Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1175/23.6T8SRE-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA DE TRANSACÇÃO
INTERPELAÇÃO PARA VENCIMENTO E EXIGIBILIDADE DE PRESTAÇÕES VINCENDAS
SUPRIMENTO PELA CITAÇÃO DA FALTA DE INTERPELAÇÃO EXTRAJUDICIAL
Data do Acordão: 05/07/2024
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE SOURE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 236.º E 781.º, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 152.º; 154.º; 550.º; 608.º; 615.º, 1, D) E 733.º, 1, C), DO CPC
Sumário: I - Apenas existe a nulidade, vicio formal da sentença, da omissão de pronúncia, quando o juiz omita totalmente a mesma; se se pronuncia, ainda que de modo escasso e/ou deficiente, o caso é de ilegalidade, vício substantivo, e não de nulidade.
II - Titulo executivo, no documento consubstanciando um acordo homologado por sentença, não é o teor do acordo, dotado de exequibilidade intrínseca, atinente à validade e eficácia do anuído, e relevante em sede exigibilidade/procedência, mas aquela sentença, porque dotada de exequibilidade extrínseca, suficiente para a instauração da execução.

III - A sentença homologatória de transação, porque fiscalizadora da validade formal do teor anuído e condenatória no mesmo, equivale, na sua natureza e efeitos jurídicos, à sentença condenatória imposta, pelo que, tal como esta, deve ser executada na forma sumária executiva independentemente do valor da causa – artºs 550º nº2 al. a) e e 626º nº2 do CPC.

IV – O artº 781º do CC, exige a interpelação para o vencimento e exigibilidade das prestações vincendas.

V – Porém, a falta de interpelação extrajudicial pode ser suprida pela citação, como primeiro ato processual, vg. na execução sob a forma ordinária; já na forma sumária e porque a penhora, ato de agressão patrimonial, precede a citação, não o pode ser.

VI – Porém, mesmo nesta forma, as partes, no âmbito do aludido artº 781º, podem dispensar a interpelação extrajudicial, o que dimana, vg. da utilização de termos, como vencimento «imediato» ou «automático».

Decisão Texto Integral: Relator: Carlos Moreira
Adjuntos: Fernando Monteiro
Luís Cravo




ACORDAM  OS JUIZES NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

1.

A executada “A..., LDA.“  deduziu embargos  de executado à execução que lhe foi movida por B..., LDA.

Invocou:

Há erro na forma de processo, já que o título apresentado corresponde à transação alcançada pelas partes para pagamento de quantia certa por via prestacional.

E reconduz-se à transação alcançada com a executada e que foi posteriormente submetida para homologação judicial obtida por sentença prolatada e notificada às partes a 07.03.2023, aplicando à execução interposta, conforme também consta do seu Requerimento Executivo, de forma errada, o processo sumário.

Mais alegou que há ausência de interpelação pela embargada à embargante respeitante à intenção da exequente ao recebimento da totalidade da quantia em dívida pela embargante (art.º 781.º e 805.º do código civil, ex vi art.º 551.º do CPC).

Pediu:

Que os embargos sejam julgados totalmente procedentes e, em consequência, devendo ser levantada a penhora realizada na execução, devendo de imediato suspender-se a ação executiva sem prestação de caução.

A exequente contestou.

Pugnou pela improcedência dos embargos, considerando não existir erro na forma de processo e falta de interpelação.

2.

Seguidamente e por considerar poder ser a causa já apreciada, foi proferida sentença na qual foi decidido:

«julgar totalmente improcedentes, por totalmente não provados, os presentes EMBARGOS de executado, determinando-se o prosseguimento da execução quanto à executada, aqui embargante.»

3.

Inconformada recorreu a embargante.

Rematando as suas alegações com as seguintes conclusões:

A. O presente recurso encontra a sua moƟvação na errada apreciação da prova (dos factos), na errada aplicação do direito (substanƟvo e adjeƟvo) e na omissão de dever de pronuncia pelo tribunal.

B. O Tribunal a quo, na Sentença prolatada, e quando a Recorrida não o fez no seu requerimento execuƟvo, configura, de forma errada, a decisão homologatória da transação extrajudicial como ơtulo execuƟvo.

C. Na verdade, a execução em apreço não tem por ơtulo execuƟvo sentença homologatória, mas a transação extrajudicial alcançada entre Recorrente e Recorrida.

D. Ainda que se possa admiƟr que tal erro na forma de processo – em que a Recorrida incorreu ao aplicar e tramitar sob a forma sumária uma execução que Ɵnha por ơtulo um documento autenƟcado de valor superior a € 10.000,00 (dobro da alçada do tribunal de 1. Instância) –, que configura um erro na qualificação do meio processual uƟlizado pela parte, passível de ser oficiosamente corrigido pelo juiz com a determinação da prossecução dos meios processuais adequados, o certo é que não foi isso que o Tribunal a quo determinou na sua douta decisão sob o presente recurso.

E. Sem margem para dívidas ou reservas, a execução tem por base um ơtulo execuƟvo consubstanciado em “Outro Documento AutenƟcado”, correspondente à transação extrajudicial alcançada pela Recorrente e Recorrida, para pagamento de quanƟa certa por via prestacional.

F. Embora Exequente e Embargada dispusesse de legiƟmidade, optou por não proceder à execução da sentença nos próprios autos, como evidencia o seu requerimento execuƟvo, do qual consta como “Título ExecuƟvo”, “Outro documento autenƟcado”, tendo executado documento autenƟcado que se reconduz à transação extrajudicial alcançada com a executada e que foi posteriormente submeƟda para homologação judicial obƟda por sentença prolatada e noƟficada às partes a 07.03.2023.

G. Sucede que a Recorrente aplicou de forma errada à execução interposta o processo sumário, que se aplica às execuções baseadas em ơtulo extrajudicial de obrigação pecuniária vencida (como era o caso do ơtulo dado à execução,) cujo valor não exceda o dobro da alada do tribunal da 1.ª instância, i.e., €10.000,00.

H. Acontece que o ơtulo extrajudicial de obrigação pecuniária vencida dado à execução pela Exequente e Embargada, tem um valor que excede o dobro da alçada do tribunal da 1.ª instância, o que impedia a aplicação do processo sumário e determinava a aplicação do processo sumário ordinário, que não dispensa o despacho judicial prévio e a citação prévia do exequente antes de qualquer diligencia de penhora, o que de facto não ocorreu.

 I. Andou mal a Exequente e Embargada, que instruiu a sua execução sob uma forma processual que lhe era mais vantajosa e mais célere, como andou mal a Senhora Agente de Execução que deveria ter recusado o requerimento execuƟvo ou suscitado a intervenção do juiz em face da não verificação dos pressupostos de aplicação da forma sumária, mas que, sem dispor de quadro e base legal para o fazer, avançou com diligencias de penhora, praƟcando de forma grosseira atos ilegais.

J. Também andou mal o Tribunal a quo, já que tal erro na forma do processo configura uma exceção dilatória insanável que deveria ter conduzido à absolvição da Exequente da instância, desconsiderando-se todos os atos praƟcados pela Senhora Agente de Execução e cancelando-se todas penhoras efetuadas ou em curso, com a devolução de todo o produto das penhoras efetuadas à Executada e Recorrente.

K. Ou caso assim não se entendesse e admiƟndo-se haver condições para se proceder à sanação dos atos praƟcado, deveria o Tribunal ter procedido à anulação dos atos que não pudessem ser aproveitados – como é o caso daqueles de onde resulta uma diminuição das garanƟas da Executada, máxime a realização de diligências de penhora prévias à citação da Executada e Recorrente - e determinado a praƟca dos atos estritamente necessários para que o processo se aproxime da forma estabelecida na lei.

L. Ordenando-se o reinício da tramitação do processo de execução com a citação da Executada.

M. Assume também especial relevo o erro na aplicação do direito em resultado da absoluta desconsideração pelo Tribunal de necessidade de interpelação pela Exequente/Embargada à Executada/Embargante”, que nem sequer foi objeto da pronúncia que se exigia ao tribunal.

N. Embora nas obrigações pagáveis em prestações, o não pagamento de uma única prestação confira ao credor o beneİcio potestaƟvo de exigir do devedor a totalidade da obrigação, isto não pode ser interpretado literalmente.

O. Para que a obrigação se torne imediatamente vencida, o credor (no caso o exequente) tem que proceder à interpelação do devedor a reclamar o pagamento da totalidade da obrigação, manifestando simultaneamente a vontade e propósito de exigir o pagamento da totalidade da obrigação e considerando vencida toda a dívida, o que tem de ser feito em termos inequívocos, de forma expressa ou tacita.

P. Na situação em apreço a Exequente e Embargada não interpelou a Executada, Embargante e Recorrente, a exigir o pagamento da totalidade da obrigação e a considerar vencida toda a dívida, seja por via extrajudicial, seja no próprio processo judicial, através de citação ou noƟficação da Executada, Embargante e Recorrente, já que esta foi apenas noƟficada da realização de penhoras levadas a cabo pela Senhora Agente de Execução.

Q. Não houve por parte da Executada e Embargante qualquer conhecimento prévio (n.º 3 do arƟgo 224º do CC.).

R. Apesar da literalidade do comando normaƟvo (artº 781º do CC.) apontar para um vencimento automáƟco ipso iure de todas as prestações quando não são pagas algumas das prestações já vencidas, não foi essa a intenção do legislador ao proceder à alteração resultante da 2.ª revisão ministerial, já que este arƟgo não consagra um vencimento automáƟco das prestações ainda não vencidas, mas a possibilidade de o credor exigir o seu pagamento imediato, perdendo o devedor o beneİcio do prazo estabelecido para a sua saƟsfação.

S. O que impõe ao credor que manifeste a sua vontade de exigir o pagamento da totalidade das prestações, através da interpelação do devedor para as saƟsfazer e que pode ser feita judicial ou extrajudicialmente, designadamente através do Requerimento ExecuƟvo onde se reclame, de forma efeƟva, o pagamento dessas prestações.

T. Uma vez que a Exequente e Embargada, ora Recorrida, não efetuou a interpelação extrajudicial (caso em que o ơtulo execuƟvo seria composto pelo ơtulo consƟtuƟvo da obrigação e pela declaração interpelaƟva), a interpelação apenas poderia ter sido efetuada através do próprio ato de citação na ação execuƟva, embora, como veremos, isso por si só não seria suficiente.

U. Na verdade, além da citação, que apenas ocorreu em momento posterior à penhora, e não em momento prévio à mesma, o próprio requerimento execuƟvo não incluiu o conteúdo da interpelação exigível, i.e., a alegação da falta de pagamento de uma ou mais prestações e a vontade do exequente em considerar vencida toda a dívida.

V. A sentença recorrida patenteia ainda duas manifestas omissões do dever de pronuncia que impende sobre o Tribunal a quo, já que este, alem de não poder deixar de apreciar e conhecer, de forma efeƟva e concreta, a alegação da ausência de interpelação pela Exequente/Embargada à Executada/Embargante, também não podia deixar de se pronunciar sobre a oposição à penhora deduzida pela Recorrente, assim como sobre o pedido de prestação de caução igualmente deduzido.

W. Omissão (do dever de pronúncia) que se reconduz a uma nulidade da sentença, que se invoca para todos os devidos e legais efeitos.

X. A Sentença recorrida violou as seguintes disposições: artº.s 193.º, 278.º, 550.º, 551.º, 574.º, 576.º, 577.º, 729.º, 733.º, 784.º. e 855.º do Código de Processo Civil e 244.º, 781.º e 805.º do Código Civil.

4.

Sendo que, por via de regra: artºs  635º nº4 e 639º do CPC - de que o presente caso não constitui exceção - o teor das conclusões define o objeto do recurso, as questões essenciais decidendas  são  as seguintes:

1ª- Nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.

2ª- Ilegalidade da decisão por considerar inverificado o erro na forma do processo e a desnecessidade de interpelação da exequente à executada.

5.

Foram dados como provados os seguintes factos que urge considerar:

1. Em 16 de maio de 2023, a exequente “B..., S.A.” instaurou a presente execução a seguir a forma sumária contra a executada “A..., Ld.ª“, apondo no Título Executivo: Outro documento autenticado, para pagamento da quantia de 16.873,09 euros.

2. Anexou como títulos executivos um acordo entre a “B..., S.A.” e a “A..., Lda.”, que originou a sentença judicial condenatória que também juntou.

3. A Exequente é uma sociedade comercial anónima, cujo objeto social consiste na prestação de serviços de transporte rodoviário de mercadorias especiais e normais.

4. O acima aludido acordo foi homologado por sentença transitada em julgado pelo Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra, no âmbito do processo nº 101709/22...., que correu os seus termos no Juízo ... do Juízo Local Cível de Coimbra (sentença que foi junta com o requerimento executivo).

5. Nessa sentença ficou consignado: “ Nos presentes autos de acção declarativa com processo comum que B..., S.A. deduziu contra A..., Lda vieram as partes transigir.

Examinadas as cláusulas desse acordo e tendo em conta a natureza disponível do objecto da acção e a qualidade das pessoas intervenientes, verifica-se que a transacção efectuada é válida e juridicamente eficaz.

Nessa medida e tendo em conta o disposto nos arts. 283º n.º 2, 284º, 289º n.º 1 a contrario e 290º n.os 1 e 3 do C.P.C., e 1248º do Código Civil, decide-se homologá-la, condenando a partes a cumpri-la nos seus precisos termos.

Custas pela forma acordada.

Fixo à presente acção o valor de € 20.378,37 (vinte mil trezentos e setenta e oito euros e trinta e sete cêntimos).

Notifique e registe.”

6. Tal sentença não foi objeto de reclamação, nem de recurso.

7. A Sr.ª Agente de Execução tramitou a execução como sendo baseada em sentença judicial condenatória e procedeu primeira à penhora, seguindo-se após a notificação.

8. A embargante deduziu os presentes embargos em 25/06/2023.

6.

Apreciando.

6.1.

Primeira questão.

Clama a recorrente que existe nulidade por omissão de pronúncia pois que não houve decisão sobre a questão da interpelação, a questão da suspensão da execução nos termos do artº 733º nº1 al. c) e a questão da prestação de caução nos termos da al. a) do mesmo preceito.

O artº 615º do CPC estatui quanto às nulidades da sentença.

Como é consabido, as nulidades do citado preceito são meros vícios formais, «handicaps» intrínsecos à própria sentença, em si mesma considerada, que afetam a sua validade/idoneidade/virtualidade na sua idiossincrasia, e enquanto, essencial e primeiro, instrumento jurídico comunicante do processo, o qual se pretende logicamente escorreito e conforme ao objeto do processo tal como delineado pelas partes.

E nada tendo a ver e/ou se confundindo com a maior ou menor curialidade, ou o erro, do, de direito e juridicamente, interpretado e decidido quanto a tal objeto.

Pois que, neste caso, não nos encontramos apenas no mero âmbito  formal da emissão/prolação/publicitação da sentença/acórdão, linear e formalmente adequado ao objeto dos autos, mas antes estamos no domínio do jurídico perspetivado ao quid substantivo/material,  campo este que apenas  admite censura  se ao mesmo puder ser  assacada ilegalidade.

Prescreve o nº1 al. d)  do artº 615º do CPC que a sentença é nula quando:

 «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

Este segmento normativo conexiona-se com o estatuído nos arts. 154º e 608º do mesmo diploma, ou seja, com o dever do juiz administrar a justiça proferindo despachos ou sentenças sobre as matérias pendentes – artº 152º - e com a necessidade de o juiz dever conhecer das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica.

E, bem assim,  de resolver todas as questõese apenas estas questões, que não outras, salvo se de conhecimento oficioso - que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras –artº608º.

Porém, como é consabido e constituem doutrina e jurisprudência pacíficas, não se devem confundir «questões» a decidir, com considerações, argumentos, motivos, razões ou juízos de valor produzidos pelas partes.

A estes não tem o tribunal que dar resposta especificada ou individualizada, mas apenas às pretensões formuladas e aos elementos inerentes ao pedido e à causa de pedir –cfr. Rodrigues Bastos, in Notas ao CPC, 2005, p.228; Antunes Varela in RLJ, 122º,112 e, entre outros, Acs. do STJ de 24.02.99, BMJ, 484º,371 e de 19.02.04, dgsi.pt.

Acresce que só existirá omissão quando, relativamente à questão decidenda, se omita totalmente pronúncia, se existir um completo alheamento.

Que não já quanto sobre o tema se expendeu, mas de forma escassa ou errónea.

Aqui existirá ilegalidade mas não nulidade por omissão de pronúncia.

No caso sub judice.

Quanto à questão da interpelação é evidente que existiu pronúncia.

Tanto assim que a recorrente, irresignada, contra os termos da mesma se insurgiu.

Logo, inexiste omissão.

Quanto ao mais.

Os embargos foram julgados improcedentes, sendo ordenado o prosseguimento da execução.

Ora os pedidos de suspensão da execução foram formulados pela recorrente para o caso de prossecução da ação executiva.

Por aqui se vê que a apreciação de tais pedidos, na própria ótica da recorrente, apenas deve ser efetivada, se a execução prosseguir.

Pois que no caso de ser extinta, como primeiramente pretende a recorrente,  obviamente que a apreciação  dos mesmos queda prejudicada.

O que tudo implica que a apreciação ora pretendida, não apenas se revelaria temporã, como até encerrando uma posição contraditória da recorrente, atento o modo como ela  formulou os seus pedidos nos embargos.

6.2.

Segunda questão.

6.2.1.

A Julgadora decidiu aduzindo o seguinte, sinótico e essencial, discurso argumentativo:

«O erro na forma de processo decorre da circunstância de o autor ter usado uma via processual inadequada para fazer valer a sua pretensão e importa unicamente a anulação dos atos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei.

A idoneidade da forma de processo afere-se “em função do tipo de pretensão formulada” ocorrendo erro “quando o autor usa uma via processual inadequada para fazer valer a sua pretensão”.

Voltando ao caso dos autos, a ação executiva foi instaurada, tendo sido apresentados dois documentos que poderiam servir de base ao pagamento coercivo da quantia pedida: o acordo que foi firmado entre as partes na ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos injunção n.º 101709/22.... e a sentença que homologou judicialmente esse acordo ou transação.

Desse modo, a Sr.ª Agente de Execução, na ação executiva, tramitou os autos como tratando-se de execução de sentença, a qual obedece ao ritualismo disposto no art.º 626.º, n.º 2, do Código de Processo Civil.

Este artigo preceitua: “… a execução da decisão condenatória no pagamento de quantia certa segue a tramitação prevista para a forma sumária, havendo lugar à notificação do executado após a realização da penhora. “

E foi o que ocorreu: a Agente de Execução procedeu à penhora de um saldo bancário, tendo procedido à citação da executada subsequentemente.

Deste modo, em cumprimento do princípio da adequação formal (artigo 547.º do CPC) da cooperação com as partes (artigo 7.º), da gestão, economia e celeridade processual (artigo 6.º), que visam proteger os interesses das partes em igualdade (artigo 4.º) e também fins públicos, constituindo, tais princípios processuais manifestações na lei ordinária do princípio constitucional do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, ínsitos no artigo 20.º/4 e 5, da Constituição da República Portuguesa, considero inexistir erro na forma de processo, verificando-se que o título executivo que fundamenta a execução principal é a sentença judicial condenatória, transitada, que foi proferida no processo n.º 101709/22...., do Juízo Local Cível de Coimbra, J....

Aliás, tal aspeto é confirmado pela exequente na sua contestação e também pela embargante na sua petição inicial de embargos (art.º 4.º).

Da ausência de interpelação pela exequente/embargada à executada/embargante

Conforme defendeu Alberto dos Reis, “O título executivo habilita a determinar o fim da ação executiva, porque é por ele que se verifica qual foi a obrigação contraída pelo executado e é essa obrigação que define o fim da execução.(…)

Finalmente, o título fixa os limites da acção executiva. É pelo título que se conhece, com precisão, o conteúdo da obrigação do devedor (…).”.

No caso em apreciação, consideramos que existe título executivo, que é a sentença condenatória, já transitada em julgado.

E o título executivo apresentado é exequível ?

Para a resposta a essa pergunta importa ter presente o disposto no artº. 713, do NCPC, ou artº. 802, do antigo CPC.

Tal norma estabelece que “A execução principia pelas diligências, a requerer pelo exequente, destinadas a tornar a obrigação certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo”.

O título executivo apresentado é judicial (sentença condenatória) – título executivo por excelência.

Ora, de acordo com o Conselheiro Manuel Tomé Gomes (em Da Ação Executiva, apontamentos policopiados, 2018, págs. 92 e segs.), “O título executivo expressa a exequibilidade extrínseca da obrigação, assumindo a natureza de um pressuposto processual específico da ação executiva.”

Entre os títulos executivos judiciais contam-se as sentenças condenatórias (art. 703º, nº 1, alínea a), do CPC), …

“No que concerne às sentenças homologatórias, quando versem sobre transação, confissão do pedido, partilha de bens ou divisão de coisa comum, elas relevam como título executivo em harmonia com o seu teor dispositivo, tudo dependendo dos efeitos jurídicos homologados. Aliás, a sentença homologatória de transação e confissão do pedido contém uma condenação explícita em relação ao que foi acordado.”

“Por conseguinte, …equivalem…às sentenças condenatórias, sem prejuízo da disposição um pouco mais ampla a que estão sujeitas, para efeitos de oponibilidade, nos termos dos art. 729.º, alínea i), e 291.º do CPC.”

No caso presente, não há dúvida de que estamos perante um título: sentença judicial homologatória de transação que é extrinsecamente exequível, mas também intrinsecamente. Há uma condenação da Ré, aqui embargante/executada, no pagamento de uma quantia certa à Autora, aqui embargada, pelo que inexiste qualquer necessidade de interpelação, ao contrário do que defende a referida embargante.

Conclui-se, pois, pela existência válida do título: sentença e sua suficiência, dado ser extrínseca e intrinsecamente exequível, como acima enunciado.»

Atentemos.

6.2.2.

Estatui o artº 550º do CPC:

Artigo 550.º

Forma do processo comum

1 - O processo comum para pagamento de quantia certa é ordinário ou sumário.

2 - Emprega-se o processo sumário nas execuções baseadas:

a) Em decisão arbitral ou judicial nos casos em que esta não deva ser executada no próprio processo;

b) Em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória;

c) Em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida, garantida por hipoteca ou penhor;

d) Em título extrajudicial de obrigação pecuniária vencida cujo valor não exceda o dobro da alçada do tribunal de 1.ª instância.

E prescreve o artº 626º do mesmo diploma legal:

Artigo 626.º

Execução da decisão judicial condenatória

1 - A execução da decisão judicial condenatória inicia-se mediante requerimento, ao qual se aplica, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 724.º e seguintes, salvo nos casos de decisão judicial condenatória proferida no âmbito do procedimento especial de despejo.

2 - Sem prejuízo do disposto no n.º 3 do artigo 550.º, a execução da decisão condenatória no pagamento de quantia certa segue a tramitação prevista para a forma sumária, havendo lugar à notificação do executado após a realização da penhora.

Verifica-se assim que seguem a forma do processo sumário, desde logo qualquer decisão judicial – que pode não ser a sentença, hoc sensu – que condene, p. ex. no pagamento de certa quantia.

Com uma condição: que a execução de tal decisão não deva, necessária e obrigatoriamente, efetivar-se no próprio processo onde foi proferida.

Ou seja, que possa ou deva executar-se em processo executivo autónomo.

Ora no caso vertente não está provado, nem dimana da lei, que a decisão judicial  exequenda, ou mesmo o «Outro Documento Autenticado,» como defende a recorrente, tivesse obrigatoriamente de ser executado no processo onde foi firmado o acordo homologado por sentença.

 Por conseguinte, optando a exequente por execução autónoma, está no seu direito e daí não podendo advir para ela qualquer consequência negativa, vg. como a pretendida pela recorrente.

Depois verifica-se que a exequente juntou como título executivo um acordo homologado por sentença.

Ora  versus o defendido pela insurgente, o título executivo não é o acordo, mas é a sentença.

Efetivamente, e como defendido no recente Acórdão desta Relação, de 09.04.2024, proferido no processo 1185/23.3T8ANS-A.C1, in dgsi.pt, relatado por este mesmo Relator:

«…a sentença homologatória vale por si, máxime se transitada em julgado, tendo efeitos jurídicos próprios, desde logo na relação processual, extinguindo a instância, e, bem assim, obrigando para o futuro os outorgantes a cumpri-la.

Daqui dimana  que inexiste uma confusão entre, por um lado, o teor do acordo das partes e, por outro lado, a sentença homologatória da transação, em si mesma considerada, enquanto  magno  e mais importante ato do processo e neste produtor de certos  e mais relevantes efeitos jurídicos.

Antes, pelo contrário, entre tais quids existindo, substancial e formalmente, autonomia e diferenciação.

De tal sorte que a anulação dos termos da transação não implica necessariamente a invalidade e ineficácia da sentença homologatória da mesma.

Acresce que o modo/meio para, por um lado, se conseguir a anulação dos termos do acordo e dos seus efeitos jurídicos ou, por outro lado, a destruição da sentença transitada e dos  efeitos jurídicos do caso julgado, é diverso.

Naquele caso, a destruição dos efeitos substantivos obtê-la-á a parte  em processo autónomo, alegando e provando a existência de vícios da vontade dos outorgantes.

Neste caso, a destruição do efeito de extinção da instância produzido pela sentença homologatória e a pretensão de continuação do processo a que a transação respeita só pode obter-se através da interposição de recurso de revisão – artº 696º al. d) – neste sentido, cfr. vg. o Ac. do STJ de 07.12.2016, p. 187/13.2TBPRD.P1.S1, in dgsi.pt, cit. pelos recorridos e o Ac. da RG de 25.05.2023, p. 3067/21.4T8BRG.G1.»

Nesta senda, sumariou-se em tal aresto precisamente a qualidade de título executivo da sentença homologatória, a saber:

«II – Porque no caso de sentença homologatória de transação, já transitada em julgado,  o título executivo é esta sentença, a oposição à execução com base na invocação de vícios da vontade que determinaram  o teor da transação – artº 291º nº2 e 729º al. i) do CPC -  não basta, exigindo-se ainda a invalidação de tal sentença, ex vi de tais vícios, o que apenas pode ser feito mediante recurso de revisão – artº 696º al. d) do CPC. »

Por outras palavras,  há de distinguir a exequibilidade extrínseca, que se reporta à exequibilidade do título ou à exequibilidade da pretensão incorporada ou materializada no título, da exequibilidade intrínseca, que diz respeito à validade ou eficácia do teor  do ato ou negócio incorporado no título e que tem como requisitos a certeza, a exigibilidade e a liquidez da obrigação exequenda. – cfr. Ac. RP de 18.01.2005, p. 0424318.

Vistas e bem interpretadas as coisas, a exequibilidade intrínseca atêm-se à exigibilidade da prestação, e, assim, reporta-se à (im)procedência do pedido executivo.

Já a exequibilidade extrínseca do próprio título reporta-se à sua idoneidade para, ab initio poder sustentar e permitir a instauração do processo executivo.

Ora o título integrante de  tal exequibilidade extrínseca, que, ipso facto, lhe atribui o jaez de título executivo – para o efeito de, vg., determinar a forma do processo executivo -  é a sentença homologatória.

E  não o teor da transação que apenas incorpora a exequibilidade intrínseca, a qual, reitera-se, se atém à (in)exigibilidade da prestação, em função da sua  (in)validade e/ou (in)eficácia, ou seja, ao fundo substantivo da  causa,  ao pedido.

Acresce que, sendo o titulo executivo a sentença e não o teor do acordo ou transação, conclui-se, como bem aduzido na decisão recorrida, que inexistem quaisquer motivos para diferenciar e atribuir qualidade, natureza e efeitos jurídicos diversos à sentença condenatória imposta à vontade das partes, e à sentença homologatória de acordo ou transação.

Afinal ambas dimanam de um juiz com legitimidade e poderes iguais e, pronunciando-se sobre a validade formal do anuído e homologando-o, a sentença homologatória também impõe a condenação ao cumprimento do respetivo teor, como na presente ação aconteceu, a saber:

«Examinadas as cláusulas desse acordo e tendo em conta a natureza disponível do objecto da acção e a qualidade das pessoas intervenientes, verifica-se que a transacção efectuada é válida e juridicamente eficaz.

Nessa medida e tendo em conta o disposto nos arts. 283º n.º 2, 284º, 289º n.º 1 a contrario e 290º n.os 1 e 3 do C.P.C., e 1248º do Código Civil, decide-se homologá-la, condenando a partes a cumpri-la nos seus precisos termos.»

(sublinhado nosso)

Existe pois, com a sentença homologatória, uma condenação jurisdicional em tudo igual à condenação  derivada de sentença imposta à vontade das partes, do que decorre que tanto uma como outra devem considerar-se títulos executivos na qualidade de decisão judicial ou de sentença.

Decorrentemente, o caso quadra na previsão dos segmentos normativos da al. a) do nº2 do artº 550º e no nº2 do artº 626º, pelo que a forma do processo legalmente admissível não é a ordinária, mas antes a sumária.

6.2.3.

Pelos vistos e ainda que o teor do acordo exequendo não conste nos embargos, as partes anuíram no pagamento da dívida em prestações.

Estatui o Artigo 781.º do CC:

«Se a obrigação puder ser liquidada em duas ou mais prestações, a falta de realização de uma delas importa o vencimento de todas.».

Constitui doutrina e jurisprudência esmagadoramente maioritárias que em caso de dívida pagável em prestações, o incumprimento de uma  delas não implica o vencimento automático das restantes, antes e apenas  acarreta a perda do benefício do prazo.

E assim devendo o credor interpelar o devedor para que se produza o vencimento de todas as prestações e, deste modo, exigir antecipadamente o pagamento das restantes prestações vincendas. – cfr. Ac. RL 27.04.2023, p. 16804/19.8T8LSB-B.L1-6 e Ac. do STJ de 05.09.2023, p. 3541/19.2T8ALM-A.L1.S1, in dgsi.pt.

Não obstante, é também entendimento pacífico que a citação no processo executivo a tramitar na forma ordinária serve de interpelação, desde que o exequente alegue no requerimento executivo a falta de pagamento e a exigência das restantes prestações.

Porém, se tramitar sob a forma sumária, e uma vez que a penhora precede a citação, entende-se que este ato de agressão patrimonial prévio à citação não pode verificar-se sem a interpelação, a qual é que torna a dívida certa e exigível - cfr. Ac. RL 27.04.2023, sup citado, citando, Lopes do rego, in Requisitos da Obrigação Exequenda, publicado na Themis, Revista da Faculdade de Direito da UNL, ano IV, n.º 7, 2003, Almedina, pp. 70-71,  e Ac. do STJ de 05.09.2023,  sup. cit.

No caso vertente.

Tramitando a execução sobre a forma sumária,  com citação posterior à penhora, e não estando provada a interpelação extrajudicial, o título executivo seria extrinsecamente inexequível não podendo o mesmo sustentar a instauração da execução.

Porém, existe entendimento,  alegado pela exequente, e ao qual aderimos, que tal interpelação pode ser afastada, porque em sede de direitos disponíveis,  por vontade das partes.

Assim, e para além do Aresto citado pela embargada – Ac. RC de 13.07.2020 – atente-se ainda mais no seguinte:

«Ainda que, face ao disposto no art. 781º do C.C., se deva considerar que o imediato vencimento de todas as prestações e a constituição em mora relativamente às mesmas, pressupõe a prévia interpelação do devedor para cumprir a prestação nesses termos (na sua totalidade), nada obsta a que as partes, ao abrigo da liberdade contratual que a lei lhes faculta, regulem a situação em termos diversos, dispensando a realização de tal interpelação.

 Assim determinando-se no contrato que o incumprimento de qualquer prestação ou obrigação determina, de forma automática, o vencimento de todo o empréstimo, mais se determinando que, com esse incumprimento, se considera em mora a globalidade do crédito, parece seguro afirmar que as partes outorgantes dispensaram a realização de qualquer interpelação como condição do vencimento da totalidade do crédito e da respectiva constituição em mora.». – Ac. RC de 04.06.2013, p. 5366/09.4T2AGD-A.C1.

Nesta ação assim é.

Como alega a embargada no seu artº 11 do requerimento de embargos - e que não foi contestado pela embargante – no acordo foi fixada a cláusula com o seguinte teor:

«a falta de pagamento de qualquer das prestações, importa o vencimento imediato de todas as pprestações…»

(sublinhado nosso)

A expressão sublinhada, devidamente interpretada no âmbito do entendimento de um declaratário normal – artº 236º do CC -  clama a conclusão que as partes anuíram que, não paga uma prestação, todas as restantes se venceriam imediatamente, ou seja, sem necessidade de interpelação.

Este entendimento é tanto mais de sufragar quanto é certo que no citado artº 781º, o termo «imediato», ou outro de idêntico significado, não consta.

Por conseguinte,  in casu tem de considerar-se que todas as prestações estão vencidas, e, assim, à partida, sendo exigíveis sem necessidade de interpelação extrajudicial, a qual, como se viu, foi dispensada pela mutuária.

Improcede, ainda que com fundamentos parcialmente diversos e acrescidos, o recurso.

(…)

8.

Deliberação.

Termos em que, ainda que com fundamentos parcialmente diferentes,  se acorda julgar o recurso improcedente, e, consequentemente, confirmar a sentença.

Custas pela recorrente.

Coimbra, 2024.05.07.