Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1655/19.8T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULO CORREIA
Descritores: ACIDENTE DE VIAÇÃO
VALOR DA INDEMNIZAÇÃO
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
EQUIDADE
JUROS DE MORA
Data do Acordão: 10/25/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO CENTRAL CÍVEL DE LEIRIA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: N
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 496.º, N.ºS 1 E 4, 564.º, N.º 2, 805.º, N.º 2, AL.ª B), E 806.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I – O montante de € 300.000 mostra-se ajustado a reparar a lesada, a título de perda de rendimento decorrente do dano biológico sofrido, com os seguintes pressupostos:
- a lesada tinha acabado de completar 37 anos de idade à data do acidente;
- devido às lesões decorrentes do acidente deixou de poder desempenhar qualquer atividade profissional;
- desempenhava a profissão de professora, auferindo a esse título, ao tempo do acidente, o rendimento médio mensal líquido de € 1.120;
- esse vencimento iria aumentar ao longo da carreira, em função não apenas da compensação da inflação, como também da antiguidade e progressão na carreira, afigurando-se, como tal, ser de considerar, a título de vencimento, valor médio mensal de € 1.600;
- para além disso dava explicações a 4 alunos, sendo de admitir que pudesse continuar a manter essa atividade, pelo menos durante o período em que tal se mostrasse compatível com as funções desempenhadas, admitindo-se que tal pudesse acrescentar o montante mensal de € 250, durante 10 meses por ano, até completar os 55 anos de idade;
- a esperança de vida das mulheres ascende no presente a 83,52 anos (triénio 2020-2022), admitindo-se que, por força da situação clínica da A., essa esperança média de vida fique encurtada para os 75 anos;
- a lesada encontra-se reformada desde 17.06.2021, auferindo desde então, a título de pensão de invalidez, o montante mensal de € 405,90, sendo razoável, por força dos aumentos expectáveis, considerar nesta sede o valor mediano mensal de € 580;
- o recebimento imediato do capital traduz-se num benefício, (podendo, a título de exemplo, o capital ou parte dele ser hodiernamente rentabilizado v.g. através de certificados de dívida pública, remunerados com taxa de juro bruta fixada em 2,5% em 2024).

II – Sem prejuízo das especificidades que se imponham no caso concreto, os princípios da igualdade e da unidade do direito impõem que na fixação dos danos não patrimoniais com recurso a juízo de equidade devam os tribunais evitar disparidades significativas entre os lesados em casos semelhantes.

III – A quantia de € 260.000 apresenta-se como adequada para a ressarcir o dano não patrimonial num quadro com consequências gravíssimas como o descrito nos autos.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: _________________________________

Acordam os juízes que integram este coletivo da 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:

I-Relatório

AA

intentou contra

A..., S.A.

a presente ação declarativa, de condenação, pedindo a condenação desta no pagamento do montante global de € 2.078.551, 91, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais, acrescida da quantia a liquidar em ampliação do pedido ou execução de sentença, bem como juros de mora calculados à taxa legal e contabilizados desde a citação até efetivo e integral pagamento.

Invocou como fundamento, a ocorrência, em 18 de junho de 2018, de acidente de viação exclusivamente imputável a condutor de veículo seguro na Ré (motociclo de matrícula ..-..-XU) e que teve as consequências/danos que descreveu.

                                                                  *

A Ré contestou, peça processual em que, para além de assumir a culpa do condutor do veículo cuja responsabilidade civil assegurava, impugnou os factos alegados respeitantes aos concretos dano sofridos, extensão das lesões, sequelas existentes e montantes indemnizatórios a atribuir.

                                                                  *

O Instituto da Segurança Social I.P. – Centro Distrital ..., veio no âmbito do Decreto-Lei n.º 59/89, de 14.11.2019, pedir a condenação da Ré no pagamento da quantia de € 16.441,35, correspondente à totalidade dos montantes pagos à A. a título de subsídio por doença.

                                                                                              *

A A., por requerimento de 24.04.2023 (ref. 9687079), peticionou a ampliação em € 1.009.990 do pedido formulado, ampliação a título dos valores que irá despender durante o resto da sua vida, com a prestação de apoio domiciliário permanente durante 24 horas por dia, à razão de € 2.995,00 por mês.

Por requerimento de 08.05.2023 (ref. 9716296) a A. peticionou novamente a ampliação em € 9.851,19 do pedido formulado, agora a título dos montantes despendidos nas deslocações efetuadas para tratamentos, bem como com despesas médicas e medicamentosas.

Finalmente, por requerimento de 29.11.2023 (ref. 10297416), peticionou a ampliação em € 19.532,29 do pedido formulado, a título dos montantes despendidos nas deslocações efetuadas para tratamentos, bem como despesas médicas e medicamentosas.

Esses pedidos de ampliação foram admitidos.

                                                                  *

Em 01.04.2024 foi proferida sentença (ref. 106097239), contendo o seguinte dispositivo:

Em face do exposto e sem outras considerações julgo a acção parcialmente procedente e consequentemente condeno a ré A... SA a pagar à autora as seguintes quantias, deduzidas do montante já pago pela ré no âmbito da transacção celebrada nos autos apensos:

I - A título de danos não patrimoniais a quantia de € 200.000,00 (duzentos mil euros) acrescido de juros de mora desde a presente data, à taxa de 4%, até efectivo e integral pagamento;

II- A título de danos patrimoniais a quantia global de € 1.325.283,60 (300.000,00+1.025.283,60) (um milhão, trezentos e vinte e cinco mil, duzentos e oitenta e três euros e sessenta cêntimos), acrescido de juros de mora desde a data da citação, à taxa de 4% até efectivo e integral pagamento;

III- A título de danos patrimoniais, as quantias comprovadamente efectuadas pela autora para acompanhamento médico, medicamentoso, fisioterapia, terapia da fala, terapia ocupacional, material médico e deslocações para o efeito, que se relega para o que vier a ser liquidado, com o limite de € 508.544,08, acrescido de juros de mora desde a data da citação, à taxa de 4% até efectivo e integral pagamento;

IV[2]- Ao Instituto de Segurança Social IP- Centro Distrital ... a quantia de 16.441,35 (dezasseis mil, quatrocentos e quarenta e um euros e trinta e cinco cêntimos) acrescido de juros à taxa legal de 4% desde a data da notificação do pedido de reembolso até efectivo e integral pagamento”.

                                                                  *

Irresignada, a A. interpôs recurso dessa decisão, fazendo constar nas alegações apresentadas as conclusões que se passam a transcrever (no que subsiste para apreciação):”

(…).

A Ré respondeu, defendendo o acerto quanto ao quantum fixado pelo tribunal a propósito dos danos impugnados.

*

A Ré também interpôs recurso que culminou as seguintes conclusões:

(…).

Na resposta a A. amparou a correção do decidido, com o fundamento, no essencial, que a Meritíssima Juíza em parte alguma da sentença demonstrou ou referiu que tenha atualizado (à data da sentença) a indemnização por danos patrimoniais.

                                                                 *                                 

Dispensados os vistos, foi realizada conferência, com obtenção dos votos dos Exmos. Juízes Desembargadores Adjuntos.

*

II-Objeto dos recursos

Como é sabido, ressalvadas as matérias de conhecimento oficioso que possam ser decididas com base nos elementos constantes do processo e que não se encontrem cobertas pelo caso julgado, são as conclusões do recorrente que delimitam a esfera de atuação deste tribunal em sede do recurso (arts. 635, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3 e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3 do CPC).

No caso, perante as conclusões apresentadas, são as seguintes as questões a apreciar e decidir:

Saber se
a) a indemnização a título de dano biológico (que a sentença recorrida fixou em € 300.000), deve ser fixada em € 625.000;
b) a indemnização a título de dano não patrimonial deve ser fixada em € 400;
c) se os juros moratórios relativamente aos valores fixados na sentença a título de perda da capacidade de ganho (€ 300.000) e ajuda de terceira pessoa (€ 1.025.283,60) são devidos apenas desde a data da sentença.

                                                                  *

III-Fundamentação

Com vista à incursão nas questões objeto de recurso, importa, antes de mais, transpor a factualidade que na decisão recorrida foi dada como provada.

Assim, na decisão recorrida consta a este propósito o seguinte:

“1- No dia 18 de Junho de 2018, pelas 18h46m, ocorreu um acidente de viação na Avenida ..., na localidade da ..., no qual foi interveniente o motociclo, de matrícula ..-..-XU, de marca Yamaha, modelo ..., propriedade de BB e conduzido por CC, com conhecimento e autorização daquele, e a autora enquanto peão.

2- O veículo referido em 1 circulava nas circunstâncias de tempo e lugar ali referidas no sentido Norte – Sul e a uma velocidade superior a 60/70 Km/hora.

3- A cerca de 40/50 metros de uma passadeira para peões existente sensivelmente em frente ao prédio com o número ...86 de polícia, o condutor do veículo referido em 1 apercebeu-se que à sua frente se encontravam alguns veículos imobilizados junto à mencionada passadeira, para dar prioridade de passagem ao trânsito pedonal que se processava naquela passadeira.

4- O condutor do veículo referido em 1, nas circunstâncias referidas em 3, decidiu ultrapassar os veículos imobilizados para o que se desviou para a parte mais à esquerda da sua hemi-faixa de rodagem.

5- No momento referido em 4, a autora e uma amiga procediam à travessia da dita artéria da direita para a esquerda, atento o sentido de marcha do motociclo, utilizando para o efeito a passadeira para peões.

6- Quando o veículo referido em 1 se encontrava paralelo a um dos veículos imobilizados, o seu condutor apercebeu-se da presença dos peões a efectuar a travessia da faixa de rodagem, mas, em consequência da velocidade a que seguia, não conseguiu evitar o embate colidindo com a frente do veículo no corpo da autora, projectando o mesmo a mais de 10/12 metros.

7- Após o embate referido em 6, antes de a autora cair no pavimento, é embatida, de novo pelo veículo referido em 1, que se vem a imobilizar na esquerda da via, atento o sentido em que seguia, a cerca de 25 metros da passadeira para peões, deixando um rasto de travagem com mais de 14 metros de comprimento.

8- O local referido em 1 é constituído por uma faixa de rodagem de traçado recto, de piso betuminoso, com dois corredores de circulação, cada um afeto ao seu sentido de marcha.

9- Nas circunstâncias de tempo e lugar referidas em 1, o tempo estava bom e o piso encontrava-se seco e em bom estado de conservação.

10- Em consequência do acidente, a autora foi assistida pelos bombeiros e, seguidamente, pelo INEM e pela VMER, tendo sido helitransportada para o Hospital Universitário de Coimbra, apresentando um traumatismo crânio-encefálico grave, com contusão cerebral, hemorragia sub-aracnoidea sulcal dispersa, com lesão axonal difusa confirmada em RMN e uma fratura da clavícula esquerda.

11- Em 13.07.2018, após estabilização do seu quatro clínico, a autora foi transferida para o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia / Espinho, EPE (centro hospitalar da sua área de residência), apresentando ECG 9 (E3V1M5), com escassa reatividade a estímulos álgicos e pupilas isocóricas e reactivas à luz e sem focalização neurológica evidente.

12- Durante o internamento a autora sofreu uma melhoria progressiva do seu estado de consciência e, bem assim, dos períodos de agitação que se iam intensificando.

13- Em 27.08.2018 a autora foi internada no Centro de Reabilitação do Norte (CRN) com o seguinte quadro clínico e funcional:

a) Funções cognitivas, comportamentais e emocionais: consciente, desorientada TE, mas colaborante dentro das possibilidades. GSC=11, défice cognitivo grave com nível de funcionamento cognitivo. Cumpria ordens simples de forma intermitente, não cumpria ordens complexas. Sem capacidade para avaliação formal por Neuropsicologia, nem para adaptação aos softwares computorizados de treino dos domínios cognitivos.

b) Comunicação: ausência de emissão verbal oral como forma de comunicação, anartria; perturbação da comunicação associada ao défice cognitivo, resposta sim/não com movimento de cabeça inconsistente, cumpria ordens dirigidas ao corpo de forma inconsistente com necessidade de pistas visuais; necessitava da escrita de palavras-chave como importante facilitador da compreensão; alteração marcada do planeamento e programação motora orofacial.

c) Deglutição: disfagia orofaríngea grave para sólidos e líquidos. FOIS 1 (alimentação por PEG); candidíase oral.

d) Pares cranianos: parésia facial central direita; provável parésia do VIII par bilateral/ alteração do processamento auditivo com diminuição marcada da acuidade auditiva bilateral (hipoacusia).

e) Quadro neuromotor: tetraparésia atáxica de predomínio axial e apendicular direito: mobilizava ativamente os 4 membros contra-gravidade e obedecia a comandos motores; sem alterações do tónus muscular; limitação dorsiflexão TT - 10º por encurtamento do tendão de Aquiles.

f) Quadro funcional: funcionalmente limitada pelo défice cognitivo, comunicação não funcional, alimentação exclusiva por PEG, membros superiores pouco funcionais (pior direito), equilíbrio de tronco sentado deficiente, assumia posição de ortostatismo com muita ajuda de 3ª pessoa (ajuda máxima nas transferências) e realizava marcha não funcional com ajuda máxima de 3ª pessoa; nas restantes AVD precisava de ajuda total; não controlava os esfíncteres (em regime de perdas para fralda) - MIF total = 24/126.”

14- Aquando do internamento no CRN, a autora foi integrada em programa de reabilitação intensivo, integral e abrangente, adaptado à sua tolerância e situação clínica, liderado por médico fisiatra, com apoio da Medicina Interna. e englobando cuidados de Enfermagem, Fisioterapia, Neuropsicologia, terapia ocupacional, terapia da fala, nutrição e do serviço social.

15- Ao longo do internamento, verificou-se uma evolução favorável do quadro neuropsicológico, motor e funcional nos diversos domínios alterados, a saber:

a) Quadro neuropsicológico: iniciou amantadina a 31-08 em dose progressiva (100+100) para estimulação cognitiva sem resposta clínica significativa, pelo que foi feito desmame e suspenso; a 13-11 iniciou treino cognitivo computorizado com software cogniplus (SPACE, FOCUS, VIG) com boa resposta; a 17-12 foi reavaliada pela neuropsicologia que revelou boa orientação alopsíquica; dificuldades ao nível da audição e expressão dificultam desenvolvimento das questões, tentada utilização da escrita e traçar de linhas como meio facilitador da avaliação mas sem sucesso; avaliada atenção com TBA: desempenho satisfatório (números 6/10 e Letras 7/10); avaliação funcionamento executivo com TMT-B: alterado, consegue iniciar a tarefa mas perde-se após as seis primeiras ligações; vários erros na tarefa motora de inibição do comportamento. Iniciou metilfenidato a 16-01 até dose de 10+10, aguardando-se efeito de resposta. Globalmente a doente manteve ao longo do internamento dificuldade na aprendizagem de novas atividades/tarefas (denotando alteração da memória de trabalho e longo prazo) e alterações no funcionamento executivo.

b) Comunicação: melhoria significativa da funcionalidade da comunicação. Atualmente recorre à fala como meio privilegiado de comunicação, contudo, apresentando disartria atáxica grave com alteração significativa da articulação, prosódia e da coordenação respiração-fonação, comprometendo a inteligibilidade do discurso (ainda reduzida); a hipoacusia interfere negativamente na compreensão de material verbal, conseguindo realizar leitura labial mas necessitando que o interlocutor esteja frente a frente e fale pausadamente; para enunciados mais complexos melhora a compreensão se o conteúdo for apresentado escrito em papel.

c) Deglutição: melhoria significativa da funcionalidade da deglutição - iniciou alimentação exclusiva via oral a 29-01 (mantendo treino de conduto mole e espessamento de líquidos a mel com colher de sobremesa; necessidade de cumprir as seguintes orientações: segunda deglutição para limpeza, manobra de flexão da cabeça e segunda deglutição para limpeza, verificar presença de voz molhada - pedir vogal sustentada /a/ a cada 5 ofertas e solicitar deglutição de saliva; se se objetivar voz molhada repetir o procedimento.

d) Pares cranianos: mantém hipoacusia bilateral grave (sem melhoria com próteses auditivas). parésia facial direita muito ligeira.

e) Quadro neuromotor e funcional: mantém quadro neuromotor de tetraparésia atáxica, mas com melhoria significativa da força muscular global (agora G4) e tolerância ao esforço, bem como o controlo axial de tronco; mantém dismetria marcada à direita, mas com melhor controlo motor com estratégias; sem alterações do tónus muscular e limitações das amplitudes articulares.

Funcionalmente mantém marcadas limitações pelos múltiplos défices sequelares que apresenta (sobretudo cognitivo, perceptivo-auditivo e motor), a comunicação ainda limitada pelas alterações da acuidade auditiva e pouca inteligibilidade do discurso; a deglutição é exclusivamente oral e funcional com estratégias (pelo que se aguarda período de 3 semanas de teste para ponderação de retirada de PEG). Do ponto de vista motor, limitação funcional moderada dos membros superiores pela ataxia (pior à direita) mas conseguindo realizar algumas tarefas de destreza manual simples, grafismo ainda pouco legível; equilíbrio de tronco sentado estático eficaz e dinâmico razoável, consegue assumir a posição de ortostatismo com ajuda mínima de 3ª pessoa e apoio bilateral (membros superiores) e consegue realizar marcha com razoável funcionalidade em curtas distâncias e pisos regulares, com auxílio de andarilho e supervisão de 3ª pessoa, deambulando para maiores distâncias e pisos irregulares em cadeira de rodas conduzida por 3ª pessoa; sobe e desce escadas com apoio no corrimão e ajuda moderada de 3ª pessoa. Está parcialmente dependente em todas as AVD, necessitando de ajuda mínima na alimentação e transferências (excepto para duche/sanita - ajuda moderada), ajuda moderada na higiene pessoal, banho e vestir metade superior, ajuda máxima vestir metade inferior e total na utilização da sanita: não controla esfíncteres (em regime de perdas para fralda) - MIF 52/126.

16- Durante o internamento no CRN a autora apresentou:

a) Candidíase oral  aquando da admissão;

b) Défice de vitamina D  aquando da admissão;

c) Hipoproteinemia com hipoalbuminemia aquando da admissão);

d) Agitação psicomotora;

e) Hemorragia estoma da PEG (05-09-2018): secção de vaso periestoma (5h), com necessidade de transferência SU-CHVNG;

f) Bexiga neurogénea;

g) Hipoacusia bilateral grave.

17- Em função das melhorias, a autora teve alta para o domicílio, com apoio da família, com as seguintes recomendações:

“- deve ser estimulada à participação nas AVD no domicílio, maximizando as suas capacidades cognitivomotoras e funcionalidade. deve seguir as orientações dadas no internamento para a deglutição, “reportando qualquer intercorrência (no caso da ausência durante as próximas 3 semanas, pondera-se a retirada da PEG).

- Foi proposto a continuação de programa de reabilitação após a alta nas valências de Fisioterapia e terapia ocupacional em ambulatório neste Centro, pelo que se solicita a sua referenciação pelo médico assistente. pela ausência de ambulatório na valência de Terapia da Fala, deverá dar a sua continuidade noutra clínica/instituição na área de residência.

- deverá manter a medicação prescrita, não a devendo suspender sem indicação médica.”.

18-À data da alta, e autora fazia a seguinte medicação: Metilfenidato 15 mg, dois comprimidos por dia; Pantoprazol 40 mg, um comprimido em jejum; Tansulosina 0,4 mg, um comprimido em jejum; Melatonina 2 mmg, dois comprimidos ao deitar se insónia (tentar após estabilização do sono a sua redução e suspensão); Macrogol 1 a 2 saquetas em SOS se a obstipação com fezes duras (nesse caso reforçar a ingestão hídrica).

19- Em consequência das lesões decorrentes do acidente, a autora apresenta as seguintes sequelas:

- Crânio: cicatriz eucrómica com 6 por 0,5 cm de maiores dimensões na região parietal direita. Exame neurológico sumário: reflexo pupilar direto e de acomodação preservados;

- Movimentos oculares sem alterações, sem desvio da língua, elevação simétrica do palato e da úvula; com atrofia muscular generalizada; tónus muscular mantido; reflexos osteotendinosos dos membros superiores despertáveis bilateralmente; reflexos osteotendinosos dos membros inferiores menos despertáveis à direita. Sensibilidades superficiais mantidas bilateralmente a nível dos membros superiores e inferiores. Dismetria no teste do dedo-nariz à direita

- Face: Parésia facial direita ligeira

- Tórax: assimetria clavicular com tumefação dura a nível do terço médio da clavícula esquerda, sem dor à palpação e sem limitação dos movimentos do ombro esquerdo;

- Membro superior direito: força muscular 4+/5, evidenciando-se algum tremor no máximo do esforço muscular; reflexos osteotendinosos mantidos e simétricos;

- Membro superior esquerdo: força muscular 5/5; reflexos osteotendinosos mantidos e simétricos, tremor ligeiro durante o esforço;

- Membro inferior direito: força muscular 4/5, reflexos despertáveis, mas diminuídos em relação ao membro contralateral:

- Membro inferior esquerdo: grau de força muscular 5/5, sem clónus, reflexos osteotendinosos mantidos, mais despertáveis que à direita.

20- Em consequência das lesões decorrentes do acidente, a autora é portadora de Implante coclear esquerdo, tem prótese auditiva direita, não tem capacidade de comunicação útil, apresenta mímica facial simétrica e disartria marcada.

21- Em consequência das lesões pós traumatismo crânio encefálico, das quais apenas recuperou parcialmente, a autora deixou de ter capacidades cognitivas para, de forma livre, plena e esclarecida e consciente, exercer a sua vontade e os seus direitos e deveres. Não reunindo condições para gerir a sua pessoa nas decisões básicas da sua existência e de eventuais bens patrimoniais, não conseguindo realizar qualquer simples negócio da vida corrente.

22- Em consequência das sequelas referidas de 19 a 21, a autora carece permanentemente de ajuda de terceiros, de acompanhamento médico e de enfermagem, tratamentos de medicina física e de reabilitação, ajuda medicamentosa, tratamentos neuropsicológicos, terapia da fala, ajuda de terceira pessoa e terapia ocupacional.

23- Em consequência das sequelas referidas de 19 a 21, a autora apresenta alterações da capacidade de comunicação, com surdez e alterações da produção da fala que dada a disartria e a falta de feedback auditivo se torna inteligível, não tem competências motoras para efetuar escrita, encontra-se desorientada no tempo e no espaço, apresenta alterações do comportamento tendo momentos de raiva, tristeza profunda, apatia e indiferença.

24- No que respeita ao funcionamento cognitivo, a autora apresenta desempenho global com défice moderado, capacidades de atenção e concentração com ritmo de processamento mais lentificado, função mnésica de curta e longa duração comprometida em grau moderado a severo incapacitando a aquisição, retenção e evocação de nova informação; da voz e da fala; digestivas (disfagia); neuro-músculo esqueléticas – tetraparésia espástica e incapacidade da marcha sem apoio de 3ª pessoa); genito-urinárias – bexiga neurogénica; sensoriais e dor (surdez neuro-sensorial bilateral.

25- Em consequência das sequelas referidas de 19 a 21, a autora está dependente para a realização de todas as atividades da vida diária, apenas assumindo tarefas simples com esforço acrescido e demorando mais tempo tais como lavar os dentes e o acto de comer, desde que os alimentos sejam previamente preparados por terceiros.

26- A autora para se locomover precisa de apoio de terceiros em superfícies planas e por pequenos percursos como no interior do domicílio, deslocando-se em cadeira de rodas manual manobrada por terceiros.

27- Em consequência do facto referido em 26, a autora não possui carta de condução de veículo automóvel regularizada de acordo com a sua situação actual e as deslocações de longo percurso são asseguradas pelos pais.

28- Em consequência das sequelas referidas de 19 a 21, a autora perdeu as competências que lhe permitiriam a escrita manual.

29- Em consequência das sequelas referidas de 19 a 21, a casa de banho utilizada pela autora terá que sofrer alterações, traduzidas na substituição da banheira por base de duche, alagar a porta e optar por porta de abertura de correr; retirar armário por debaixo do lavatório.

30- Em consequência das sequelas referidas de 19 a 21, a autora utiliza almofada de prevenção de escaras, andarilho, que não usa, cadeira de rodas manual activa, implante coclear, poltrona.

31- Em consequência das sequelas referidas de 19 a 21, a autora beneficiaria da aquisição de barras de apoio para a sanita, cadeira de duche, estrado articulado para a cama actual com colchão, mesa de apoio na cama /poltrona.

32- À data do acidente, a autora exercia a actividade profissional de professora de biologia, ao serviço do Ministério da Educação, estando colocada na Escola Secundária .... DD, na ....

33- A autora auferia um salário mensal bruto de € 1.518,63 acrescido de subsídio de refeição, totalizando em média o valor líquido mensal de € 1.120,00.

34- Para além da actividade referida em 32, a autora também dava explicações com carácter de regularidade a cerca de 4 alunos.

35- A autora vivia sozinha durante a semana e, ao fim de semana vinha para sua casa em ..., local onde também vivem os seus pais.

36- Era com os rendimento auferidos em 33 e 34 que a autora suportava todos os seus encargos, designadamente a prestação mensal do crédito habitação, a renda do quarto que arrendava na ..., as mensalidades dos contratos de seguro associado ao contrato de crédito, a água, a luz, a tv cabo, o gás, o telemóvel, as despesas com as suas deslocações semanais entre a ... e ..., despesas em vestuário e alimentação.

37- Desde a data do acidente até 17.06.2021, a Segurança Social pagou à autora a título de subsídio de doença a quantia diária de € 49,16, totalizando até 21.10.2019 a quantia de € 16.441,35.

38- Após a data referida em 37, a autora recebe da Segurança Social a quantia mensal de € 405,90 a título de pensão por invalidez.

39- Em consequência das sequelas de que ficou a padecer decorrentes das lesões decorrentes do acidente, a autora ficou definitivamente incapacitada para o exercício da sua actividade profissional habitual e qualquer outra.

40- Após os embates referidos em 6 e 7 a autora permaneceu, em agonia e com dores inenarráveis, até ser devidamente socorrida.

41- Os ferimentos, os tratamentos a que a autora teve e tem de se submeter causaram-lhe, causam e causar-lhe-ão fortíssimas dores, medo da morte, medo de estar sozinha, desespero, estar dependente e, ainda, a perda de autonomia e o sentimento de impotência para gerir o destino inerente à sua situação.

42- Os factos descritos em 40 e 41 correspondem a um quantum doloris de grau 6, numa escala crescente de gravidade de 7.

43- A autora padece de instabilidade emocional resultante da sua incapacidade para desempenhar as funções inerentes à sua condição de filha, além da sua incapacidade de prover ao seu próprio sustento e da ajuda que prestava habitualmente à sua família mais próxima.

44- Antes do acidente referido em 1, a autora era uma pessoa alegre e de bem com a vida, realizada na sua profissão, feliz na sua família e zeladora da sua autonomia e independência, e actualmente sente-se deprimida e triste, sem qualquer gosto e interesse pela vida.

45- Em virtude das sequelas que ficou a padecer jamais poderá frequentar o ginásio, corridas, andar de bicicletas, fazer caminhadas, sair com a família e amigos, ir de férias ou ir para a praia, o que corresponde a um prejuízo de afirmação pessoal de grau 5 numa escala crescente de gravidade de 7.

46- Em consequência dos factos descritos de 10 a 18 a autora sofreu um défice funcional temporal total de 366 dias, de 18.06.2018 a 18.06.2019, um défice funcional temporal parcial de 366 dias de 19.06.20219 a 19.06.2020, data da consolidação das lesões.

47- Até à data da consolidação das lesões, a autora esteve completamente incapacitada para o exercício da sua actividade profissional (732 dias).

48- Os factos descritos em 19 correspondem a um dano estético de grau 5, numa escala crescente de gravidade de 7.

49- Desde a data do acidente a autora nunca mais foi menstruada e não tem condições físicas nem psicológicas para ter um relacionamento sexual normal, o que corresponde a uma repercussão permanente da sua actividade sexual de grau 5, numa escala crescente de gravidade de 7.

50- Em consequência das sequelas resultantes das lesões decorrentes do acidente a autora encontra-se medicada com Quetiapina.

51- Em consequência das sequelas resultantes das lesões decorrentes do acidente, a autora tem indicação para manter acompanhamento médico na área de Otorrinolaringologia e Medicina Física e de Reabilitação e realizar tratamento (fisioterapia, terapia ocupacional, terapia da fala), tendo como objetivo a recuperação das funções neuro-músculo-esqueléticas, incluindo a melhoria da coordenação motora, da funcionalidade, da capacidade de marcha e da comunicação, beneficiando também de intervenção de reabilitação neuropsicológica, bem como de apoio psicológico.

52- Em consequência das sequelas e repercussões das mesmas mencionadas de 19 a 28, a autora sofre de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 91 pontos.

53- Desde a data da alta, a autora reside com os seus pais, tendo o pai nascido em 05.05.1952 e a mãe em 07.07.1951.

54- Atenta a idade dos pais, a autora celebrou em Março de 2023 com a sociedade B..., Unipessoal Ldª contrato de prestação de serviços para apoio domiciliário em regime permanente (24 horas) com o custo mensal de € 2.995,00.

55- Desde a data da entrada da p.i até 07.05.2023, a autora havia despendido 21.446 Km em deslocações para tratamentos médicos.

56- Desde a data referida em 54 até 29.11.2023, a autora continuou a pagar as mensalidades respeitantes ao serviço mencionado em 53, tendo despendido, pelo menos € 1.262,64, em tratamentos médicos e aquisição de medicamentos em consequência das sequelas de que padece, bem como efectuado deslocações para o efeito.

57- A autora nasceu no dia ../../1981.

58- À data do acidente a responsabilidade civil decorrente de acidentes de viação em que fosse interveniente o veículo de matrícula ..-..-XU encontrava-se transferida para a ré, mediante contrato de seguro titulado pela apólice nº ...21.

59- À data da entrada da petição inicial, a ré havia pago à autora a quantia de € 3.080,00, a título de reembolso de despesas médicas, medicamentosas, fraldas e transportes.

60- No âmbito da transação celebrada nos autos apensos, desde Março de 2023, a ré paga mensalmente à autora a quantia de € 3.250,00.

                                                                   *

Aqui chegados, importa apreciar e decidir as questões suscitadas nos recursos.

Assim:

A – Do recurso da A.

A.1 – Da indemnização pelo dano biológico

Na douta decisão recorrida, a Exma. Sra. Juíza, ponderando

- que as lesões sofridas pela A., advindas do acidente, se traduziam num défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 91 pontos, a implicar uma incapacidade permanente para qualquer trabalho;

- ter 37 anos de idade à data do acidente,

- ser de considerar que a tendência é de a reforma ocorrer aos 70 anos de idade;

- auferia o rendimento médio mensal de líquido de € 1.120,00 (anual de € 15.680,00);

- a circunstância de dar explicações com carácter de regularidade a cerca de 4 alunos, o que lhe permitia também, durante o ano escolar auferir rendimentos para além do vencimento como professora;.

- os gastos ao longo da vida, independentemente das lesões sofridas, e que corresponderá a 1/3;

- a esperança média de vida, que apesar de se situar acima dos 80 anos, no caso da A., atenta a sua situação física, deverá ser considerada abaixo dessa média;

considerou adequado atribuir o valor de € 300.000,00, pelos danos decorrentes da incapacidade permanente geral.

Já a recorrente defendeu no recurso interposto, no essencial, que a incapacidade equivale, na prática, a 100 pontos, deverem ser ponderados acréscimos patrimoniais decorrentes da progressão da carreira, os proveitos que a mesma retirava das explicações que ministrava com caráter de regularidade a 4 alunos, e bem assim a repercussão do dano biológico do prejuízo para a qualidade de vida do lesado, a afetação do seu viver quotidiano na sua vertente laboral, recreativa, sexual, social e sentimental, a posição de inferioridade criada no confronto com as demais pessoas no mercado de trabalho, pugnando no sentido de lhe ser atribuída, a este título, indemnização no montante de € 625.000.

                                                                  *

Como é sabido, de entre as situações mais frequentes em que os nossos tribunais têm de atender aos danos futuros são aqueles em que o lesado perde ou vê diminuída, em consequência do facto lesivo, a sua capacidade de ganho.

Com efeito, de acordo com o preceituado no art. 564.º, n.º 2 do Cód. Civil, Na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior”.

Ao longo dos anos, com vista a objetivar e uniformizar, dentro do possível, o ressarcimento desta “permanência do dano”, a jurisprudência tem vindo a trilhar diferentes procedimentos, iluminados por critérios diversos.

Uma das primeiras metodologias seguidas foi a da capitalização do valor mensal; atribui-se um capital cujo rendimento, calculado com base na taxa média e líquida de juros dos depósitos a prazo, seja equivalente ao rendimento perdido (cfr. Ac. do S.T.J. de 28/6/89, B.M.J. 3880, pag. 372).

Esta forma de cálculo, mau grado a sua simplicidade, teve reduzida aplicação, por se lhe ter reconhecido o inconveniente de produzir um enriquecimento indevido correspondente ao capital, que se mantém no fim do período considerado.

Para obviar a esse inconveniente, foram propostos cálculos baseados nas tabelas financeiras usadas para a determinação do capital necessário à formação de uma renda periódica correspondente à perda de ganho, de modo a que no fim do prazo considerado aquele capital se esgote (v.g. Oliveira Matos, C.E. Anotado, 1979, pag. 462 e Acórdãos do S.T.J. de 9/5/91 e de 4/2/93, respectivamente na C.J. 91, III, pag. 7 e na C.J. -S.T.J. 93, I, pág. 128).

   Este método, acabou por ser reconduzido à fórmula matemática:

   C=P x [ 1/i - (1+i)/((l+i) N x i)] + P x (1+i) –N )

  em que

   C = ao capital (total) a depositar no ano 1;

   P = à prestação (valor a pagar, anualmente);

   i = à taxa de juro (0,09);

  N = ao número de anos em que as prestações se manterão.

Baseia-se nos dois fatores já apurados, sendo condicionados por uma determinada taxa de juro, líquida e inalterável, que inicialmente se fixou em 9% (cfr. o citado Ac. de 4/2/93 e o Ac. da R.P. de 6/11/90, C.J. 90, V, pag. 183).

Progressivamente, para responder à estabilização económica e progressiva diminuição dos proventos das aplicações financeiras, esta taxa foi sendo também correspondentemente reduzida[3].

Igualmente se pode defender a aplicação das técnicas do direito laboral, nomeadamente com recurso a fórmulas usadas no cálculo das pensões por incapacidade em acidente de trabalho que, todavia, podem apresentar o óbice de não cobrirem a totalidade do dano ou excederem-no (quando não se verifica qualquer perda de rendimento), pelo que através das mesmas pode não ser dado cumprimento aos artºs. 483.º, n.º 1, 562.º e 564.º do Cód. Civil.

Entretanto, a Portaria n.º 377/2008, de 26 de maio, posteriormente alterada pela Portaria n.º 679/2009, de 25 de Junho, destinada a fixar os critérios e valores orientadores para efeitos de apresentação aos lesados por acidente automóvel de proposta razoável para indemnização do dano corporal[4], muito embora as suas normas não sejam vinculativas para a fixação, pelos tribunais, de indemnizações por danos decorrentes de responsabilidade civil em acidentes de viação, apresentam-se como mais um contributo auxiliar do julgador, devendo “os valores propostos (...) ser entendidos como meios auxiliares de determinação do valor mais adequado, como padrões, referências, factores pré-ordenados, fórmulas em forma abstracta e mecânica, meros instrumentos de trabalho, critérios de orientação, mas não decisivos, supondo sempre o confronto com as circunstâncias do caso concreto e, tal como acontece com qualquer outro método que seja a expressão de um critério abstracto, supondo igualmente a intervenção temperadora da equidade, conducente à razoabilidade já não da proposta, mas da solução, como forma de superar a relatividade dos demais critérios. Os valores indicados, sendo necessariamente objecto de discussão acerca da sua razoabilidade entre o lesado e a entidade que deverá pagar, servirão apenas como uma referência, um valor tendencial a ter em conta, mas não decisivo” (cfr. Ac. do STJ, de 25.02.2009, processo n.º 3459/08, in www.dgsi.pt.)[6].

Quanto a nós, aderindo no essencial aos pressupostos em que assenta o critério da indemnização com referência ao tempo de provável de vida e da representação de um capital de rendimento, entende-se que a aplicação das metodologias propostas (e que a pouco e pouco se têm vindo a complexificar, com a ponderação da inflação anual; ganhos de produtividade e as evoluções salariais por progressão na carreira), por não serem infalíveis e de realização de justiça assegurada, se apresentam como meros instrumentos de trabalho, com vista a alcançar o grande critério que a lei consagrou – o da equidade.

<< Na fixação da indemnização por lucros cessantes, com recurso à equidade, não está o tribunal confinado ao uso de fórmulas, as quais apenas poderão servir como elemento de trabalho >> Ac. da R.P. de 16/03/95; C.J.; II; pág. 201, ou <<os danos patrimoniais futuros não determináveis serão fixados com a segurança possível e a temperança própria da equidade, sem aderir a critérios ou tabelas puramente matemáticas >> Ac S.T.J. de 18/03/97; C.J., S.; Ano V, Tomo II, pág. 24 e ss. na esteira, de resto, daquele que havia sido proferido pelo mesmo tribunal superior em 11/10/94 ( C.J., S, II, 3, pág. 92 e seg.). 

Importa, sem dúvida, reconhecer a “artificialidade” do entendimento de que as fórmulas encontradas podem responder sozinhas a todos os critérios legais para a fixação do montante indemnizatório, tanto mais que as regras gerais do processo indemnizatório, designadamente a “teoria da diferença”, se ajustam melhor à diminuição da capacidade de ganho do que para as hipóteses em que não se demonstrou que a lesão tenha tido repercussões imediatas no rendimento do lesado; ou seja, qualquer concreta e explícita ressonância nos proveitos pecuniários auferidos.

Dito isto para antecipadamente se assumir também que, no essencial, se comungam as referências e os pressupostos em que assentou a douta decisão recorrida, apenas não a acompanhando
i) quando na mesma não se relevou a circunstância de a A., desde 17.06.2021, receber uma pensão de invalidez no montante mensal de € 405,90, que, não fora o acidente, não estaria a receber (a qual constitui já rendimento a considerar nesta sede);
ii) mostrar-se, no caso, indiferente a idade expectável da reforma, porquanto a A. já se encontra “reformada”, havendo antes que alcançar o quantum necessário a repor o do rendimento perdido até à sua morte
e
iii) ponderou nesta sede (com desconto) os gastos pessoais (que não apenas aqueles necessários ao desempenho da atividade profissional – transporte, vestuário específico etc.).

São então os seguintes os elementos mais relevantes a considerar:
1º. A A. nasceu em ../../1981, pelo que, tendo o acidente ocorrido em 18 de Junho de 2018, tinha então acabado de completar 37 anos de idade;
2º. Devido às lesões decorrentes do acidente deixou de poder desempenhar qualquer atividade profissional;
3º. Desempenhava a profissão de professora, auferindo a esse título, ao tempo do acidente, o rendimento médio mensal líquido de € 1.120;
4º. Esse vencimento iria aumentar ao longo da carreira, em função não apenas da compensação da inflação, como também da antiguidade e progressão na carreira, afigurando-se, como tal, ser de considerar, a título de vencimento, valor médio mensal de € 1.600;
5º. Para além disso dava explicações a 4 alunos, sendo de admitir que pudesse continuar a manter essa atividade, pelo menos durante o período em que tal se mostrasse compatível com as funções  desempenhadas, admitindo-se que tal pudesse acrescentar o montante mensal de € 250, durante 10 meses por ano, até completar os 55 anos de idade;
6º. De acordo com o INE (cfr. site respetivo) a esperança de vida das mulheres ascende no presente a 83,52 anos (triénio 2020-2022), admitindo-se que, por força da situação clínica da A., essa esperança média de vida fique encurtada para os 75 anos[7].
7º. A A. encontra-se reformada desde 17.06.2021, auferindo desde então, a título de pensão de invalidez, o montante mensal de € 405,90, sendo expectável, mormente num contexto em que se assumiu politicamente a necessidade de ampliar as reformas de baixo valor, apresentando-se como razoável considerar a este título o valor mediano mensal de € 580.

Temos assim alcançado o valor global do dano a considerar de cerca de € 609.500[8], e que, por forma a dever considerar-se esgotado o montante quando a A. atingir 75 anos de idade, deve ser reduzido a um ritmo de cerca de 2,6% ao ano durante os 38 anos considerados, o que permite encontrar a mediania respetiva (609.500-2,6%+593.653-2,6% …… :38).

Acresce que o recebimento imediato do capital se traduz num benefício[9], (podendo, a título de exemplo, o capital ou parte dele ser hodiernamente rentabilizado v.g. através de certificados de dívida pública, remunerados com taxa de juro bruta fixada em 2,5% em 2024), pelo que, com base nos cálculos expostos e com apelo à equidade, o montante fixado de € 300.000 se apresenta como inteiramente ajustado.

Importa ainda referir que, diversamente ao sustentado no recurso, numa situação como a dos autos, em que as lesões sofridas determinaram uma impossibilidade absoluta para a realização de qualquer trabalho, não há que ponderar a repercussão do dano biológico

- na qualidade de vida do lesado,

- a afetação do seu viver quotidiano na sua vertente laboral, recreativa, sexual, social e sentimental,

- ou a posição de inferioridade criada no confronto com as demais pessoas no mercado de trabalho,

apenas e só o dano efetivo correspondente à perda da capacidade de ganho; a perda do rendimento que o acidente efetivamente implicou para a A., apresentando-se essas outras vertentes apenas com influência na reparação a título de danos não patrimoniais.

Como tal, deve, nesta parte, improceder o recurso.

B – Do ressarcimento do dano não patrimonial

A decisão recorrida, ponderando os factos dados como provados com relevo, atribuiu uma compensação monetária pelos danos não patrimoniais sofridos pela A. no valor - atualizado à data da sentença - de € 200.000,00.

A A., por seu lado, sustenta que a indemnização, dando especial enfoque aos danos e às dores físicas, à gravidade das lesões e à sua complexidade, ao prejuízo de afirmação pessoal, ao dano estético e ao sofrimento vivenciado desde o acidente, as sequelas e limitações que padece, a perda da alegria de viver e ao dano de afirmação pessoal, se deverá fixar em € 400.000,00.

O art. 496.º do Código Civil assegura a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais (n.º 1) e a sua fixação segundo um juízo de equidade, que tenha em conta a gravidade dos prejuízos, o grau de culpabilidade do agente, e demais circunstâncias do caso (n.º 4).

Juízo de equidade que, de modo algum, não se pode confundir com discricionariedade, devendo os tribunais evitar disparidades significativas entre os lesados para casos semelhantes, como é exigido pelos princípios da igualdade e da unidade do direito.

No caso dos autos, perante a factualidade que emerge provada, importa ter em consideração que:

- A A. tinha 37 anos de idade aquando do acidente (ocorrido em 18 de junho de 2018);

- Em consequência do acidente, a autora foi assistida pelos bombeiros e, seguidamente, pelo INEM e pela VMER, tendo sido helitransportada para o Hospital Universitário de Coimbra, apresentando um traumatismo crânio-encefálico grave, com contusão cerebral, hemorragia sub-aracnoidea sulcal dispersa, com lesão axonal difusa confirmada em RMN e uma fratura da clavícula esquerda;

- Em 13.07.2018, após estabilização do seu quatro clínico, foi transferida para o Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia / Espinho, EPE (centro hospitalar da sua área de residência), apresentando ECG 9 (E3V1M5), com escassa reatividade a estímulos álgicos e pupilas isocóricas e reativas à luz e sem focalização neurológica evidente;

- Durante o internamento a autora sofreu uma melhoria progressiva do seu estado de consciência e, bem assim, dos períodos de agitação que se iam intensificando;

- Em 27.08.2018 foi internada no Centro de Reabilitação do Norte (CRN) com o seguinte quadro clínico e funcional:

a) Funções cognitivas, comportamentais e emocionais: consciente, desorientada TE, mas colaborante dentro das possibilidades. GSC=11, défice cognitivo grave com nível de funcionamento cognitivo. Cumpria ordens simples de forma intermitente, não cumpria ordens complexas. Sem capacidade para avaliação formal por Neuropsicologia, nem para adaptação aos softwares computorizados de treino dos domínios cognitivos.

b) Comunicação: ausência de emissão verbal oral como forma de comunicação, anartria; perturbação da comunicação associada ao défice cognitivo, resposta sim/não com movimento de cabeça inconsistente, cumpria ordens dirigidas ao corpo de forma inconsistente com necessidade de pistas visuais; necessitava da escrita de palavras-chave como importante facilitador da compreensão; alteração marcada do planeamento e programação motora orofacial.

c) Deglutição: disfagia orofaríngea grave para sólidos e líquidos. FOIS 1 (alimentação por PEG); candidíase oral.

d) Pares cranianos: parésia facial central direita; provável parésia do VIII par bilateral/ alteração do processamento auditivo com diminuição marcada da acuidade auditiva bilateral (hipoacusia).

e) Quadro neuromotor: tetraparésia atáxica de predomínio axial e apendicular direito: mobilizava ativamente os 4 membros contra-gravidade e obedecia a comandos motores; sem alterações do tónus muscular; limitação dorsiflexão TT - 10º por encurtamento do tendão de Aquiles.

f) Quadro funcional: funcionalmente limitada pelo défice cognitivo, comunicação não funcional, alimentação exclusiva por PEG, membros superiores pouco funcionais (pior direito), equilíbrio de tronco sentado deficiente, assumia posição de ortostatismo com muita ajuda de 3ª pessoa (ajuda máxima nas transferências) e realizava marcha não funcional com ajuda máxima de 3ª pessoa; nas restantes AVD precisava de ajuda total; não controlava os esfíncteres (em regime de perdas para fralda) - MIF total = 24/126.”

- Aquando do internamento no CRN, foi integrada em programa de reabilitação intensivo, integral e abrangente, adaptado à sua tolerância e situação clínica, liderado por médico fisiatra, com apoio da Medicina Interna. e englobando cuidados de Enfermagem, Fisioterapia, Neuropsicologia, terapia ocupacional, terapia da fala, nutrição e do serviço social.

- Ao longo do internamento, verificou-se uma evolução favorável do quadro neuropsicológico, motor e funcional nos diversos domínios alterados, a saber:

a) Quadro neuropsicológico: iniciou amantadina a 31-08 em dose progressiva (100+100) para estimulação cognitiva sem resposta clínica significativa, pelo que foi feito desmame e suspenso; a 13-11 iniciou treino cognitivo computorizado com software cogniplus (SPACE, FOCUS, VIG) com boa resposta; a 17-12 foi reavaliada pela neuropsicologia que revelou boa orientação alopsíquica; dificuldades ao nível da audição e expressão dificultam desenvolvimento das questões, tentada utilização da escrita e traçar de linhas como meio facilitador da avaliação mas sem sucesso; avaliada atenção com TBA: desempenho satisfatório (números 6/10 e Letras 7/10); avaliação funcionamento executivo com TMT-B: alterado, consegue iniciar a tarefa mas perde-se após as seis primeiras ligações; vários erros na tarefa motora de inibição do comportamento. Iniciou metilfenidato a 16-01 até dose de 10+10, aguardando-se efeito de resposta. Globalmente a doente manteve ao longo do internamento dificuldade na aprendizagem de novas atividades/tarefas (denotando alteração da memória de trabalho e longo prazo) e alterações no funcionamento executivo.

b) Comunicação: melhoria significativa da funcionalidade da comunicação. Atualmente recorre à fala como meio privilegiado de comunicação, contudo, apresentando disartria atáxica grave com alteração significativa da articulação, prosódia e da coordenação respiração-fonação, comprometendo a inteligibilidade do discurso (ainda reduzida); a hipoacusia interfere negativamente na compreensão de material verbal, conseguindo realizar leitura labial mas necessitando que o interlocutor esteja frente a frente e fale pausadamente; para enunciados mais complexos melhora a compreensão se o conteúdo for apresentado escrito em papel.

c) Deglutição: melhoria significativa da funcionalidade da deglutição - iniciou alimentação exclusiva via oral a 29-01 (mantendo treino de conduto mole e espessamento de líquidos a mel com colher de sobremesa; necessidade de cumprir as seguintes orientações: segunda deglutição para limpeza, manobra de flexão da cabeça e segunda deglutição para limpeza, verificar presença de voz molhada - pedir vogal sustentada /a/ a cada 5 ofertas e solicitar deglutição de saliva; se se objetivar voz molhada repetir o procedimento.

d) Pares cranianos: mantém hipoacusia bilateral grave (sem melhoria com próteses auditivas). parésia facial direita muito ligeira.

e) Quadro neuromotor e funcional: mantém quadro neuromotor de tetraparésia atáxica, mas com melhoria significativa da força muscular global (agora G4) e tolerância ao esforço, bem como o controlo axial de tronco; mantém dismetria marcada à direita, mas com melhor controlo motor com estratégias; sem alterações do tónus muscular e limitações das amplitudes articulares.

Funcionalmente mantém marcadas limitações pelos múltiplos défices sequelares que apresenta (sobretudo cognitivo, perceptivo-auditivo e motor), a comunicação ainda limitada pelas alterações da acuidade auditiva e pouca inteligibilidade do discurso; a deglutição é exclusivamente oral e funcional com estratégias (pelo que se aguarda período de 3 semanas de teste para ponderação de retirada de PEG). Do ponto de vista motor, limitação funcional moderada dos membros superiores pela ataxia (pior à direita) mas conseguindo realizar algumas tarefas de destreza manual simples, grafismo ainda pouco legível; equilíbrio de tronco sentado estático eficaz e dinâmico razoável, consegue assumir a posição de ortostatismo com ajuda mínima de 3ª pessoa e apoio bilateral (membros superiores) e consegue realizar marcha com razoável funcionalidade em curtas distâncias e pisos regulares, com auxílio de andarilho e supervisão de 3ª pessoa, deambulando para maiores distâncias e pisos irregulares em cadeira de rodas conduzida por 3ª pessoa; sobe e desce escadas com apoio no corrimão e ajuda moderada de 3ª pessoa. Está parcialmente dependente em todas as AVD, necessitando de ajuda mínima na alimentação e transferências (excepto para duche/sanita - ajuda moderada), ajuda moderada na higiene pessoal, banho e vestir metade superior, ajuda máxima vestir metade inferior e total na utilização da sanita: não controla esfíncteres (em regime de perdas para fralda) - MIF 52/126.

- Durante o internamento no CRN apresentou:

a) Candidíase oral aquando da admissão;

b) Défice de vitamina D aquando da admissão;

c) Hipoproteinemia com hipoalbuminemia aquando da admissão);

d) Agitação psicomotora;

e) Hemorragia estoma da PEG (05-09-2018): secção de vaso periestoma (5h), com necessidade de transferência SU-CHVNG;

f) Bexiga neurogénea;

g) Hipoacusia bilateral grave.

- Em função das melhorias, a autora teve alta para o domicílio, com apoio da família, com as seguintes recomendações:

“- deve ser estimulada à participação nas AVD no domicílio, maximizando as suas capacidades cognitivomotoras e funcionalidade. deve seguir as orientações dadas no internamento para a deglutição, “reportando qualquer intercorrência (no caso da ausência durante as próximas 3 semanas, pondera-se a retirada da PEG).

- Foi proposto a continuação de programa de reabilitação após a alta nas valências de Fisioterapia e terapia ocupacional em ambulatório neste Centro, pelo que se solicita a sua referenciação pelo médico assistente. pela ausência de ambulatório na valência de Terapia da Fala, deverá dar a sua continuidade noutra clínica/instituição na área de residência.

- deverá manter a medicação prescrita, não a devendo suspender sem indicação médica.”.

-À data da alta, e autora fazia a seguinte medicação: Metilfenidato 15 mg, dois comprimidos por dia; Pantoprazol 40 mg, um comprimido em jejum; Tansulosina 0,4 mg, um comprimido em jejum; Melatonina 2 mmg, dois comprimidos ao deitar se insónia (tentar após estabilização do sono a sua redução e suspensão); Macrogol 1 a 2 saquetas em SOS se a obstipação com fezes duras (nesse caso reforçar a ingestão hídrica).

- Em consequência das lesões decorrentes do acidente, apresenta as seguintes sequelas:

- Crânio: cicatriz eucrómica com 6 por 0,5 cm de maiores dimensões na região parietal direita. Exame neurológico sumário: reflexo pupilar direto e de acomodação preservados;

- Movimentos oculares sem alterações, sem desvio da língua, elevação simétrica do palato e da úvula; com atrofia muscular generalizada; tónus muscular mantido; reflexos osteotendinosos dos membros superiores despertáveis bilateralmente; reflexos osteotendinosos dos membros inferiores menos despertáveis à direita. Sensibilidades superficiais mantidas bilateralmente a nível dos membros superiores e inferiores. Dismetria no teste do dedo-nariz à direita

- Face: Parésia facial direita ligeira

- Tórax: assimetria clavicular com tumefação dura a nível do terço médio da clavícula esquerda, sem dor à palpação e sem limitação dos movimentos do ombro esquerdo;

- Membro superior direito: força muscular 4+/5, evidenciando-se algum tremor no máximo do esforço muscular; reflexos osteotendinosos mantidos e simétricos;

- Membro superior esquerdo: força muscular 5/5; reflexos osteotendinosos mantidos e simétricos, tremor ligeiro durante o esforço;

- Membro inferior direito: força muscular 4/5, reflexos despertáveis, mas diminuídos em relação ao membro contralateral:

- Membro inferior esquerdo: grau de força muscular 5/5, sem clónus, reflexos osteotendinosos mantidos, mais despertáveis que à direita.

- Em consequência das lesões decorrentes do acidente, é portadora de Implante coclear esquerdo, tem prótese auditiva direita, não tem capacidade de comunicação útil, apresenta mímica facial simétrica e disartria marcada.

- Em consequência das lesões pós traumatismo crânio encefálico, das quais apenas recuperou parcialmente, a autora deixou de ter capacidades cognitivas para, de forma livre, plena e esclarecida e consciente, exercer a sua vontade e os seus direitos e deveres, não reunindo condições para gerir a sua pessoa nas decisões básicas da sua existência e de eventuais bens patrimoniais, não conseguindo realizar qualquer simples negócio da vida corrente;

- Em consequência das sequelas de que ficou a padecer, a A. carece permanentemente de ajuda de terceiros, de acompanhamento médico e de enfermagem, tratamentos de medicina física e de reabilitação, ajuda medicamentosa, tratamentos neuropsicológicos, terapia da fala, ajuda de terceira pessoa e terapia ocupacional.

- Em consequência das sequelas de que ficou a padecer, apresenta alterações da capacidade de comunicação, com surdez e alterações da produção da fala que dada a disartria e a falta de feedback auditivo se torna inteligível, não tem competências motoras para efetuar escrita, encontra-se desorientada no tempo e no espaço, apresenta alterações do comportamento tendo momentos de raiva, tristeza profunda, apatia e indiferença.

- No que respeita ao funcionamento cognitivo, a autora apresenta desempenho global com défice moderado, capacidades de atenção e concentração com ritmo de processamento mais lentificado, função mnésica de curta e longa duração comprometida em grau moderado a severo incapacitando a aquisição, retenção e evocação de nova informação; da voz e da fala; digestivas (disfagia); neuro-músculo esqueléticas – tetraparésia espástica e incapacidade da marcha sem apoio de 3ª pessoa); genito-urinárias – bexiga neurogénica; sensoriais e dor (surdez neuro-sensorial bilateral.

- Em consequência das sequelas, está dependente para a realização de todas as atividades da vida diária, apenas assumindo tarefas simples com esforço acrescido e demorando mais tempo tais como lavar os dentes e o ato de comer, desde que os alimentos sejam previamente preparados por terceiros.

- A autora para se locomover precisa de apoio de terceiros em superfícies planas e por pequenos percursos como no interior do domicílio, deslocando-se em cadeira de rodas manual manobrada por terceiros.

- A autora não possui carta de condução de veículo automóvel regularizada de acordo com a sua situação atual e as deslocações de longo percurso são asseguradas pelos pais;

- Em consequência das sequelas de que ficou a padecer, a A. perdeu as competências que lhe permitiriam a escrita manual.

- Em consequência das sequelas de que ficou a padecer, a autora utiliza almofada de prevenção de escaras, andarilho, que não usa, cadeira de rodas manual activa, implante coclear, poltrona.

- À data do acidente, a autora exercia a atividade profissional de professora de biologia, ao serviço do Ministério da Educação, estando colocada na Escola Secundária .... DD, na ....

- Em consequência das sequelas de que ficou a padecer, a autora ficou definitivamente incapacitada para o exercício da sua atividade profissional habitual e qualquer outra.

- Após os embates a autora permaneceu em agonia e com dores até ser socorrida.

- Os ferimentos, os tratamentos a que a autora teve e tem de se submeter causaram-lhe, causam e causar-lhe-ão fortíssimas dores, medo da morte, medo de estar sozinha, desespero, estar dependente e, ainda, a perda de autonomia e o sentimento de impotência para gerir o destino inerente à sua situação.

- As dores sofridas após os embates correspondem a um quantum doloris de grau 6, numa escala crescente de gravidade de 7.

- A autora padece de instabilidade emocional resultante da sua incapacidade para desempenhar as funções inerentes à sua condição de filha, além da sua incapacidade de prover ao seu próprio sustento e da ajuda que prestava habitualmente à sua família mais próxima.

- Antes do acidente, a autora era uma pessoa alegre e de bem com a vida, realizada na sua profissão, feliz na sua família e zeladora da sua autonomia e independência, e atualmente sente-se deprimida e triste, sem qualquer gosto e interesse pela vida.

- Em virtude das sequelas que ficou a padecer jamais poderá frequentar o ginásio, corridas, andar de bicicletas, fazer caminhadas, sair com a família e amigos, ir de férias ou ir para a praia, o que corresponde a um prejuízo de afirmação pessoal de grau 5 numa escala crescente de gravidade de 7.

- A autora sofreu um défice funcional temporal total de 366 dias, de 18.06.2018 a 18.06.2019, um défice funcional temporal parcial de 366 dias de 19.06.20219 a 19.06.2020, data da consolidação das lesões.

- A lesões sofridas correspondem a um dano estético de grau 5, numa escala crescente de gravidade de 7.

- Desde a data do acidente a autora nunca mais foi menstruada e não tem condições físicas nem psicológicas para ter um relacionamento sexual normal, o que corresponde a uma repercussão permanente da sua atividade sexual de grau 5, numa escala crescente de gravidade de 7.

- Em consequência das sequelas resultantes das lesões decorrentes do acidente a autora encontra-se medicada com Quetiapina.

- Em consequência das sequelas resultantes das lesões decorrentes do acidente, a autora tem indicação para manter acompanhamento médico na área de Otorrinolaringologia e Medicina Física e de Reabilitação e realizar tratamento (fisioterapia, terapia ocupacional, terapia da fala), tendo como objetivo a recuperação das funções neuro-músculo-esqueléticas, incluindo a melhoria da coordenação motora, da funcionalidade, da capacidade de marcha e da comunicação, beneficiando também de intervenção de reabilitação neuropsicológica, bem como de apoio psicológico.

- Em consequência das sequelas, a a autora sofre de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 91 pontos.

Não se revestindo fácil a tarefa de reproduzir casos similares e temporalmente próximos, podemos, ainda assim, como auxiliares da decisão, com vista à formulação do dito juízo equitativo e proteger a unidade do direito, encontrar os seguintes apoios na jurisprudência do STJ[10]

Ac. de 19.01.2016 (processo 3265/08.6TJVNF.G1.S1)

É justa e adequada à reparação do dano não patrimonial a indemnização de € 100 000 ao sinistrado por acidente de viação que sofreu lesões que implicaram mais de 17 intervenções cirúrgicas, internamentos sucessivos (o primeiro por 7 meses e vários por 1 ou 2 meses), que sofreu dano estético relevante, que ficou com necessidade da ajuda de canadianas para as deslocações, que ficou com um encurtamento de uma perna, que ficou psicológica e psiquiatricamente afetado de forma grave face às dores sentidas, alteração da sua vida nas vertentes profissional, social, pessoal e familiar, receio de amputação da perna, perda da esperança de voltar a andar normalmente (malefícios estes que lhe determinaram ao nível das sequelas psiquiátricas uma incapacidade permanente parcial de 12 pontos), que sofreu por quase três anos de ITT, que ficou afetado de uma IPP de 49 pontos, sendo as sequelas, em termos de rebate profissional impeditivas do exercício da sua atividade profissional habitual, bem assim como de qualquer outra dentro da sua área de preparação técnico-profissional e sem capacidade futura de reconversão, que ficou necessitado do auxílio de 3.ª pessoa para algumas atividades do seu dia-a-dia, para o resto da sua vida, que ficou afetado de anquilose a nível do joelho esquerdo, anquilose no tornozelo em flexão plantar, ausência de extensão e eversão ativas no pé esquerdo”.

Ac. de 07.03.2017 (Processo 431/10.8TBOHP.C1.S1)
Tendo o lesado sido submetido a várias intervenções cirúrgicas e a inúmeros tratamentos, tendo sofrido vários internamentos hospitalares e dores deveras significativas, tendo estado completamente imobilizado no leito e por tempo apreciável, tendo ficado afetado na sua funcionalidade somática a vários níveis, tendo ficado afetado esteticamente, tendo ficado afetado na sua sexualidade, e tendo sofrido ainda outros danos não patrimoniais, é adequada a valoração do dano não patrimonial em € 80 000”.

Ac. de 11.02.2016 (Processo 1104/12.2T2AVR.P1.S1)
IV - Resultando dos factos provados que o lesado: (i) tinha 26 anos de idade à data do acidente (13-05-2010); (ii) prestava serviço militar na Força Aérea Portuguesa; (iii) em consequência do acidente sofreu um traumatismo crânio-encefálico, com múltiplos focos hemorrágicos, tendo ficado em coma e sido sujeito a internamento hospitalar, com medicação, ventilação, alimentação nasogástrica e traqueostomização, tendo ficando retido no leito, sempre na mesma posição, sem falar, nem comunicar com ninguém; iv) após o internamento, foi encaminhado para consulta externa de neurologia, tendo regressado à casa dos pais, onde ficou acamado por dois meses, com assistência permanente de terceira pessoa, tendo passado a receber tratamentos de fisioterapia (funcional e cognitiva); (v) ficou absoluta e definitivamente impossibilitado de prosseguir a sua carreira militar na Força Aérea ou em qualquer outro ramo das Forças Armadas, o que lhe causou profundo desgosto; (vi) sofreu dores ao longo de um período de dois anos, fixáveis no grau 5 numa escala de 7; (vii) obteve a consolidação médico-legal em 13-05-2012; (viii) ficou a padecer de um défice funcional permanente de integridade físico-psíquica de 32 pontos; (ix) sofreu um dano estético permanente, uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer e uma repercussão permanente na actividade sexual, tudo fixado em 3 numa escala de 7; e (x) passou a sentir complexo de inferioridade, isolando-se e evitando o convívio com outras pessoas, quando antes era esbelto, saudável, forte, ágil, dinâmico, robusto e não apresentava qualquer deformidade física, tem-se como equitativa a fixação da indemnização devida, a título de danos não patrimoniais, em € 100 000 (em não em € 80 000 como foi fixado pela Relação)”.

Ac. de 07.04.2016 (processo 55/12.1TBOFR.C1.S1)
No caso vertente, estando em causa indemnização por danos morais, tem-se por ajustado o montante de €60 000, considerando que o lesado, com 22 anos de idade, apresenta como sequelas permanentes do acidente, pé pendente, com os dedos do pé em garra, por paralisia do ciático poplíteo externo; marcha claudicante e alteração da sensibilidade, com dores permanentes na perna e no pé; uma cicatriz que se estende da anca esquerda até à cintura; concavidade acentuada junto ao joelho esquerdo e várias cicatrizes na testa e cabeça, o que traduz um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 20 pontos, padecendo de dano estético permanente de 5 pontos (num total de 7) e impossibilidade de práticas desportivas físicas (futebol e motocrosse) e de profissões que exijam esforço de permanência em pé”.

Ac. de 14.07.2016 (Processo 8/13.6TBSEI.C1.S1)
V - Resultando da factualidade provada que o lesado, em consequência do acidente de viação de que foi vítima: (i) sofreu traumatismos vários, em particular, incidentes sobre o esfacelo do pé e tornozelo esquerdos e fractura do colo do 5.º MTT esquerdo, com perda de substância óssea, tendinosa e cutânea; (ii) ficou com os movimentos do pé esquerdo clinicamente irrecuperáveis; (iii) foi-lhe aplicada uma bota ortopédica que vai necessitar de usar para o resto da vida; (iv) apenas consegue caminhar com o uso de canadianas, não prescindindo do uso permanente de uma; (v) foi-lhe fixado um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 30 pontos; (vi) as sequelas sofridas são impeditivas do exercício da sua actividade profissional, bem como de outras actividades que exigem esforços físicos, sendo necessária a sua reconversão profissional; (vii) antes do acidente, havia adquirido um negócio de venda de bens alimentares que tinha um volume de vendas mensal na ordem do € 5 000 no qual investira todas as suas economias e para o qual contraiu empréstimos bancários; (viii) auferia cerca de € 3 000 mensais nos meses que antecederam o acidente; (ix) tinha, à data, 41 anos de idade, mostra-se adequado o montante de € 300 0000 fixado a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, conforme arbitrado pela Relação.
VI - Tendo ainda ficado provado que o lesado, em consequência do acidente e para além do referido em V: (i) sofreu uma degeneração psíquico-depressiva que o obriga a manter medicação com anti-depressivos e ansiolíticos; (ii), caiu em profunda depressão por se sentir incapaz de cuidar da sua família, composta por si, sua esposa e dois filhos, e solver os seus compromissos; (iii) padeceu e continua ainda hoje a padecer de enormes e intensas dores, continuando em sofrimento; (iv) sente-se diminuído como homem porque praticamente perdeu um pé; (v) vive traumatizado e estigmatizado por ser socialmente desvalorizado como “coxo” ou “perneta”, sentindo-se como um deficiente físico socialmente excluído; (vi) o quantum doloris e o dano estético associado às lesões foram fixados no grau 5 (em 7), mostra-se adequado o montante de € 100 000 fixado a título de indemnização por danos não patrimoniais, conforme arbitrado pela Relação”.

Ac. de 14.07.2016 (Processo 6707/08.7TBLRA C1.S1)
Mostra-se equitativamente adequado o valor de € 100 000 para indemnizar o dano biológico da lesada em acidente de viação na consideração do seguinte quadro provado: (i) a lesada ficou com um défice funcional permanente de 31 pontos; (ii) à data do acidente, tinha 38 anos de idade; (iii) exercia a actividade de empregada de escritório; (iv) e é previsível o agravamento futuro das sequelas de que ficou a padecer”.

Ac. de 19.10.2021 (Processo 7098/16.8T8PRT.P1.S1)
IV - Respeita igualmente os imperativos de equidade uma indemnização por danos morais no montante de € 125 000,00, de acordo com a jurisprudência e seu sentido evolutivo, que atende à circunstância de o autor, pessoa saudável, ter passado a necessitar durante toda a sua vida do auxílio de terceira pessoa para determinadas tarefas (membro superior esquerdo completamente paralisado); sentir vergonha de si mesmo nas suas relações com outros, nomeadamente por força da afectação da sua actividade sexual fixável no grau 3/7; alterações do sono, instabilidade emocional, diminuição das capacidades de memória e raciocínio, síndroma pós-traumático, perda da libido. E num quadro de dores permanentes que exigem consulta da dor quantificáveis no grau 6/7; com dano estético permanente do grau 5/7 e perda de capacidade e interesse por actividades que anteriormente lhe davam prazer fixável no grau 4/7”.

Ac. de 29.01.2019   (processo 1382/16.8T8VRL.G1.S1)
Provando-se que a lesada (com 55 anos à data do acidente), em consequência do acidente, (i) sofreu múltiplas fraturas, (ii) permaneceu internada por três vezes, (iii) tem défice permanente da integridade físico-psíquica de 44 pontos, impeditivas do exercício da sua profissão de empregada de limpeza, (iv) dano estético de grau 3 em 7, (v) sofreu quantum doloris de grau 5 em 7, (vi) caminhou durante algum tempo com andarilho e canadianas, (vii) não consegue fazer, como fazia, caminhadas, alguns trabalhos domésticos, subida e descida de escadas sem dificuldade, (viii) está triste, perturbada, desgostosa e com enorme tristeza por não poder trabalhar, mostra-se equilibrado o valor de € 40 000 euros para indemnizar os danos não patrimoniais sofridos”.

Ac. de 07.09.2020 (Processo 5466/15.1T8GMR.G1.S1)
Não se mostra excessivamente valorado em € 60 000,00 o dano não patrimonial que atingiu o lesado em acidente de viação, perante o seguinte quadro nuclear: - tinha 34 anos; - sofreu esmagamento dos membros inferiores, com amputação traumática do membro inferior esquerdo e com amputação do membro inferior direito abaixo do joelho; - sofreu várias fraturas; - sofreu várias intervenções cirúrgicas e internamentos hospitalares; - sofreu um período de défice funcional temporário total de 180 dias; um período de défice funcional temporário parcial de 503 dias; um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 682 dias; - ficou afetado de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 67 pontos, impeditivo do exercício da atividade profissional habitual (embora compatível com o exercício de outras profissões da sua área de preparação técnico-profissional); - padeceu de dores de grau 6 numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 graus; - sofreu dano estético permanente de grau 5, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 pontos; - está afetado de uma limitação permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 4, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 pontos; - está afetado sexualmente num grau de 4, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 pontos; - está relativamente limitado na sua independência e nas suas atividades da vida diária e doméstica; - foi sujeito a dolorosos tratamentos e ainda padece de dores; - ficou triste, nervoso e melancólico, com dificuldade em dormir e descansar, sendo agora uma pessoa amargurada, angustiada e abatida, sentindo profundamente as sequelas do acidente; - está obrigado a fazer uso de próteses nos membros inferiores”.

Ac. de 19.10.2021 (Proc. 7098/16.8T8PRT.P1.S1)
Respeita igualmente os imperativos de equidade uma indemnização por danos morais no montante de € 125 000,00, de acordo com a jurisprudência e seu sentido evolutivo, que atende à circunstância de o autor, pessoa saudável, ter passado a necessitar durante toda a sua vida do auxílio de terceira pessoa para determinadas tarefas; sentir vergonha de si mesmo nas suas relações com outros, nomeadamente por força da afectação da sua actividade sexual fixável no grau 3/7; alterações do sono, instabilidade emocional, diminuição das capacidades de memória e raciocínio, síndroma pós-traumático, perda da libido. E num quadro de dores permanentes que exigem consulta da dor quantificáveis no grau 6/7; com dano estético permanente do grau 5/7 e perda de capacidade e interesse por actividades que anteriormente lhe davam prazer fixável no grau 4/7”

Ac. de 17.06.2024 (processso n.º 107/21.0T8ETR.P1)
III - É justificada a atribuição de uma indemnização de 150.000€ para ressarcimento dos danos não patrimoniais a um lesado com 21 anos à data do acidente que: ficou com défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 78 pontos; tem a sua locomoção limitada o uso de cadeira de rodas; dano estético de grau seis; teve repercussão nas atividades de lazer e desportivas de grau 5; se encontra totalmente incapaz de obter qualquer gratificação sexual; está incapacitado de exercer profissão que demande o uso do corpo, sendo que não estava habilitado para outra; ficou definitivamente dependente da ajuda de terceiros e de recurso a médicos, tratamentos e à toma de medicamentos; tem necessidade permanente de uso de sonda vesical acoplada a saco coletor; sofreu défice funcional temporário total foi fixado em 792 dias; sofreu quantum doloris de grau 6.”

Do exposto decorre que, sem prejuízo da especificidade irrepetível de cada caso concreto, em face dos elementos demonstrados nos autos, as gravíssimas consequências do acidente e à situação em que a A. se encontra, entende-se que o valor fixado pela primeira instância, a título de ressarcimento dos danos não patrimoniais, mormente quando em confronto com decisões proferidas em casos similares ou com gravidade substancialmente inferior, se apresenta como insuficiente, desrespeitando, nessa exata medida, o juízo de equidade legalmente imposto, apresentando-se antes como justo e adequado fixar a esse título o montante de € 260.000 (com referência à data da decisão da primeira instância).

B – Do recurso interposto pela Ré: saber se os juros moratórios relativamente aos valores fixados na sentença a título de perda da capacidade de ganho (€ 300.000) e ajuda de terceira pessoa (€ 1.025.283,60) são devidos apenas desde a data da sentença.

Na sentença recorrida decidiu-se, a este propósito, condenar a Ré, a pagar à A. “A título de danos patrimoniais a quantia global de € 1.325.283,60 (300.000,00+1.025.283,60) (um milhão, trezentos e vinte e cinco mil, duzentos e oitenta e três euros e sessenta cêntimos), acrescido de juros de mora desde a data da citação, à taxa de 4% até efectivo e integral pagamento”.

A Ré defende que os juros devem ser contados desde a sentença porquanto: i) quanto à perda da capacidade de ganho (€ 300.000) por o montante indemnizatório ter sido fixado com recurso à equidade e com referência à data da sentença, e ii) quanto às despesas para fazer face à necessidade de ajuda de uma terceira pessoa (€ 1.025.283,60), porque a Ré tem vindo a pagar os valores fixados no âmbito do procedimento cautelar que pretendem acautelar tais despesas da A. (primeiro de € 700, depois de € 2.750), pelo que, de forma a evitar o enriquecimento sem causa, os juros devem ser contabilizados desde a data da sentença.

Já a A. defende o acerto da decisão recorrida, no essencial porque “a Meritíssima Juíza a quo em parte alguma da sentença demonstrou ou referiu que tenha atualizado a indemnização por danos patrimoniais que arbitrou à aqui Autora” e quanto aos valores fixados no âmbito dos procedimentos cautelares “não tiveram em conta apenas a necessidade de ajuda de uma terceira pessoa, mas também as despesas incorridas pela Recorrida com cuidados médicos, consultas, tratamentos, exames complementares de diagnóstico e até deslocações”.

 De acordo com o disposto no art. 806.º, n.º 1 do Código Civil, nas obrigações pecuniárias, tal como as que foram objeto de condenação nos autos, a indemnização pelo incumprimento corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora, sendo que se a obrigação provier de facto ilícito, como também ocorre na situação presente, há mora do devedor independentemente de interpelação (art. 805.º, n.º 2, b) do mesmo diploma legal).

Por outro lado, vigorando em sede da obrigação de indemnização em dinheiro o princípio da atualidade, decidiu-se no AUJ n.º 4/2002 (Diário da República, I.ª Série -A, de 27 de Junho de 2002) que “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”.

Como se deixou expressamente assumido neste aresto, a este propósito “não há que distinguir entre danos não patrimoniais e danos patrimoniais e ainda entre as diversas espécies ou categorias de danos patrimoniais, uma vez que todos são indemnizáveis em dinheiro e susceptíveis, portanto, do cálculo actualizado constante do n.º 2 do artigo 566.º”.

Por outro lado, esse entendimento deve também ter em consideração o decidido, entre outros, no Ac. do STJ de 15.02.2022 (processo n.º 899/19.7VCT.G1.S1), no sentido de que, em princípio[11], “Quando a decisão (sentença ou acórdão) fixa o valor de uma indemnização com base na equidade, deve ser considerada uma decisão atualizadora para o efeito previsto no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência n.º 4/2002”.

Assim, e aderindo este coletivo integralmente ao decidido nesses acórdãos, importa verificar se a decisão recorrida procedeu ou não ao cálculo atualizado dos danos patrimoniais[12] correspondentes ao dano biológico (na vertente de perda de rendimento concomitante) e montante destinado a garantir o pagamento da ajuda permanente de uma terceira pessoa (face às sequelas e gravíssimas limitações de que a A. ficou a padecer).

E o primeiro realce a assinalar é que, contrariamente ao que fez relativamente aos danos não patrimoniais (em que assumiu a atualização do montante arbitrado), a decisão recorrida referiu “Quanto aos montantes atribuídos a título de danos patrimoniais serão devidos juros de mora à taxa legal de 4% desde a data da citação”.

Assim, ao acentuar na sentença a diferença entre danos patrimoniais e não patrimoniais, (págs. 30 e 31, parágrafo iniciado com “Ultima nota referente aos juros”), pretendeu a Sra. Juíza deixar expresso que, contrariamente ao que ocorreu quanto ao dano não patrimonial, os valores fixados a título de danos patrimoniais não foram atualizados à data da sentença, ou seja, efetuou o arbitramento tendo como referência a data da citação da Ré como “data mais recente para efeitos do art. 566.º, n.º 2 do Cód. Civil.

Assim, muito embora a Sra. Juíza tenha, pelo menos quanto ao dano biológico, recorrido ao critério da equidade para efeitos da fixação do valor indemnizatório, nada da sentença resulta em contrário ao vertido na aludida diferenciação.

Daí que, a mera circunstância de ter recorrido ao critério da equidade, não significa qualquer contradição da decisão nos seus próprios termos, ou que a data mais recente atendida pelo tribunal tivesse sido a da sentença; ao contrário, o que resulta é que não foi.

Já no respeitante ao montante destinado a garantir o pagamento da ajuda permanente de uma terceira pessoa[13], apresenta-se como indiferente a circunstância de a Ré ter vindo, ao longo dos últimos anos, a efetuar o pagamento do valor fixado a este título.

Na verdade, o incumprimento existente (quanto ao pagamento da reparação, claro está) é da Ré, trata-se de uma indemnização em dinheiro, e tem fundamento na prática de facto ilícito.

Todavia, ainda que se admita que a Sra. Juíza não teve qualquer intencionalidade de proceder à atualização deste dano à data da sentença, salvaguardado o devido respeito, que é efetivamente muito, também não podemos proceder à contabilização (do valor global) dos juros de mora desde a data da citação, pela simples razão de esse valor global resultar de uma ampliação e não de um pedido inicial.

Quer-se dizer; inicialmente a A. apenas havia efetuado o pedido a este título de € 493.500, tendo procedido à ampliação em mais € 1.009.990 em 24.042023.

Ou seja, não é possível sustentar que a Sra. Juíza tivesse procedido à atualização com referência a uma data anterior (à da citação da Ré), em que o montante de € 1.009.990 ainda nem sequer havia sido reclamado.

Assim, resultando da decisão como manifesto que a Sra. Juíza não  procedeu à atualização deste dano à data da sentença, relativamente ao montante que excede o originalmente pretendido, os juros de mora apenas são devidos desde a data em que a Ré foi notificada da ampliação do pedido.

Como tal, o recurso procede parcialmente nesta sede.

                                                                  *              

Sumário[14]

(…).

IV - DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, acorda-se em:
a) julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela A., e, consequentemente, revogar a decisão recorrida na parte I do dispositivo, indo a Ré condenada no pagamento à A., a título de danos não patrimoniais da quantia de € 260.000 (duzentos e sessenta mil euros), acrescida de juros de mora, vencidos e vincendos, à taxa de 4%, contados desde 01.04.2024 (data da decisão proferida pela 1.ª instância), até efetivo e integral pagamento;
b) julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré e, consequentemente, revoga-se, em parte, o ponto II do dispositivo da decisão recorrida, que passa a figurar com a seguinte redação:
“A título de danos patrimoniais a quantia global de € 1.325.283,60 (300.000,00+1.025.283,60) - um milhão, trezentos e vinte e cinco mil, duzentos e oitenta e três euros e sessenta cêntimos-, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, até efetivo e integral pagamento, juros contados nos seguintes termos: desde a citação da Ré sobre o montante de € 793.500 (300.000+493.500) e sobre o remanescente desde a notificação da Ré do requerimento apresentado pela A. em 24.04.2023, sob a referência eletrónica 9687079”;
c) manter, no demais, a decisão recorrida.

                                                                      *

Custas de cada um dos recursos a cargo da recorrente e da recorrida, na proporção do decaimento.

Coimbra, 25 de outubro de 2024


______________________

(Paulo Correia)

______________________

(Maria João Areias)

 _______________________

(Chandra Gracias)



[1] Relator – Paulo Correia
Adjuntos – Maria João Areias e Chandra Gracias
[2] - Retificou-se o manifesto lapso constante da decisão recorrida (III).
[3] - Servindo-se da referência de 7%, o Ac. do S.T.J. de 5/5/94, C.J.-S.T.J, 94,11, pag. 88, de 2% o Ac. do TRC de 6 de Setembro de 2011 (proferido no processo 1561/08.1TBCTB) e de 1% o Ac. do TRL de 26.09.2017 (proferido no processo 10421/14.6T2SNT.L1-7, disponível em www.dgsi.pt).

[4] É o seguinte o método de cálculo: DPF = {[(1 – ((1 + k)/(1 + r))^n)/(r -k)] × (1+r)} × p
em que
p - Representa o valor das prestações (rendimentos anuais) da vítima.

r - Representa a taxa de juro nominal líquida das aplicações financeiras, de 5% ao ano

k - Representa a taxa anual de crescimento da prestação, de 2%
n - Representa o número de meses em que as prestações se manterão
A mesma Portaria fornece depois um quadro listagem de fatores multiplicativos, que nos dão o resultado do cálculo da fórmula para diferentes horizontes temporais, sempre baseados numa taxa de juro de 5%, e numa taxa de inflação de 2%, que - à data da sua publicação - eram pressupostos razoáveis.

[6]- No mesmo sentido, entre outros: Ac. do STJ. de 07.07.2009. Processo n.º 205/07.3GTLRA.Cl; Ac. do STJ, de 18.03.2010, Processo n.º 1786/02.3SILSB.L1.S1; Ac. do STJ, de 14.09.2010, Processo n.º 797/05.ITBSTS.PI; Ac. do STJ, de 17.05.2012, Processo n.º 48/2002.I.2.S2; Ac. do STJ, de 07.02.2013, Processo n.º 3557/07.ITVLSB.L1.S1; Ac. da RP, de 20.03.2012, Processo n.º 571/l0.3TBLSD.Pl; Ac. da RP, de 15.01.2013, Processo n.º 1949/06.2TVPRT.Pl; e Ac. da RG, de 12.01.2012, Processo n.º 282/09.2TCGMR-A.Gl, todos disponíveis in www.dgsi.pt.

[7] - Este encurtamento apenas faz sentido ponderá-lo a título de dano não patrimonial.
[8] - 851.200 [€ 1600x14x38 anos] + 42.500 [€ 250x10x17] – 284.200 [580x14x35).
[9] - Como se afirma no Ac. do STJ de 17.11.2021 (Processo 563/18.4T8AVR.P1.S1) “Apesar de a remuneração do capital se encontrar hoje em níveis rasos, é prudente e justo fazer incidir uma redução de 10% no valor total da indemnização que a lesada vai receber de uma só vez para indemnizar o dano patrimonial futuro”.

[10] - Todos disponíveis em WWW.dgsi.pt
[11] O sumário do acórdão vai manifestamente mais longe do que o decidido onde, a esse propósito se limitou a transpor o decidido no acórdão do TRE de 14.01.2021, proferido no processo 1615/18.6T8STR.E1
[12]- A recorrente, recorde-se, não coloca em causa os valores arbitrados
[13]- Montante que, diga-se, na aparência arbitrado em termos generosos para a A., recordando-se que, só a título de juros, a uma taxa líquida de 2% ao ano, o montante confere-lhe um rendimento mensal de € 1.708,81 [1025283,60x2%:12), beneficiando também a A. do recebimento de uma só vez da totalidade de valores que só irá despender ao longo de um período temporal muito dilatado. Ainda assim, esta generosidade fica mitigada pela circunstância, com elevada probabilidade, dentro de alguns anos o valor mensal de € 2995 se mostrar insuficiente para os efeitos pretendidos ou para o pagamento a uma instituição que possa garantir os cuidados de que a mesma necessite.
[14] - Da exclusiva responsabilidade do relator (art. 663.º, n.º 7 do CPC).