Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
249/24.0T8LRA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO MONTEIRO
Descritores: CITAÇÃO DE PESSOA COLETIVA ATRAVÉS DE AGENTE DE EXECUÇÃO
RECUSA DE IDENTIFICAÇÃO E ASSINATURA DA CITAÇÃO POR FUNCIONÁRIO DA CITANDA
Data do Acordão: 01/14/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA - LEIRIA – JUÍZO CENTRAL CÍVEL - JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 246, Nº 1 E 3 E 231, N.º 4, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: Falhando duas tentativas de citação para a sede da pessoa coletiva, por cartas registadas com aviso de receção, devolvidas por “endereço insuficiente”, e optando-se pelo contato pessoal através de Agente de Execução, que certificou a recusa pelo funcionário, quer em identificar-se, quer em assinar a certidão de citação, esta tem-se por efetuada (arts. 246, nº 1 e 3 e 231, n.º 4, do Código de Processo Civil).

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: *

Acordam na 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

A..., Lda, Ré nos autos, em que é Autora B..., Lda., inconformada com a sentença final, na qual, na sequência do despacho de 7.5.2024, se considerou aquela regularmente citada, dela vem interpor recurso, concluindo:

i- O presente recurso vem interposto da decisão judicial que julgou a ação parcialmente procedente e, em consequência, condenou a ora (noventa e dois mil oitocentos e noventa e um cêntimos e dezassete cêntimos), e em custas na proporção de 1/3.

ii- Na sentença recorrida o Tribunal a quo considerou a Recorrente regularmente citada, e não tendo esta apresentado contestação, por despacho de 07/05/2024, considerou confessados os factos alegados na petição inicial, aplicando o disposto no artigo 567.º do Código de Processo Civil.

iii- Porém, a Recorrente não foi citada para a ação, ficando consequentemente impossibilitada de contestar e dessa forma de exercer o contraditório, só agora tendo vindo a tomar conhecimento da ação.

iv- O que resulta dos autos é uma suposta citação feita em 09/03/2024, através de contacto pessoal por Sr. Agente de Execução.

V – Porém, conforme se pode observar na certidão de citação, a mesma não se encontra assinada pelo alegado citando.

vi- Na referida Certidão poderá ler-se seguinte: O citando/notificando recusou receber ou a assinar a presente certidão, tendo sido por mim informado de que a nota de citação/notificação e os documentos ficam à sua disposição na secretaria judicial e no escritório do aqui Agente de Execução vide ponto 4 da Certidão de Citação/Notificação que consta de fls. 39 dos autos.

vii- A não identificação pelo Sr. Agente de Execução da pessoa que alegadamente terá recusado a receção da Citação, viola o artigo 231.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, por não obedecer aos formalismos mínimos legais.

viii- Assim, desconhece-se a quem alegadamente o Sr. Agente deu conhecimento de que o mesmo [duplicado] fica à sua disposição na secretaria judicial, mencionando tais

ocorrências na certidão do ato

ix- Aliás, ao não ter identificado a pessoa que alegadamente terá recusado a citação, suscitam-se dúvidas (legítimas) se o Sr. Agente de Execução se deslocou efetivamente à sede da Recorrente ou se, ao invés, se deslocou a outro local que não a sede da Recorrente.

x- Fica assim o Recorrente impedido de assacar responsabilidades à suposta pessoa.

xi- Ora, os empregados e responsáveis da Recorrente têm ordens expressas para receber todos os documentos ou cartas dirigidas à Recorrente, e para nunca recusar a sua identificação quando estejam no exercício das suas funções.

xii- Por outro lado, sendo a sede da Recorrente uma loja de venda “loja chinesa”,

(noventa por cento) dos seus trabalhadores são de origem chinesa.

xiii- Por outro lado, desses 90% de trabalhadores a sua grande maioria nada fala ou percebe de português, pelo que não tendo sido identificada pelo Sr. Agente de Execução a suposta pessoa que terá recusado receber a citação, a Recorrente não tem forma de saber se a citação foi efetuada e, a ser verdade que foi efetuada, se o seu destinatário compreendeu o seu conteúdo.

xiv- Ainda que se admitisse à cautela que o Sr. Agente de Execução se deslocou ao local e que falou com uma pessoa na sede da Recorrente, o trabalhador não terá percebido o que quer que seja, designadamente da existência de um processo judicial, e muito menos que se encontrava disponível qualquer documento num Tribunal, a não ser que o Sr. Agente de Execução se tenha deslocado à sede da Recorrente com um interprete, o que não resulta do auto!

xv- Acresce que não existem quaisquer responsáveis de loja na sede da Recorrente do sexo feminino e as empregadas da Recorrente que existem são chinesas, e as poucas que existem nenhuma percebe nada de português, referindo-se o documento de fls. 39 dos autos como “a responsável pelo estabelecimento” (a esse respeito se indica desde já a testemunha AA a apresentar).

xvi- O certo é que a Recorrente nunca teve conhecimento de que contra si tinha sido instaurada uma ação judicial; pois, caso o tivesse sabido, teria contestado.

xvii- Não obstante, o Tribunal a quo bastando-se com a referida Certidão de Citação/Notificação proferiu um despacho do seguinte teor: considerando as moradas que constam do registo comercial, bem como o teor da informação do Senhor Agente de Execução, considero a ré regularmente citação, nos termos do disposto no artigo 246, nº 2 e 3, do CPC.

xviii- Porém, na sede da Recorrida não foi recebida nenhuma carta de citação.

xix- Conforme se pode observar das duas cartas por citação postal enviadas à ora Recorrida, das mesmas consta a seguinte informação: (…)

xx- Ora, o Tribunal a quo ao dar como citada a Recorrente, violou o disposto nos artigos 246.º, 566.º e 567.º, todos do Código de Processo Civil, o que se invoca para os legais e devidos efeitos.

xxi- Nos termos da al. e) do n.º 1 do artigo 188.º, do Código de Processo Civil, verifica-se falta de citação (…)

xxii- Notoriamente a citação não obedeceu aos formalismos legais e a Recorrente, que era a destinatária da citação pessoal, não chegou a ter conhecimento do ato e tal falta não lhe é de todo imputável.

xxiii- Acresce que na morada da sede da Recorrente que se encontra no Registo Nacional de Pessoas Coletivas é pela Recorrente recebida correspondência (cfr. doc. 1 e 2 que ora se juntam e se dão como integralmente reproduzidos) e existindo recetáculo postal (cfr. doc. 3 e 4 que ora se juntam e se dão como integralmente reproduzidos).

xxiv- Havendo recetáculo postal e sendo a morada suficiente como se demonstra nos autos com correspondência recebida (cfr. doc. 1 e 2 agora juntos) deveria a segunda carta enviada (de fls 37) ter sido depositada no recetáculo do correio, o que não sucedeu.

xxv- Acresce a tudo quanto foi exposto anteriormente, que na Certidão de Citação/Notificação constante de fls. 40 dos autos é mencionado pelo Sr. Agente de Execução o seguinte: observações: as moradas futuras devem indicar R. ..., ..., Edifício ..., ... ...

xxvi- Ou seja, na certidão de fls. 40 o Sr. Agente de Execução confirma a existência da morada, pois pese embora tenha acrescentado “Edifício ...” no mais confirma que está correta.

xxvii- E sendo a morada correta não causou estranheza ao Tribunal a quo que as cartas não tivessem sido entregues por alegadamente o endereço ser insuficiente? Mas sendo o endereço insuficiente para as cartas do tribunal e não sendo para a demais correspondência que não refere “Edifício ...”!

xxviii- Verifica-se, assim, nos termos da al. e) do n.º 1 do artigo 188.º do Código de Processo Civil a falta de citação da Recorrida, o que culmina na nulidade absoluta, de conhecimento oficioso e determina a anulação de todo o processado, após a petição inicial, cfr. art.º 187.º, al. a) do Código de Processo Civil e dela trata o art.º 188.º do Código de Processo Civil, nulidade de todo o processado posterior, o que desde já se invoca.

xxix- Caso assim se não entenda, verificar-se-á a nulidade da citação, nos termos do artigo 191.º do Código de Processo Civil, o que se invoca para os legais e devidos efeitos.


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            Não foram apresentadas contra-alegações.

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A questão a decidir é a de saber se ocorre falta ou nulidade da citação da Ré.

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Os factos provados são os seguintes (documentados nos autos):

B..., Lda, Pessoa Colectiva nº ...87, com sede em Zona Industrial, Lote ...3, ... ..., intentou ação contra A..., Lda, com sede na Rua ..., ..., ... ....

No Registo Nacional desta Pessoa Coletiva Ré, a referida morada é a sua sede.

Cartas simples para a referida morada têm sido recebidas pela Ré (cfr. ainda a confissão desta).

Duas cartas registadas com AR foram para esta enviadas e devolvidas com a menção de “desconhecido” e “endereço insuficiente”.

Pedida a citação por Agente de Execução, veio este certificar:

“BB, Agente de Execução nos presentes autos, vem informar o resultado da citação por contato pessoal de "A..., Lda.", Rua ..., ..., ... ...:

Pelas 11:00 horas, do dia 09.03.2024, tendo-me deslocado àquela morada constatei que a mesma corresponde a um edifício comercial, com o nome CC;

Que fui informado pelos funcionários de que não estava presente nenhum dos gerentes da empresa;

A responsável pelo estabelecimento, em serviço naquele dia, recusou identificar-se e assinar a certidão de citação e, desta forma foi informada de que os documentos ficavam à disposição na secretaria judicial e no escritório do aqui, agente de execução.

Informou ainda que dado o facto de o estabelecimento não possuir número de polícia, a sua identificação mais fácil seria: "A..., Lda", Edifício ..., Rua ..., ..., ...".


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Aplicável à data da realização da citação, dispunha o artigo 246.º do Código de Processo Civil (CPC):

Citação de pessoas coletivas

1 – Em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente subsecção, à citação de pessoas coletivas aplica-se o disposto nas subsecções anteriores, com as necessárias adaptações.

2 – A carta referida no n.º 1 do artigo 228.º é endereçada para a sede da citanda inscrita no ficheiro central de pessoas coletivas do Registo Nacional de Pessoas Coletivas.

3 – Se for recusada a assinatura do aviso de receção ou o recebimento da carta por representante legal ou funcionário da citanda, o distribuidor postal lavra nota do incidente antes de a devolver e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência.

4 – Nos restantes casos de devolução do expediente, é repetida a citação, enviando-se nova carta registada com aviso de receção à citanda e advertindo-a da cominação constante do n.º 2 do artigo 230.º, observando-se o disposto no n.º 5 do artigo 229.º.

No caso, as cartas de citação tinham sido enviadas para a sede da citanda, mas devolvidas pelo funcionário dos CTT com menção de “desconhecido” e “endereço insuficiente”.

Decidiu-se o contato pessoal através de Agente de Execução.

Esta opção é válida porque a norma referida permite, “em tudo o que não estiver especialmente regulado na presente subsecção, à citação de pessoas coletivas aplica-se o disposto nas subsecções anteriores, com as necessárias adaptações.”

Nestas subsecções anteriores encontramos o art.231, nº 1, que preceitua: “Frustrando-se a via postal, a citação é efetuada mediante contacto pessoal do agente de execução com o citando.”

A existência de recetáculo postal não invalida a opção pelo contato pessoal.

           Em paralelo com o referido art.246, nº 3, também este art.231, nº 4, prevê a recusa do citando em assinar a certidão ou a receber o duplicado, dando-lhe o agente de execução conhecimento de que o mesmo fica à sua disposição na secretaria judicial, mencionando tais ocorrências na certidão do ato.

           Adaptando as referidas normas ao contato com a pessoa coletiva, se neste for recusada a assinatura ou o recebimento do expediente pelo representante legal ou funcionário da citanda, o representante do Tribunal lavra nota do incidente e a citação considera-se efetuada face à certificação da ocorrência.

           No caso, o Agente de Execução deslocou-se àquela morada, tendo sido informado pelos funcionários de que não estava presente nenhum dos gerentes da empresa; promovendo a citação, a responsável pelo estabelecimento, em serviço naquele dia, recusou identificar-se e assinar a certidão de citação e, por isso, foi informada de que os documentos ficavam à disposição na secretaria judicial e no escritório do agente de execução.

           Nestas circunstâncias, não consta a assinatura da funcionária porque a mesma se recusou a identificar-se e a assinar.

No que respeita às pessoas coletivas portuguesas, deve exigir-se que estas mantenham atualizado o seu registo no RNPC e que tenham a adequada organização interna para prevenir o desconhecimento de qualquer comunicação que lhes seja dirigida.

Sendo assim, ainda que se provasse o que consta das conclusões XI a XIV, não é aceitável que a Ré invoque dificuldades com a língua portuguesa ou a violação de ordens da entidade patronal pelos seus empregados, para defender o seu desconhecimento.

A conduta do funcionário é imputável à sua entidade patronal (arts.500 e 800 do Código Civil).

A recusa do funcionário da citanda acarreta ter-se a citação por efetuada.

Considerando a morada em causa e os moldes da comunicação do Sr. Agente de Execução, não aceitamos as suspeições levantadas pela Recorrente, não havendo dúvidas quanto ao facto de se tratar ali com um funcionário da citanda.

Em conclusão: foram respeitadas as formalidades legais e a recusa do funcionário da sociedade Ré acarreta ter-se a citação por efetuada.


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Decisão.

            Julga-se o recurso improcedente e realizada legalmente a citação da Ré.

           Custas pela Recorrente, vencida (art.527º, nº 2, do Código de Processo Civil).

            Coimbra, 2025-01-14


(Fernando Monteiro)

(Carlos Moreira)

(Vítor Amaral)