Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
19/16.0GTCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: ACUSAÇÃO MANIFESTAMENTE INFUNDADA
(IN)EXISTÊNCIA DE CRIME
QUESTÃO CONTROVERSA
Data do Acordão: 11/09/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (SECÇÃO CRIMINAL DA INSTÂNCIA LOCAL DE CASTELO BRANCO - J1)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ART. 311.º, N.ºS 2, AL. A), E 3, AL. D), DO CPP
Sumário: A acusação é manifestamente infundada quando, de todo, os factos que a integram não constituem crime, e não também nas situações cujos factos, na mesma descritos, são, no referido plano da verificação de um ilícito penal, juridicamente controversos.
Decisão Texto Integral:

I - RELATÓRIO

1. No processo sumário 19/16.0GTCTB, da comarca de Castelo Branco, Castelo Branco - Inst. Local - Secção Criminal - J1, em que foi deduzida acusação contra o arguido A... , imputando-lhe a prática, em autoria material, na forma consumada, em concurso real, de um crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelo art. 258º, nº1, c), por referência ao art. 255º, b), CP, e de uma contraordenação, p. e p. pelo art. 7º, nº3, , DL. 169/09, 31/7, por referência ao art. 15° ne2 e 7, Regulamento n9 3281/85, 20/12, a senhora juiz rejeitou a acusação, por se revelar manifestamente infundada, nos termos do artigo 311º n.º 3 alínea d) do CPP.

2. Inconformado recorreu o Ministério Público, apresentando as seguintes conclusões:
1) Por decisão proferida em 24/02/2016 a Meritíssima Juiz a quo decidiu rejeitar a acusação do Ministério Público que imputou ao arguido A... a prática de um crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelo artigo 258.º, n.º 1, alínea c), por referência ao artigo 255.º, alínea b), ambos do Código Penal, por entender que os factos descritos não constituem crime.
2) É desta decisão que vem interposto o presente recurso.
3) Como ensina Helena Moniz constitui falsificação de notação técnica a "interferência em qualquer processo automático de notação que acabe por dar origem a um registo de notação falsa de um valor, de um peso, de uma medida, de um decurso de acontecimento e, por conseguinte, de uma notação técnica falsa. Aquela notação constituía a prova de um facto juridicamente relevante que devido à manipulação do processo automático está desvirtuada" (in Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, Coimbra Ed., 1999, pág. 671).
4) Mas para que estejamos perante o crime de falsificação de notação técnica não poderemos estar perante uma notação qualquer mas sim uma notação que constitua prova de um facto juridicamente relevante que devido à manipulação passe a estar desvirtuada. Por outro lado, para que haja uma falsificação da notação é necessário que se verifique uma perturbação no processo da notação.
5) A notação técnica consiste na notação de um valor, de um peso ou de uma medida, de um estado ou do decurso de um acontecimento, feita através de aparelho técnico que actua, total ou parcialmente, de forma automática, que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas os seus resultados e se destina à prova de facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua realização quer posteriormente.
6) Assim, o processo técnico de criação da notação técnica ainda que tenha de ser efectuado de forma automática, não tem de ser totalmente automática, mas apenas parcialmente automática.
7) No caso do registo operado por tacógrafo digital, este não completamente automático pois depende da introdução de um cartão de condutor ou cartão tacográfico, sendo certo que não só a notação fica registada no aparelho, como ainda no cartão tacográfico de condutor.
8) O registo em causa, que visa assegurar o cumprimento das disposições comunitárias no domínio dos transportes, não resulta apenas do aparelho de controlo - vulgo tacógrafo - mas do funcionamento conjugado de tal aparelho com o cartão tacográfico de condutor.
9) Ora, é precisamente essa introdução de um cartão tacográfico de condutor diverso do que efectivamente se encontra no exercício da condução do veículo que constitui a interferência no processo de registo do tacógrafo.
10) Não se inserindo o cartão respectivo, ou seja, introduzindo-se um cartão de um terceiro, interfere-se nesse registo passando este a não corresponder à verdade, pois se até se pode entender que o registo da velocidade do veículo corresponde à verdade, já o período de exercício da condução e do correspectivo descanso pelo condutor não são verdadeiros. O tacógrafo indica ou regista um decurso de acontecimento - o exercício da condução e de descanso - que efectivamente não se mostra conforme com a realidade.
11) Daí que exista falsificação da notação técnica pois um dos elementos dessa notação é a identificação do condutor e esse mostra-se alterado ou falso.
12) Ao decidir rejeitar a acusação com o fundamento que os factos não constituem crime, a decisão recorrida violou o disposto no artigo 258°, n.º 1, alínea c), 255.º, alínea b), do Código Penal.
Nestes termos, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e, em consequência, revogar-se a decisão proferida em 24/02/2016 que rejeitou a acusação pública e, em consequência, substituir-se por uma outra que receba a acusação pública e determine os ulteriores termos do processo para que o arguido seja levado a julgamento pelos factos que constam daquela acusação,
Com o que Vossas Excelências farão a costumada JUSTIÇA!”
*

Não foram produzidas contra-alegações, tendo a Exma Senhora ProcuradoraGeral-Adjunta neste Tribunal emitido parecer concordante com o recorrente.

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recurso, a questão suscitada pelo recorrente resume-se a saber se no caso se verifica motivo para rejeição liminar da acusação, por manifestamente infundada.

O despacho impugnado:

“Vêm os presentes autos remetidos sob a forma de processo sumário, acusado o arguido A... da prática, em autoria material, na forma consumada, em concurso real, de um crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelo art. 258.º, n.º 1, c), por referência ao art. 255.º, b), CP, e de uma contraordenação, p. e p. pelo art. 7.º, n.º 3, , DL. 169/09, 31/7, por referência ao art. 15.° n.ºs 2 e 7, Regulamento n.º 3281/85, 20/12, por factos ocorridos na área desta instância local.

O Tribunal é competente.
Nos termos do disposto no artigo 311.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Penal, recebidos os autos no tribunal sem que tenha havido instrução, o juiz pode rejeitar a acusação se a considerar manifestamente infundada, o que se verifica, designadamente, quando os factos nela vertidos não constituírem crime.
No caso em apreço, da acusação deduzida resulta objetivamente imputado ao arguido ter introduzido na ranhura do tacógrafo do veículo que conduzia o cartão de condutor pertencente a B... , registando a sua actividade laboral no cartão desta.
Dispõe o artigo 258.º, n.º 1, c), do Código Penal:
«1. Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, ou de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo: (...) c) Fizer constar falsamente de notação técnica facto juridicamente relevante (...) é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa.».

O artigo 255.º, al. b) do Código Penal define “notação técnica” nos seguintes termos: «a notação de um valor, de um peso ou de uma medida, de um estado ou do decurso de um acontecimento, feita através de aparelho técnico que atua, total ou parcialmente, de forma automática, que permite reconhecer à generalidade das pessoas ou a um certo círculo de pessoas os resultados e se destina à prova de facto juridicamente relevante, quer tal destino lhe seja dado no momento da sua realização quer posteriormente».
Como vem sendo entendido uniformemente pela doutrina - e jurisprudência - «o que importa para efeitos do crime de falsificação de notação técnica é a interferência em qualquer processo automático de notação que acabe por dar origem a um registo de notação falsa de um valor, de um peso, de uma medida, de um decurso de acontecimento e, por conseguinte, de uma notação técnica falsa. Aquela notação constitui a prova de um facto juridicamente relevante que devido à manipulação do processo automático está desvirtuada» - Helena Moníz, “Comentário Conimbrícensedo Código Penal”, Tomo II, p. 671.

O bem jurídico protegido pelo crime de falsificação de notação técnica é a autenticidade do modo de produção automática da notação.
Como se refere na obra supra citada, p. 702, «não se trata da veracidade ou a autenticidade do conteúdo da notação; o que se pretende é a “protecção da exactidão formal" garantindo que a produção da notação é “livre” de qualquer manipulação humana».

O objeto da ação típica no crime de falsificação de notação técnica é o objeto material que, total ou parcialmente, de forma automática, criou o registo técnico relevante.

No caso da al. c) do n.91 do artigo 258.º do Código Penal, para a existência do crime é indispensável que se verifique, de forma automática, através de um aparelho técnico, o registo de um valor falso, de um peso falso, de uma medida falsa ou de um decurso falso de um acontecimento, devendo a notação técnica assim produzida ser adequada objetivamente para ter efeitos probatórios ou algum tipo de relevância jurídica.
No caso em apreciação, de acordo com a acusação, o arguido conduzia o veículo de mercadorias, tendo introduzido no tacógrafo do veículo, previamente, cartão de condutor que não lhe pertencia.
Da factualidade descrita não resulta qualquer conduta do arguido de interferência no processo de registo do tacógrafo, no processamento automático do aparelho, de modo a adulterar o respetivo registo, não se apurando ação de manipulação desse aparelho para a produção de notação falsa das horas de condução nem ação de falsificação da notação normalmente feita pelo aparelho.
Ora, se o arguido não manipulou, não alterou, de nenhuma forma, o processamento automático do aparelho, já que este continuou a registar, normalmente, o percurso da viatura, a sua conduta não afetou o funcionamento do aparelho, não desvirtuou a sua operacionalidade, resultando, “apenas”, numa desconformidade entre o condutor real da viatura e o cartão introduzido no aparelho.

A atuação imputada do arguido, relevante no âmbito do regime da responsabilidade contraordenacional, atento o disposto no art. 7.º, n.º 3, d), DL 169/09,31/7, não preenche, s.m.o, o crime de falsificação de notação técnica.
Não obstante não ser essa a qualificação jurídica atribuída na acusação, impõe-se consignar, ainda, que os factos descritos não integram, também, o tipo legal previsto no artigo 261º. Nº1. CP. nos termos do qual: «Quem, com intenção de causar prejuízo a outra pessoa ou ao Estado, de obter para si ou para outra pessoa beneficio ilegítimo, ou de preparar, facilitar, executar ou encobrir outro crime, utilizar documento de identificação ou de viagem emitido a favor de outra pessoa, é punido com pena de prisão até dois anos ou com pena de muita até 240 dias».
O documento de identificação relevante para este efeito é o descrito no art. 255º, c), CP: «o cartão de cidadão, o bilhete de identidade, o passaporte, o visto, a autorização ou título de residência, a carta de condução, o boletim de nascimento, a cédula ou outros certificados ou atestados a que a lei atribui força de identificação das pessoas, ou do seu estado ou situação profissional, donde possam resultar direitos ou vantagens, designadamente no que toca a subsistência, aboletamento, deslocação, assistência, saúde ou meios de ganhar a vida ou de melhorar o seu nível».

Considerando a definição de cartão tacográfico constante do art. 2º, b), DL. 169/09, 31/7,e o teor do citado art. 255º, c), constatamos que esta última disposição legal não prevê o referido cartão nem tal cartão constituiu “certificado” ou “atestado”.

Como tal, em face do caráter subsidiário e fragmentário do Direito Penal, a conduta do arguido mostra-se, s.m.o., atípica para este ramo do Direito (neste sentido, entre outros, cfr.Ac. TRC 26.2.14, Proc. 113/12.6 TAVZL.C1, in www.dasi.pt. que, por concordarmos, aqui seguimos de perto).

Em consequência, por não constituírem crime os factos imputados ao arguido, nostermos do disposto no artigo 311º. nº 2 al. al e nº 3 al. d), do Código de Processo Penal, rejeito aacusação pública deduzida contra o arguido A....
(…)”

III - Decidindo:

Dispõe o artigo 311.º n.º 2 do CPP que «se o processo tiver sido remetido para julgamento sem ter havido instrução, o presidente despacha no sentido: a) de rejeitar a acusação, se a considerar manifestamente infundada; b) de não aceitar a acusação do assistente ou do Ministério Público na parte em que ela representa uma alteração substancial dos factos, nos termos do n.º 1 do artigo 284.º e do n.º 4 do artigo 285.º, respectivamente».

De igual modo, o nº 3 do mesmo artigo estabelece que «para efeitos do disposto no número anterior, a acusação considera-se manifestamente infundada: a) quando não contenha a identificação do arguido; b) quando não contenha a narração dos factos; c) se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam; d)se os factos não constituírem crime».

No caso presente apenas nos interessa cuidar da hipótese de rejeição da acusação prevista na al. d), cuja interpretação tem que se conter nos limites assinalados pelos princípios processuais.

Assim, considerando a estrutura acusatória do nosso sistema processual penal, - que implica necessariamente uma efectiva separação entre a entidade que acusa e a que julga, sendo a acusação a peça fulcral de todo o sistema porquanto é aquela que define o objecto do processo e este integra não só os factos, mas também a respectiva incriminação, cfr. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal III, 2ª edição, pág. 278 -, o legislador estabeleceu, normativamente, as condições que permitem ao juiz sustentar uma rejeição da acusação, pelo que tratando-se agora da al. d),só quando de forma inequívoca os factos que constam na acusação não constituem crime é que o Tribunal pode declarar a acusação manifestamente infundada e rejeitá-la.

E os factos não constituem crime quando, entre outras situações, se verifica uma causa de extinção do procedimento ou a factualidade em causa não consagra de forma inequívoca qualquer conduta tipificadora do crime imputado.

Repare-se que está vedado ao Juiz do Julgamento ultrapassar o objecto que lhe é submetido por via da acusação formulada, sendo certo que a qualificação jurídica também faz parte integrante de tal objecto, ou seja, o juiz não pode, no despacho a que se refere o art. 311º do Cód. Proc. Penal, alterar sem mais, a qualificação jurídica dos factos - cfr, entre outros o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 28/09/2000, in CJ ANO XXV, Tomo IV, pág. 140, Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 05/01/2000, CJ, ano XXV, tomo 1, pág 43 e ainda Ac. do Tribunal da Relação do Porto, de 14/12/2005.

No processo de estrutura acusatória, as funções de acusador e de julgador são exercidas por órgãos diferenciados e autónomos, e o julgador, nos quadros da dialéctica processual decorrente do princípio do acusatório, estará sempre confinado ao solucionamento da questão penal tal como ela lhe é proposta pelo Ministério Público ou pela parte acusadora privada.

Qualificar um determinado facto do ponto de vista jurídico-penal é subsumir um determinado acontecimento na descrição abstracta de uma preposição penal, i. e, verificar se aquele comportamento concreto daquele agente, corresponde ou não, ao comportamento abstractamente descrito numa dada lei penal como constituindo um crime. Só desta forma se opera a qualificação jurídico-penal.

Contudo, na fase de saneamento do processo, excluída - pela redacção que a Lei nº 65/98 de 25/8 deu ao preceito em referência e que fez caducar o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 4/93, - a possibilidade de rejeição da acusação por manifesta insuficiência de prova indiciária, este fundamento só pode ser aferido diante do texto da acusação, quando faltem os elementos típicos objectivos e subjectivos de qualquer ilícito criminal da lei penal Portuguesa, seja devido a uma insuficiente descrição fáctica, seja porque a conduta imputada ao agente não tem relevância penal.

Obviamente, exige-se que os factos descritos sejam insusceptíveis de integrar qualquer ilícito penalmente tipificado. O objecto do processo é o crime tal como está definido na alínea a), do nº 1, do artigo 1º, do CPP.

Liminarmente se afasta a possibilidade de, perante várias soluções direito, formular um juízo sustentado numa opinião diversa da do MP, não se cuidando neste momento do seu mérito.

Vedada está pois a rejeição da acusação por inexistência de crime que se fundamente numa das várias correntes seguidas pela jurisprudência, que perante o quadro fáctico descrito, se mostre controvertida.

Revertendo aos autos, a decisão subjudice revela que o tribunal a quo optou por uma interpretação divergente sobre os factos imputados e que resultam do inquérito, - uma das válidas soluções de direito - que nesta fase processual e atento o normativo referido não permite a subsunção ao conceito de «manifestamente infundado».

A título de exemplo, entre os múltiplos acórdãos proferidos sobre a questão discutida no despacho recorrido citam-se os Acs da Relação de Coimbra:

- de 26-02-2014, relatora Maria Pilar de Oliveira

Sumário:

I - A condução, pelo arguido, de um veículo pesado de mercadorias, ostentado o tacógrafo um disco diagrama em nome de terceiro, não integra o tipo objecto do crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelo art. 258.º, n.º 1, al. c) e 2, ex vi do art. 255º, al. b), ambos os normativos do CP.

II - Embora o «cartão tacográfico» corporize um documento de identificação, não se inclui na previsão da al. c) do artigo 255.º do CP.

III - Deste modo, a conduta acima referida também não preenche o tipo de crime de uso de documento de identificação alheio do artigo 261.º do mesmo diploma.

- de 29-02-2012, relator Des. Alberto Mira   

Sumário:         

O crime de falsificação de notação técnica tem em vista a protecção de um específico bem jurídico-criminal, qual seja a autenticidade do modo de produção automática da notação.

O objecto da acção típica no crime de falsificação de notação técnica é o objecto material que, total ou parcialmente, de forma automática, criou o registo técnico relevante.

No específico domínio da al. c), do n.º 1, do artigo 258º, do Código Penal, para a existência do crime é indispensável que se verifique, de forma automática, através de um aparelho técnico, o registo de um valor falso, de um peso falso, de uma medida falsa ou de um decurso falso de um acontecimento, devendo a notação técnica assim produzida ser adequada objectivamente para ter efeitos probatórios ou algum tipo de relevância jurídica.

No caso, provando-se que o arguido conduzia o veículo automóvel pesado de mercadorias, ostentando o tacógrafo um disco diagrama em nome de terceiro, tal factualidade não é constitutiva do crime de falsificação de notação técnica.

- 10-12-2013, relator Des. Fernando Chaves

Sumário:         

A conduta do arguido ao introduzir no tacógrafo digital do veículo pesado de mercadorias, um cartão de identificação pertencente a um outro condutor, originando que o aparelho em causa gerasse, sem qualquer outra intervenção posterior, uma notação técnica de conteúdo falso, pois a mesma atestava que o veículo estava a ser conduzido por terceiro que não o arguido, constitui facto juridicamente relevante posto que permite ao condutor ultrapassar o período regulamentar de condução sem que fique registado, evitando, assim, o registo de notações técnicas que poderiam fazer incorrer em responsabilidade contraordenacional, preenche o crime de falsificação de notação técnica.

- de 27-11-2013, relatora Des Maria José Nogueira

Sumário:         

I - A condução, pelo arguido, de um veículo pesado de mercadorias, ostentado o tacógrafo um disco diagrama em nome de terceiro, não integra o tipo objecto do crime de falsificação de notação técnica, p. e p. pelo art. 258.º, n.º 1, al. c) e 2, ex vi do art. 255º, al. b), ambos os normativos do CP.

II - Embora o «cartão tacográfico» corporize um documento de identificação, não se inclui na previsão da al. c) do artigo 255.º do CP.

III - Deste modo, a conduta acima referida também não preenche o tipo de crime de uso de documento de identificação alheio do artigo 261.º do mesmo diploma.

Daí que não possa sem mais, na fase processual de triagem, afirmar-se que os factos não constituem crime.

No saneamento do processo [art. 311.º, do CPP], só há lugar à rejeição da acusação se ela se revelar “manifestamente infundada” [n.º 3], o que não abrange os casos em que a acusação trata questão juridicamente controversa - cfr. Ac. RP 13/7/11, proc. nº 6622/10.4TDPRT.P1.

Concluindo: se a questão focada na acusação for juridicamente controversa, o juiz no despacho do artigo 311º do C.P.P. não a pode considerar manifestamente improcedente.

Assim sendo e em conformidade a decisão em causa deve ser substituída por outra que não rejeitando a acusação, por inadmissibilidade legal, designe data para julgamento, se não se verificarem outras circunstâncias que impeçam a designação dessa data.

IV Dispositivo

Pelo exposto decide-se julgar procedente o recurso, revogando a decisão recorrida, devendo o tribunal a quo, caso não encontre qualquer outro motivo que imponha a rejeição da acusação, dar seguimento aos termos do processo, tendo em conta ao artigo 311º do CPP.

Recurso sem tributação.

Coimbra, 9 de Novembro de 2016

(Certifica-se que o acórdão foi elaborado e revisto pela relatora, nos termos do art. 94.º, n.º 2 do C.P.P.).

(Isabel Valongo - relatora)

(Jorge França - adjunta)