva), de molde a apurar a factualidade de suporte necessária a decidir – de direito – sobre essa matéria suscitada, com adequada fundamentação da convicção probatória nessa parte;

b) Julgar no mais prejudicadas as questões suscitadas em sede de apelação.

Custas do recurso pela parte vencida a final.

Escrito e revisto pelo Relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).
Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 07/11/2017

Vítor Amaral (Relator)

         Luís Cravo

Fernando Monteiro


([1]) Em 22/03/2016.
([2]) Caso nenhuma das questões resulte prejudicada pela decisão das precedentes.
([3]) Quanto a matéria não provada, entendeu-se que não foram considerados provados quaisquer outros factos com relevo para a decisão da causa, sendo que, por conterem matéria conclusiva, irrelevante ou de direito, não se respondeu aos art.º 3, 12, 13, 15, 16 e 17 do requerimento de injunção, nem a quaisquer art.ºs da oposição, nem sequer aos art.sº 1 a 20, 23, 26 a 29, 35 a 40, 45 a 51 do requerimento de fls. 40, no qual a A. se pronunciou sobre as exceções deduzidas pela contraparte.
([4]) O último, o de fls. 70 v.º, com indicação de morada notoriamente deficiente face ao de fls. 69 v.º, faltando a menção do respetivo concelho (“Marinha Grande”).
([5]) Com efeito, mencionou-se na sentença: “Quanto à prova testemunhal, o Tribunal baseou-se no depoimento da testemunha (…), funcionário da A. que teve, por via do exercício das suas funções, conhecimento directo dos factos, e depôs de forma coerente, escorreita e espontânea, confirmando os pontos 2) a 7) dos factos provados” (itálico aditado).
([6]) Embora com repercussões no sentido decisório acolhido no dispositivo.
([7]) Como também claramente se refere no art.º 1.º, n.º 1, do dito diploma legal, este “estabelece os princípios e as regras a observar pelas instituições de crédito:
a) No acompanhamento e gestão de situações de risco de incumprimento; e
b) Na regularização extrajudicial das situações de incumprimento das obrigações de reembolso do capital ou de pagamento de juros remuneratórios por parte dos clientes bancários, respeitantes aos contratos de crédito referidos no n.º 1 do artigo seguinte” (itálico aditado).
([8]) Promovendo, nos termos do disposto no art.º 5.º, n.º 2, “sempre que possível, a regularização, em sede extrajudicial, das situações de incumprimento”.
([9]) Por «Suporte duradouro» entende-se “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas” [art.º 3.º, al.ª h)].
([10]) Cfr. art.º 34.º do articulado de “resposta às exceções” de fls. 40 e segs. dos autos em suporte de papel.
([11]) Cfr. Ac. de 09/02/2017, Proc. 194/13.5TBCMN-A.G1.S1 (Rel. Fernanda Isabel Pereira) e respetivo sumário, em www.dgsi.pt.
([12]) Proc. 4956/14.8T8ENT-A.E1 (Rel. José Tomé de Carvalho), em www.dgsi.pt.
([13]) Proc. 37/15.5T8ODM-A.E1 (Rel. Maria João Sousa e Faro), em www.dgsi.pt.
([14]) Que esta, em modo impugnatório, recusa ter ocorrido, consabido que o ónus da prova impende, neste âmbito, sobre a contraparte (cfr. o alagado sob os art.ºs 8.º a 10.º da oposição e 34.º e seg. da resposta respetiva).