Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
341/08.9TBOFR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS CRAVO
Descritores: VENDA POR NEGOCIAÇÃO PARTICULAR
Data do Acordão: 03/08/2022
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGO 821.º, N.º 3 DO CPC
Sumário: No âmbito da venda por negociação particular, invocando a executada, a quem havia sido concedida o prazo de 15 dias para apresentar uma proposta de compra do bem a vender por um preço superior ao indicado pelo agente de execução, que não conseguiu obter tal proposta dentro do mencionado prazo devido à situação de confinamento e à sua idade (75 anos), justificava-se a concessão de um prazo suplementar de 15 dias para a obtenção de tal proposta.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]                                                                                    *

1 – RELATÓRIO

No decurso dos autos de Execução comum que “C... CRL” instaurou no ano de 2008 a AA (...) e OUTROS, todos melhor identificados nos autos, foi em 12.05.2011 lavrado auto de penhora de bens imóveis da co-Executada BB, no qual figurou como verba nº6 o seguinte:

«Prédio rústico denominado Quinta ..., sito em ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 1460 m2, inscrito na Matriz Predial Rústica sob o n.º ...85 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...77; valor: € 100,00.»

                                                                                              *

            No prosseguimento da execução, optou-se pela venda por abertura de propostas em carta fechada quanto a um conjunto de bens imóveis penhorados, sendo que mais concretamente a venda desse imóvel foi anunciada mediante proposta em carta fechada em 15/02/2017, referindo-se o valor base de € 6 900,00 e como valor da venda € 5 865,00.

                                                                       *

Realizada a diligência de abertura de propostas, em 21/03/2017, para este bem em concreto, não foi apresentada qualquer proposta, pelo que se determinou, ao abrigo do disposto nos arts. 822º e 832º, al.d) do n.C.P.Civil que se procedesse à venda do referido imóvel por negociação particular..

                                                           *

No âmbito da venda por negociação particular, a primeira proposta obtida foi de € 150,00, conforme notificação do sr. AE de 07/06/2017, sendo que todos os interessados (exequente, executados e credor reclamante ATA) se opuseram à venda por tal valor ser considerado baixo.

                                                           *

Em 12/06/2018, o sr. AE informou que havia uma proposta para aquisição daquele prédio rústico pelo valor de € 200,00, sendo que novamente todas as partes se opuseram à venda por considerarem o valor baixo.

                                                           *

Em 04-02-2020 o sr. AE informou que a melhor proposta obtida pelo referido imóvel era de € 900,00, mas quer a co-Executada BB, quer o credor reclamante ATA opuseram-se à venda com o argumento do valor ser baixo (aceitar-se a venda do referido bem seria por € 0,6/m2).

                                                           *

Em 07/12/2020 foi a co-Executada BB notificada do requerimento apresentado pelo sr. AE em 17/11/2020, cuja proposta para aquisição do prédio rústico em referência era de € 1 000,00, bem como do seguinte despacho:

«Notifique todos os interessados na venda (exequente, executados e credores reclamantes), para, em 10 dias, informarem se dão o seu acordo a que a venda se faça pelos valores ali consignados, sendo certo que, caso nada seja informado nesse prazo, se aceitarão essas propostas de aquisição, ponderando a antiguidade dos autos e o interesse que o mercado manifesta relativamente a tais bens».

Novamente quer a co-Executada BB quer o credor reclamante ATA se opuseram à venda por tal montante, por o considerarem baixo (aceitar-se tal valor estava-se a permitir a venda por € 0,68/m2).

                                                           *

A co-executada BB, em 21/12/2021, requereu o seguinte:

«(…) Se, porventura, for o caso, o Tribunal entender que o valor dos bens se encontram sobrevalorizados atenta a data de avaliação dos mesmo e a actual crise financeira, deve mandar reavaliar os mesmos.»

O Tribunal face à posição assumida por esta co-Executada, por despacho de 18/01/2021, concedeu à mesma 30 dias para esta apresentar melhor proposta.

                                                           *

Por requerimento de 05/05/2021, a dita co-Executada alegou, por um lado, o estado de emergência/confinamento geral em que Portugal esteve mergulhado nos meses de Janeiro a Abril, e, por outro lado, que dado a idade avançada da mesma – 75 anos - não lhe fora possível conseguir um proponente para todos os bens referidos no requerimento de 17/11/2020 do sr. AE, nomeadamente, não conseguira para o bem imóvel em referência.

Tendo solicitado, mais 15 dias para o fazer.

                                                           *

Prazo este que a Exma. Juiz de 1ª instância não concedeu, tendo ordenado a venda pelo valor de € 1 000,00, através do seguinte concreto despacho:

«Requerimento com a referência n.º ...:

Notifique o Exmo. Sr. Agente de Execução do seu teor para que possa diligenciar pela venda com consideração das propostas obtidas pela Executada, conforme infra se decidirá.

No mais, vai indeferido o pedido de prorrogação de prazo para conseguir obter melhores propostas de aquisição para a aludida verba, dado que, conforme salienta o exequente, a presente execução não se poderá continuar a eternizar e a venda por negociação particular decorre há mais de três anos.

*

Requerimento de 17.11.2020 apresentado pelo Exmo. Sr. Agente de Execução para venda dos seguintes bens:

i. Prédio rústico denominado Quinta ..., sito em ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 1460 m2, inscrito na Matriz Predial Rústica sob o n.º ...85 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...77...: 1.000,00€ (Mil euros);

ii. Prédio rústico, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 1100 m2, inscrito na Matriz Predial Rústica sob o n.º ...81 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...56...: 250,00€ (Duzentos e cinquenta euros);

iii. Prédio rústico, sito em ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 1000 m2, inscrito na Matriz Predial Rústica sob o n.º ...43 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...57. PROPOSTA: 250,00€ (Duzentos e cinquenta euros);

iv. Prédio urbano - 1.º andar Esq.- destinado a habitação, sito na freguesia ..., concelho ..., Fracção  ..., inscrito na Matriz respectiva sob o art. ...03... e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...38.... PROPOSTA: 56.250,00€ (Cinquenta e seis mil e duzentos e cinquenta euros);

No caso em apreço o Exm.(a) Sr.(a) Agente de Execução veio informar os autos que, decorrendo a venda por negociação particular há mais de três anos, existem propostas de aquisição dos imóveis por valor inferior a 85% do valor base dos bens.

A lei já admite, no âmbito da venda por negociação particular, que esse valor não seja respeitado no caso de acordo unânime entre executado, exequente e credores reclamantes; e fora das situações do artigo 832º, alíneas a) e b) do Código Processo Civil, como a lei nada diz, é possível a aplicação do disposto no artigo 821º, n.º 3 do Código Processo Civil.

No caso, quer o credor reclamante ATA, quer a Executada, têm vindo a opor-se a que a venda se faça pelo valor das propostas existentes.

Pois bem, o processo executivo não pode ser eternizado desde que sejam garantidos os interesses de todas as partes.

Havendo acordo de todos os interessados é possível a venda por preço inferior ao valor base, inclusive sem intervenção do juiz; inexistindo esse acordo unânime só é possível vender o bem por preço inferior mediante autorização judicial.

Nesta última hipótese, cabe ao juiz baixar o valor base, ponderando o período de tempo já decorrido com a realização da venda, a evolução da conjuntura económica, as potencialidades de venda do bem e o interesse manifestado pelo mercado.

A acção executiva foi intentada em 2008. A venda dos imóveis por propostas em carta fechada foi realizada em 21.03.2017. Tal venda frustrou-se por ausência de propostas.

Desde então os imóveis foram postos em venda por negociação particular sendo que as melhores propostas de aquisição são as indicadas pela Executada no requerimento com a referência n.º ..., para os prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial ... sob o nº ...56 e sob o n.º ...57, e para os demais as propostas de aquisição indicadas pelo Exmo. Sr. Agente de Execução.

Nestas circunstâncias, o preço oferecido, apesar de inferior a 85% do valor base fixado, não é desadequado, considerando, por um lado, o respectivo valor matricial dos imóveis e, por outro lado, a natural depreciação que o urbano sofre em consequência do decurso do tempo, sendo certo que a fracção autónoma em causa se insere num prédio constituído em propriedade horizontal em 1980, não tendo despertado interesse comercial compatível com o valor base que lhe estava fixado.

Acresce que esta execução corre termos há 13 anos e corre o risco de se eternizar.

Destarte, decide-se autorizar a venda dos imóveis descritos em i.a iv.pelos preços correspondentes aos das maiores propostas apresentadas.

(…)»

                                                           *

Inconformada com essa decisão, apresentou a co-Executada BB recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:

«1ª/ Foi ordenada a venda do prédio rústico denominado Quinta ..., sito em ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 1460 m2, inscrito na Matriz Predial Rústica sob o n.º ...85 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...77...: 1.000,00€ (Mil euros);

2ª/ Em 15/02/2017 este bem foi posto à venda por proposta em carta fechada tendo sido indicado o valor base € 6.900,00 e como valor de venda € 5 865,00.

3ª/ Realizada a diligência de abertura de propostas, não foi apresentada qualquer proposta para este imóvel.

4ª/ Imediatamente passou-se à venda por negociação particular, tendo a primeira proposta apresentada sido de €150,00.

5ª/ Este valor foi objecto de sucessivas novas propostas, tendo-se chegado à proposta de € 1000,00 tal como o referido no requerimento do sr. AE de 17-11-2020, notificado às partes em 09-12-2020.

6ª/ No entanto tal valor é muito inferior quer ao real valor de mercado, quer ao valor base.

7ª/ A executada /recorrente e o credor reclamante ATA opuseram-se a que a venda fosse feita por tal valor.

8º/ Solicitou ainda a recorrente nova avaliação aos bens identificados no referido requerimento

9ª/ O Tribunal recorrido concedeu prazo de 30 (trinta) à executada para esta indicar novos proponentes.

10ª/ Esta conseguiu indicar um proponente para os outros bens referidos no requerimento de 17-11-2020 e solicitou prazo de 15 dias para indicar um proponente para a aquisição do prédio referido na 1ª/ conclusão, uma vez o estado de emergência e confinamento obrigatório ocorrido entre Janeiro e Abril de 2021.

11ª/ A executada já conseguiu um proponente para a aquisição deste prédio , cujo valor já se aproxima do valor base do mesmo, sendo certo que, obviamente não o indicou ao processo atento o despacho de que se recorre.

12ª/ A recorrente não é alheia a que o Tribunal pode autorizar a venda de um bem, na modalidade de negociação particular , por uma valor inferior a 85% do valor base.

13ª/ O Tribunal só pode autorizar a venda por um preço inferior ao anunciado para a venda, depois de analisados os interesses de todos os intervenientes, mormente executados e demais credores, e terá que resultar , caso a caso, da ponderação de diversos factores , nomeadamente o período de tempo já decorrido com a realização da venda, a forma como a conjuntura económica evolui, as qualidades do bem e consequentes potencialidades da sua venda, interesse manifestado pelo mercado, a eventual desvalorização sofrida , valores de mercado na zona, entre outros.

14ª/ O prédio rústico não desvaloriza, muito pelo contrário, actualmente, face à maior procura, está a valorizar.

15ª/ A conceção de 15 dias de prazo não iria atrasar, o processo executivo, nem o bem iria desvalorizar de tal forma que se correria o risco de ser vendido por valor inferior.

16ª/ O Tribunal recorrido ao ter decidido ordenar a venda pelo valor de € 1 000,00, e não ter concedido o prazo ( meros 15 dias) , nem ter ordenado nova avaliação ao(s) bem(ns), como requerido prejudicou todos os intervenientes neste processo executivo.

17ª/ Deve, assim, o douto despacho ser revogado , no sentido de que não se proceda à venda do prédio rústico denominado Quinta ..., sito em ..., freguesia ..., concelho ..., com a área de 1460 m2, inscrito na Matriz Predial Rústica sob o n.º ...85 e descrito na Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...77...: 1.000,00€ (Mil euros) e ser concedido prazo à recorrente para apresentar novo proponente.

18ª/ Consigna-se para efeitos do disposto no artº. 639º do C.P.Civil , foi violado entre outros o disposto nos arts .816, nº 2 do mesmo diploma legal.

JUSTIÇA.»

                                                           *

Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações.

                                                           *

Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir.

                                                           *

2 - QUESTÕES A DECIDIR: o âmbito do recurso encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – arts. 635º, nº4 e 639º do n.C.P.Civil – e, por via disso, a questão a decidir consiste em saber se, ao invés de ter sido autorizada a venda de um bem pelo sr. A.E., na modalidade de negociação particular, por um valor bastante inferior ao indicado no artigo 816º, nº 2, do n.C.P.Civil, não deveria antes ter sido deferida à Executada a requerida concessão de 15 dias de prazo para encontrar outro e melhor proponente?

                                                           *

3 - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

Os factos a ter em consideração para a decisão são os que decorrem do relatório supra.

                                                           *

4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Entrando diretamente na apreciação e decisão sobre a questão recursiva, temos que esta consiste basicamente em definir se, ao invés de ter sido autorizada a venda de um bem pelo sr. A.E, na modalidade de negociação particular, por um valor bastante inferior ao indicado no artigo 816º, nº 2, do n.C.P.Civil, não deveria antes ter sido deferida à Executada a requerida concessão de 15 dias de prazo para encontrar outro e melhor proponente.

Rememoremos, antes de mais, o que dispõem as normas mais diretamente em causa.

Consabidamente, o código de processo civil atualmente vigente inicia a regulamentação da venda em processo de execução, na denominada Subsecção VI, Divisão I – Disposições gerais (que, por isso, tendencialmente, se aplicarão a todas as modalidades da venda ali previstas), com o art. 811º, no qual se definem as modalidades da venda permitidas.

Conforme o seu nº1, als. a) e d), entre estas, prevêem-se a venda mediante propostas em carta fechada e a venda por negociação particular.

De referir que no nº 2 deste mesmo dispositivo se estipulam quais as regras previstas para a venda mediante propostas em carta fechada que são aplicáveis às restantes modalidades da venda, designadamente, à venda por negociação particular.

Por outro lado, ainda no âmbito da regulamentação genérica da venda em processo executivo, importa ter em linha de conta o disposto no art. 812º, nos 2 e 3, segundo os quais, se deve indicar o valor base dos bens a vender, que corresponde ao maior no confronto entre o valor patrimonial tributário, nos termos de avaliação efetuada há menos de seis anos e o valor de mercado.

Sendo certo que no âmbito da venda mediante propostas em carta fechada, conforme o art. 816º, nº 2, do n.C.P.Civil, se encontra determinado que o valor a anunciar para a venda é igual a 85% do valor base dos bens.

No caso ajuizado, frustrada que foi a venda mediante propostas em carta fechada, partiu-se para a modalidade da venda por negociação particular, tal como preceituam os arts. 822º e 832º, al.d) do n.C.P.Civil.

Quanto à questão de qual o valor mínimo pela qual a mesma ia ter lugar, não foi tal expressamente fixado, mas importa não olvidar que atento o disposto no já citado art. 812º, nº2, al. b), mesmo no caso de venda por negociação particular, deve ser indicado o valor base dos bens a vender.

Isto não obstante o entendimento de que «As regras relativas à negociação particular não exigem a fixação de preço mínimo, deve esta ser feita de acordo com as regras que regem a venda particular, devendo-se, sempre, ajustar o valor do bem à condição do mercado por forma a potenciar a maior receita possível.»[2]

Como quer que seja, o melhor entendimento neste particular é o de admitir a possibilidade da venda de um bem, por negociação particular, por valor inferior ao referido no já citado art. 816º, nº2, desde que garantidos os interesses das pessoas/entidades indicadas no referido art. 821º, nº 3 do mesmo normativo.

Nesse sentido, já foi doutamente sustentado o seguinte:

«Se o valor-base não for atingido, só por acordo de todos os interessados ou autorização judicial será possível a venda por preço inferior. Embora a lei nada diga, releva do poder jurisdicional a decisão de dispor do bem penhorado, pertença do executado e garantia dos credores, mediante a obtenção de um preço inferior àquele que, de acordo com o resultado das diligências efectuadas pelo agente de execução, corresponde ao valor de mercado do bem; nem faria sentido que, quando o agente de execução é encarregado da venda ou escolha da pessoa que a fará, lhe cabesse baixar o valor-base dos bens, com fundamento na dificuldade em o atingir. O juiz conserva, pois, o poder, que já tinha (…), de autorizar a venda por preço inferior ao valor-base.».[3]

O que bem se compreende.

Na verdade, «Se é certo que, como já referido, nos termos do artigo 812.º, n.º 2, al. b), mesmo no caso de venda por negociação particular, deve ser indicado o valor base dos bens a vender, já não é de transpor para esta modalidade da venda, o que se acha disposto no artigo 816.º, n.º 2.

Efectivamente, como acima, também, já referido, no artigo 811.º, n.º 2, NCPC, em que se determinam quais as normas que visam a venda mediante propostas em carta fechada, que são aplicáveis às demais modalidades da venda, não se prevê a limitação do valor mínimo da venda, a que se alude no supra citado artigo 816.º, n.º 2, sendo certo que se o legislador pretendesse que assim fosse, bastaria ali incluir tal intenção, o que não fez.

E não o terá feito porque a venda por negociação particular é, por regra, uma situação de recurso a que se lança mão depois de frustrada a venda mediante propostas em carta fechada, tal como decorre do disposto no artigo 832.º do NCPC e em que se visa, numa segunda oportunidade, obter a venda do bem.»[4].

Atente-se que «Inexiste impedimento legal que impeça o juiz de, frustrada a venda por proposta em carta fechada, fixar o valor mínimo a levar a efeito por negociação particular abaixo daquele valor base que a lei estipula para a venda por proposta em carta fechada.»[5]

O que tudo serve para dizer que não sendo de desconsiderar na venda por negociação particular o critério e determinante constante do art. 821º, nº3 do n.C.P.Civil para a venda mediante propostas em carta fechada – no qual se estabelece a regra de que só devem ser aceites propostas de valor inferior ao indicado no art. 816º, nº2, desde que exequente, executado e todos os credores com garantia real nisso consintam/acordem – releva decisivamente que a ponderação concreta de tal caberá ao Juiz, naturalmente que numa apreciação casuística.

Dito de outra forma: quando se pretenda efetuar a venda por negociação particular, por valor inferior ao valor base do bem, é necessária a autorização do juiz, com vista a garantir a defesa dos interesses de todos os envolvidos, incluindo o executado e os demais credores e interessados.[6]

Assente isto, cremos que está encontrada a resposta para a nossa interrogação de base.

Com efeito, uma resposta afirmativa a tal pergunta estará diretamente dependente de se poder afirmar que resulta, casuisticamente (isto é, da ponderação dos factores que podem e devem ser convocados na situação ajuizada) a defesa dos interesses de todos os intervenientes e interessados, mormente da aqui co-Executada/recorrente BB e demais credores, ao ser autorizada a venda por um preço bastante inferior ao anunciado para a venda.

Vejamos então se houve desacerto nessa apreciação por parte da Exma. Juíza a quo ao proferir a decisão recorrida.

Em nosso entender – e releve-se o juízo antecipatório – essa resposta é positiva.

Desde logo porque não se nos afigura ajustado o 1º segmento da decisão através do qual se indeferiu a requerida concessão de 15 dias de prazo por parte da co-Executada/recorrente BB tendo em vista encontrar outro e melhor proponente.

É certo que a Execução iniciou os seus termos no ano de 2008, mas à dilação que os autos patenteiam não é estranha a inércia da sr. A.E. inicialmente nomeada [o que determinou a sua substituição no ano de 2012], nem a circunstância de serem vários os executados e imóveis penhorados a cuja venda se intenta proceder, com a dificuldade em obter propostas vantajosas para os mesmos.

O imóvel penhorado à co-Executada/recorrente BB sobre o qual versa o presente recurso é paradigmático dessa situação.

Tendo sido fixado o valor base de € 6 900,00 e como valor da venda € 5 865,00, tal determinou que não houvesse propostas para o mesmo na venda [a qual teve lugar no ano de 2017] mediante propostas em carta fechada pela qual se iniciou a tentativa da sua venda.

Por sua vez, na modalidade de venda por negociação particular que foi a sequência, as propostas iniciais foram sucessivamente de € 150,00 e € 200,00, o que naturalmente determinou a sua não aceitação.

E quando no final do ano de 2020 foi noticiada pelo sr. A.E. uma proposta no valor de € 1 000,00, ainda assim a mesma não foi aceite, designadamente face à posição da co-Executada BB, que a considerou “irrisória”.

O Tribunal face à posição assumida por esta co-Executada, por despacho de 18/01/2021, concedeu à mesma 30 dias para esta apresentar melhor proposta.

Acontece que, por requerimento de 05/05/2021, a dita co-Executada alegando, por um lado, o estado de emergência/confinamento geral em que Portugal esteve mergulhado nos meses de Janeiro a Abril, e, por outro lado, que dado a idade avançada da mesma – 75 anos - não lhe havia sido foi possível conseguir um proponente para todos os bens referidos no requerimento de 17/11/2020 do sr. AE, nomeadamente, não conseguira para o bem imóvel em referência, solicitou mais 15 dias para o fazer, prazo este que a Exma. Juiz a quo não concedeu, tendo ordenado a venda pelo dito valor de € 1 000,00.

Ora, face a este iter processual e estado da venda, não nos parece que a concessão de um prazo suplementar de 15 dias fosse de indeferir.

Se dilação já havia, não era por mais 15 dias que a situação se tornava intolerável.

Por outro lado, estava em causa a co-Executada/recorrente BB conseguir outra e melhor proposta, quando, na verdade, à luz de qualquer critério e objetivamente falando, a proposta de € 1.000,00 que existia era dececionante, e mesmo manifestamente insuficiente/desvantajosa.

Atente-se que ab initio tinha sido fixado o valor base de € 6 900,00 e como valor da venda € 5 865,00.

Estando alegado – e se afigura perfeitamente plausível! – que não ocorreu qualquer depreciação do valor do imóvel neste último período, antes pelo contrário, terá havido alguma valorização até!

            Sendo certo que, para além de ter sido invocada pela co-Executada ora Recorrente a justificativa causa condicionadora, senão mesmo impossibilitante, da pandemia do COVID 19 que então persistia [e ainda persiste!], estava em causa a concessão tão somente de um prazo suplementar, sendo que o prazo de 15 dias requerido é, para este efeito, perfeitamente moderado e equilibrado.

            Acresce que não se vislumbra qualquer risco, designadamente de não se conseguir vender o bem ou de o mesmo vir, ainda, a ser transacionado por um valor inferior ao já existente [dos ditos € 1.000,00], já que a venda por esse valor poderá ser retomada na imediata sequência, sendo disso caso.

Finalmente, agora que já se perspetiva a ultrapassagem da crise epidémica, é de presumir que ocorra o restabelecimento do mercado imobiliário, posto que a pandemia acabou por perturbar os trâmites do seu melhor funcionamento.

Na ponderação de tudo o vindo de dizer, entendemos que a autorização da venda pelo preço noticiado pelo sr. A.E., sem que seja facultada uma última oportunidade de lograr melhor e mais vantajosa proposta, viola os interesses dos demais credores e particularmente desta co-Executada proprietária do bem, não sendo, por isso, de manter a decisão recorrida.

Nestes termos procedendo as alegações recursivas e o recurso.

                                                           *

5 - SÍNTESE CONCLUSIVA

(…)                                                     *

6 - DISPOSITIVO

Pelo exposto, decide-se a final julgar procedente o recurso, assim se revogando a decisão recorrida e ordenando a sua substituição por outra que defira o prazo suplementar de 15 dias à co-Executada BB, tendo em vista esta encontrar melhor e mais vantajosa proposta para a venda do imóvel ajuizado, sobrestando a venda nesse particular por parte do sr. A.E..

Sem custas.

                                                           *

                                                                                   Coimbra, 8 de Março de 2022

Luís Filipe Cravo

          Fernando Monteiro

             Carlos Moreira


[1] Relator: Des. Luís Cravo
  1º Adjunto: Des. Fernando Monteiro
  2º Adjunto: Des. Carlos Moreira
[2] Cf. acórdão do TRC de 26.10.2021, proferido no proc. nº 176/11.1TBNS-A.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[3] Citámos LEBRE DE FREITAS e ARMINDO RIBEIRO MENDES, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 3º, Coimbra Editora, Setembro de 2003, a págs. 601 e 602 [em anotação ao artigo 905º do C.P.Civil, que corresponde ao art. 833º do n.C.P.Civil].
[4] Assim no acórdão do TRC de 16.12.2015, proferido no proc. nº 2650/08.8TBCLD-B.C1, acessível em www.dgsi.pt/jtrc.
[5] Esta a conclusão exarada no acórdão do TRP de 24.09.2015, proferido no proc. nº 1951/12.5TBVNG.P1, acessível em www.dgsi.pt/jtrp.
[6] Neste sentido, vide também o acórdão do TRL de 06.11.2013, proferido no proc. nº 30888/09.3T2SNT.L1-8, igualmente acessível em www.dgsi.pt/jtrl.