Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | MOREIRA DO CARMO | ||
Descritores: | INVENTÁRIO REMESSA PARA OS MEIOS COMUNS MATÉRIA APENAS DE DIREITO | ||
Data do Acordão: | 04/22/2024 | ||
Votação: | DECISÃO SINGULAR | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO LOCAL CÍVEL DE CANTANHEDE | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | REVOGADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 1092.º, 1, A) E B) E 1093.º, DO CPC | ||
Sumário: | i) Estando a matéria factual relevante já apurada nos autos de inventário e sendo a resolução da questão controvertida apenas de direito – saber se uma doação é nula ou caducou – não se deve suspender a instância e remeter os interessados para os meios comuns, à sombra do art. 1092º, nº 1, b), do NCPC, para “definição de direitos de interessados diretos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente decididas;”. | ||
Decisão Texto Integral: | I – Relatório
1. AA, residente em ..., requereu se proceda a INVENTÁRIO JUDICIAL, por falecimento de BB, no estado de casada segundo o regime de comunhão geral de bens com CC, deixando como seus únicos e universais herdeiros: a) o viúvo CC; e b) DD; c) AA, ora requerente; d) EE; e) FF; f) GG, todos estes filhos da inventariada e marido, encontrando-se a herança indivisa. Entretanto houve lugar a cumulação de inventários por morte do viúvo CC. A cabeça de casal DD apresentou a relação de bens. GG, EE e FF deduziram reclamação à relação de bens, que veio a ser decidida. No ponto 2. da sua reclamação a interessada GG veio dizer que tem que ser notificado HH, visto que em vida do referido CC este, por doação de 29 de Abril de 2021, lhe doou, e aos 5 filhos, em partes iguais, a meação no seu dissolvido casal e o seu quinhão hereditário na herança da sua falecida mulher BB, conforme cópia da escritura de doação que juntou, doação feita aos filhos por conta da quota disponível, e aceite logo pelos filhos EE, FF e GG, bem como pelo indicado HH, tendo os outorgantes sido advertidos que a proposta de doação caduca se não for aceite em vida do doador e é ineficaz se não for declarada ao doador a aceitação por parte dos filhos DD e AA. A cabeça de casal na sua resposta à reclamação da interessada GG, defendeu que a dita doação era nula, não tendo ela e o irmão AA aceite a mesma, pelo que, com a morte do pai doador, ela caducou. O interessado AA subscreveu a posição da irmã cabeça de casal. HH foi citado e aderiu á posição da reclamante GG. A interessada GG pronunciou-se sobre a forma à partilha e aí defendeu que os herdeiros constantes da indicada escritura, DD e AA não aceitaram a doação realizada sendo, por isso, ineficaz relativamente a estes. Também os interessados EE e FF se pronunciaram, dizendo que os referidos irmãos DD e AA foram conhecedores da aludida escritura de doação, através de todos os irmãos, e não manifestaram a vontade de a aceitar. Antes de decidir o tribunal ordenou a notificação dos interessados para se pronunciarem novamente sobre a indicada questão, tendo os interessados EE e FF mantido a mesma posição, bem como a interessada GG, que acrescentou que a DD e o AA foram conhecedores da escritura de doação porque foi-lhes comunicada pelo doador, pois foram informados do dia, hora e local da sua realização. Igualmente a cabeça de casal DD manteve a sua posição. Por fim, o interessado AA defendeu que o HH não é herdeiro dos inventariados, e que não tendo sido aceite por ele e irmã DD tal doação é nula. Sobre esta questão nenhum dos interessados nas diversas pronúncias arrolou prova, salvo a junção de cópia da dita escritura. * Foi, então, proferido despacho que determinou a suspensão da instância. * 2. O requerente/interessado AA interpôs recurso, concluindo (longa e desnecessariamente para uma questão simples) que: 1ª- Nos presentes autos de inventário cumulado por óbito de BB e CC foi pela cabeça de casal nomeada prestado o legal juramento,prestadas as legais declarações de cabeça de casal aí indicados os herdeiros legais,e apresentada a competente relação de bens. 2ªPosteriormente,em 28.06.2022 foi pela interessada GG deduzido o incidente de reclamação da relação de bens. 3ªProduzidas que foram todas as provas pertinentes ao caso, foi tal incidente decidido oportunamente,tudo conforme dos autos resulta. 4ªNão foi,contudo,objecto de apreciação a questão em apreço, qual é a de saber da” validade ou nulidade(por caducidade)da escritura de doação de 29.04.2021 onde o ora inventariado CC doou em partes iguais, a meação que detinha no dissolvido casal e o quinhão hereditário na herança da inventariada mulher, por conta da quota disponível a favor dos seus filhos e a um terceiro HH,que segundo a reclamante o doador sempre considerou como seu descendente,embora tal não se encontre legalmente registado “. 5ªEntende também a mesma reclamante”que os herdeiros naquela escritura DD e AA não intervenientes naquela escritura, não aceitaram a doação e,por isso,é ineficaz,relativamente a estes”-Sic. 6ªMas que é válida e eficaz quanto aos herdeiros legitimários que identifica e ainda a HH. 7ªEntendimento desde sempre contrariado pela cabeça de casal e pelo ora recorrente,pelas razões manifestadas nos autos e para as quais se remete.Na realidade, 8ªNaquela mesma escritura consta expressamente,in fine:”Adverti os outorgantes que a presente proposta de doação caduca se não for aceite em vida do doador e não for declarada a respectiva aceitação pelos indicados DD e AA”E, 9ªO doador CC faleceu em ../../2022 e a proposta de doação não foi aceite em vida pelos indicados seus filhos,nem declarada a respectiva aceitação. 10ªTal factualidade encontra-se toda documentalmente provada e aceite pelas partes,não havendo ,assim lugar a produção de qualquer outra prova complementar,nem requerida nem necessária. 11ªA quês tão em apreço, é manifestamente única e de aplicação de Direito aos factos apurados,ou seja, de saber da validade(como defendido pela reclamante)ou nulidade por caducidade,(como defende o recorrente).E, 12ªAqui chegados,entendeu o Tribunal “a quo”que tal matéria reveste complexidade não podendo a questão em análise ser resolvida nos presentes autos,atendendo à índole sumária da prova a produzir no processo de inventário,determinando a suspensão do processo e a remessa dos interessados para os meios comuns para resolução do litígio. 13ªDecisão de que se discorda e não aceita, pelas razões supra expostas no corpo destas alegações e respectivas conclusões ,aqui enunciadas. 14ªA questão em apreço, na modesta opinião do recorrente nem é prejudicial nem essencial, que justifique a remessa dos interessados para os meios comuns e a suspensão do inventário. Já que, 15ªCaso porventura qualquer dos interessados, ou mesmo o terceiro ,recorressem aos meios comuns, esta mesma questão a apreciar seria sempre a mesma,com as mesmas provas ,quiçá pelo mesmo Tribunal. 16ªE,não é a mesma de natureza complexa(na modesta opinião do recorrente tão só algo anómala)e, perante as circunstancias do caso, não é questão prejudicial ou complexa que justifique a suspensão da instância e sem fixação de prazo para tal,atentos entre outros os princípios de gestão, economia e celeridade processuais. 17ªAssim sendo deve tal despacho ser declarado nulo e de nenhum efeito,na conjugação das normas dos artigos 269º,1092º e 1093º do Cod.Proc.Civil,assim se evitando os seus efeitos dilatórios. 18ªAquele terceiro-que não é sequer herdeiro legitimário dos inventariados-,mas foi contemplado naquela escritura (proposta)de doação -,não recorreu sequer aos meios comuns na defesa dos seus pretensos diretos(e nem recorrerá adiantamos já) e a si competia exclusivamente, não podendo a sua inércia prejudicar os interessados directos na partilha. 19ªE,somente,caso o tivesse feito, mas não fez, existiria fundamento sério para a suspensão da instância em causa, até sua pertinente decisão. 20ªE,duma leitura mais cuidada do artº1093nº1 do C.P.C.resulta que a remessa dos interessados para os meios comuns só se justifica quando: a)a complexidade da matéria de facto subjacente tornar inconveniente a sua apreciação. b)que seja apreciada a definição dos interessados directos na partilha. 21ªNo caso em apreço não existe qualquer questão prejudicial ou complexa,não havendo lugar a produção de qualquer outra prova(para alem da já produzida),sendo tal questão sempre apreciada no conjunto de todas as provas já produzidas. 22ªSendo que aquele terceiro-HH-não é sequer interessado directo na partilha,-tudo que afasta desde logo a sua aplicação no caso sub-judice. 23ªProduzidas que foram todas as provas no incidente em causa,ao abrigo do seu poder de gestão processual poderia e deveria o Tribunal ter decidido toda a reclamação deduzida(e não apenas parcialmente),facto que motivou já a apresentação de nova relação de bens e consequente apontamento sobre a forma à partilha,com marcação de dia e hora para a conferencia de interessados e normal prosseguimento dos autos,com vista à partilha dos bens deixados pelos inventariados.Por isso, 24ª A Douta decisão recorrida, que ordenou a suspensão da instancia e a remessa dos interessados para os meios comuns, incorreu em manifesto erro de julgamento, excedendo os limites e a letra das normas aqui indicadas e o seu pensamento jurídico, pelo que foram violados o disposto nos artºs 1092ºe 1093º do C.P.Civil, devendo, consequentemente ser a mesma revogada e substituída por outra que ordene a decisão daquele incidente e o normal prosseguimento dos autos. Nestes termos e nos melhores de Direito e sempre com o Douto Suprimento deste Tribunal, deve ser dado provimento ao recurso, e no mais, com aplicação do Direito, revogando-se a decisão recorrida, com todas as consequências legais. Por ser Legal E de Justiça! 3. Inexistem contra-alegações.
II – Factos Provados
A factualidade a considerar é a que decorre do Relatório supra.
III – Do Direito
1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas. Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte. - Saber se deve manter-se a suspensão da instância.
2. No despacho recorrido escreveu-se que: “Nos presentes autos foi deduzida reclamação à relação de bens, sendo que de todas as questões colocadas, a questão suscitada no ponto 2. da reclamação deduzida em 28.06.2022 pela interessada GG permanece pendente, não havendo concordância entre os interessados a tal respeito. A reclamante refere que por escritura de doação de meação e quinhão hereditário, outorgada em 29/04/2021, o inventariado doou em partes iguais, a meação que detinha no dissolvido casal e o quinhão hereditário na herança da inventariada mulher, por conta da sua quota disponível a favor dos seus filhos e um terceiro, HH, que segundo a reclamante o doador sempre considerou como seu descendente, embora tal não se encontrasse legalmente registado. Em sede de resposta a tal reclamação a CC. (06.07.2022) pronunciou-se no sentido de considerar a doação referida pela reclamante nula. Notificadas as partes, pronunciaram-se no sentido de manterem presentemente as posições vertidas nos autos. Ora, tal matéria reveste complexidade não podendo a questão em análise ser resolvida nos presentes autos, atendendo à índole sumária da prova a produzir no processo de inventário. Face ao exposto, o tribunal não poderá conhecer da matéria em causa, restando às partes, à falta de acordo, o recurso aos meios comuns para resolução de tal litígio. Nos termos do art. 1092.º do CPC, sob a epígrafe “Suspensão da instância”: “1 - Sem prejuízo do disposto nas regras gerais sobre suspensão da instância, o juiz deve determinar a suspensão da instância: a) Se estiver pendente uma causa em que se aprecie uma questão com relevância para a admissibilidade do processo ou a definição de direitos de interessados diretos na partilha; b) Se, na pendência do inventário, forem suscitadas questões prejudiciais de que dependa a admissibilidade do processo ou a definição de direitos de interessados diretos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não devam ser incidentalmente decididas;” Nos termos do artigo 1093.º do CPC, sob a epígrafe “Outras questões prejudiciais”: “1 - Se a questão não respeitar à admissibilidade do processo ou à definição de direitos de interessados diretos na partilha, mas a complexidade da matéria de facto subjacente à questão tornar inconveniente a apreciação da mesma, por implicar redução das garantias das partes, o juiz pode abster-se de a decidir e remeter os interessados para os meios comuns. 2 - A suspensão da instância no caso previsto no número anterior só ocorre se, a requerimento de qualquer interessado ou oficiosamente, o juiz entender que a questão a decidir afeta, de forma significativa, a utilidade prática da partilha.” Ora, face aos elementos constantes dos autos, resulta que a resolução da referida questão contende com a definição de direitos dos interessados directos na partilha, especificamente com a fixação da quota parte dos seus direitos, que será diversa caso tal doação seja válida ou nula, pelo que a resolução da questão é essencial para a presente partilha, afectando significativamente os subsequentes trâmites processuais. Deste modo, afigura-se que a questão em análise afecta incontornavelmente e de forma essencial a utilidade prática da partilha, razão pela qual se determina a suspensão da presente instância.”. O recorrente discorda, pelos motivos constantes das suas conclusões de recurso. E com razão. Vejamos, então, a questão em apreço, de maneira necessariamente breve dada a sua simplicidade. A norma a ponderar é a do apontado art. 1092º, nº 1, a) e b), acima transcritas, que se reporta a pendência de inventário onde se suscitou questão de que depende a definição de direitos de interessados diretos na partilha que, atenta a sua natureza ou a complexidade da matéria de facto que lhes está subjacente, não deva ser incidentalmente decidida. Isto porque o art. 1093º se aplica a outras questões que não as previstas no art. 1092º. Ora no nosso caso, atenta a sua natureza, a questão a decidir é de direito somente. E como o recorrente relembra depende apenas de aplicação de Direito à matéria factual já apurada, ou seja, a de saber da validade ou caducidade, total ou parcial, da doação. E de outra parte, não se vislumbra nenhuma complexidade da matéria de facto que lhe está subjacente, pois a factualidade relevante para tomar a decisão que é devida está apurada. Não tendo, aliás, os interessados apresentado qualquer meio probatório para decidir a factualidade por eles alegada e a questão controversa, salvo a escritura de doação que está junta aos autos. Não se acompanha, por isso, a fundamentação jurídica da decisão apelada ao afirmar que “Ora, tal matéria reveste complexidade não podendo a questão em análise ser resolvida nos presentes autos, atendendo à índole sumária da prova a produzir no processo de inventário.” – qual é em concreto a complexidade ? -, e qual é a prova a produzir ? -, assim como não se alcança como “face aos elementos constantes dos autos, resulta que a resolução da referida questão contende com a definição de direitos dos interessados directos na partilha, especificamente com a fixação da quota parte dos seus direitos, que será diversa caso tal doação seja válida ou nula, pelo que a resolução da questão é essencial para a presente partilha, afectando significativamente os subsequentes trâmites processuais” -, pois a resolução da aludida questão é exclusivamente de direito, e com a tomada de decisão os direitos dos interessados na partilha ficarão definidos e nenhum atraso processual se provocará, ao invés de remeter as partes para os meios comuns, aí sim geradora de manifesto retardamento. Portanto, em conclusão, a questão controvertida pode ser incidentalmente decidida no presente inventário. (…)
IV – Decisão
Pelo exposto, julga-se o recurso procedente, e, em consequência, revoga-se o despacho recorrido, ordenando-se o prosseguimento da instância. * Sem custas. * Coimbra, 22.4.2024 Moreira do Carmo
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