Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ALICE SANTOS | ||
Descritores: | DEPOIMENTO DO ASSISTENTE VALORAÇÃO DIREITO AO SILÊNCIO DO ARGUIDO | ||
Data do Acordão: | 05/17/2017 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | LEIRIA (J L DE PENICHE) | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | RECURSO CRIMINAL | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS. 127.º, 145.º E. 343.º DO CPP | ||
Sumário: | I -A prova por declarações do assistente é livremente valorada, também quando se confronta com o resultado da prova por declarações de arguido. II - O Tribunal pode formar a sua convicção apenas num único depoimento, mesmo que se trate do assistente o importante é que este o preste de forma séria e credível e o Tribunal de forma clara e concisa explicite as razões do seu convencimento. III - Um arguido que mantém o silêncio em audiência não pode ser prejudicado, mas, também é certo que prescinde de dar a sua visão pessoal dos factos e de esclarecer pontos de que tem um conhecimento pessoal. Assim, não pode, depois, reclamar que foi prejudicado pelo seu silêncio. IV - O direito ao silêncio não visa beneficiar o arguido, condicionando a prova testemunhal; decorre antes do princípio do acusatório, que impõe à acusação o dever de provar os factos que imputa ao arguido, facultando a este um comportamento que possa obstar à sua auto-incriminação. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal. *** No processo supra identificado, após a realização de audiência de discussão e julgamento foi proferida sentença que julgou a acusação provada e procedente e em consequência condenou o arguido A... , pela prática de um crime de injúria, previsto e punido pelo artigo 181º, nº 1, do Código Penal, na pena de 45 (quarenta e cinco) dias de multa à taxa diária de € 6,00 (seis euros). Julgou parcialmente procedente e provado o pedido de indemnização civil formulado pelo assistente, e condenou o arguido A... a pagar ao assistente B... B... a quantia de € 350,00 (trezentos e cinquenta euros), absolvendo-o do demais peticionado. Condenou o arguido nas custas do processo, fixando-se em 2 UC, o valor da taxa de justiça (artigo 8º, nº 9 do RCP e tabela II anexa). Sem custas cíveis (artigo 4º, nº 1, alínea n) do RCP) 1. Conforme resulta da sentença proferida nos autos, a prova em que se fundou a condenação resulta exclusivamente das declarações do assistente, tendo sido ouvidas duas testemunhas presenciais que não ouviram as expressões injuriosas imputadas ao arguido, embora tivessem assistido à discussão entre este e o assistente. O arguido remeteu-se ao silêncio.
2. A disciplina legal das declarações de assistente, prevista no artigo 133º do Código de Processo Penal, impede que este seja ouvido na qualidade de testemunha, tal como o co-arguido, não prestando juramento nem lhe sendo colocadas questões sobre se tem algo contra o arguido, embora com implicações diferentes, já que o arguido não é obrigado a falar com verdade sob pena de responsabilização criminal, ao contrário do assistente, que tem essa obrigação (cfr. artigo 145º e 346º do Código de Processo Penal)
3. A propósito da valoração das declarações do co-arguido, tanto a maior parte da doutrina, como a jurisprudência afirmam que as suas declarações valem como prova, com especiais cautelas.
4. A Prof.ª Teresa Pizarro Beleza, citada pelo Prof.º Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. II, editora Verbo, 2ª Edição, pág. 172: “o depoimento de co-arguido, não sendo, em abstracto, uma prova proibida em Direito português, é no entanto um meio de prova particularmente frágil, que não deve ser considerado suficiente para basear uma pronúncia; muito menos para sustentar uma acusação.”.
5. A jurisprudência concretizou essa “suficiência”, inicialmente na necessidade de corroboração e de respeito pelo contraditório – cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12.07.2006 (relatado pelo Cons.º Sousa Fonte), disponível em www.dgsi.pt; e, também do STJ, de 28.02.2007, sumariado no sítio da internet da PGD Lisboa, em http://www.pgdlisboa.pt/jurel/stj_mostra_doc.php?nid=24754&codarea=2.
6. Mais recentemente, e na esteira do Ac. do STJ de 12.03.2008, relatado pelo Cons.º Santos Cabral, tem-se vindo a entender que não há base legal para exigir, em abstracto, corroboração às declarações de co-arguido, cuja valoração dependerá sim, como qualquer, de um juízo de credibilidade (embora refira ser razoável resultar do depoimento do co-arguido algum factor externo que afaste “o défice de credibilidade inicial” que recai sobre o que vier a dizer).
7. Neste sentido tem também vindo a decidir o tribunal ad quem, designadamente no Ac. de 30.11.2011, relatado por José Eduardo Martins, onde se conclui que, não havendo qualquer proibição de prova, a declarações de co-arguido deve ser apreciada segundo o critério geral da livre apreciação da prova.
8. De todo o modo, e no que às declarações de assistente importa (cuja exigência de cautela relativamente à sua valoração é semelhante à que se exige a co-arguido – como também se assume no Ac. do STJ identificado na conclusão 6, no ponto VIII do sumário), seja qual for o entendimento relativamente à valoração do seu conteúdo, certo é que a lei tem para elas disciplina diferente da prova testemunhal, como referimos na conclusão 2..
9. Assim, parece-nos poder afirmar-se que a lei presume que tal sujeito processual não é uma testemunha que se possa afirmar desinteressada no desfecho do processo, e que tem sempre algo contra o arguido. E esse algo não é abstracto, mas sim decorrente dos factos que concretamente o assistente imputa ao arguido no processo penal em particular.
10. Certo é que, conforme resulta da jurisprudência supra mencionada, estamos aqui perante uma questão de apreciação da prova e perante provas não proibidas pelo processo penal. Pelo que reina o princípio da livre apreciação da prova (artigo 127º do Código de Processo Penal).
11. Postula o artigo 127º do Código de Processo Penal que a prova é livremente apreciada pelo julgador, segundo as regras da experiência, salvo excepções previstas na lei. 12. A menção às excepções legais remete-nos, de imediato, para proibições de prova e métodos de obtenção da mesma.
13. Contudo, também a lei, neste caso constitucional, prevê, no artigo 32º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa (CRP) uma limitação à livre apreciação da prova, limitação essa que se eleva a um dos princípios condutores de todo o processo penal: o princípio de “presunção de inocência”.
14. Assim o identifica o cit. autor Paulo Pinto de Albuquerque, in. ob. cit., pág.s 329 e 330, como um limite à livre apreciação da prova, a par das proibições de prova e do in dubio pro reo, posição com a qual concorda o recorrente, já que assim se torna possível balizar de forma objectivável o juízo livre sobre a prova e adequá-lo aos princípios do processo penal de forma a que se torne concreto e sindicável (descolando-o da subjectividade do julgador).
15. O mesmo entendimento é propugnado pelo Prof.º Germano Marques da Silva, que refere na obra já citada, pág.s 125 e 126, que a livre apreciação da prova está também vinculada aos princípios de direito probatório, que especifica: presunção de inocência, in dubio pro reo, investigação e verdade processual.
16. No que respeita ao princípio da presunção de inocência e a sua implicação na prova, diz o Prof.º que: “No plano estritamente processual probatório, a presunção de inocência significa que toda a decisão condenatória deve ser precedida sempre de uma suficiente actividade probatória, impedindo a condenação sem provas. Significa além disso que as provas tidas em conta para fundamentar a decisão de condenação hão-de ser legalmente admissíveis e válidas e que o encargo de destruir a presunção recai sobre os acusadores e que não existe nunca o ónus do acusado sobre a prova da sua inocência” (sublinhado nosso)
17. É nesta afirmação que se estriba a discordância do recorrente face à decisão recorrida.
. 18. Com efeito, entende o Ministério Público que as declarações do assistente não podem ser consideradas prova bastante para condenar um arguido em julgamento, por tal colocar em causa o princípio da presunção de inocência, ainda que as suas declarações sejam válidas e livremente apreciáveis enquanto prova, porque não são bastantes para afastar a presunção de inocência,
19. não são mais, aliás, do que a imputação de factos criminosos pelo ofendido ao arguido, a bem ver, em tudo idênticos à queixa que terá dado início, em primeiro lugar, à instauração de processo crime contra o acusado, pelo que, em nosso entendimento, não se mostram, sem mais, sequer suficientes para sustentar uma acusação para julgamento.
20. No caso dos autos a fragilidade do depoimento do assistente e a sua virtual incapacidade de afastar a presunção de inocência assume ainda maiores proporções, já que tratamos aqui de um crime de natureza particular, em que o assistente pode, por si só e desacompanhado do Ministério Público, sujeitar um arguido a julgamento (conforme sucedeu nos autos, já que o Ministério Público entendeu não existirem indícios suficientes para acusar).
21. Tais fragilidades, além de resultarem da lei, consideradas em abstracto (o que determina a disciplina do depoimento em causa, conforme supra se expôs), resultam também, em nosso entender, em concreto da prova produzida nos autos, senão vejamos:
22. O assistente acusou (para julgamento) o arguido por este o ter insultado com as palavras “paneleiro” e “filho da puta”. Propondo-se a provar tal imputação indicou duas testemunhas presenciais. As ditas testemunhas, inquiridas, afirmaram não ter ouvido o teor da discussão entre arguido e assistente.
23. Pelo exposto, salvo o devido respeito por opinião contrária, entende o Ministério Público que o assistente não foi capaz de provar o que se propôs demonstrar contra o arguido, pelo que, não foi capaz de afastar a presunção de inocência de que este beneficia, e bem assim, não foi produzida em sede de audiência prova suficiente para determinar a condenação do arguido.
24. Não obsta, em nosso entender, à conclusão do ponto anterior o facto do arguido se ter remetido ao silêncio, já que este não o pode prejudicar, e, conforme resulta do raciocínio cristalizado na citação supra no ponto 16., o arguido não tem o ónus de provar a sua inocência. – cfr. artigos 61º n.º 1 d) e 343º n.º 1 do Código de Processo Penal.
25. Como argumento subsidiário, sempre se dirá que, ainda que não se entenda conforme supra expendido, e se entenda ser de valorar as declarações do assistente, desacompanhadas de qualquer outro elemento de prova, terá de se contrapor às mesmas as declarações das testemunhas indicadas pela acusação, que afirmaram não ter ouvido as expressões imputadas ao arguido.
26. E se as testemunhas presenciais afirmaram aperceber-se de uma discussão, ouvindo o suficiente para tal percepção, e não ouviram as expressões imputadas ao arguido tal bastará, em nosso entender, para colocar em causa se as expressões foram ou não proferidas pelo arguido e dirigidas ao assistente e essa dúvida, de acordo com o já aflorado princípio do in dubio pro reo, corolário do princípio da presunção de inocência, e que determina que a dúvida a que se chega seja valorada em benefício do arguido, o que, no caso em apreço nos autos, conduziria também a uma decisão de absolvição. 27. Assim, entendendo que não foi produzida prova suficiente para sustentar a condenação do arguido, deve este ser absolvido do crime pelo qual foi acusado.
V. Ex.as, porém, decidirão como for de JUSTIÇA. 1.O presente recurso é interposto da sentença proferida a fls... e versa sobre a impugnação da matéria de facto dada como provada e sobre o direito aplicado que sustentam a mesma, por não se mostrar consentâneo com a prova constante dos autos. presunção de inocência do arguido e “in dubio pro reo” (artigo 32º, nº 2 da Constituição da República Portuguesa).
20. - A douta sentença recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que absolva o arguido da prática do crime de injúria e, consequentemente, do pagamento de qualquer quantia a título indemnização civil.
Vossas Excelências, no entanto, como sempre aliás, farão inteira
JUSTIÇA! xxx Colhidos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre agora decidir.O recurso abrange matéria de direito e de facto já que a prova se encontra documentada. Da discussão da causa resultaram provados os factos seguintes constantes da decisão recorrida: 1. Em dia não apurado do mês de Outubro de 2015, da parte da manhã, quando o assistente se encontrava a caminhar no Parque Urbano da cidade de Peniche, a cerca de 70/100 metros do café ali existente, foi abordado pelo arguido que, gesticulando, dirigiu-se ao assistente, em voz alta, e proferiu as seguintes expressões: “Filho da Puta! Paneleiro!”.
2. Tais expressões foram proferidas com a intenção de ofender, como ofenderam, o assistente na sua honra e consideração.
3. O arguido actuou de forma livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei.
4. Aquando dos factos existiam divergências entre o arguido e o assistente por aquele suspeitar que o assistente o havia denunciado ao ISS.
5. O assistente é considerado como pessoa trabalhadora, séria e honesta.
6. Em consequência das expressões proferidas pelo arguido o assistente sentiu-se envergonhado, enxovalhado, ficou amargurado, sentindo revolta e angústia.
7. O assistente encontra-se reformado por invalidez auferindo mensalmente a quantia de € 378,00, vive sozinho, pagando de renda de casa a quantia de € 23,00.
8. O assistente não é pessoa conflituosa.
9. O arguido não tem antecedentes criminais.
10. O arguido não é pessoa conflituosa.
11. O arguido está reformado, auferindo mensalmente a quantia de € 700,00.
12. No período de Verão faz biscates de pesca em terra, auferindo mensalmente, em média a quantia de € 400,00.
13. É casado, a sua mulher não trabalha.
14. Tem quatro filhos, um deles vive consigo.
15. Paga mensalmente ao Banco a prestação de € 220,00 por ter contraído empréstimo para aquisição de habitação própria.
MATÉRIA DE FACTO NÃO PROVADA
Com interesse para a decisão não se provaram os seguintes factos: 1. Os factos ocorreram no dia 22 de Outubro entre as 9h e as 10h.
2. O arguido chamou “cabrão” ao assistente.
3. Em consequência das expressões o assistente sentiu-se humilhado.
MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DE FACTO
O Tribunal formou a sua convicção com base na análise e valoração da prova produzida e examinada em audiência de discussão e julgamento, designadamente: 2.3.1. Quanto aos factos provados: Nas declarações do arguido quanto às suas condições pessoais, que mereceram a credibilidade do tribunal e das quais o tribunal não teve razões para duvidar. Nas declarações do assistente B... que referiu ao tribunal quando ocorreram os factos e em que circunstâncias, tendo mencionado onde foi abordado pelo arguido, e que expressões o arguido lhe dirigiu e como se sentiu em consequência das mesmas e que divergências existiam na altura entre si e o arguido. Esclareceu ainda o tribunal acerca das suas condições pessoais. No depoimento da testemunha C... , referiu que quando se encontrava a trabalhar no Parque da Cidade de Peniche, há cerca de um ano, viu o arguido e o ofendido juntos, mas não ouviu o que foi dito por se encontrar a alguma distância e ter dificuldades auditivas. No depoimento da testemunha D... , filho do assistente, esclareceu o tribunal acerca do estado em que o assistente ficou em consequência das expressões proferidas pelo arguido, e de que lhe deu conta quando se deslocou à casa da testemunha para desabafar, esclarecendo ainda que o assistente é trabalhador e honesto. No depoimento da testemunha E... , referiu conhecer o arguido e o assistente, e que no ano passado, viu o arguido abordar o assistente no Parque da Cidade, próximo do café, e embora estivesse a alguma distância percebeu que estavam a discutir, pois gesticulavam, embora não tenha ouvido o que disseram dada a distância a que se encontrava. A testemunha referiu ainda que nem o arguido nem o assistente são pessoas conflituosas. As declarações do assistente mereceram a credibilidade do tribunal, foi este a vítima das expressões do arguido, explicou ao tribunal como sucederam os factos, prestou declarações de forma espontânea, consistente, sem contradições, demonstrando claramente como tais expressões o afectaram, o tribunal não teve razões para dele duvidar, não tendo tido quaisquer dúvidas de que o arguido proferiu as ditas expressões e que as mesmas afectaram o assistente na sua honra e consideração. Quanto aos depoimentos da testemunha D... , filho do assistente, também mereceu a credibilidade ao tribunal, a testemunha depôs de forma isenta e espontânea tenho relatado o estado em que ficou o seu pai em consequência das palavras proferidas pelo arguido. Quanto aos depoimentos das testemunhas C... e E... , também mereceram credibilidade, o tribunal não teve razões para deles duvidar. No que toca aos antecedentes criminais o Tribunal levou em consideração o Certificado de Registo Criminal de fls. 104. Perante tudo o exposto, à luz das regras do senso comum e da experiência, e fazendo a análise crítica da prova produzida, e em obediência ao disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal, resultou a convicção do tribunal expressa na matéria de facto acima exposta, não podendo o Tribunal valorar a prova produzida de forma diferente. * Quanto aos factos não provados resultaram da ausência de prova em relação aos mesmos produzida. O Tribunal considerou as declarações do ofendido que ao contrário do sustentado pelos recorrentes foram corroboradas pelo depoimento da testemunha E... que referiu que viu o arguido abordar o assistente no Parque da Cidade, próximo do café, e embora estivesse a alguma distância percebeu que estavam a discutir, pois gesticulavam, embora não tenha ouvido o que disseram dada a distância a que se encontrava. Todos sabemos, diz-nos a experiência, que no calor de uma discussão diz-se muitas vezes aquilo que não se deve…. |