Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CRISTINA NEVES | ||
Descritores: | INVENTÁRIO SUBSEQUENTE A DIVÓRCIO PRAZO PARA A DEDUÇÃO DE DEFESA E EXERCÍCIO DOS DEMAIS DIREITOS A CONCEDER AOS INTERESSADOS ADITAMENTO DE NOVOS BENS POR SUPERVENIÊNCIA OBJECTIVA OU SUBJECTIVA ACORDO ENTRE OS CÔNJUGES PARA UTILIZAÇÃO DAS FRACÇÕES SOBRE QUE INCIDA HIPOTECA | ||
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Data do Acordão: | 05/30/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE LAMEGO | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 588.º; 1097.º, 2; 1099.º, C) E 1104.º, 1, D), DO CPC ARTIGOS 405.º; 406.º; 686.º; 1106.º, 5; 1689.º, 1; 1691.º, 1, A); 1788.º E 2100.º, 1, DO CÓDIGO CIVIL | ||
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Sumário: | I- O artigo 1104 do C.P.C., na redacção introduzida pela Lei nº 117/2019 de 13 de Setembro, prevê, no seu nº1, um prazo único e preclusivo de 30 dias, para cada interessado directo na partilha deduzir todos os meios de defesa ao inventário, impugnar os créditos e as dívidas da herança ou deduzir reclamação à relação de bens apresentada.
II-O decurso deste prazo não obsta a que o interessado possa vir ainda requerer o aditamento de novas verbas ou impugnar as verbas constantes da relação de bens, com fundamento em superveniência objectiva ou subjectiva, nos termos e com os limites previstos no artº 588 do C.P.C., quer porque os factos que fundamentam essa reclamação são supervenientes, quer porque não o sendo, o interessado apenas teve conhecimento destes factos depois de decorrido o prazo para apresentar reclamação à relação de bens. III-A partilha do património comum dos ex-cônjuges, visa por termo à situação de comunhão, entregando a cada cônjuge os seus bens próprios, atribuindo-lhe a sua meação nos bens comuns, mas conferindo cada um deles, em operação prévia, o que dever à massa comum (cfr. artº 1689 do C.C.). IV- O acordo homologado pelos ex-cônjuges, nos termos do qual a utilização das fracções sobre as quais incidia o crédito hipotecário era atribuída ao cabeça-de-casal, até à partilha, respondendo este pelo pagamento do crédito hipotecário sem direito de regresso sobre o outro cônjuge, embora não oponível ao banco credor, constitui um acordo válido, por não violar norma de natureza imperativa (vg. a prevista no artº 1691, nº1, a) do C.C.) e vinculativo para os ex-cônjuges (artº 405, 406 e 762 do C.C.). V- O incumprimento deste acordo pelo cabeça-de-casal, constitui um enriquecimento do património próprio deste cônjuge, à custa do património comum na medida do valor das prestações vencidas e não pagas e correspondentes juros e outras quantias devidas ao credor hipotecário até á partilha do imóvel e constitui o cônjuge incumpridor na obrigação de compensar o património comum, por esse valor. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Proc. Nº 773/17.1T8LMG-E.C1 - Apelação Tribunal Recorrido: Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Instância Central ... e .... Recorrente: AA Recorrido: BB Juiz Desembargador Relator: Cristina Neves Juízes Desembargadores Adjuntos: Teresa Albuquerque Falcão de Magalhães
* Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra ***
RELATÓRIO Intentado inventário para partilha dos bens na sequência do divórcio decretado entre os cônjuges AA e BB, ao abrigo da Lei nº 117/2019, no qual foi nomeado cabeça-de-casal o ex-cônjuge BB, veio este apresentar relação de bens, na qual após reclamação deduzida pela interessada e pelo credor Banco Santander SA, foi proferida decisão em 21/05/2021 que deferiu totalmente a reclamação de bens e ordenou ao cabeça-de-casal que apresentasse nova relação de bens de acordo com o decidido. Em 06/10/21, veio o cabeça-de-casal juntar nova relação de bens, tendo vindo a recorrente em 21/10/21, invocar que a relação apresentada não obedece ao ordenado em despacho de 21/05/2021, que o valor dado aos bens não é o correcto e que, no que ao caso importa, “Foi acordado em .../.../2018, nos autos principais (divórcio sem consentimento do outro cônjuge) que: «A utilização da casa de morada de família, bem como da fração autónoma utilizada para escritório, fica atribuída ao requerente marido até efetivação da partilha, ficando o mesmo responsável pelos pagamentos inerentes aos imóveis, tais como créditos hipotecários, consumos correntes, impostos relativos ao imóvel e seguros, sem direito de regresso.» (…) desde o mês de Abril de 2020, que o Cabeça de casal deixou de pagar os créditos hipotecários relativos à casa de morada de família. (…) A Requerente embora saiba o valor das prestações que desde essa data deixaram de ser pagas, não consegue contabilizar os juros devidos nem as comissões, entre outros valores cobrados pela instituição financeira (…) Desconhecendo ainda se os seguros associados àqueles contratos de financiamento se encontram pagos e em vigor. (…) O Cabeça de casal relacionou o passivo atualizado esquecendo-se de mencionar ser ele próprio devedor ao património comum das quantias que devia ter pago e não pagou, bem como das quantias decorrentes do seu incumprimento.” Nessa medida, solicitou ao tribunal recorrido que oficie ao Banco Santander para que informe: “• qual a data do início do incumprimento no pagamento dos créditos hipotecários, com os números ...96 e ...96; • quais os montantes que deviam ter sido pagos e a que titulo e em que datas se venceram; • qual o valor em divida na presente data, relativamente a cada um dos créditos, com descriminação dos respetivos valores, designadamente, qual o valor correspondente a capital, juros, juros de mora, seguros, comissões e outras despesas; • qual o valor que estaria atualmente em divida relativamente a cada contrato de empréstimo, caso tivessem sido integralmente cumpridos.” * Proferido despacho em 27/05/22, que ordenou ao Banco Santander que viesse prestar esta informação, veio este informar que os mutuários são devedores, do reclamante, da quantia de € 216.807,95 e que os interessados deixaram de pagar as prestações vencidas a partir de 05 de Abril de 2021, tendo requerido o pagamento imediato do seu crédito nos termos do artº 1106 nº5 do C.P.C. * Solicitadas novas informações pela interessada, ora recorrente, veio o Banco Santander apresentar novo requerimento, em 01/07/2022, informando que: “Os empréstimos n.ºs ...96 e ...96 beneficiaram da moratória Santander no período compreendido entre 1 de Março de 2020 e 30 de Março de 2021. (…) Caso os empréstimos não tivessem beneficiado da aludida moratória os Inventariados deveriam ter liquidado o montante global de € 6.796,91 (seis mil, setecentos e noventa e seis euros e noventa e um cêntims), assim discriminado: - empréstimo n.º ...96 – € 5.588,67 (cinco mil, quinhentos e oitenta e oito euros e sessenta e sete euros) - empréstimo n.º...96 – € 1.208,24 (mil, duzentos e oito euros e vinte e quatro cêntimos).” * Notificada deste requerimento, veio a interessada requerer em 12.07.2022, o aditamento à relação de bens, de duas verbas que identifica da seguinte forma: «Deve o cabeça de casal, na data de 02.03.2022, ao património comum a quantia de 37.148,08€ (trinta e sete mil cento e quarenta e oito euros e oito cêntimos), acrescida dos juros vincendos às taxas contratualmente fixadas de 0,721% quanto ao empréstimo nº 0006 ...96 e de 3,079% quanto ao empréstimo nº ...96, relativa ao incumprimento daqueles empréstimos.» e «Deve o cabeça de casal a quantia referente ás prestações que se continuem a vencer após 02.03.2022, ou que se venceriam caso existisse cumprimento dos contratos de crédito e aquelas quantias que se vençam após a mesma data e advenham do incumprimento do contrato celebrado, calculadas na data da efetivação da partilha.» ***
Notificado deste requerimento, veio o cabeça-de-casal opor-se alegando a inexistência destas dívidas que ora se pretende relacionar e, por outro lado, que a interessada teve conhecimento da moratória do Banco Santander em relação a estes créditos hipotecários, à qual se não opôs, o que mereceu reacção da interessada, juntando carta remetida ao Banco Santander com oposição à moratória. *
Após, foi proferido despacho no tribunal a quo em 31/10/2022, nos seguintes termos: “Refª 5411647 – Vem a interessada AA requerer que devem ser aditadas à relação de bens duas verbas onde conste: «Deve o cabeça de casal, na data de 02.03.2022, ao património comum a quantia de 37.148,08€ (trinta e sete mil cento e quarenta e oito euros e oito cêntimos), acrescida dos juros vincendos às taxas contratualmente fixadas de 0,721% quanto ao empréstimo nº 0006 ...96 e de 3,079% quanto ao empréstimo nº ...96, relativa ao incumprimento daqueles empréstimos.» e «Deve o cabeça de casal a quantia referente ás prestações que se continuem a vencer após 02.03.2022, ou que se venceriam caso existisse cumprimento dos contratos de crédito e aquelas quantias que se vençam após a mesma data e advenham do incumprimento do contrato celebrado, calculadas na data da efetivação da partilha.». Veio o cabeça-de casal pronunciar-se no requerimento junto com a refª5480028, pugnando pelo indeferimento do requerido adicionamento. Sobre o requerimento do cabeça-de casal, veio a interessada AA pronunciar-se com o requerimento junto com a refª 5492332, o que mereceu a resposta do cabeça-de-casal com o requerimento junto com a refª 5494344. Cumpre começar por referir que o aditamento requerido, mais não é que uma nova reclamação à relação de bens. Ora, nos presentes auto o prazo para apresentar a reclamação de bens já correu à muito e saliente-se que a interessada apresentou reclamação à relação de bens, que inclusive já foi objeto de decisão, pelo que, o requerido é intempestivo, pelo que, indefere-se o requerido. Notifique.”
* Notificada desta decisão e com ela não se conformando, veio a interessada, interpor recurso, constando das suas alegações as seguintes conclusões: “1. Vem o presente recurso, interposto do douto despacho com a referência nº 91555128, que indeferiu o aditamento à relação de bens de uma divida do cabeça de casal ao património comum. 2. Decisão com a qual não concordamos por entendermos que o tribunal a quo incorreu na violação do disposto nos artigos 1098º, 1688º, 1689º, 1697º e 1730º, todos do código civil, e 1082º, 1097º e 1098, todos do código de processo civil. 3. No referido despacho a exma. senhora juiz do tribunal a quo, determinou que o aditamento requerido mais não era que uma nova reclamação à relação de bens e que o prazo para apresentar a reclamação à relação de bens já tinha decorrido, pelo que o requerido era intempestivo. Isto posto, 4. Os presentes autos de inventário após divórcio iniciaram-se no ano de 2018 em cartório notarial, tendo sido nomeado cabeça-de-casal o cônjuge marido. 5. Nessa qualidade e em cumprimento dos deveres que impendem sobre o cabeça-de-casal, apresentou em 08.03.2019 relação de bens. 6. De tal relação de bens reclamou a recorrente em 18.04.2019. 7. Em 09.01.2020, a recorrente e ao abrigo da Lei 117/2019 de 23 de Setembro, solicitou a remessa dos autos ao tribunal competente. 8. Subsequentemente, originaram-se os presentes autos de competência facultativa. 9. A reclamação à relação de bens veio a ser julgada totalmente procedente por decisão do tribunal a quo de 21.05.2021. 10. Apesar de instado por várias vezes para apresentar nova relação de bens de acordo com a decisão proferida, o cabeça de casal apenas em 06.10.2021, apresentou uma nova relação de bens. 11. Em 21.10.2021, a recorrente respondeu aos autos, arguindo a inexatidão da relação de bens apresentada com a decisão proferida e ainda expondo que tinha sido acordado em .../.../2018, nos autos principais (divórcio sem consentimento do outro cônjuge) que a utilização da casa de morada de família, bem como da fração autónoma utilizada para escritório, ficaria atribuída ao requerente marido até efetivação da partilha, ficando o mesmo responsável pelos pagamentos inerentes aos imóveis, tais como créditos hipotecários, consumos correntes, impostos relativos ao imóvel e seguros, sem direito de regresso e que desde o mês de abril de 2020, que o cabeça de casal deixou de pagar os créditos hipotecários relativos à casa de morada de família. que apesar de saber o valor das prestações que desde essa data deixaram de ser pagas, que não conseguia contabilizar os juros devidos nem as comissões, entre outros valores cobrados pela instituição financeira e que desconhecia ainda se os seguros associados àqueles contratos de financiamento se encontram pagos e em vigor. Que o cabeça de casal relacionou o passivo atualizado esquecendo-se de mencionar ser ele próprio devedor ao património comum das quantias que devia ter pago e não pagou, bem como das quantias decorrentes do seu incumprimento. Que para se apurar o valor que o cabeça de casal devia ao património comum, e que por isso era necessário oficiar à instituição financeira Banco Santander Totta S.A. para que informasse qual a data do início do incumprimento no pagamento dos créditos hipotecários, os montantes que deviam ter sido pagos, e a que titulo, o valor em divida na presente data, e o valor que estaria atualmente em divida relativamente a cada contrato de empréstimo, caso tivessem sido integralmente cumpridos. 12. Por despacho de 27-05-2022, com a referência 90523608, ordenou o tribunal a quo a notificação do cabeça-de-casal, mais uma vez, para vir juntar aos autos relação de bens que respeitasse a decisão proferida quanto à reclamação à relação de bens e tendo em conta a análise supra efetuada e deferiu o requerido pela interessada para que fosse oficiado à instituição bancária. 13. Recebidas nos autos as informações prestadas pela instituição bancária, a recorrente apresentou requerimento expondo que «1- FOI ACORDADO EM .../.../2018, NOS AUTOS PRINCIPAIS (DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DO OUTRO CÔNJUGE) QUE: «A UTILIZAÇÃO DA CASA DE MORADA DE FAMÍLIA, BEM COMO DA FRAÇÃO AUTÓNOMA UTILIZADA PARA ESCRITÓRIO, FICA ATRIBUÍDA AO REQUERENTE MARIDO ATÉ EFETIVAÇÃO DA PARTILHA, FICANDO O MESMO RESPONSÁVEL PELOS PAGAMENTOS INERENTES AOS IMÓVEIS, TAIS COMO CRÉDITOS HIPOTECÁRIOS, CONSUMOS CORRENTES, IMPOSTOS RELATIVOS AO IMÓVEL E SEGUROS, SEM DIREITO DE REGRESSO.» 2- SUCEDE QUE, DESDE O DIA 01 DE MARÇO DE 2020, QUE O CABEÇA DE CASAL DEIXOU DE PAGAR OS CRÉDITOS HIPOTECÁRIOS RELATIVOS À CASA DE MORADA DE FAMÍLIA. 3- O CABEÇA DE CASAL É ASSIM DEVEDOR AO PATRIMÓNIO COMUM DAS QUANTIAS QUE DEVIA TER PAGO E NÃO PAGOU, ATÉ À EFETIVAÇÃO DA PARTILHA, BEM COMO DAS QUANTIAS DEVIDAS E DECORRENTES DO SEU INCUMPRIMENTO. 4- EM FACE DA INFORMAÇÃO PRESTADA PELO BANCO CREDOR, O CABEÇA DE CASAL DEVE À DATA DE 02.03.2022, AO PATRIMÓNIO COMUM, A QUANTIA DE 37.148,08€. 5- A ESTA QUANTIA ACRESCEM, NOS TERMOS DA INFORMAÇÃO PRESTADA PELO CREDOR, JUROS VINCENDOS ÀS TAXAS CONTRATUALMENTE FIXADAS DE 0,721% QUANTO AO empréstimo nº 0006 ...96 E DE 3,079% QUANTO AO EMPRÉSTIMO Nº ...96, ATÉ ... E INTEGRAL PAGAMENTO. 6- DEVE AINDA O CABEÇA DE CASAL A QUANTIA REFERENTE ÁS PRESTAÇÕES QUE APÓS AQUELA DATA (02.03.2022) SE CONTINUEM A VENCER OU QUE SE VENCERIAM CASO EXISTISSE CUMPRIMENTO DOS CONTRATOS DE CRÉDITO E AQUELAS OUTRAS QUE SEJAM DEVIDAS E ADVENHAM DO INCUMPRIMENTO DO CONTRATO CELEBRADO, CALCULADAS NA DATA DA EFETIVAÇÃO DA PARTILHA. 7-DEVEM POR ISSO SER ADITADAS À RELAÇÃO DE BENS DUAS VERBAS ONDE CONSTE: «DEVE O CABEÇA DE CASAL, NA DATA DE 02.03.2022, AO PATRIMÓNIO COMUM A QUANTIA DE 37.148,08€ (TRINTA E SETE MIL CENTO E QUARENTA E OITO EUROS E OITO CÊNTIMOS), ACRESCIDA DOS JUROS VINCENDOS ÀS TAXAS CONTRATUALMENTE FIXADAS DE 0,721% QUANTO AO empréstimo nº 0006 ...96 E DE 3,079% QUANTO AO EMPRÉSTIMO Nº ...96, RELATIVA AO INCUMPRIMENTO DAQUELES EMPRÉSTIMOS.» E «DEVE O CABEÇA DE CASAL A QUANTIA REFERENTE ÁS PRESTAÇÕES QUE SE CONTINUEM A VENCER APÓS 02.03.2022, OU QUE SE VENCERIAM CASO EXISTISSE CUMPRIMENTO DOS CONTRATOS DE CRÉDITO E AQUELAS QUANTIAS QUE SE VENÇAM APÓS A MESMA DATA E ADVENHAM DO INCUMPRIMENTO DO CONTRATO CELEBRADO, CALCULADAS NA DATA DA EFETIVAÇÃO DA PARTILHA.» «NESTES TERMOS REQUER A VOSSA EX.ª SE DIGNE ORDENAR PARA OS DEVIDOS EFEITO LEGAIS A NOTIFICAÇÃO DO CABEÇA DE CASAL PARA O ADITAMENTO SUPRA REFERIDO.» 14- Sobre este requerimento decidiu o tribunal a quo pelo despacho de que aqui se recorre. 15- Porque o requerido aditamento à relação de bens, ao contrário do afirmado pelo tribunal a quo não podia ter sido alegado na reclamação à relação de bens, pela simples razão que esta foi apresentada em 18.04.2019, e o cabeça de casal apenas deixou de cumprir os pagamentos das prestações em abril de 2020. 16- O aditamento requerido era e é por isso um facto superveniente nos autos. 17- Acresce que o tribunal ao decidir como decidiu contrariou aquilo que anteriormente já tinha decidido, designadamente, no despacho de 27.05.2022, dando o dito por não dito, ou melhor o deferido pelo indeferido. vejamos, 18- Na pendência do casamento o ex-casal construiu a casa de morada de família, num prédio misto composto por terra de sequeiro e casa de palheiro, casa de rés-do-chão, sito à Rua ..., da união de freguesias ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...81-..., inscrita na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo ...17 e rústica ...31. 19- E adquiriu a fração autónoma, designada pela letra ..., sita na rua ..., ..., descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...66-h, inscrita na matriz predial da freguesia ... sob o artigo ...95-h. 20- Para o efeito, o ex-casal contraiu divida: a) ao Banco Santander Totta, S.A, decorrente do contrato de empréstimo nº ...96, denominado crédito à habitação própria e permanente, para construção da habitação no montante atual de 152.258,38€, b) ao banco Santander Totta, S.A, decorrente do contrato de empréstimo nº ...96, denominado multifunções, para complemento de obrigações contratuais com a construção da casa de habitação de 45.489,23€, e c) à Caixa Geral de Depósitos, decorrente do contrato de empréstimo para habitação própria e permanente associado à conta ...00, denominado crédito à habitação própria e permanente, para aquisição da fração autónoma no montante de 45.817,02€. 21- A responsabilidade pelo pagamento dos referidos contratos de mútuos bancários cabia a ambos os cônjuges, tratando-se de dívidas da responsabilidade de ambos os cônjuges (artigo 1691º, nº 1, alínea a) do código civil (cc)). 22- Todavia por sentença homologatória de acordo celebrado em .../.../2018, no âmbito dos autos principais- divórcio sem consentimento de um dos cônjuges - e por isso apenas com eficácia «inter partes», decidiu-se que a utilização da casa de morada de família, bem como da fração autónoma utilizada para escritório, ficaria atribuída ao requerente marido até à efetivação da partilha, ficando o mesmo responsável pelos pagamentos inerentes aos imóveis, tais como créditos hipotecários, consumos correntes, impostos relativos ao imóvel e seguros, sem direito de regresso. 23- Sucede que o cabeça de casal deixou de pagar em Abril de 2020, as despesas inerentes ao pagamento dos empréstimos bancários referentes ao imóvel que foi a casa de morada de família, 24- Apesar de nela continuar a residir, em exclusividade. 25- Assim sendo, o património comum detém um crédito sobre o cabeça de casal. 26- Uma vez que, caso o cabeça de casal, tivesse cumprido com o acordado, a divida ao credor hipotecário seria na data da partilha inferior. 27- E não tendo cumprido, atendendo aos montantes devidos pelo incumprimento o valor peticionado pelo credor hipotecário é ainda superior, conforme o mesmo informou nos autos, sem impugnação. 28- Face ao quadro legal aplicável, devia por isso o cabeça de casal, ter incluído na relação de bens, que apresentou posteriormente, duas verbas, nos mesmos termos dos requeridos pela recorrente. 29- Não o fazendo, assistia o direito à recorrente de requerer o seu aditamento, como fez. 30- Nos termos do artigo 1688º do CC, as relações patrimoniais entre os cônjuges cessam pela dissolução do casamento, isto é, pelo divórcio. 31- O divórcio dissolve o casamento e tem juridicamente os mesmos efeitos da dissolução por morte, salvas as exceções consagradas na lei (artigo 1788º do CC). 32- Decretado o divórcio por decisão transitada em julgado, abrem-se, então, as portas para proceder à partilha dos bens que faziam parte do acervo do casal. 33- É esta a finalidade do inventário após divórcio. 34- Assim, no processo de inventário após divórcio, salvo melhor entendimento, ao cabeça de casal incumbe apresentar uma relação de bens, onde indicará os bens que deverão ser relacionados para serem objeto da partilha. 35- Assim, cabe-lhe, então, relacionar todos os bens comuns, de acordo com o regime da comunhão de adquiridos, as dívidas a terceiros que onerem o património comum, os créditos do património comum, as dívidas entre cônjuges, bem como as compensações de patrimónios. 36- Prosseguindo o processo de inventário na operação da liquidação, após se relacionarem os bens comuns nos termos mencionados, avança-se para a correção de desequilíbrios pelo mecanismo das compensações e o pagamento das dívidas. 37- Nos termos do nº 1 do artigo 1689.º do C.C., cada cônjuge recebe os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património. 38- Assim, o cônjuge devedor terá que compensar o património comum pelo enriquecimento obtido no seu património próprio à custa da comunhão – ou seja, por todos os valores de que o património próprio beneficiou à custa do património conjugal. 39- Só depois de se calcular o valor das compensações e das dívidas a terceiros é que obtemos o valor do ativo comum líquido, com vista a passar para a terceira e última operação: a partilha propriamente dita. 40- O processo de inventário em consequência do divórcio, instaurado para partilha do património comum do dissolvido casal, é norteado pelo objetivo de conseguir um equilíbrio no rateio final, ou seja, que nenhum dos ex- cônjuges, após a partilha, fica prejudicado em relação a outro. 41- O inventário em consequência de divórcio não se destina apenas a dividir os bens comuns dos cônjuges, mas também a liquidar definitivamente as responsabilidades entre eles e deles para com terceiros. 42- É na fase da liquidação da comunhão que cada um dos cônjuges deve conferir ao património comum tudo o que lhe deve. 43- O cônjuge devedor deverá compensar nesse momento o património comum pelo enriquecimento obtido no seu património próprio à custa do património comum. 44- No inventário devem ser tratadas todas as questões emergentes da cessação das relações patrimoniais entre os cônjuges com influência na partilha do património comum. 45- Estes autos ainda se encontram num estado precoce, reúnem já toda a prova necessária para que na relação de bens conste o passivo cujo aditamento se requereu, sem que com isso se perturbe o normal decurso do mesmo. 46- Não se vislumbra por isso qualquer impedimento para que o aditamento à relação de bens, atendendo à superveniência do facto, requerido pela recorrente não fosse e não seja admitido. 47- Acresce que sendo no processo de inventário o processo próprio para dirimir todas as questões entre os cônjuges, poderá a recorrente ficar definitivamente impedida de solucionar a mesma nos meios comuns, já que nem para tal o tribunal a quo remeteu. 48- É pacífico que nos termos do artigo 1691.º, n.º 1, alínea a), do código civil se ambos os cônjuges, no decurso do casamento, contraem um empréstimo, a obrigação de reembolso de tal empréstimo responsabiliza ambos os cônjuges. se um dos cônjuges suporta essa dívida tem direito a ver reposto no seu património o que pagou em excesso em benefício do património comum; é uma típica dívida de compensação. ora se o cônjuge se obrigou ao seu pagamento, com bens próprios e o não fez, deve igualmente tal quantia ao património comum. 49- Os créditos reclamados pela recorrente, resultantes da falta de pagamento de dividas após terminarem as relações pessoais e patrimoniais entre os cônjuges, e expressamente acordados em sede de divórcio, homologado por sentença transitada em julgado, devem ser, igualmente, considerados na partilha. 50- Com fundamento nas razões aduzidas entende a recorrente que deve ser revogado o despacho ora posto em crise na parte em que decide pelo indeferimento do aditamento à relação de bens do direito de crédito que o património comum detém sobre o recorrido/cabeça de casal substituindo-o, nessa parte, por decisão que reconheça a retidão da inclusão de tal crédito na relação de bens. 51- Cremos que a Meritíssima Juiz a quo devia ter permitido o requerido aditamento. 52- Pelo que, por erro de interpretação e aplicação, violou a decisão recorrida os preceitos legais supracitados e demais disposições legais citadas no presente recurso. 53- Nestes termos e melhores de direito, que v. exas. suprirão, deverá o presente recurso proceder, e em advinda consequência, ser revogada a decisão recorrida, com os necessários efeitos legais. Assim decidindo farão vossa ex.ªs a tão almejada, Justiça”
* Foram interpostas contra-alegações pelo cabeça-de-casal, delas decorrendo o seguinte: “IV – Em conclusão: A - O douto despacho recorrido é insuscetível de reparo e prima pela sua justeza e pela sua completa e concludente fundamentação; B - Não surte dúvida que o despacho recorrido é espelho de uma correta aplicação do direito ao caso sub iudice, e que nele se interpretaram, se subsumiram corretamente e se respeitaram todos os princípios constitucionais, civis e processuais aplicáveis; C – Não é legalmente admissível no novo regime do inventario, na redação dada pela Lei 117/2019 de 13 de Setembro, alterar a relação de bens, após decorrido o prazo de apresentação de reclamação sem o acordo de todos os intervenientes processuais; D - A pretensão da recorrente, a ser deferida constituiria uma clara violação do Princípio da concentração da defesa aplicável à contestação, princípio esse consagrado no artigo 573.º do CPC, na realidade o direito a aditar qualquer verba na relação de bens já havia precludido na esfera jurídica da interessada/ora recorrente; E - A superveniência de fatos ou de meios de prova, reveste uma índole objetiva e subjetiva – a parte não poder invocar como novos, factos que já tinha conhecimento desde Abril de 2020, encontrando-se portanto, objetiva e subjetivamente habilitada - desde meados de 2020 – a requerer no inventario o que entendesse por conveniente à defesa dos seus interesses, mais se dirá que a própria recorrente confessa nos autos que se opôs ao pedido de moratória apresentado nesse ano (2020) pelo ora recorrido, fazendo assim ela própria cair por terra a sua pretensão de invocação DE SUPERVENIENCIA! F – Contudo dir-se-á que não está vedada a apresentação de articulados supervenientes, no âmbito do presente incidente de reclamação à relação de bens, impondo-se, porém, que tal introdução respeite a novos factos que objetiva e subjetivamente não estivessem no alcance, disponibilidade e conhecimento de quem agora os invoca como supervenientes, MAS sendo inequívoco que deles conhecia desde 2020. G - O Douto Despacho recorrido não viola nem interpreta menos corretamente qualquer preceito legal. NESTES TERMOS, NOS MELHORES DE DIREITO, E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE VOSSAS EXCELÊNCIAS, DEVERÁ NEGAR-SE PROVIMENTO AO RECURSO, DECIDINDO-SE PELA MANUTENÇÃO, NA ÍNTEGRA, DO DOUTO DESPACHO RECORRIDO, ASSIM SE FAZENDO JUSTIÇA.”
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QUESTÕES A DECIDIR Nos termos dos artigos 635º, nº4 e 639º, nº1, do Código de Processo Civil, as conclusões delimitam a esfera de atuação do tribunal ad quem, exercendo um função semelhante à do pedido na petição inicial.[1] Esta limitação objetiva da atuação do Tribunal da Relação não ocorre em sede da qualificação jurídica dos factos ou relativamente a questões de conhecimento oficioso, desde que o processo contenha os elementos suficientes a tal conhecimento (cf. Artigo 5º, nº3, do Código de Processo Civil). Também não pode este Tribunal conhecer de questões novas que não tenham sido anteriormente apreciadas porquanto, por natureza, os recursos destinam-se apenas a reapreciar decisões proferidas. As questões a decidir consistem em apurar: -se o requerimento para aditamento de novas verbas apresentado pela interessada, deve ser admitido por superveniência nos termos gerais previstos no artº 588 do C.P.C; -se devem ser aditadas estas verbas.
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FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A matéria de facto a considerar para decisão da presente questão resulta do relatório elaborado e dos seguintes factos: 1-Nos autos de divórcio a este apenso, em conferência de interessados de 15/01/2018, foi acordado pelos ex-cônjuges o seguinte: “A utilização da casa de morada de família, bem como da fracção autónoma utilizada para escritório, fica atribuída ao requerente marido até efectivação da partilha, ficando o mesmo responsável pelos pagamentos inerentes aos imóveis, tais como créditos hipotecários, consumos correntes, impostos relativos ao imóvel e seguros, sem direito de regresso.” 2- Este acordo foi homologado por sentença nessa mesma data e decretado o divórcio entre os cônjuges BB e AA. 3-Integra o património comum dos ex-cônjuges o seguinte imóvel: -Prédio misto, composto por terra de sequeiro e casa de palheiro, casa de rés-do-chão, sito à Rua ..., da união de freguesias ... e ..., descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o número ...81-..., inscrita na matriz predial urbana daquela freguesia sob o artigo ...17 e rústica ...31. 3-Os ex-cônjuges contraíram junto do Banco Santander Totta, S.A, dois créditos: -um Crédito à Habitação Própria e Permanente para construção da habitação descrita na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...81, decorrente do contrato de empréstimo nº ...96; -um crédito denominado Multifunções, para complemento de obrigações contratuais com a construção da casa de habitação acima identificada, decorrente do contrato de empréstimo nº ...96; 4-Os empréstimos n.ºs ...96 e ...96 beneficiaram da moratória Santander no período compreendido entre 1 de Março de 2020 e 30 de Março de 2021, solicitado pelo cabeça-de-casal. 5-Caso os empréstimos não tivessem beneficiado da aludida moratória, deveria ter sido liquidado o montante global de € 6.796,91 (seis mil, setecentos e noventa e seis euros e noventa e um cêntims), nesse período, assim discriminado: - empréstimo n.º ...96 – € 5.588,67 (cinco mil, quinhentos e oitenta e oito euros e sessenta e sete euros) - empréstimo n.º...96 – € 1.208,24 (mil, duzentos e oito euros e vinte e quatro cêntimos). 6- As prestações do empréstimo n.º ...96 deixaram de ser pagas a partir da prestação vencida em 05 de Abril de 2021 e a do empréstimo n.º...96, a partir de 30 de Abril de 2021, encontrando-se em dívida, nessas datas, o montante de capital de € 152.258,38 (cento e cinquenta e dois mil, duzentos e cinquenta e oito euros e trinta e oito cêntimos), quanto ao empréstimo n.º ...96, e € 45.489,23 (quarenta e cinco mil, quatrocentos e oitenta e nove euros e vinte e três cêntimos), quanto ao empréstimo n.º...96. 7-Por requerimento de 02/06/2022, o Banco Santander reclamou o pagamento imediato nos autos das seguintes quantias: “A) empréstimo n.º ...96: - Capital - € 6.676,94 (seis mil, seiscentos e setenta e seis euros e noventa e quatro cêntimos); - Juros - € 1.332,49 (mil, trezentos e trinta e dois euros e quarenta e nove cêntimos); - Mora - € 67,39 (sessenta e sete euros e trinta e nove cêntimos); - Total - € 8.032,53 (oito mil, trinta e dois euros e cinquenta e três cêntimos). B) empréstimo n.º...96: - Capital - € 1.467,83 (mil, quatrocentos e sessenta e sete euros e oitenta e três cêntimos); - Juros - € 1.646,74 (mil, seiscentos e quarenta e seis euros e setenta e quatro cêntimos); -Impostos - € 64,49 (sessenta e quatro euros e quarenta e nove cêntimos); - Mora - € 34,95 (trinta e quatro euros e noventa e cinco cêntimos); - Total - € 3.202,16 (três mil, duzentos e dois euros e dezasseis cêntimos). 3.º Para além do capital actualmente em dívida no montante de € 197.747,61 (cento e noventa e sete mil, setecentos e quarenta e sete euros e sessenta e um cêntimos), são devidos: a) Juros vencidos sobre o capital em dívida, às taxas contratualmente fixadas de 0,721%, quanto ao empréstimo n.º ...96, e 3,079%, quanto empréstimo n.º...96, desde 05.04.2021 e 30.04.2021, no valor de € 6.550,29 e € 3.007,73, respectivamente, o que perfaz um total de € 9.558,02 (nove mil, quinhentos e cinquenta e oito euros e dois cêntimos); b) Imposto de Selo sobre os referidos juros, calculado à taxa de 4% (Artigo 17.2.1. da Tabela Geral do Imposto de Selo), e que importa, nesta data, em € 382,32 (trezentos e oitenta e dois euros e trinta e dois cêntimos); c) Despesas judiciais e extrajudiciais, no valor de € 7.120,00 e € 2.000,00 – conforme doc. n.º 1 e doc. n.º 2, juntos com o requerimento datado de 12 de Abril de 2019; d) iguais juros às taxas contratuais supra identificadas para cada um dos contratos, acrescidas de 3% a título de cláusula penal, e taxa de Imposto de Selo de 4% vincendos até efectivo e integral pagamento. 4.º Assim, nesta data, os mutuários são devedores, do Reclamante, da quantia de € 216.807,95 (duzentos e dezasseis mil, oitocentos e sete euros e noventa e cinco cêntimos)”
*** FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Insurge-se a apelante contra o despacho que indeferiu a reclamação por si apresentada requerendo o aditamento de duas novas verbas não relacionadas pelo cabeça-de-casal, alegando em suma que estas verbas decorrem da violação do acordo, homologado por sentença de divórcio, do qual resultou a obrigação “inter partes” do cabeça-de-casal de proceder ao pagamento do crédito hipotecário até à partilha sem direito de regresso, resultando uma dívida para o património comum do incumprimento dessa obrigação e que estes factos são supervenientes ao termo do prazo para reclamação de bens. O requerimento para aditamento de duas novas verbas apresentado pela interessada ora recorrente não foi admitido pelo tribunal a quo, por entender tratar-se de uma nova reclamação à relação de bens apresentada, não admissível e por decorrido o prazo para reclamar, previsto no artº 1104, nº1, d) do C.P.C. Contrapõe a recorrente que o aditamento de duas novas verbas se justifica por a dívida do cabeça-de-casal que ora se pretende relacionar ser superveniente à fase para reclamação de bens e por em qualquer caso ser necessária à operação de liquidação e justa composição dos quinhões na partilha, beneficiando o cabeça-de-casal da fruição de património comum, sem nada pagar ao outro titular deste património e sem cumprir o acordo outorgado na acção de divórcio. Decidindo: Resulta do disposto no artº 1104, nº1, al, d) do C.P.C. (na redacção introduzido pela Lei 117/2019 de 13 de Setembro, aplicável aos autos em apreço) que requerido o inventário com indicação dos elementos referidos no nº2 do artº 1097 e com junção dos documentos referidos no nº3, incluindo a relação dos bens sujeitos a inventário e dos créditos e das dívidas da herança ou do património comum, citados os interessados diretos na partilha, estes podem, no prazo de 30 dias a contar da sua citação, opor-se ao inventário, impugnar a legitimidade dos interessados ou a competência do cabeça-de-casal, apresentar reclamação à relação de bens apresentada pelo requerente do inventário ou pelo cabeça-de-casal (nos termos dos artsº 1097, nº2, al. c) e 1099, al. c) do C.P.C.) e impugnar os créditos e as dívidas da herança ou do património comum. Na reclamação à relação de bens a apresentar, pode o reclamante invocar a insuficiência ou o excesso dos bens relacionados, a inexactidão da sua descrição, ou o valor que lhes foi atribuído. Prevê-se neste preceito legal, ao contrário do que ocorria no âmbito do anterior Regime Jurídico do Processo de Inventário (artº 30) e nos artºs 1343 e 1348 do anterior C.P.C. (até à alteração introduzida pela Lei nº 23/2013 de 05/03) um prazo único de 30 dias para os interessados directos na partilha, deduzirem todos os meios de defesa ao inventário, impugnarem os créditos e as dívidas da herança ou deduzirem reclamação à relação de bens apresentada. O decurso deste prazo que, ao contrário do previsto na acção declarativa (cfr. artº 569 nº2 do C.P.C.) corre autonomamente para cada interessado, preclude este direito de oposição e conduz à estabilização no processo dos elementos elencados na fase dos articulados. Preclude, ainda, o direito de qualquer interessado apresentar reclamação à relação de bens apresentada pelo cabeça-de-casal ou impugnar os créditos a as dívidas da herança. Trata-se de alteração relevante introduzida pela Lei nº 117/2019 ao anterior regime de inventário. Ao definir fases perfeitamente delimitadas no processo de inventário visou evitar que, à semelhança do que ocorria no âmbito do artº 1048 do anterior C.P.C., se pudessem dissociar as fases de oposição ao inventário da fase de reclamação da relação de bens, dissociação que permitia a possibilidade que resultava do nº 6 deste preceito legal de a reclamação de bens poder ser apresentada findo o prazo concedido aos interessados (10 dias após a notificação da relação de bens, cfr. resultava do seu nº1), a qualquer altura e ainda que já proferido despacho determinativo da forma de partilha, com a única cominação de o interessado ser sujeito a multa, “excepto se demonstrar que a não pôde oferecer no momento próprio, por facto que não lhe é imputável”. Conforme assinala o Ac. do STJ de 24/09/2020[2] , esta expressão “posteriormente” significava “que a reclamação de bens “pode ser apresentada a “qualquer altura”, daí que as reclamações contra a relação de bens podem sempre ter lugar até ao trânsito em julgado da sentença homologatória da partilha, em homenagem ao princípio da verdade material, que em processo de inventário chega ao extremo de conduzir à possibilidade de emenda ou de anulação da partilha mesmo depois do trânsito em julgado da respetiva sentença homologatória.”[3] O legislador reconhecendo que esta possibilidade introduzia um elemento acrescido de mora na partilha dos bens e de indefinição dos bens a partilhar veio, por intermédio deste diploma, concentrar a fase das reclamações no âmbito da oposição ao inventário. Conforme refere Teixeira de Sousa et all[4], “este ónus de concentração das reclamações contra a relação de bens no âmbito da oposição ao inventário é a consequência de a fase inicial do processo se não encerrar sem que se mostre apresentada pelo cabeça-de-casal a relação de bens.” e sem que se definam os bens a partilhar. Nestes termos, decorrido o prazo previsto no artº 1104, nº1, do C.P.C. e decidida a reclamação apresentada, apenas por via da partilha adicional ou da rectificação da partilha se poderia vir aditar bens não partilhados ou rectificar bens indevidamente partilhados.[5] No entanto, a preclusão do direito de apresentar reclamação de bens, não impede a possibilidade de vir ainda a ser apresentada esta reclamação, com fundamento em superveniência objectiva ou subjectiva, nos termos previstos no artº 588 do C.P.C., quer porque os factos que fundamentam essa reclamação são supervenientes, quer porque não o sendo, o interessado apenas teve conhecimento destes factos depois de decorrido o prazo para apresentar reclamação à relação de bens,[6] mas sempre tendo como limite temporal o do encerramento da discussão, no caso em apreço o da sentença homologatória da partilha. É precisamente essa superveniência que é invocada e a este respeito tem a apelante inteira razão. Os factos constitutivos da invocada dívida do cabeça-de-casal ao património comum, ou seja, o incumprimento pelo cabeça-de-casal do acordo celebrado com a recorrente com o consequente avolumar da dívida que onera o património comum, ocorreram após o termo do prazo para apresentar reclamação à relação de bens, sendo assim factos supervenientes. Não tendo existido ainda decisão homologatória da partilha, sequer conferência de interessados, não se verificam nenhum dos obstáculos à invocação de factos supervenientes constantes do artº 588 nº1 e 2 do C.P.C. Acresce que estes factos que ora se invocam, não são irrelevantes para partilha do património comum dos cônjuges que é constituído não só pelos bens sujeitos a partilhar, mas também pelas dívidas que oneram este património ou um determinado bem do património, como é o caso do crédito hipotecário, ora invocado, tendo em conta o direito conferido a este credor de se fazer pagar pelo valor da coisa hipotecada, com preferência dos demais credores (cfr. artº 686 do C.C.) e o direito de exigir no inventário, o imediato pagamento das dívidas que se mostrem vencidas e não pagas, conferido por via do disposto no artº 1106, nº 5 do C.P.C. Não sendo o crédito hipotecário pago em data anterior à partilha e não sendo remidos os direitos de terceiro, conforme previsto no artº 2099 do C.C., resulta do disposto no artº 2100, nº1 do C.C., aplicável ex vi do artº 1788 do mesmo diploma legal que, entrando os bens onerados na partilha, o crédito hipotecário é descontado do valor do bem e será suportado exclusivamente pelo adjudicante, sem prejuízo de não se efectuando a remissão existir direito de regresso contra os demais pelo que houver pago. A este respeito, assinalava já Lopes Cardoso[7], que «se a remissão não for exigida ou de outra forma se não convencionou, os bens entram à partilha com esse ónus, descontando-se neles o respectivo valor, e o interessado a quem foram atribuídos os bens suportará exclusivamente a satisfação do encargo (Cód. Civ., art. 2100º-1). Quer isto dizer que se o prédio vale 60.000$00 e sobre ele recai uma hipoteca de 20.000$00, será avaliado em 40.000$00 e com este valor é atribuído ao interessado a quem couber, ficando a seu exclusivo cargo o pagamento da hipoteca. Se não se fizer tal desconto, o interessado que pagar a remissão tem regresso contra os outros pela parte que a cada um tocar, em proporção do seu quinhão; mas em caso de insolvência de algum deles, é a sua parte repartida proporcionalmente (idem, art. 2100º-2). Não deixará, todavia, de considerar-se que a precedente norma é de carácter supletivo;”, podendo os interessados acordar de forma diversa. No entanto, o acordo alcançado entre os interessados no que se reporta ao pagamento do crédito hipotecário, vigora nas relações internas, não sendo oponível nas relações entre esses interessados e o credor, na ausência de um consentimento expresso do credor de transmissão da dívida hipotecária apenas para um dos ex-cônjuges, com exoneração do outro. Conforme refere Ramos Pereira[8] para “que haja transmissão singular de dívida, com eficácia perante o credor, de forma a exonerar o antigo devedor, a lei exige a existência de uma declaração expressa (…) por parte deste em consentir na referida transmissão. (…) Sem essa expressa exoneração, o credor pode exigir o cumprimento da obrigação a qualquer deles, continuando estes como devedores solidários (art.os 512.º e 518.º e ss. CC), sem prejuízo de, posteriormente, um deles exercer o direito de regresso contra o outro, no âmbito exclusivo das relações internas (…).” O que ocorreu nos presentes autos, sendo reclamado pelo credor hipotecário o pagamento imediato da dívida vencida, nos termos previstos no artº 1106 nº5 do C.C., nomeadamente pela venda de bens do património comum, quer do bem onerado com a garantia, tendo em conta o disposto no artº 686 do C.C. e 752 do C.P.C., quer de outros bens, pois que “face ao princípio geral estatuído no art.º 601.º do Código Civil, a hipoteca sobre um certo bem não exclui que, pelo cumprimento da obrigação mutuária, respondam outros bens dos devedores, susceptíveis de penhora, sendo possível e lícita a demanda e a penhora de bens de qualquer ou em conjunto dos ex-cônjuges.” Se assim é em face do credor hipotecário, nas relações internas o acordo homologado pelos ex-cônjuges, nos termos do qual a utilização das fracções sobre as quais incidia o crédito hipotecário era atribuída ao cabeça-de-casal, até à partilha, respondendo este pelo pagamento do crédito hipotecário sem direito de regresso sobre o outro cônjuge, vincula os ex-cônjuges nos seus precisos termos (artº 405, 406 e 762 do C.C.), sendo certo que a sua validade não é posta em causa. Com efeito, se a estipulação destes acordos entre os cônjuges não encontra expressa previsão na lei, é igualmente certo que não viola regra imperativa, nomeadamente a imposta pelo artº 1691, nº1 a) do C.C., pois que perante o credor respondem ambos os cônjuges, o que não impede que nas relações internas estipulem de forma diversa em especial quando um dos cônjuges ficou beneficiado com a utilização do bem onerado com a dívida.[9] Assim se decidiu em Acórdãos da Relação de Lisboa de 24/06/21[10] e de 28/02/2003[11], o primeiro defendendo que o acordo pelo qual um dos cônjuges fica obrigado ao pagamento do crédito hipotecário como contrapartida da utilização da casa de morada da família, deve ser tido em conta “no âmbito da partilha e na consideração de existência ou não de compensação operada nessa altura entre os ex-cônjuges.”, o segundo defendendo que o cônjuge que procedeu ao pagamento integral das prestações do crédito à habitação, como contrapartida da utilização da casa de morada de família, que lhe foi atribuída, não pode pedir a compensação destes valores no inventário. Em ambos os casos é defendida a validade de tais acordos, por celebrados ao abrigo do princípio da autonomia privada e não violarem norma de natureza imperativa. A partilha do património comum dos ex-cônjuges, visa por termo à situação de comunhão, entregando a cada cônjuge os seus bens próprios, atribuindo-lhe a sua meação nos bens comuns, mas conferindo cada um deles, em operação prévia, o que dever à massa comum. Só após ocorrerá a partilha do activo comum líquido que resultar destas operações (artº 1689, nº1 do C.C.) Assim sendo, é na fase de liquidação da comunhão que deve ser apurado o activo e o passivo, pois como se assinala no Ac. do TRL de 24/06/2021 citado, esta “liquidação visa determinar e avaliar a massa a partilhar. É o activo que se partilha, mas, sempre que possível, o activo líquido, deduzindo-se o passivo - as dívidas da comunhão.” Acresce que, em relação às dívidas comuns que responsabilizem ambos os cônjuges, resulta do nº2 deste preceito legal que estas são pagas em primeiro lugar até ao valor do património comum, conferindo o direito ao credor que tenha pago a mais o direito de obter a compensação pelas forças do património comum. Se assim é, o acordo celebrado pelos ex-cônjuges mediante o qual só um deles procederia ao pagamento do empréstimo bancário, como contrapartida da fruição do imóvel até à partilha e sem direito de regresso sobre o outro cônjuge, impede o cônjuge que se obrigou a este pagamento de pedir a compensação do que pagou e o incumprimento deste acordo constitui um enriquecimento do património próprio deste cônjuge, à custa do património comum (constituído pelos bens a partilhar e pelas dívidas e créditos deste património) na medida do valor das prestações vencidas e não pagas e correspondentes juros e outras quantias devidas ao credor hipotecário e constitui o cônjuge incumpridor na obrigação de compensar o património comum (pois que constitui em bom rigor, um crédito deste património e não do outro cônjuge), na fase da liquidação da comunhão, pelo valor correspondente às quantias referentes às prestações do crédito hipotecário que se vinculou a pagar e que não pagou, até à data da partilha do imóvel, acrescidas dos juros e outras quantias legalmente devidas. E este incumprimento abarca não só o efectivo não pagamento das prestações vencidas como as que deveriam ter sido pagas no período de moratória e o não foram. A moratória bancária mais não é do que deferir o pagamento das prestações para o futuro, repercutindo-as afinal no património comum em vez de no património próprio do cônjuge obrigado, em violação do acordo alcançado entre as partes. Com efeito, conforme se refere em Ac. do TRP de 17/06/2019[12], “na fase da liquidação da comunhão, cada um dos cônjuges deve conferir ao património comum tudo o que lhe deve. O cônjuge devedor deverá compensar, nesse momento, o património comum pelo enriquecimento obtido no seu património próprio à custa do património comum. Uma vez apurada a existência de compensação a efectuar à comunhão, procede-se ao seu pagamento através da imputação do seu valor actualizado na meação do cônjuge devedor, que assim receberá menos nos bens comuns, ou na falta destes, mediante bens próprios do cônjuge devedor de forma a completar a massa comum. É verdade que não há uma norma legal que expressamente contemple a espécie sujeita. Deve, contudo, admitir-se um princípio geral que obriga às compensações entre os patrimónios próprios dos cônjuges e a massa patrimonial comum sempre que um deles, no momento da partilha, se encontre enriquecido em detrimento do outro. Caso contrário, verificar-se-ia um enriquecimento injusto da comunhão à custa do património de um dos cônjuges ou de um dos cônjuges à custa do património comum.” Procede assim a apelação, revogando-se o despacho proferido e ordenando que seja substituído por outro que admitindo o articulado superveniente apresentado, ordene o aditamento das aludidas verbas. *
DECISÃO Custas pelo apelado que se fixam em 2 UC. (artº 527 nº1 do C.P.C. e 7 do RCP) * Coimbra 30/05/23 [1] Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2013, pp. 84-85. [2] Proferido no proc. nº 3860/10.3TJCBR-B.C1.S1, de que foi relator Oliveira Abreu. [3] No sentido de que o direito de reclamar, preclude após decisão do incidente de reclamação, transitada em julgado, vide Ac. do TRG de 07/01/2016, proferido no proc. nº 252/11.0TBTML-B.G1, de que foi relatora Maria Luísa Ramos, segundo o qual “reportando-se o n.º 6 do artigo 1348º do Código de Processo Civil, a novas reclamações contra a relação de bens, ainda não deduzidas, nem decididas, pois que não sendo o prazo estabelecido no n.º1 do art.º 1348º do Código de Processo Civil preclusivo do direito de reclamar atento o disposto no n.º 6 do indicado artigo, já o será a faculdade de reclamar após decisão do incidente transitada em julgado.” [4] TEIXEIRA DE SOUSA, Miguel, LOPES DO REGO, Carlos, ABRANTES GERALDES, António e TORRES, Pedro Pinheiro, O Novo Regime do Processo de Inventário e Outras Alterações na Legislação Processual Civil, Almedina 2020, pág. 81. [5] No sentido de poder ser suscitado nos autos por qualquer interessado, “o erro na descrição ou qualificação dos bens ou qualquer outro erro suscetível de viciar a vontade das partes, (…) independentemente do acordo dos restantes, depois de esgotado o prazo previsto no art.º 1104.º, do C. P. Civil, antes da emenda à partilha prevista no art.º 1126.º, do C. P. Civil, seguindo a forma processual dos incidentes da instância, por aplicação por analogia do disposto neste art.º 1126.º, do C. P. Civil.,” vide o Ac. do TRL de 26/05/2022, de que foi relator Orlando Nascimento, proferido no proc. nº 17/21.1T8SCF.L1-2. [6] Neste sentido vide Ac. desta Relação de 10/01/2023, proferido no proc. nº 1001/21.0T8PBL.C1, de que foi relatora Maria João Areias, no qual se defende que “Com a reforma da Lei 117/2019, prevendo o artigo 1104º um prazo único de 30 dias para a dedução de contestação ao requerimento inicial do inventário e para o articulado apresentado pelo cabeça de casal nos termos do art. 1102º, e eliminada a norma que permitia que as reclamações contra a relação de bens fossem apresentadas posteriormente, decorrido aquele prazo de 30 dias, precludida fica a faculdade de apresentar reclamação contra a relação de bens. II – Ressalvada a possibilidade de partilha adicional a que se reporta o artigo 1129º CPC, e sob pena de perturbações na marcha do processo de inventário, que o legislador pretendeu expressamente evitar, a possibilidade de reclamação posterior encontrar-se-á sujeita às regras gerais do processo, pela via de articulado superveniente a que se reporta o artigo 588º do CPC, ou seja, em caso de superveniência subjetiva ou objetiva.” No mesmo sentido vide ainda Ac. do TRG de 22/09/2022 proferido no proc. nº 5044/20.3T8BRG-B.G1, de que foi relator Pedro Maurício. |