Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
116/21.0T8PBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS MIGUEL CALDAS
Descritores: PROCESSO DE INVENTÁRIO
VERIFICAÇÃO E APROVAÇÃO DO PASSIVO
FASE DOS ARTICULADOS
CONFERÊNCIA DE INTERESSADOS
CASO JULGADO
PASSIVO SUPERIOR AO ACTIVO
INUTILIDADE SUPERVENIENTE DA INSTÂNCIA
Data do Acordão: 11/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA – POMBAL – JUÍZO LOCAL CÍVEL – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 277.º, N.º 1, AL. E), 549.º, N.ºS 1 E 3, 620.º, 1097.º A 1102.º, 1104.º, 1105.º, 1106.º, 1108.º E 1111.º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. No actual regime do processo de inventário, a verificação e aprovação do passivo foi antecipada para a fase dos articulados, recaindo sobre os interessados directos o ónus de impugnação das dívidas da herança nesse momento processual; assim, se o tribunal a quo, tendo cumprido o contraditório e findos os articulados, fixou o montante total do passivo da herança, não tendo sido interposto recurso dessa decisão, produziu-se caso julgado formal sobre a questão.

2. Se em sede de conferência de interessados estes tiveram a oportunidade de se pronunciar sobre a forma de pagamento do passivo, tendo declarado expressamente não pretenderem deliberar sobre esse assunto, optando pela venda da totalidade dos bens, tendo sido, subsequentemente, proferido despacho a determinar a não continuação da conferência por estarem alcançadas as finalidades do art. 1111.º do CPC, o qual foi notificado a todos os interessados, tendo transitado em julgado, produziu-se caso julgado formal sobre a questão.

3. Estando consolidado no processo o passivo da herança, se se verificar que esse passivo é superior ao activo – resultante da venda da totalidade de bens e direitos da herança –, impõe-se a declaração de extinção da instância do processo de inventário, sendo inútil o seu prosseguimento, pelo facto do passivo sobrelevar o activo.


(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: *

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra,[1]

AA requereu, em 26-01-2021, inventário judicial para partilha do acervo hereditário deixado por morte de BB, seu marido, cujo decesso ocorreu em ../../2019.

São interessados directos no inventário:

i. AA, viúva do de cujus, requerente/cabeça de casal;

ii. CC, filha do de cujus, casada com DD;

iii. EE, filho do de cujus, casado com FF;

iv. GG, viúva de HH, filho do de cujus, falecido em ../../2019;

v. II, neta do de cujus, menor;

vi. JJ, neto do de cujus, menor.


*

            A 25-02-2025, o tribunal a quo proferiu as seguintes decisões e sentença:

            “A cabeça-de-casal AA e os interessados CC e EE requereram sob a referência n.º 49232092 (a fls. 803 a 805) a marcação de data para a realização da conferência de interessados, a fim de os interessados deliberarem sobre o passivo, a forma do seu pagamento e do cumprimento de legados e outros encargos ou, assim não se entendendo, a rectificação da “proposta do mapa de partilha” (sic), de acordo com a sentença de verificação e graduação de créditos em apenso.

Efectuada a notificação entre mandatários, não se pronunciaram os restantes interessados, nem o Ministério Público, notificado para o efeito, se pronunciou.

Por despacho de 11 de Abril de 2024 (de fls. 800 do processo físico), foi consignado que não se procederia à designação de data para continuação da conferência de interessados, por estarem alcançadas as finalidades previstas no art.º 1111.º do Código de Processo Civil.

De tal despacho foram notificados a cabeça-de-casal e os interessados, não tendo reagido contra o mesmo, fazendo-o unicamente agora, quando notificados da informação lavrada pela secção (constante do histórico do processo visível através do sistema informático citius sob a referência n.º 107491230), no sentido de o passivo da herança sobrelevar o activo (sendo aquele de 317.813,88 € e este de 165.050,30 €).

Aduzem os interessados que ainda não existiu qualquer deliberação sobre o passivo, nem quanto à forma do seu pagamento, sustentando que o local próprio para o efeito é a conferência de interessados.

Assim é, em tese, de acordo com a previsão contida no art.º 1111.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.

No entanto, olvidam os interessados que a conferência de interessados teve já lugar no dia 5 de Julho de 2022, constando da respectiva acta que “por todos os interessados foi ainda dito…”, após acordarem na venda de todos os bens da herança, “…não pretenderem deliberar quanto à forma de pagamento do passivo” (cfr. fls. 408 do processo físico).

Face a tal manifestação de vontade, nada mais há a determinar quanto ao passivo, o qual, relembra-se, foi considerado reconhecido nos termos das decisões proferidas em 31 de Outubro de 2021 (de fls. 345 a 356).

Em segundo lugar, não havendo legados, não se compreende a afirmação constante do requerimento ora em análise, no sentido de a conferência de interessados servir também para se deliberar sobre o respectivo cumprimento.

Finalmente, pelos motivos adiante expostos, uma vez que o passivo é superior ao activo, não tendo sido requerida a insolvência da herança, torna-se inútil o prosseguimento do presente processo de inventário, sendo de improceder a pretensão dos interessados no sentido de ser marcada data para continuação da conferência.

Insurgem-se também os interessados contra a informação lavrada pela secção – é disso que se trata, não de um mapa de partilha para efeitos do art.º 1120.º do Código de Processo Civil, muito menos de uma “proposta do mapa de partilha” –, sustentando que no Apenso C foram apenas reclamados créditos pela Fazenda Nacional (no valor de 332,75 €) e pelo “Instituto da Segurança Social, I.P.” (no valor de 92.310,32 €), devendo o somatório de tais créditos (de 92.643,07 €) ser considerado como passivo, diferentemente do que consta da referida informação, tanto mais, como acrescentam, que não foram reclamados, nem reconhecidos quaisquer outros créditos.

Está nesta parte em causa uma verdadeira e própria reclamação contra um acto da secretaria.

Dispõe o art.º 157.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, com efeito, que “dos atos dos funcionários da secretaria judicial é sempre admissível reclamação para o juiz de que aquela depende funcionalmente”.

Contrariamente ao propugnado pelos interessados, pelas sobreditas decisões proferidas em 31 de Outubro de 2021 (de fls. 345 a 356), foram consideradas reconhecidas as dívidas à Autoridade Tributária (no valor de 86.882,10 €, como consta da especificação em separado da verba n.º 1 das dívidas da herança – cfr. fls. 262), ao Instituto da Segurança Social (no valor de 103.711,95 €) e ao “Banco 1..., S.A.” (no valor de 127.219,83 €, como consta da verba n.º 3 das dívidas – cfr. fls. 263) relativamente aos interessados que não as impugnaram.

É o somatório de tais dívidas especificadas na relação de bens (no valor total de 317.813,88 €, consideradas reconhecidas nos exactos termos já decididos) e não dos créditos reclamados e graduados em apenso que constituem o passivo da herança e que importa abater ao activo, conforme despacho sobre a forma da partilha já proferido.

Na verdade, convém não esquecer que para efeitos de reclamação de créditos só são admitidos os credores que gozem de garantia real sobre os bens para cuja venda prosseguiu o processo de inventário (art.º 788.º, ex vi art.º 549.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), podendo suceder que haja credores que não são titulares de direitos reais de garantia, aos quais está vedado o recurso ao concurso de credores previsto nos artigos 788.º e seguintes do Código de Processo Civil, sem que por isso lhes seja negada a qualidade de credores da herança e sem que esta não seja deles devedora, com a necessária consideração dos valores em causa como passivo.

Improcede, pois, por esta via, a reclamação deduzida.

Pelo exposto:

a) Indefere-se a marcação da conferência de interessados requerida pela cabeça-de-casal AA e pelos interessados CC e EE;

b) Indefere-se a reclamação apresentada pela cabeça-de-casal e por tais interessados.

Custas da reclamação pela cabeça-de-casal AA e pelos interessados CC e EE, fixando-se a taxa de justiça em 1 UC (art.º 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais e sua Tabela II em anexo), sem prejuízo da protecção jurídica de que beneficia a cabeça-de-casal.

Notifique.

A interessada GG reclamou sob a referência n.º 49722836 (a fls. 808) contra o acto da secretaria, mediante o qual foi lavrada informação no sentido de o passivo da herança sobrelevar o activo, alegando, singelamente, que as dívidas são somente as de 332,75 € à “Fazenda” (sic) e de 92.310,32 € ao Instituto da Segurança Social.

Efectuada a notificação entre mandatários, não se pronunciaram os restantes interessados, nem o Ministério Público, notificado para o efeito, se pronunciou.

Dispõe o art.º 157.º, n.º 5 do Código de Processo Civil que “dos atos dos funcionários da secretaria judicial é sempre admissível reclamação para o juiz de que aquela depende funcionalmente”.

Conforme já acima exposto, diferentemente do alegado pela interessada, por decisões proferidas em 31 de Outubro de 2021 (de fls. 345 a 356), foram consideradas reconhecidas as dívidas à Autoridade Tributária (no valor de 86.882,10 €, como consta da especificação em separado da verba n.º 1 das dívidas da herança – cfr. fls. 262), ao Instituto da Segurança Social (no valor de 103.711,95 €) e ao “Banco 1..., S.A.” (no valor de 127.219,83 €, como consta da verba n.º 3 das dívidas – cfr. fls. 263) relativamente aos interessados que não as impugnaram.

Reiterando o anteriormente expendido, é o somatório de tais dívidas especificadas na relação de bens (no valor total de 317.813,88 €, consideradas reconhecidas nos exactos termos já decididos) e não dos créditos reclamados e graduados em apenso que constituem o passivo da herança e que importa abater ao activo, conforme despacho sobre a forma da partilha já proferido.

Renovando as considerações atrás expostas, para efeitos de reclamação de créditos só são admitidos os credores que gozem de garantia real sobre os bens para cuja venda prosseguiu o processo de inventário (art.º 788.º, ex vi art.º 549.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), podendo suceder que haja credores que não são titulares de direitos reais de garantia, aos quais está vedado o recurso ao concurso de credores previsto nos artigos 788.º e seguintes do Código de Processo Civil, sem que por isso lhes seja negada a qualidade de credores da herança e sem que esta não seja deles devedora, com a necessária consideração dos valores em causa como passivo.

Pelo exposto, indefere-se a reclamação apresentada pela interessada GG.

Custas da reclamação pela interessada GG, fixando-se a taxa de justiça em 0,5 UC (art.º 7.º, n.º 4 do Regulamento das Custas Processuais e sua Tabela II em anexo), sem prejuízo da protecção jurídica de que beneficia.

Notifique.


*

No presente processo de inventário por óbito de BB, tendo os autos prosseguido para venda da totalidade dos bens da herança, veio a apurar-se que o valor do activo é inferior ao passivo, tendo a secretaria lavrado a correspondente informação (constante do histórico do processo visível através do sistema informático citius sob a referência n.º).

Notificados para o efeito, a cabeça-de-casal AA e os interessados CC, EE e GG insurgiram-se contra a possibilidade de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

Analisada a relação de bens junta aos autos e as dívidas relacionadas em separado, verifica-se que o valor destas excede o valor por que foram vendidos os bens constantes da relação de bens.

Efectivamente, por decisões proferidas em 31 de Outubro de 2021 (de fls. 345 a 356 do processo físico), foram consideradas reconhecidas as referidas dívidas à Autoridade Tributária (no valor de 86.882,10 €, como consta da especificação em separado da verba n.º 1 das dívidas da herança – cfr. fls. 262), ao Instituto da Segurança Social (no valor de 103.711,95 €) e ao “Banco 1..., S.A.” (no valor de 127.219,83 €, como consta da verba n.º 3 das dívidas – cfr. fls. 263) relativamente aos interessados que não as impugnaram, sendo o passivo, consequentemente, de 317.813,88 €.

Já o activo ascende a 165.050,30 €, conforme consta da sobredita informação, contra a qual, nesta parte, não se insurgiram os interessados.

Nos termos do art.º 1106.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, “as dívidas vencidas, que hajam sido reconhecidas por todos os interessados ou se mostrem judicialmente reconhecidas nos termos do n.º 3, devem ser pagas imediatamente, se o credor exigir o pagamento”.

Não tendo sido feito pelos credores o pedido de pagamento imediato, poderiam os interessados ter deliberado na conferência de interessados que “o pagamento se faça à custa de dinheiro ou outros bens separados para esse efeito, ou que fique a cargo de algum ou alguns deles” (art.º 2098.º, n.º 2 do Código Civil).

A este respeito nada deliberaram os interessados. Tendo-lhes sido dada a palavra para o efeito (art.º 1111.º, n.º 3 do Código de Processo Civil), declararam “não pretenderem deliberar quanto à forma de pagamento do passivo” (cfr. acta de conferência de interessados de 5 de Julho de 2022, constante de fls. 408 a 409 do processo físico), não tendo os credores, repete-se, exigido o imediato pagamento das dívidas.

Verifica-se, pois, face à manifesta desproporção entre o valor do activo e o do passivo que os interessados estavam aptos a requerer a passagem do processo de inventário a processo de insolvência. Efectivamente, dispõe o art.º 1108.º do Código de Processo Civil que “quando a herança se encontre em situação de insolvência, o juiz, a requerimento de algum interessado direto ou de algum credor, extingue a instância e remete os interessados para o processo de insolvência”.

Tal como resulta deste preceito, a passagem a processo de insolvência não é oficiosa, tendo de ser requerida por qualquer credor que tenha visto aprovado ou reconhecido o seu crédito no processo ou por requerimento dos interessados nesse sentido.

Notificados da informação lavrada pela secção, nada requereram a tal respeito os interessados directos na partilha.

Podendo suceder que a insolvência não convenha aos interessados e não tendo estes manifestado tal pretensão nos autos, “se nada for requerido, o processo termina por inutilidade superveniente da lide” (Domingos Carvalho de Sá, “Do Inventário”, 3.ª edição, 2000, pág. 130; no mesmo sentido, João António Lopes Cardoso, “Partilhas Judiciais”, volume II, 5.ª edição, 2008, pág. 315, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 07/02/2017, processo n.º 180/12.2TBFLG.P1, e de 07/07/2005, processo n.º 0523548, e ainda que no âmbito de inventários para separação de meações, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/05/2019, processo n.º 470/14.0T8LMG.C1, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/01/2017, processo n.º 724/06.9TBFLG-C.P1, todos in www.dgsi.pt).

Pelo exposto, ao abrigo do disposto no art.º 277.º, alínea e), ex vi art.º 549.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, declaro extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide.

Custas a cargo da cabeça-de-casal AA (art.º 536.º, n.º 3, primeira parte, do Código de Processo Civil), sem prejuízo da protecção jurídica de que beneficia.

Registe e notifique”.


*

            Inconformada com esta decisão veio recorrer a cabeça de casal, alinhando as seguintes conclusões:

“1. A 07.06.2024 (Ref.ª 107491230) a Secretaria do Juízo Local Cível de Pombal – Juiz 1 elaborou mapa de partilha dos presentes autos que fixou o ativo da herança em 165.050,30€ e o passivo em - 317.813,88€.

2. No dia 18.06.2024 (Ref.ªs 10898967 e 10898968) AA – aqui Apelante – CC, EE vieram reclamar do Mapa de Partilha elaborado pela Secretaria por entende ter sido relacionado passivo do qual ainda não tinha sido dado oportunidade aos interessados para deliberar sobre a existência e forma de pagamento.

3. Mais peticionaram pela marcação de uma Conferência de Interessados com o objetivo de permitir aos interessados do presente inventário deliberar sobre o passivo da herança e a forma do seu pagamento

4. Por douto Despacho de 16.10.2024 (Ref.ª 108623593) foi a Apelante e restantes interessados notificados para se pronunciarem quanto à eventual extinção daquela instância por inutilidade superveniente da lide.

5. No dia 18.10.2024 (Ref.ª 11240441) a Apelante veio pronunciar-se no sentido da inexistência de fundamentos para extinção da instância porquanto ainda não tinha sido dado oportunidade aos interessados para deliberar sobre o passivo e forma de pagamento.

6. Os co-interessados CC e EE vieram opor-se à extinção por inutilidade porquanto, em suma, se mantinha pendente a Reclamação ao Mapa de Partilha,

7. Mas também porque ainda se mantinha por deliberar o montante e alcance do passivo e sua forma de pagamento,

8. O que apenas poderá ser feito em sede de Conferência de Interessados convocada para o efeito.

9. No dia 25.02.2025 (Ref.ª 109937329) foi proferida douta sentença que julgou as improcedentes as Reclamações aduzidas ao Mapa de Partilha.

10. Considerou ainda a douta decisão que o mapa de partilha se encontrava de acordo com o passivo fixado em sede de Despacho proferido no dia 31.10.2021, isto é, (-) 317.813,88€

11. E que o ativo correspondia ao produto da venda dos bens realizada nos presentes autos (+) 165.050,30€,

12. O que resulta num saldo negativo (-)152.763,58€.

13. Do teor da decisão fez-se ainda constar que em sede de conferência de interessados realizada no dia 05.07.2022 por todos os interessados foi dito não pretenderem deliberar quanto à forma de pagamento do passivo,

14. Que tal deliberação é equiparável a uma manifestação de vontade de que nada há mais a determinar quanto ao passivo.

15. Pelo que, pela circunstância de o passivo da herança ser superior ao ativo

16. E que não foi requerida a insolvência da herança,

17. Foi determinada a extinção daquela extinção por inutilidade superveniente da lide.

18. Sucede que, para determinação do património da herança, a douta decisão tomou em consideração a Relação de Bens apresentada pela Apelante em 10.05.2021 (Ref.ª 7673738).

19. Relação essa que foi objeto de impugnação por parte dos interessados EE (Ref.ª 7734472) e GG (Ref.ªs 7770822 e 7779335)

20. Sem embargo sempre se dirá que a mencionada Sentença ao considerar o Mapa de Partilha apresentado pela Secretaria em 07.06.2024, substituindo-se aos interessados,

21. E não dando oportunidade para que estes deliberem sobre a forma de pagamento, salvo melhor entendimento, constitui uma ilegalidade por violação da norma prevista no n.º 1 e 3 do artigo 1111.º do Código de Processo Civil.

22. Para além da incorreta interpretação e aplicação que o Tribunal a quo faz das referidas normas.

23. A este respeito refira-se que, em sede de Conferência de Interessados realizada no pretérito dia 05.07.2022 (Ref.ª 100871942) foi dito pelos interessados não pretenderem deliberar quanto à forma de pagamento do passivo,

24. Pelo que foi proferido douto Despacho a determinar que os autos prosseguissem para a venda de todos os bens descritos na Relação de Bens apresentada pela Apelante,

25. E interrompida a diligência para nova data para a sua continuação, caso se revelasse necessário.

26. As partes entenderam que, àquela data, ainda não existiam condições para definir a forma de pagamento do passivo porquanto ainda não existia qualquer perspetiva quanto ao valor de venda dos bens.

27. No entanto, o não pretender deliberar sobre o passivo não constitui, em circunstância alguma, uma deliberação em si mesma, na medida em que é insuscetível de instituir prazos, fixar a duração e determinar os meios e formas de pagamento,

28. Nem, salvo melhor entendimento, faz precludir o direito a que todas as partes se pronunciem à posteriori.

29. Ademais, salvo melhor entendimento, o processo de inventário constitui-se um processo judicial de partes em que ao Juiz compete, acima de tudo, salvaguardar a legalidade, assegurar o contraditório e dar oportunidade a todos os interessados para, querendo, se pronunciarem.

30. Pelo que, não poderá ao Tribunal a quo substituir-se aos interessados e, proceder ex officio à determinação do passivo e forma de pagamento.

31. Ainda para mais quando existem causas extintivas de dívidas relacionadas,

32. Que foram supervenientemente invocadas,

33. Mas que não foram objeto de apreciação de mérito,

34. Nem de produção de prova.

Senão vejamos,

35. O Despacho proferido a 31.10.2021 (Ref.ª 98256813) veio fixar o passivo por referência ao montante das dívidas relacionadas pela Cabeça-de-Casal – aqui apelante, entre as quais uma dívida ao Banco 1..., S.A., no valor de 127.219,83€ (cento e vinte e sete mil, duzentos e dezanove euros e oitenta e três cêntimos) fundada em letra subscrita e avalizada pelo inventariado,

36. Mas também uma dívida à Autoridade Tributária, no valor de € 86.882,10 (oitenta e seis mil, oitocentos e oitenta e dois euros e dez cêntimos) por reversão fiscal de dívidas das sociedades A..., S.A. e B..., Lda., decorrente da falta de liquidação de IRC, IRS, Coimas e IUC.

37. Sucede que, o Banco 1..., S.A. em 22.11.2021 (Ref.ª 8195460) – após a prolação do mencionado Despacho – veio “(…) reiterar e clarificar que não tem interesse no acompanhamento dos autos supra referenciados, em virtude de não ter quaisquer créditos a reclamar neste processo, nem da Herança aberta por óbito do Inventariado BB.”. (sublinhado nosso).

38. Tal circunstância, superveniente, deveria ter sido valorada, apreciada o seu mérito e definidas as cominações que daí advêm - sem prejuízo de conceder o contraditório às partes interessadas.

39. O que não aconteceu.

40. No caso concreto, existia uma vontade expressa por parte do alegado titular da dívida relacionada em que menciona inexistir interesse no acompanhamento dos autos (Requerimento de 26.07.2021 com a Ref.ª 7892064) – e que foi valorada no Despacho de 31.10.2021 que fixou o passivo da herança,

41. Mas também uma circunstância superveniente: uma segunda comunicação do Banco 1..., S.A. de 22.11.2021 (Ref.ª 8195460) em que declara, de forma expressa, que não é titular de qualquer crédito para com o de cuius e/ou herança.

42. Circunstância essa que não foi apreciada por parte do Mm.º Juíz a quo,

43. E que também não foi concedido aos restantes co-interessados a oportunidade para se pronunciarem sobre o conteúdo e teor da mesma.

44. Ademais, por sentença proferida a 24.04.2023 (Ref.ª 103071826) no âmbito do apenso da Reclamação de Créditos (Apenso C) apenas resultam reclamados e verificados os seguintes créditos

• Autoridade Tributária - valor de €332,75 (trezentos e trinta e dois euros e setenta e cinco cêntimos),

• Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital ... - valor de €92.310,32 (noventa e dois mil, trezentos e dez euros e trinta e dois cêntimos).

45. Ora, parece resultado evidente que na Conferência de Interessados realizada no 05.07.2022, não foram alcançadas todas as finalidades previstas no art.º 1111.º do Código de Processo Civil.

46. Nomeadamente, a deliberação sobre o passivo e a forma do seu pagamento.

47. Ao assim considerar, a sentença proferida não respeita de forma integral o teor daquele normativo,

48. O que resulta na necessidade da sua revogação e substituição por outra decisão que proceda ao agendamento de nova Conferência de Interessados destinada com as finalidades do mencionado normativo, nomeadamente, deliberar sobre o passivo e forma de pagamento.

Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser admitido, e julgado procedente, e em consequência, ser substituída a sentença proferida em 25.02.2025 (Ref.ª por Decisão que proceda ao agendamento de nova Conferência de Interessados destinada a deliberar sobre o passivo e a forma do seu pagamento.

Assim se fará a tão acostumada Justiça!”.


*

Contra-alegou, apenas, o Ministério Público, nos seguintes termos:

“1. O traço comum das questões levantadas consubstancia-se em saber se, na fase que antecedeu à prolação da sentença ora recorrida, e num plano em que o Tribunal considerou evidenciado que o passivo era superior ao ativo, ainda era pertinente ou legalmente admissível realizar a conferência de interessados, nos termos do artigo 1111.º do Código de Processo Civil, para efeitos de averiguação/aprovação do passivo e do seu pagamento, na medida em que a Recorrente defende que o Tribunal procedeu ex officio à determinação do passivo, não se conformando com a consideração de que este excedia o ativo para efeitos do artigo 1108.º do Código de Processo Civil

2. Uma das diferenças que marca o atual processo de inventário, face à anterior redação da Lei, respeita à antecipação da resolução definitiva de tudo quanto respeite ao passivo da herança, pelo que, aquando da realização de conferência de interessados, todas as questões relacionadas com o passivo já deverão estar resolvidas, por acordo dos interessados, por via de algum efeito cominatório ou através de decisão judicial sustentada em documentação que lhe confira a necessária segurança.

3. Assim, no momento em que se realiza a conferência de interessados, o juiz já proferiu decisão sobre o passivo, em função do acordo expresso ou tácito dos interessados, ou de alguns deles, ou com base na apreciação da prova documental relevante para uma decisão segura (cfr. artigos 1110, n.º 1, alínea a) e 1106.º, ambos do Código de Processo Civil).

4. Neste ensejo, e conforme bem propugnam Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, em “O Novo Regime do Processo de Inventário (…)”, Almedina, 2021, Reimpressão, pág. 104, «Assim, deixa de ocorrer na conferência de interessados a aprovação do passivo, dado que esta já se verificou na fase dos articulados, em consequência do estabelecimento de um ónus de impugnação dos créditos que se mostrem relacionados ou reclamados e dos demais encargos da herança (….). Por isso o que está em causa neste momento processual [conferência de interessados] não é já uma decisão acerca do reconhecimento da existência e montante do débito – questão, em princípio, já consolidada nas fases dos articulados e do saneamento -, mas tão somente uma deliberação acerca da forma prática de satisfação das dívidas e de cumprimento dos demais encargos da herança.» (destaques nossos)

5. Ora, a decisão sobre a fixação do montante total do passivo – na qual foram reconhecidas as dívidas à Autoridade Tributária (no valor de € 86.882,10), ao Instituto da Segurança Social (no valor de 103.711,95 €) e ao “Banco 1..., S.A.” (no valor de 127.219,83 €) relativamente aos interessados que não as impugnaram – já há muito que se encontra consolidada no processo, sendo a mesma datada de 31.10.2021, sob a refª 98256813, pelo que inexiste qualquer fundamento para invocar que o Tribunal procedeu ex officio à determinação do passivo, conforme invoca incorretamente a Recorrente.

6. Carece de qualquer sentido jurídico o entendimento propugnado pela Recorrente ao defender que deveriam integrar o passivo os créditos que foram reclamados pela Autoridade Tributária, no valor de € 332,75 e pelo Instituto de Segurança Social, no valor de € 92.310.32, pois conforme bem se refere na decisão recorrida, «É o somatório de tais dívidas especificadas na relação de bens (no valor total de 317.813,88 €, consideradas reconhecidas nos exactos termos já decididos) e não dos créditos reclamados e graduados em apenso que constituem o passivo da herança e que importa abater ao activo, conforme despacho sobre a forma da partilha já proferido.» (destaques nossos).

7. No que tange aos alegados créditos que o “Banco 1...” referiu não ter a reclamar “neste processo”, nem “da Herança por óbito do Inventariado BB”, por exposição apresentada e datada de 22.11.2021 (refª 8195460) não se olvida que tal poderia ser uma causa superveniente que, em abstrato, seria suscetível influenciar a fixação do montante exato do passivo, atento o disposto no artigo 573.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.

8. Contudo, desde 22.11.2021 até à notificação da informação da Secretaria constante da refª 107491230, de 07.06.2024, em nenhum momento foi apresentado pela Recorrente, ou pelos interessados, qualquer requerimento formalmente fundamentado, de facto e de direito, a invocar uma qualquer exceção que pudesse influenciar o impacto na fixação do passivo, por conhecimento superveniente da mesma.

9. Com efeito, e sem que o tribunal pudesse oficiosamente invocar essa circunstância, os autos continuaram a sua normal tramitação, com a questão do passivo previamente decidida por despacho de 31.10.2021, e com a realização de, pelo menos, três conferências de interessados (14.02.2022, 26.04.2022. e 05.07.2022), nas quais os interessados não abordaram tal questão.

10. No que respeita à alegada falta de oportunidade da Recorrente e dos interessados para deliberarem sobre a forma de pagamento do passivo, não se vislumbra em que medida é que o Tribunal agiu de forma incorreta, tendo em conta que na última conferência de interessados, datada de 05.07.2022, foi expressamente referido pelos interessados presentes que não pretendiam deliberar quanto à forma de pagamento do passivo, apesar de ter sido dada palavra para o efeito.

11. A mera convicção, por parte da Recorrente, e dos interessados, de que a questão da aprovação do passivo e da fixação do seu montante ainda se encontrava pendente, quando tal questão já se encontrava consolidada desde a prolação do despacho datado de 31.10.2021, apenas aos mesmos pode ser imputado, não padecendo, por conseguinte, a sentença ora recorrida, ou o processado, de qualquer vício.

12. Finalmente, e no que se refere à decisão que incidiu sobre a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, inexiste qualquer reparo a apontar, afigurando-se a mesma acertada, atento o disposto no artigo 1108.º do Código de Processo Civil (herança em situação de insolvência), bem como a diversa jurisprudência existente nesse sentido, e que o Tribunal corretamente invocou.

Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso interposto pela Recorrente AA e, consequentemente, mantida, na íntegra, a douta sentença recorrida, fazendo-se, desta forma, a desejada e costumada Justiça.”.


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Colhidos os vistos legais, cumpre decidir, sendo a questão a dirimir, tal como balizada nas conclusões do recurso, indagar se a sentença violou o disposto no artigo 1111.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, tendo o tribunal a quo feito uma incorrecta interpretação e aplicação daquela norma, por não ter dado oportunidade aos interessados de deliberarem sobre o passivo e a forma do seu pagamento.

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A. Fundamentação de facto.

Resulta da consulta integral do processo electrónico e dos seus apensos, a seguinte factualidade e dinâmica processual na parte mais relevante:

1. BB, inventariado, faleceu, no estado de casado no regime da comunhão da comunhão de adquiridos com AA, cabeça de casal, a ../../2019.

2. O inventariado deixou como seus herdeiros:

i. CC, filha, nascida a ../../1993, casada no regime de separação de bens com DD;

ii. EE, filho, nascido a ../../1979, casado no regime da comunhão da comunhão de adquiridos com FF.

iii. HH, filho, casado no regime da comunhão de adquiridos com GG, falecido a ../../2019, tendo deixado como seus herdeiros os seus filhos:

iv. II, neta do de cujus, nascida a ../../2012;

v. JJ, neto do de cujus, nascido a ../../2020.

3. Para curador especial dos herdeiros II e JJ foi nomeado o avô dos menores KK – cf. despacho de 29-04-2021.

4. A relação de bens foi inicialmente apresentada em 27-01-2021 e rectificada/complementada por requerimento de 16-04-2021– indicação das descrições prediais desses imóveis.

5. A 10-05-2021, foi junta nova relação de bens unitária, deviamente corrigida, constituída por 12 bens móveis sujeitos a registo – verbas n.ºs 1 a 12 – e 48 bens imóveis –verbas n.ºs 13 a 60.

6. Da relação constam indicadas três verbas de dívidas à Autoridade Tributária – € 86 882,10 –, à Segurança Social – valor não apurado – e ao Banco 1..., S.A. – € 127 219,83.

7. Foram apresentadas reclamações pelos interessados EE (em 28-05-2021)[2] e GG (em 11-06-2021).

- No despacho do tribunal a quo de 08-07-2021 decidiu-se: “(…) declaro extinto o direito da interessada GG de apresentar a sua impugnação contra as dívidas relacionadas na relação de bens sob os números 1 e 2, declarando não escritos os correspondentes artigos da sua impugnação de fls. 276” e “No mais, tendo em conta a dívida aditada à relação de bens de fls. 246 a 263 (verba n.º 3 do passivo), cite a credora “Banco 1..., S.A.” nos termos e para os efeitos dos artigos 1088.º, n.º 2 e 1104.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Civil”.

8. A 26-07-2021 o Banco 1..., S.A., veio informar que não tinha interesse no acompanhamento dos autos.

9. A 27-07-2021 a cabeça de casal expôs: “(…) vem por este meio aceitar a confissão feita pelo Banco 1... S.A. por Ofício de 26.07.2021 (Ref.ª 7892064) nos exatos termos em que foi exarada, para não mais ser retirada”.

10. A 29-07-2021 o interessado EE veio requerer a “(…) exclusão da verba n.º 3 do passivo indicada na relação de bens submetida pela cabeça-de-casal”.

            11. No despacho do tribunal a quo de 08-09-2021 exarou-se: “Tendo em conta as impugnações das dívidas de fls. 265 a 272 e de 276 (esta exclusivamente quanto à impugnação da dívida especificada sob a verba n.º 3, por ter sido declarado não escrito o restante teor da impugnação, por decisão de 8 de Julho de 2021, constante de fls. 285 a 287 dos autos), notifique a cabeça-de-casal AA, os restantes interessados (sendo os menores na pessoa do curador especial já nomeado) e o Ministério Público nos termos e para os efeitos do art.º 1105.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil”.

12.  A 31-10-2021 o tribunal a quo proferiu decisões sobre as oposições apresentadas pelos interessados EE e GG, e, também, relativamente à não impugnação do passivo pelos demais interessados (que se reproduzem nas partes relevantes), as quais transitaram em julgado:

decisão: “Pelo exposto, defere-se parcialmente a impugnação do interessado EE das dívidas da herança e, em consequência:

a) Decide-se não reconhecer quanto à quota-parte do interessado EE as dívidas à Autoridade Tributária e ao “Banco 1..., S.A.” especificadas em separado na relação de bens, respectivamente, sob as verbas n.ºs 1 e 3;

b) Decide-se reconhecer quanto à quota-parte do interessado EE a dívida de 103.711,95 € (cento e três mil setecentos e onze euros e noventa e cinco cêntimos) ao Instituto de Segurança Social IP/Centro Distrital ... Autoridade Tributária especificada em separado na relação de bens sob a verba n.º 2”. (…)

decisão – “Pelo exposto, defere-se a impugnação da interessada GG e, em consequência, decide-se não reconhecer quanto à quota-parte dessa interessada a dívida ao “Banco 1..., S.A.” especificada em separado na relação de bens sob a verba n.º 3”. (…)

decisão – “Tendo em conta o efeito cominatório pleno decorrente do art.º 1106.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, consideram-se reconhecidas as dívidas à Autoridade Tributária, ao Instituto da Segurança Social (esta no valor de 103.711,95 €) e ao “Banco 1..., S.A.” relativamente aos interessados que não as impugnaram (em que se incluem os interessados menores, visto que o Ministério Público não usou da prerrogativa prevista no art.º 1106.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, e a interessada GG quanto às duas primeiras dívidas, por não as ter impugnado tempestivamente)”.

12.1. No que tange à verba n.º 3 do passivo relacionada pela cabeça de casal (crédito do Banco 1..., S.A.), o tribunal a quo considerou, quanto à impugnação do interessado EE que:

“(…) E o “Banco 1..., S.A.” também não o fez [reclamar crédito], tendo a fls. 332 declarado que “não tem interesse no acompanhamento dos presentes autos”.

Desta declaração não decorre, evidentemente, uma renúncia por parte da credora aos seus direitos substantivos (ao seu crédito), mas somente uma vontade de não intervir no presente processo de inventário.

Daí que a intervenção processual da credora “Banco 1..., S.A.”, não reclamando os seus direitos e declarando não pretender intervir no processo, apesar de citada para o efeito, deva ser equiparada à posição da Autoridade Tributária, que também não os reclamou.

Ora, a consequência de tal omissão de reclamação dos direitos por aquelas duas credoras não é a da exclusão das dívidas da relação de bens, conforme pretende o interessado impugnante, mas unicamente a de ficarem inibidas de exigir o seu cumprimento através dos meios judiciais comuns (art.º 1088.º, n.º 2, in fine, do Código de Processo Civil).

Na verdade, a apreciação do crédito relacionado ou reclamado tem um regime especial, qual seja o do art.º 1106.º do Código de Processo Civil.

Assim, estabelece este art.º 1106.º do Código de Processo Civil que:

“1 – As dívidas relacionadas que não hajam sido impugnadas pelos interessados diretos consideram-se reconhecidas, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 574.º, devendo a sentença homologatória da partilha condenar no respetivo pagamento.

2 - Se houver interessados menores, maiores acompanhados ou ausentes, o Ministério Público pode opor-se ao seu reconhecimento vinculante para os referidos interessados.

3 - Se todos os interessados se opuserem ao reconhecimento da dívida, o juiz deve apreciar a sua existência e montante quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados.

4 - Se houver divergências entre os interessados acerca do reconhecimento da dívida, aplica-se o disposto nos n.ºs 1 e 2 relativamente à quota-parte dos interessados que a não impugnem e quanto à parte restante observa-se o disposto no número anterior”.

No caso em apreço, não tendo o interessado EE reconhecido as dívidas da Autoridade Tributária e do “Banco 1..., S.A.”, tendo, ao invés, procedido à sua impugnação, aplica-se o disposto no n.º 3 (ex vi n.º 4) do citado art.º 1106.º do Código de Processo Civil, sendo caso de examinar os documentos apresentados quanto a tais dívidas, a fim de ser apreciada a sua existência e montantes

(…).

[Q]uanto à dívida ao “Banco 1..., S.A.” (especificada em separado sob o n.º 3), não excluindo que o documento junto a fls. 235 a 237 diga respeito a uma lista de créditos reconhecidos elaborada no âmbito de um processo de insolvência da sociedade “B..., Lda” (ao abrigo do art.º 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), onde consta um crédito total de 127.219,83 € em benefício daquela credora (com base numa letra de câmbio), o certo, porém, é que a lei processual civil exige que a questão da verificação do passivo possa “ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados” (art.º 1106.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).

Tal exame não se afigura possível de ser alcançado pelo Tribunal com a segurança legalmente exigida, porquanto, não obstante o teor do referido documento, dele não resulta, de todo, desde logo, que o inventariado seja responsável pelo seu pagamento e em que termos.

De tudo decorre não ser possível decidir com segurança a questão litigiosa quanto a estas duas credoras, não sendo de considerar reconhecidas essas duas dívidas, na quota-parte do interessado impugnante (diferentemente do que sucede com os interessados que não deduziram oposição – em que se incluem dois menores, visto que o Ministério Público não usou da prerrogativa prevista no art.º 1106.º, n.º 2 do Código de Processo Civil –, atento o efeito cominatório pleno decorrente do art.º 1106.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, estando nesta parte reconhecidas as referidas dívidas).”.

12.2. No que tange à verba n.º 3 do passivo relacionada pela cabeça de casal (crédito do Banco 1..., S.A.), o tribunal a quo considerou, quanto à impugnação da interessada GG, que:

“(…) No caso em apreço, não tendo a interessada GG reconhecido as dívidas do “Banco 1..., S.A.”, tendo, ao invés, procedido à sua impugnação, aplica-se o disposto no n.º 3 (ex vi n.º 4) do citado art.º 1106.º do Código de Processo Civil, sendo caso de examinar os documentos apresentados quanto a tais dívidas, a fim de ser apreciada a sua existência e montantes.

Neste conspecto, não excluindo que o documento junto a fls. 235 a 237 diga respeito a uma lista de créditos reconhecidos elaborada no âmbito de um processo de insolvência da sociedade “B..., Lda” (ao abrigo do art.º 129.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas), onde consta um crédito total de 127.219,83 € em benefício da credora “Banco 1..., S.A.” (com base numa letra de câmbio), o certo, porém, é que a lei processual civil exige que a questão da verificação do passivo possa “ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados” (art.º 1106.º, n.º 3 do Código de Processo Civil).

Tal exame não se afigura possível de ser alcançado pelo Tribunal com a segurança legalmente exigida, porquanto, não obstante o teor do referido documento, dele não resulta, de todo, desde logo, que o inventariado seja responsável pelo seu pagamento e em que termos.

De tudo decorre não ser possível decidir com segurança a questão litigiosa quanto a esta credora, não sendo de considerar reconhecida essa dívida, na quota-parte da interessada impugnante (diferentemente do que sucede com os interessados que não deduziram oposição – em que se incluem dois menores, visto que o Ministério Público não usou da prerrogativa prevista no art.º 1106.º, n.º 2 do Código de Processo Civil –, atento o efeito cominatório pleno decorrente do art.º 1106.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, estando nesta parte reconhecidas as referidas dívidas).

13. A 17-11-2021 o Banco 1..., S.A. (requerimento junto em 22-11), veio “reiterar e clarificar que não tem interesse no acompanhamento dos autos (…) em virtude de não ter quaisquer créditos a reclamar neste processo, nem da Herança aberta por óbito do inventariado BB”.

14. A 12-01-2022 o tribunal a quo proferiu despacho a dar forma à partilha:

Procede-se a inventário por óbito de BB, o qual faleceu no dia ../../2019, pelas 23 horas e 23 minutos, no estado de casado, sob o regime da comunhão de adquiridos, com a cabeça-de-casal AA.

Deste casamento tiveram o inventariado e a cabeça-de-casal AA os seguintes filhos:

.CC, casada com DD sob o regime da separação de bens;

.EE, casado com FF sob o regime da comunhão de adquiridos;

.e HH, o qual faleceu no dia ../../2019, pelas 23 horas e 29 minutos, no estado de casado com GG sob o regime da comunhão de adquiridos, o qual deixou os seguintes filhos que do inventariado são netos:

.II, solteira, menor;

.e JJ, solteiro, menor.

Não consta que o inventariado tivesse deixado testamento, doação ou qualquer outra disposição de última vontade.

Existe passivo.

Em conformidade, proceder-se-á à partilha da seguinte forma:

Somam-se os valores dos bens descritos, sem prejuízo do respectivo aumento decorrente de eventuais avaliações e/ou licitações, e abate-se o passivo.

O produto assim obtido divide-se em duas partes iguais, correspondentes à meação do inventariado e da cabeça-de-casal AA nos bens comuns do casal, a esta se adjudicando uma dessas partes.

O valor correspondente à meação do inventariado é dividido em quatro partes iguais, cabendo uma delas à viúva AA e as outras três, em partes iguais, aos filhos CC, EE e HH [artigos 2131.º, 2133.º, n.º 1, alínea a) e 2139.º, n.º 1, todos do Código Civil].

Uma vez que HH, filho do inventariado, faleceu depois deste, a parte que lhe caberia, uma vez que era casado no regime da comunhão de adquiridos, é deferida aos seus herdeiros em três partes iguais, cabendo uma delas ao seu cônjuge GG e as restantes, em partes iguais, aos seus filhos II e JJ [artigos 2058.º, 2133.º, n.º 1, alínea a), e 2139.º, n.º 1, todos do Código Civil].

No preenchimento dos quinhões atender-se-á ao acordado na conferência de interessados, ao resultado das licitações, aos pedidos de adjudicação ou ao sorteio, se a eles houver lugar, tornando quem dever.

Ao passivo dar-se-á pagamento na forma que vier a ser acordada na conferência”.

            15. A 14-02-2022 realizou-se conferência de interessados tendo-se determinado a realização de prova pericial para a avaliação das verbas n.ºs 1 a 60 da relação de bens.

16. Por despacho de 16-03-2022, considerando a falta de liquidação dos encargos da perícia, foi determinada “a não realização da avaliação dos bens especificados na relação de bens sob as verbas n.ºs 1 a 60”.

            17. A 05-07-2022 realizou-se conferência de interessados – após ter sido requerida a suspensão da instância na conferência de interessados de 26-04-2022 – e, atendendo ao acordo de todos os interessados e ao disposto no art. 1111.º, n.º 2, al. c), do CPC, foi determinada a venda de todos os bens especificados na relação de bens, tendo ficado consignado na acta:

            “(…) [P]or todos os interessados presentes e representados foi dito pretenderem que se proceda à venda da totalidade dos bens especificados na relação de bens, requerendo desde já a junção aos autos de propostas de aquisição de tais bens, deliberação à qual o Ministério Público aderiu.

Por todos os interessados foi ainda dito não pretenderem deliberar quanto à forma de pagamento do passivo.

Seguidamente pelo Mm Juiz foi proferido o seguinte – Despacho

Tendo em conta o acordo de todos os interessados e o disposto no artº 1111º, nº 2, al. c), do C.P.C., determina-se que os autos prossigam para a venda de todos os bens especificados na relação de bens.

            Incumbirá a oficial de justiça a prática dos actos que, no âmbito do processo executivo, são da competência do agente de execução, devendo ser previamente cumprido o artigo 786.º do Código de Processo Civil, de acordo com o disposto no artigo 549.º, n.º 2 do mesmo Código. (…).”.

            18. A 07-11-2022, a cabeça de casal veio requer a venda dos bens relacionados pelos valores base que indicou nesse requerimento na modalidade de venda mediante proposta em carta fechada, e a 08-11-2022, o Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital ..., credor reclamante, veio pronunciar-se a favor da venda dos bens imóveis penhorados, por via de leilão electrónico.

            19. Por despacho do tribunal a quo de 19-12-2022 foi ordenada a venda de todos os bens na modalidade de proposta em carta fechada, a 22-02-2023, e, subsequentemente, a 23-02-2023, foi remarcada a diligência para 26-04-2023, tendo sido determinado, ainda, “(…) uma vez que a abertura de propostas inicialmente agendada para o dia 22 de fevereiro de 2023 resultou inviabilizada (não se chegando, assim, a dar início a tal diligência), proceda à devolução de todas as propostas apresentadas, sem prejuízo, claro está, da oportuna apresentação de novas propostas (com a correspondente abertura na nova data designada para o efeito)”.

            20. No “Auto de Abertura de Propostas”, de 26-04-2023, ficou exarado:

            “(…) [D]epois de apreciadas as propostas foi determinado que:

Verba n.º 1

C..., Unipessoal, Lda., licitou por €50,00, não tendo sido aceite pela interessada GG e pelo Ministério Público, por ser inferior a 85% do respetivo valor base.

Verba n.º 2

D..., Unipessoal, Lda licitou por €1.000,00, não tendo sido aceite pela interessada GG e pelo Ministério Público, por ser inferior a 85% do respetivo valor base.

Verba n.º 3

D..., Unipessoal, Lda, licitou por €100,00, não tendo sido aceite pelo Ministério Público, por ser inferior a 85% do respetivo valor base.

Verba n.º 4

Proposta apresentada por D..., Unipessoal, Lda não foi aceite pela interessada GG e pelo Ministério Público, por ser inferior a 85% dos respetivos valores base.

Verbas n.ºs 5 a 12

Propostas apresentadas por C..., Unipessoal, Lda não foram aceites pela interessada GG e pelo Ministério Público, por serem inferiores a 85% dos respetivos valores base.

Verba n.º 13

Apreciada a proposta da sociedade E..., Unipessoal, Lda e F..., Unipessoal, Lda, no montante de €136.800,00, com um cheque no valor de €5.000,00 a acompanhar, a mesma foi aceite por ser a de maior valor.

Nesta sequência, pela interessada CC foi pedida a palavra e concedida que foi fez o seguinte requerimento: “vem, ao abrigo do artigo 843, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil, requer o direito de remição, quanto à verba n.º 13, requerendo prazo, ao abrigo do artigo 825.º, n.º 3 do mesmo diploma legal”.

Pelos restantes interessados e Ministério Público foi dito nada terem a opor.

Verbas n.º 14 a 35

Apreciadas as propostas apresentadas pela sociedade D..., Unipessoal, Lda para as verbas 14 a 35, foram as mesmas aceites, por serem as de maior valor, pelo que a proponente foi notificada para, no prazo de quinze dias, depositar numa instituição de crédito o preço da compra, à ordem da secretaria (artigo 824.ºdo Código de Processo Civil), devendo comprovar nos autos em igual prazo tal depósito.        

Estando o legal representante presente, foi desde logo notificado da decisão supra.

Verba n.º 36

Apreciada a proposta de LL, no montante de €3.500,00, com um cheque no valor de €175,00 a acompanhar, a mesma foi aceite por ser a de maior valor.

Nesta sequência, pelo interessado EE foi pedida a palavra e concedida que foi fez o seguinte requerimento: “vem, ao abrigo do artigo 843, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil, requerer o direito de remissão, quanto à verba n.º 36, requerendo prazo, ao abrigo do artigo 825.º, n.º 3 do mesmo diploma legal”.

Pelos restantes interessados e pelo Ministério Público foi dito nada terem a opor.

Verba n.º 37

Apreciada a proposta de D..., Unipessoal, Lda, no montante de €620,00, a mesma foi aceite por ser a de maior valor.

Nesta sequência pelos preferentes LL e MM, interpelados para o efeito, declararam que pretendiam exercer o respetivo direito de preferência, licitando entre si, tendo o preferente LL licitado pelo maior valor (€850).

Nesta sequência pediu prazo de cinco dias para a junção do cheque visado a que alude o artigo 824.º do Código de Processo Civil, tendo os interessados declarado nada terem a opor quanto a esta pretensão.

Sequencialmente, pelo interessado EE foi pedida a palavra e concedida que foi fez o seguinte requerimento: “vem, ao abrigo do artigo 843, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil, requerer o direito de remissão, quanto à verba n.º 36, requerendo prazo, ao abrigo do artigo 825.º, n.º 3 do mesmo diploma legal”.

Pelos restantes interessados e Ministério Público foi dito nada terem a opor.

Verbas n.º 38 a 61

Apreciadas as propostas apresentadas pela D..., Unipessoal, Lda. para as verbas 38 a 61, foram as mesmas aceites, por serem as de maior valor, pelo que a proponente foi notificada para, no prazo de quinze dias, depositar numa instituição de crédito o preço da compra, à ordem da secretaria (artigo 824.ºdo Código de Processo Civil), devendo comprovar nos autos em igual prazo tal depósito.

Estando o legal representante presente, foi desde logo notificado da decisão supra.

Após, foi proferido o seguinte – Despacho

Abra conclusão, a fim de ser determinado a ulterior processado quanto às verbas cujas propostas não foram admitidas e para apreciação do direito de remição ora exercido (…)”

21. A 26-04-2023, LL juntou cheque no valor de € 42,50 (quarenta e dois euros e cinquenta cêntimos) relativo à verba n.º 37; a 27-04-2023, a interessada CC juntou DUC e comprovativo de depósito do valor de € 136 800,00 (cento e trinta e seis mil e oitocentos euros), correspondente ao exercício do direito de remição no que tange à verba n.º 13; a 28-04-2023, o interessado EE juntou DUC e comprovativo de depósito do valor de € 4 350,00 (quatro mil e trezentos e cinquenta euros), correspondente ao exercício do direito de remição no que tange às verbas n.ºs 36 – € 3.500,00 – e 37 – € 850,00.

            22. No despacho de 05-05-2023, o tribunal a quo decidiu:

            “Frustrada que se encontra a venda por propostas em carta fechada relativamente às verbas n.ºs 1 a 12, por falta de proponentes, prosseguirão os autos com a venda dos correspondentes bens móveis por negociação particular [art.º 832.º, alínea d), do Código de Processo Civil].

(…) [J]ulga-se validamente exercido o direito de remição por parte da interessada CC quanto à verba n.º 13. (…)

(…) [J]ulga-se validamente exercido o direito de remição por parte do interessado EE quanto às verbas n.ºs 36 e 37. (…)”.

23. A 15-05 e 01-06-2023, D... Unipessoal, Lda., juntou DUC,s e comprovativos de depósito dos valores de € 17 926,80 (dezassete mil e novecentos e vinte e seis euros e oitenta cêntimos) e de € 7,00 (sete euros), relativos à aquisição das verbas n.ºs 14 a 35 e 38 a 61; a 11-09-2023, a interessada CC juntou DUC e comprovativo de pagamento de € 4 000,00 (quatro mil euros) relativo ao exercício do direito de remição quanto à verba n.º 11.

24. No despacho de 31-10-2023, o tribunal a quo consignou, na parte relevante:

            “Frustrada que se encontra a venda por propostas em carta fechada relativamente às verbas n.ºs 1 a 12, por falta de proponentes, prosseguirão os autos com a venda dos correspondentes bens móveis por negociação particular [art.º 832.º, alínea d), do Código de Processo Civil].

(…) [J]ulga-se validamente exercido o direito de remição por parte da interessada CC quanto à verba n.º 11 (…).

25. A 14-11-2023 e 09-01-2024 foram juntas, pelo encarregado da venda, proposta de € 600,00 (seiscentos euros) para aquisição da verba n.º 10, e o respectivo DUC e comprovativo de pagamento; a 10-01, 01-03 e 08-03-2024 foram juntas, pelo encarregado da venda, proposta de € 2 000,00 (dois mil euros) para aquisição das verbas n.ºs 1 a 9 e 12, e o respectivo DUC e comprovativo de pagamento.

            26. No despacho de 11-04-2024, o tribunal a quo exarou, na parte relevante:

“(…) Compulsados os autos, não se procederá a designação de data para continuação de conferência de interessados, alcançadas que se encontram as finalidades previstas no artigo 1111.º, do Código de Processo Civil.

Elabore mapa da partilha e proceda subsequente à sua notificação aos interessados (artigos 1120.º, nrs.º 2 a 5, do Código de Processo Civil). (…)”.

            27. A 07-06-2024, a secretaria judicial elaborou a seguinte “Informação”:

Produto da venda: 165.050,30€

165.050,30€

Passivo: – 317.813,88€

Procedendo à partilha de harmonia com o despacho que determina a partilha,

soma-se o valor de todos os bens, ........................................ 165.050,30€

e abate-se o passivo ………………………………… – 317.813,88€

e o total assim obtido ……………………………… – 152.763,58€”.

            28. A 18-06-2024, a cabeça de casal AA e os interessados, CC e EE vieram reclamar do Mapa de Partilha elaborado pela Secretaria (ref.ª citius 107491230), nos termos do n.º 5 do artigo 1120.º do CPC, nos seguintes termos e com os seguintes fundamentos:

            “1. O nº 3 do artigo 1111º do CPC, sob a epígrafe: “Assuntos a submeter à conferência de interessados”, refere que “Aos interessados compete ainda deliberar sobre o passivo e a forma do seu pagamento, bem como sobre a forma de cumprimento dos legados e demais encargos da

herança”.

2. Nos presentes autos, ainda não existiu qualquer deliberação sobre o passivo,

3. Nem quanto à forma do seu pagamento.

4. O que apenas poderá ser realizado em sede de conferência de interessados porquanto é esse o momento que confere a todos os intervenientes a oportunidade para, querendo, se pronunciaram sobre o passivo – aprovando-o ou não,

5. Bem como se pronunciarem sobre as diferentes formas de liquidação.

6. Logo, salvo melhor entendimento, só após esse momento que ainda não ocorreu – é que se encontram reunidas as condições para elaborar mapa da partilha.

7. Pelo que deve ser diligenciada a marcação da conferência de interessados por forma a deliberar sobre o passivo e a forma do seu pagamento, bem como sobre a forma de cumprimento dos legados e demais encargos da herança.

8. O que se requererá, a final.

9. Sem embargo, e por mera cautela de patrocínio sempre se dirá o seguinte: no dia 24.04.2024, foi proferida douta Sentença (Ref.ª 103071826) no âmbito do apenso da Reclamação de Créditos (Apenso C) que considerou verificados os seguintes créditos da herança:

• Fazenda Nacional: 332,75 € (trezentos e trinta e dois euros e setenta e cinco cêntimos);

• Instituto da Segurança Social, I.P.: 92.310,32 € (noventa e dois mil, trezentos e dez euros e trinta e dois cêntimos),

10. Não foram reclamados, nem reconhecidos quaisquer outros créditos.

11. À presente data, a referida sentença já transitou em julgado.

12. Assim, não tendo existido qualquer deliberação sempre se dirá que o valor do passivo a considerar para efeitos de mapa de partilha (e na eventualidade de se considerar desnecessária a marcação) apenas poderá ser o somatório dos valores supramencionados,

13. Que, em concreto, se fixa em 92.643,07 € (noventa e dois mil, seiscentos e quarenta e três euros e sete cêntimos).

14. E não o valor constante da proposta de mapa de partilha elaborada pela Secretaria.

Nestes termos requer-se a V.ª Ex.ª se digne ordenar a marcação da Conferência de Interessados, nos termos do artigo 1111.º do Código de Processo Civil com o objetivo de permitir aos interessados do presente inventário deliberar sobre o passivo da herança e a forma do seu pagamento, bem como sobre a forma de cumprimento dos legados e demais encargos.

Caso assim não se entenda, requer-se a V.ª Ex.ª se digne ordenar a Secretaria a retificar a proposta do mapa de partilha fixando o valor do passivo em 92.643,07 € (noventa e dois mil, seiscentos e quarenta e três euros e sete cêntimos) conforme resulta do conteúdo e teor da sentença de verificação e graduação de créditos proferida em 24.04.2024 (Ref.ª 103071826) no apenso C”.

            29. A 30-08-2024 a interessada GG apresentou o seguinte requerimento:

“GG notificada da informação efetuada pela secretaria, dizer que não concorda simplesmente porque as dividas eram as seguintes:

- Fazenda 332,75 euros

-instituto da segurança social : 92 310,32 euros

portanto com base na sentença da reclamação de créditos o passivo considera se no valor de 92 643,07 euros.

- Não se compreende o valor referenciado na informação.

Pede se que se tenha esta situação em consideração e que a informação seja retificada.”

            30. A 16-10-2024 o tribunal a quo consignou em despacho:

            “Informe a secretaria o que tiver por conveniente quanto às reclamações dos interessados AA, CC, EE e GG.

Sem prejuízo das reclamações entretanto apresentadas, verificando-se que o passivo reconhecido nos presentes autos é superior ao activo da herança, ao abrigo do disposto no art.º 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, notifique desde já todos os interessados e o Ministério Público para se pronunciarem, querendo, no prazo de 10 dias, quanto à extinção da instância por inutilidade superveniente da lide”.

            31. A 18-10-2024 a cabeça de casal pronunciou-se nos seguintes termos:

“Em sede de conferência de interessados realizada no pretérito dia 05.07.2022 (Ref.ª 100871942) consta em ata que “Por todos os interessados foi ainda dito não pretenderem deliberar quanto à forma de pagamento do passivo.”

- Foi esse o entendimento de todos os interessados porquanto,

- Se não estava definido o montante do passivo,

- Por razões de coerência, muito menos existiam condições para definir a forma do seu pagamento.

- Não será certamente entendimento deste douto Tribunal que se pode extrair da pretensão tomada em sede de conferência de interessados de não se pronunciar sobre a forma do seu pagamento,

- Para concluir da intenção das partes em não se pronunciarem de todo sobre o passivo.

- Isto é, deliberar quanto à existência, valor ou condições de respetivo pagamento.

- Em todo o caso sempre se dirá que “deliberar sobre o passivo” é diferente de “forma do seu pagamento”.

- Sem embargo, considerando estar pendente uma Reclamação ao Mapa de Partilha elaborada pela Secretaria, nos termos no n.º 5 do artigo 1120.º do Código de Processo Civil.

- Reclamação subscrita pela própria e pelos restantes interessados,

- Que, até à presente data, não foi objeto de qualquer decisão,

- E que não se conhece qualquer decisão ulterior que altere ou modifique o passivo constante no Mapa de Partilha reclamado,

- Assim, salvo melhor entendimento, sempre será prematura a pronuncia sobre uma eventual extinção da instância.

- Porquanto, não se conhece, até ao momento, qual o montante do passivo a ter em consideração nos presentes autos”.

            32. A 29-10-2024 a interessada GG pronunciou-se nos seguintes termos

“Não concorda com a extinção da Instância por Inutilidade superveniente da lide, porque existe dinheiro suficiente para proceder ao pagamento dos valores que foram reclamados, e o restante ser distribuído.

- Nomeadamente o valor da segurança social e das finanças.

- O Instituto da segurança social e as finanças fizeram a reclamação no apenso a este processo.

- Sendo que inicialmente existia uma letra do banco o mesmo deu conhecimento ao processo que não lhe era devido.,

- Não podendo a mesma ser tida em consideração, porque o banco não veio reclamar a letra em sede própria. (reclamação)

- O que parece, é que a secretaria teve em consideração todas as dívidas que foram mencionadas na petição Inicial do Inventado, dal aparecer esse valor tão elevado.

- Sendo que algumas foram impugnadas e outras pagas.

- Foi efetuado uma reclamação do mapa da partilha e até ser efetuado um novo mapa, o processo não poderá ser extinto, tendo em conta que existe uma reclamação pendente.

-E Contrariamente ao mencionado existo mais activo que passivo”.

            33. A 30-10-2024 os interessados CC e EE pronunciaram-se nos seguintes termos:

            “- No âmbito dos presentes autos encontra-se pendente uma Reclamação ao Mapa de Partilha apresentado pela Secretaria nestes autos,

- Pelo que, em bom rigor, ainda não se conhece qual o montante do passivo a ter em consideração nos presentes autos.

- Assim, salvo melhor entendimento, será sempre precoce a pronuncia sobre uma eventual extinção da presente instância por inutilidade da lide.

- Por outro lado, os interessados ainda não deliberaram sobre o passivo,

- Deliberação essa que, nos termos do n.º 3 do artigo 1111.º do Código Civil, deve ser soberanamente aprovada em sede de Conferência de Interessados.

- Sem embargo e por mera cautela de patrocínio sempre se dirá que, pelo menos em relação ao interessado EE, este impugnou as dívidas relacionadas pela Autoridade Tributária e do “Banco 1..., S.A.” especificadas em separado na relação de bens, respectivamente, sob as verbas n.ºs 1 e 3.

- E que, por douto Despacho proferido a 31.10.2021 (Ref.ª 98256813) foi decidido não reconhecer quanto à quota-parte deste, as dívidas à Autoridade Tributária e ao “Banco 1..., S.A.”,

- Isto apesar do Banco 1..., S.A. em 22.11.2021 (Ref.ª 8195460) ter expressamente declarado “(…) não ter quaisquer créditos a reclamar neste processo, nem da Herança aberta por óbito do Inventariado BB.”.

- E de não ter reclamado quaisquer valores no apenso da Reclamação de Créditos (Apenso C).

- O que, salvo melhor opinião, teria sempre como inevitável resultado o não reconhecimento desta dívida,

- Quer em relação ao interessado EE,

- Como aos demais interessados e cabeça-de-casal.

- Ademais, o montante dos créditos devidos pela herança à Autoridade Tributária - também impugnado - é, segundo a douta sentença da Reclamação de Créditos proferido no apenso C e já transitado em julgado, é de €332,75.

- Razão pela qual os interessados se opõem à extinção da presente instância por inutilidade superveniente da lide.”


*

Apensos ao processo de inventário:

34. Apenso A – recurso de apelação em separado:

34.1. A 06-12-2021 a cabeça de casal apresentou recorreu do “Despacho de Saneamento proferido em 02.11.2021 pelo Mm.º Juiz do Tribunal a quo ao pronunciar-se sobre a validade e existência de dívidas é ilegal por não ser a fase própria para o efeito” e concluiu: “Nestes termos e nos demais de Direito, deve o presente recurso ser admitido, e julgado procedente, e em consequência, ser substituído o despacho saneador por outro que relegue para a conferência de interessados a apreciação do passivo da herança. (sic).

            34.2. Em 02-03-2022, o tribunal a quo decidiu, “ao abrigo do disposto no art.º 641.º, n.º 2, alínea a), ex vi art.º 1123.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, indefere-se o recurso apresentado pela cabeça-de-casal AA”.

            35. Apenso B – recurso de apelação em separado:

            35.1. A 04-04-2022 a cabeça de casal recorreu do despacho do tribunal a quo de 16-03-2022 – que determinou a não realização da avaliação de bens por não terem sido atempadamente pagos os encargos pelos interessados CC e EE – pedindo que o mesmo fosse “revogado e substituído por outro que ordene a notificação às partes para se pronunciarem quanto ao não pagamento dos encargos e requererem o que entenderem por conveniente à boa decisão da causa” (sic), o qual não foi admitido pela 1.ª Instância, conforme despacho de 16-05-2022.

36. Apenso C – reclamação de créditos:

36.1. A 24-04-2023 foi proferida sentença de verificação e graduação de créditos, cuja decisão transitou em julgado:

“Pelo exposto, com os fundamentos de facto e de direito enunciados:

5.1. Reconheço e julgo verificados os créditos reclamados pelo Ministério Público, em representação do Estado (Fazenda Nacional), nos exatos termos constantes da factualidade dada como provada, os quais ascendem ao valor global de €332,75 (trezentos e trinta e dois euros e setenta e cinco cêntimos), para que possa fazer-se pagar pelo produto da venda.

5.2. Reconheço e julgo verificados os créditos reclamados pelo Instituto da Segurança Social, I.P., nos exatos termos constantes da factualidade dada como provada, os quais ascendem ao valor global de €92.310,32 (noventa e dois mil, trezentos e dez euros e trinta e dois cêntimos), para que possa fazer-se pagar pelo produto da venda.

5.3. Pelo produto da venda dos bens móveis melhor identificados na factualidade dada como provada no ponto 3.1.1. devem ser pagos os créditos do Estado (Fazenda Nacional), no que respeita a capital e juros vencidos e vincendos, com a limitação prevista no artigo 734.º do Código Civil quanto aos juros de mora (isto é, pelo montante correspondente ao período máximo de 2 anos);

5.4. Pelo produto da venda dos bens imóveis melhor identificados na factualidade dada como provada nos pontos 3.1.21. a 3.1.31. devem ser pagos os créditos do «Instituto da Segurança Social, I.P.», no que respeita a capital, juros vencidos e vincendos, com a limitação prevista no artigo 693.º, n.º 2, do Código Civil quanto aos juros de mora (isto é, pelo montante correspondente ao período máximo de 3 anos) e custas processuais.

Valor da ação: €104.049,81 (cento e quatro mil, quarenta e nove euros e oitenta e um cêntimos) – nos termos determinados no despacho saneador proferido em 05/01/2023 (…)”.


*

B. Fundamentação de Direito.

Recapitulando, a cabeça de casal, aqui apelante, sustenta que deve revogar-se a sentença proferida em 25-02-2025 e substituí-la por decisão que proceda ao agendamento de nova conferência de interessados destinada a deliberar sobre o passivo e a forma do seu pagamento, consistindo a questão decidenda em indagar se aquela sentença violou o disposto no artigo 1111.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, por não ter dado oportunidade aos interessados de deliberarem sobre aquelas matérias.

Do despacho/sentença de 25-02-2025 constam diferentes decisões, sendo de salientar os seguintes trechos (por nós sublinhados):

“(…) Por despacho de 11 de Abril de 2024 (de fls. 800 do processo físico), foi consignado que não se procederia à designação de data para continuação da conferência de interessados, por estarem alcançadas as finalidades previstas no art.º 1111.º do Código de Processo Civil.

De tal despacho foram notificados a cabeça-de-casal e os interessados, não tendo reagido contra o mesmo, fazendo-o unicamente agora, quando notificados da informação lavrada pela secção (constante do histórico do processo visível através do sistema informático citius sob a referência n.º 107491230), no sentido de o passivo da herança sobrelevar o activo (sendo aquele de 317.813,88 € e este de 165.050,30 €).

Aduzem os interessados que ainda não existiu qualquer deliberação sobre o passivo, nem quanto à forma do seu pagamento, sustentando que o local próprio para o efeito é a conferência de interessados.

Assim é, em tese, de acordo com a previsão contida no art.º 1111.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.

No entanto, olvidam os interessados que a conferência de interessados teve já lugar no dia 5 de Julho de 2022, constando da respectiva acta que “por todos os interessados foi ainda dito…”, após acordarem na venda de todos os bens da herança, “…não pretenderem deliberar quanto à forma de pagamento do passivo” (cfr. fls. 408 do processo físico).

Face a tal manifestação de vontade, nada mais há a determinar quanto ao passivo, o qual, relembra-se, foi considerado reconhecido nos termos das decisões proferidas em 31 de Outubro de 2021 (de fls. 345 a 356).

Em segundo lugar, não havendo legados, não se compreende a afirmação constante do requerimento ora em análise, no sentido de a conferência de interessados servir também para se deliberar sobre o respectivo cumprimento.

Finalmente, pelos motivos adiante expostos, uma vez que o passivo é superior ao activo, não tendo sido requerida a insolvência da herança, torna-se inútil o prosseguimento do presente processo de inventário, sendo de improceder a pretensão dos interessados no sentido de ser marcada data para continuação da conferência.

Insurgem-se também os interessados contra a informação lavrada pela secção – é disso que se trata, não de um mapa de partilha para efeitos do art.º 1120.º do Código de Processo Civil, muito menos de uma “proposta do mapa de partilha” –, sustentando que no Apenso C foram apenas reclamados créditos pela Fazenda Nacional (no valor de 332,75 €) e pelo “Instituto da Segurança Social, I.P.” (no valor de 92.310,32 €), devendo o somatório de tais créditos (de 92.643,07 €) ser considerado como passivo, diferentemente do que consta da referida informação, tanto mais, como acrescentam, que não foram reclamados, nem reconhecidos quaisquer outros créditos.

Está nesta parte em causa uma verdadeira e própria reclamação contra um acto da secretaria.

Dispõe o art.º 157.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, com efeito, que “dos atos dos funcionários da secretaria judicial é sempre admissível reclamação para o juiz de que aquela depende funcionalmente”.

Contrariamente ao propugnado pelos interessados, pelas sobreditas decisões proferidas em 31 de Outubro de 2021 (de fls. 345 a 356), foram consideradas reconhecidas as dívidas à Autoridade Tributária (no valor de 86.882,10 €, como consta da especificação em separado da verba n.º 1 das dívidas da herança – cfr. fls. 262), ao Instituto da Segurança Social (no valor de 103.711,95 €) e ao “Banco 1..., S.A.” (no valor de 127.219,83 €, como consta da verba n.º 3 das dívidas – cfr. fls. 263) relativamente aos interessados que não as impugnaram.

É o somatório de tais dívidas especificadas na relação de bens (no valor total de 317.813,88 €, consideradas reconhecidas nos exactos termos já decididos) e não dos créditos reclamados e graduados em apenso que constituem o passivo da herança e que importa abater ao activo, conforme despacho sobre a forma da partilha já proferido.

Na verdade, convém não esquecer que para efeitos de reclamação de créditos só são admitidos os credores que gozem de garantia real sobre os bens para cuja venda prosseguiu o processo de inventário (art.º 788.º, ex vi art.º 549.º, n.º 2 do Código de Processo Civil), podendo suceder que haja credores que não são titulares de direitos reais de garantia, aos quais está vedado o recurso ao concurso de credores previsto nos artigos 788.º e seguintes do Código de Processo Civil, sem que por isso lhes seja negada a qualidade de credores da herança e sem que esta não seja deles devedora, com a necessária consideração dos valores em causa como passivo.

Improcede, pois, por esta via, a reclamação deduzida.

Pelo exposto:

a) Indefere-se a marcação da conferência de interessados requerida pela cabeça-de-casal AA e pelos interessados CC e EE;

b) Indefere-se a reclamação apresentada pela cabeça-de-casal e por tais interessados.”

Com idêntica fundamentação, decidiu-se ainda indeferir “a reclamação apresentada pela interessada GG.”

Por fim, decidiu-se:

“No presente processo de inventário por óbito de BB, tendo os autos prosseguido para venda da totalidade dos bens da herança, veio a apurar-se que o valor do activo é inferior ao passivo, tendo a secretaria lavrado a correspondente informação (constante do histórico do processo visível através do sistema informático citius sob a referência n.º).

Notificados para o efeito, a cabeça-de-casal AA e os interessados CC, EE e GG insurgiram-se contra a possibilidade de extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.

Analisada a relação de bens junta aos autos e as dívidas relacionadas em separado, verifica-se que o valor destas excede o valor por que foram vendidos os bens constantes da relação de bens.

Efectivamente, por decisões proferidas em 31 de Outubro de 2021 (de fls. 345 a 356 do processo físico), foram consideradas reconhecidas as referidas dívidas à Autoridade Tributária (no valor de 86.882,10 €, como consta da especificação em separado da verba n.º 1 das dívidas da herança – cfr. fls. 262), ao Instituto da Segurança Social (no valor de 103.711,95 €) e ao “Banco 1..., S.A.” (no valor de 127.219,83 €, como consta da verba n.º 3 das dívidas – cfr. fls. 263) relativamente aos interessados que não as impugnaram, sendo o passivo, consequentemente, de 317.813,88 €.

Já o activo ascende a 165.050,30 €, conforme consta da sobredita informação, contra a qual, nesta parte, não se insurgiram os interessados.

Nos termos do art.º 1106.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, “as dívidas vencidas, que hajam sido reconhecidas por todos os interessados ou se mostrem judicialmente reconhecidas nos termos do n.º 3, devem ser pagas imediatamente, se o credor exigir o pagamento”.

Não tendo sido feito pelos credores o pedido de pagamento imediato, poderiam os interessados ter deliberado na conferência de interessados que “o pagamento se faça à custa de dinheiro ou outros bens separados para esse efeito, ou que fique a cargo de algum ou alguns deles” (art.º 2098.º, n.º 2 do Código Civil).

A este respeito nada deliberaram os interessados. Tendo-lhes sido dada a palavra para o efeito (art.º 1111.º, n.º 3 do Código de Processo Civil), declararam “não pretenderem deliberar quanto à forma de pagamento do passivo” (cfr. acta de conferência de interessados de 5 de Julho de 2022, constante de fls. 408 a 409 do processo físico), não tendo os credores, repete-se, exigido o imediato pagamento das dívidas.

Verifica-se, pois, face à manifesta desproporção entre o valor do activo e o do passivo que os interessados estavam aptos a requerer a passagem do processo de inventário a processo de insolvência. Efectivamente, dispõe o art.º 1108.º do Código de Processo Civil que “quando a herança se encontre em situação de insolvência, o juiz, a requerimento de algum interessado direto ou de algum credor, extingue a instância e remete os interessados para o processo de insolvência”.

Tal como resulta deste preceito, a passagem a processo de insolvência não é oficiosa, tendo de ser requerida por qualquer credor que tenha visto aprovado ou reconhecido o seu crédito no processo ou por requerimento dos interessados nesse sentido.

Notificados da informação lavrada pela secção, nada requereram a tal respeito os interessados directos na partilha.

Podendo suceder que a insolvência não convenha aos interessados e não tendo estes manifestado tal pretensão nos autos, “se nada for requerido, o processo termina por inutilidade superveniente da lide” (Domingos Carvalho de Sá, “Do Inventário”, 3.ª edição, 2000, pág. 130; no mesmo sentido, João António Lopes Cardoso, “Partilhas Judiciais”, volume II, 5.ª edição, 2008, pág. 315, os Acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 07/02/2017, processo n.º 180/12.2TBFLG.P1, e de 07/07/2005, processo n.º 0523548, e ainda que no âmbito de inventários para separação de meações, o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 21/05/2019, processo n.º 470/14.0T8LMG.C1, e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26/01/2017, processo n.º 724/06.9TBFLG-C.P1, todos in www.dgsi.pt).

Pelo exposto, ao abrigo do disposto no art.º 277.º, alínea e), ex vi art.º 549.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, declaro extinta a presente instância por inutilidade superveniente da lide.

Custas a cargo da cabeça-de-casal AA (art.º 536.º, n.º 3, primeira parte, do Código de Processo Civil), sem prejuízo da protecção jurídica de que beneficia.

Registe e notifique”.

A recorrente considera, entre o mais – cf. conclusões 36 a 44 –, que o “o Despacho proferido a 31.10.2021 (Ref.ª 98256813) veio fixar o passivo por referência ao montante das dívidas relacionadas pela Cabeça-de-Casal – aqui apelante, entre as quais uma dívida ao Banco 1..., S.A., no valor de 127.219,83€ (cento e vinte e sete mil, duzentos e dezanove euros e oitenta e três cêntimos) (…)  Sucede que, o Banco 1..., S.A. em 22.11.2021 (Ref.ª 8195460) – após a prolação do mencionado Despacho – veio “(…) reiterar e clarificar que não tem interesse no acompanhamento dos autos supra referenciados, em virtude de não ter quaisquer créditos a reclamar neste processo, nem da Herança aberta por óbito do Inventariado BB.”. / Tal circunstância, superveniente, deveria ter sido valorada, apreciada o seu mérito e definidas as cominações que daí advêm - sem prejuízo de conceder o contraditório às partes interessadas. / O que não aconteceu. / No caso concreto, existia uma vontade expressa por parte do alegado titular da dívida relacionada em que menciona inexistir interesse no acompanhamento dos autos (Requerimento de 26.07.2021 com a Ref.ª 7892064) – e que foi valorada no Despacho de 31.10.2021 que fixou o passivo da herança, /Mas também uma circunstância superveniente: uma segunda comunicação do Banco 1..., S.A. de 22.11.2021 (Ref.ª 8195460) em que declara, de forma expressa, que não é titular de qualquer crédito para com o de cuius e/ou herança. /Circunstância essa que não foi apreciada por parte do Mm.º Juíz a quo, / E que também não foi concedido aos restantes co-interessados a oportunidade para se pronunciarem sobre o conteúdo e teor da mesma. /Ademais, por sentença proferida a 24.04.2023 (Ref.ª 103071826) no âmbito do apenso da Reclamação de Créditos (Apenso C) apenas resultam reclamados e verificados os seguintes créditos:  • Autoridade Tributária - valor de €332,75 (trezentos e trinta e dois euros e setenta e cinco cêntimos), • Instituto da Segurança Social, I.P. – Centro Distrital ... - valor de €92.310,32 (noventa e dois mil, trezentos e dez euros e trinta e dois cêntimos).

Daqui retira – conclusões 45 a 48 – “parece resultado evidente que na Conferência de Interessados realizada no 05.07.2022, não foram alcançadas todas as finalidades previstas no art.º 1111.º do Código de Processo Civil. / Nomeadamente, a deliberação sobre o passivo e a forma do seu pagamento. /Ao assim considerar, a sentença proferida não respeita de forma integral o teor daquele normativo, /O que resulta na necessidade da sua revogação e substituição por outra decisão que proceda ao agendamento de nova Conferência de Interessados destinada com as finalidades do mencionado normativo, nomeadamente, deliberar sobre o passivo e forma de pagamento”.

Contra-alegou o Ministério Público aduzindo, na parte relevante – conclusões 2 a 10, que “[u]ma das diferenças que marca o atual processo de inventário, face à anterior redação da Lei, respeita à antecipação da resolução definitiva de tudo quanto respeite ao passivo da herança, pelo que, aquando da realização de conferência de interessados, todas as questões relacionadas com o passivo já deverão estar resolvidas, por acordo dos interessados, por via de algum efeito cominatório ou através de decisão judicial sustentada em documentação que lhe confira a necessária segurança. /Assim, no momento em que se realiza a conferência de interessados, o juiz já proferiu decisão sobre o passivo, em função do acordo expresso ou tácito dos interessados, ou de alguns deles, ou com base na apreciação da prova documental relevante para uma decisão segura (cfr. artigos 1110, n.º 1, alínea a) e 1106.º, ambos do Código de Processo Civil). / Neste ensejo, e conforme bem propugnam Miguel Teixeira de Sousa, Carlos Lopes do Rego, António Abrantes Geraldes e Pedro Pinheiro Torres, em “O Novo Regime do Processo de Inventário (…)”, Almedina, 2021, Reimpressão, pág. 104, «Assim, deixa de ocorrer na conferência de interessados a aprovação do passivo, dado que esta já se verificou na fase dos articulados, em consequência do estabelecimento de um ónus de impugnação dos créditos que se mostrem relacionados ou reclamados e dos demais encargos da herança (….). Por isso o que está em causa neste momento processual [conferência de interessados] não é já uma decisão acerca do reconhecimento da existência e montante do débito – questão, em princípio, já consolidada nas fases dos articulados e do saneamento -, mas tão somente uma deliberação acerca da forma prática de satisfação das dívidas e de cumprimento dos demais encargos da herança.» / Ora, a decisão sobre a fixação do montante total do passivo – na qual foram reconhecidas as dívidas à Autoridade Tributária (no valor de € 86.882,10), ao Instituto da Segurança Social (no valor de 103.711,95 €) e ao “Banco 1..., S.A.” (no valor de 127.219,83 €) relativamente aos interessados que não as impugnaram – já há muito que se encontra consolidada no processo, sendo a mesma datada de 31.10.2021, sob a refª 98256813, pelo que inexiste qualquer fundamento para invocar que o Tribunal procedeu ex officio à determinação do passivo, conforme invoca incorretamente a Recorrente. / Carece de qualquer sentido jurídico o entendimento propugnado pela Recorrente ao defender que deveriam integrar o passivo os créditos que foram reclamados pela Autoridade Tributária, no valor de € 332,75 e pelo Instituto de Segurança Social, no valor de € 92.310.32, pois conforme bem se refere na decisão recorrida, «É o somatório de tais dívidas especificadas na relação de bens (no valor total de 317.813,88 €, consideradas reconhecidas nos exactos termos já decididos) e não dos créditos reclamados e graduados em apenso que constituem o passivo da herança e que importa abater ao activo, conforme despacho sobre a forma da partilha já proferido.» /No que tange aos alegados créditos que o “Banco 1...” referiu não ter a reclamar “neste processo”, nem “da Herança por óbito do Inventariado BB”, por exposição apresentada e datada de 22.11.2021 (refª 8195460) não se olvida que tal poderia ser uma causa superveniente que, em abstrato, seria suscetível influenciar a fixação do montante exato do passivo, atento o disposto no artigo 573.º, n.º 2 do Código de Processo Civil. /Contudo, desde 22.11.2021 até à notificação da informação da Secretaria constante da refª 107491230, de 07.06.2024, em nenhum momento foi apresentado pela Recorrente, ou pelos interessados, qualquer requerimento formalmente fundamentado, de facto e de direito, a invocar uma qualquer exceção que pudesse influenciar o impacto na fixação do passivo, por conhecimento superveniente da mesma. / Com efeito, e sem que o tribunal pudesse oficiosamente invocar essa circunstância, os autos continuaram a sua normal tramitação, com a questão do passivo previamente decidida por despacho de 31.10.2021, e com a realização de, pelo menos, três conferências de interessados (14.02.2022, 26.04.2022. e 05.07.2022), nas quais os interessados não abordaram tal questão. /No que respeita à alegada falta de oportunidade da Recorrente e dos interessados para deliberarem sobre a forma de pagamento do passivo, não se vislumbra em que medida é que o Tribunal agiu de forma incorreta, tendo em conta que na última conferência de interessados, datada de 05.07.2022, foi expressamente referido pelos interessados presentes que não pretendiam deliberar quanto à forma de pagamento do passivo, apesar de ter sido dada palavra para o efeito” (sic).

Comecemos por verificar o regime do processo de inventário e os dispositivos legais pertinentes para a análise da questão.

O (novo) regime jurídico do inventário judicial, aprovado pela Lei n.º 117/2019, de 13-09, entrou em vigor no dia 01-01-2020 – cf. art. 15.º –, regulando-se pelo estatuído nos arts. 1082.º a 1135.º do CPC.

Trata-se de um processo especial, que, como tal, é regido pelas disposições que lhe são próprias e pelas disposições gerais e comuns e, em tudo o que não estiver prevenido numas e noutras, pelo que se encontra estabelecido para o processo comum – cf. art. 549.º, n.º 1, do CPC –, sendo norteado pelos princípios da concentração e da autorresponsabilidade das partes, comportando cominações e preclusões.

Com fases processuais relativamente estanques, nele prevê-se uma fase de articulados englobando: a (i) fase inicial – arts. 1097.º a 1102.º do CPC –, a (ii) da oposição – art. 1104.º – e a da (iii) resposta – art. 1105.º –, recaindo sobre cada um dos interessados o ónus de suscitar, com efeitos preclusivos, as questões relevantes para a finalidade do inventário, designadamente as referentes à sua admissibilidade, identificação e convocação dos interessados, relacionamento e identificação dos bens a partilhar, dívidas e encargos da herança e outras questões atinentes à divisão do acervo patrimonial.

Relativamente à verificação do passivo, prescreve o art. 1106.º do CPC:

“1. As dívidas relacionadas que não hajam sido impugnadas pelos interessados diretos consideram-se reconhecidas, sem prejuízo do disposto no n.º 2 do artigo 574.º, devendo a sentença homologatória da partilha condenar no respetivo pagamento.

2. Se houver interessados menores, maiores acompanhados ou ausentes, o Ministério Público pode opor-se ao seu reconhecimento vinculante para os referidos interessados.

3. Se todos os interessados se opuserem ao reconhecimento da dívida, o juiz deve apreciar a sua existência e montante quando a questão puder ser resolvida com segurança pelo exame dos documentos apresentados.

4. Se houver divergências entre os interessados acerca do reconhecimento da dívida, aplica-se o disposto nos n.ºs 1 e 2 relativamente à quota-parte dos interessados que a não impugnem e quanto à parte restante observa-se o disposto no número anterior.

5. As dívidas vencidas, que hajam sido reconhecidas por todos os interessados ou se mostrem judicialmente reconhecidas nos termos do n.º 3, devem ser pagas imediatamente, se o credor exigir o pagamento.

6. Se não houver na herança dinheiro suficiente e se os interessados não acordarem noutra forma de pagamento imediato, procede-se à venda de bens para esse efeito, designando o juiz os que hão de ser vendidos, quando não haja acordo entre os interessados.

7. Se o credor quiser receber em pagamento os bens indicados para a venda, são-lhe os mesmos adjudicados pelo preço que se ajustar.”.

Por seu turno, o art. 1108.º do CPC, relativo à “Insolvência da herança” preceitua: “Quando a herança se encontre em situação de insolvência, o juiz, a requerimento de algum interessado direto ou de algum credor, extingue a instância e remete os interessados para o processo de insolvência.”.

Analisando os preceitos legais citados, Pedro Pinheiro Torres, in Notas breves de apresentação do processo de inventário na redação dada pela lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, “Inventário: o Novo Regime”, Centro de Estudos Judiciários, 2020, pp. 23/24, tece as seguintes considerações:

“A integração da “Verificação do Passivo” na fase dos articulados

Na primeira destas disposições (artigo 1106.º) é enunciado de forma expressa, o efeito cominatório da não impugnação, pelos interessados diretos, das dívidas reclamadas, que é o de estas serem consideradas reconhecidas, sendo os interessados condenados no seu pagamento na sentença homologatória da partilha.

Este efeito cominatório pode, no entanto, ser impedido relativamente aos interessados menores, maiores acompanhados ou ausentes, quando o Ministério Público se opuser ao seu reconhecimento vinculativo para os mesmos. (cfr. n.º 2 daquela disposição).

A impugnação de qualquer interessado não aproveitará, no entanto, aos não impugnantes, que nos termos do n.º 4 (parte final) daquele mesmo artigo, serão condenados a pagar a sua quota parte da divida reconhecida, cabendo ao Juiz apreciar, quanto às impugnações, o respetivo mérito, repercutindo a decisão apenas na esfera dos direitos do(s) impugnante(s).

Esta a solução prevista no CPC com vista a permitir a definição dos termos a que obedecerá a decisão da “verificação do passivo” agora não tomada pelas partes (em deliberação na Conferência) mas pelo Juiz.

Previsão de situação de insolvência da herança

O artigo 1108.º prevê que quando a herança se encontre em situação de insolvência, o juiz, a requerimento de algum interessado direto ou de algum credor, extingue a instância e remete os interessados para o processo de insolvência.

Como se verifica, uma solução contrária à que vigorava no CPC revogado, que concretamente no seu artigo 1361.º previa que quando se verificasse a situação de insolvência da herança, seguir-se-iam, a requerimento de algum credor ou por deliberação de todos os interessados, os termos do processo de falência que se mostrassem adequados, aproveitando-se, sempre que possível, o processado.

Solução bem diferente, a da nova previsão legal, na qual não se considera a conversão do processo de inventário, cujo fim (pelo menos o previsto pelas partes!) se mostra inviabilizado pela verificação de uma situação de incapacidade do património da herança para solver as respetivas obrigações, uma vez que se julgou ser (essa conversão) de grande complexidade, atentas as diferenças entre a função e a tramitação de cada um dos processos (inventário ou insolvência em que aquele se converteria) e a (in) competência do Juízo Local para exercer as atribuições normalmente cometidas ao juízo de comércio.

É claro que a decisão pedida ao tribunal nestes casos – a declaração de extinção da instância e remessa dos interessados para o processo de insolvência (que podem nem sequer vir a requerer!) – deve se precedida das diligências instrutórias necessárias à boa apreciação da situação da herança e só pode ser tomada após ter sido requerida por algum interessado direto ou algum credor.

Poder-se-á questionar – legitimamente, aliás – por que razão não optou o legislador (e, afinal, a Comissão de Revisão) pela suspensão da instância, aguardando os termos do processo de insolvência, cessando a suspensão no caso de a insolvência não ser declarada (havendo, assim, razões para a prossecução do inventário) ou sendo decidida a extinção da instância quando a insolvência viesse a ser declarada?

Apesar de tal solução ser admissível, considerou-se preferível a solução de extinção da instância pondo termo ao processo sem dependência de uma decisão, a ser tomada em outro processo que poderia nem sequer vir a ser instaurado.

Considera-se, no entanto, ser de admitir que, perante a decisão de declaração de “não insolvência” proferida no processo próprio e uma vez conhecida esta nos autos de inventário, seja, a requerimento de um interessado, ordenada a renovação da instância, aproveitando-se os atos aí praticados.

Salienta-se, finalmente, que a decisão que ordena a extinção da instância nos termos desta disposição será recorrível, desde que verificado o pressuposto da alçada do tribunal, nos termos do n.º 1 do artigo 644.º do CPC, aplicável ao processo de inventário por força do n.º 1 do artigo 1123.º do CPC”.

Teixeira de Sousa, Lopes do Rego, Abrantes Geraldes e Pinheiro Torres, in O Novo Regime do Processo de Inventário e outras alterações na Legislação Processual Civil, 2020, pp. 90/91, por seu turno, exaram as considerações seguiuntes a respeito da “verificação do passivo”, inserta no art. 1106.º do CPC:

“No anterior modelo processual do inventário, as diligências destinadas à verificação e aprovação do passivo tinham lugar na conferência de interessados (art. 1353.º, n.º 3, CPC/61). Esta solução favorecia uma discussão, muitas vezes acesa e prolongada, entre os herdeiros e exigia uma deliberação destes sobre a aprovação das dívidas da herança. Perante a frequente dissidência, total ou parcial, dos interessados sobre o passivo da herança, tornava-se necessária a prolação de uma decisão judicial acerca da dívida (ou das dívidas) (arts. 1355.º e 1356.º CPC/61). Em muitos casos, esta decisão não podia ser tomada de imediato, o que implicava a consequente suspensão da conferência até que o juiz, face aos elementos probatórios disponíveis, pudesse conhecer da dívida (ou das dívidas).

Visando obviar a este manifesto inconveniente para a celeridade e a economia da tramitação do inventário e procurando destinar a conferência de interessados às tarefas de realização e concretização da partilha, o novo modelo do processo de inventário antecipou, em regra, o momento da eventual controvérsia acerca da verificação do passivo da herança. Este momento foi deslocado para a fase dos articulados (além do disposto no artigo, cf. arts. 1097.º, n.º 3, al. d), 1104.º, n.º 1, al. e)), de modo a propiciar uma discussão escrita das partes acerca das dívidas controvertidas, respectivos fundamentos e pertinentes meios probatórios.

O art. 1104.º, n.º 1, al. e), permite que, no articulado de contestação, sejam impugnadas as dívidas da herança. O n.º 1 regula as consequências da falta desta impugnação.

A semelhança do que ocorre com todas as restantes oposições, impugnações e reclamações (nomeadamente, com a reclamação contra a relação de bens) deduzidas no articulado de contestação (art. 1104.º, n.º 1, als. a) a d)), considerou-se justificada a imposição aos interessados de um ónus de impugnação das dívidas da herança que se mostrem relacionadas ou reclamadas nos autos (n.º 1). Daí que opere a consequente preclusão se, no momento da dedução concentrada de todas as oposições, impugnações e reclamações, os interessados não deduzirem a impugnação da dívida.

Em suma: no actual modelo do processo de inventário, recai sobre os interessados directos um ónus de impugnação, na subfase da oposição, não apenas da composição do activo – isto é, do acervo patrimonial hereditário consubstanciado nos bens relacionados –, mas também do passivo – ou seja, das dívidas que se mostrem relacionadas – com a cominação de, não o fazendo nesse momento processual, a dívida se ter, em regra, por reconhecida (art. 1104.º, n.º 1, al. e); n.º 1).”.

In casu, como se alcança da factualidade supra exposta, o tribunal a quo decidiu – há 4 anos atrás –, concretamente em 31-10-2021, sobre a fixação do montante total do passivo, dando por “reconhecidas as dívidas à Autoridade Tributária, ao Instituto da Segurança Social (esta no valor de 103.711,95 €) e ao “Banco 1..., S.A.” relativamente aos interessados que não as impugnaram” após decidir “não reconhecer quanto à quota-parte do interessado EE as dívidas à Autoridade Tributária e ao “Banco 1..., S.A.” e quanto à interessada GG “não reconhecer quanto à quota-parte dessa interessada a dívida ao “Banco 1..., S.A.” especificada em separado na relação de bens sob a verba n.º 3” (sic).

Esta decisão foi notificada a todas as partes em 02-11-2021 e produziu caso julgado formal, não podendo ser revertida no processo.

Tal como se escreveu no Acórdão desta Relação de 11-03-2025, Proc. n.º 1792/15.8T8PBL.C1[3], subscrito pelo aqui relator, a respeito da figura processual do caso julgado:

“Segundo Manuel de Andrade, «Noções Elementares de Processo Civil», 1979, p. 306/307, o caso julgado encontra a sua razão de ser na necessidade de salvaguarda do prestígio dos tribunais e da certeza e da segurança jurídicas.

Proferida a decisão, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional quanto à matéria apreciada – art. 613.º, n.º 1, do CPC – “o que implica que o juiz já não pode alterar a decisão proferida por seu puro critério” – cf. Castro Mendes e Miguel Teixeira de Sousa, «Manual de Processo Civil», Volume I, p. 637 –, conduzindo, após trânsito em julgado, à formação de caso julgado.

O trânsito em julgado, conforme decorre claramente do art. 628.º do CPC, regista-se quando uma decisão é já insusceptível de impugnação por meio de reclamação ou através de recurso ordinário.

Verificada tal insusceptibilidade, forma-se caso julgado, que se traduz, portanto, na impossibilidade de a decisão proferida ser substituída ou modificada por qualquer tribunal, incluindo aquele que a proferiu.

Nas palavras de Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, “[a] decisão torna-se eficaz no processo e mesmo fora dele (…). Durante algum tempo, porém, a sentença pode ser alterada através dos meios previstos nos art. 614.º a 617.º (art. 613.º, n.º 2) e, além disso, se o valor da causa e da sucumbência da parte o admitir, mediante recurso ordinário (art. 629.º, n.º 1). Passado o momento em que tal tipo de alteração ainda é possível, diz-se que a sentença transita em julgado: esta inalterabilidade (ou imutabilidade) da decisão transitada, decorrente da insusceptibilidade da sua impugnação, constitui o caso julgado (art. 628.º)” – cf. «Código de Processo Civil Anotado», volume 2.º, 3.ª Edição, p. 753.

O caso julgado visa evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer uma decisão anterior e, de acordo com o critério da eficácia, há que distinguir entre: (i) o caso julgado formal, que só é vinculativo no processo em que foi proferida a decisão – art. 620.º, n.º 1, do CPC, e (ii) o caso julgado material, que é vinculativo no processo em que a decisão foi proferida e também fora do processo – art. 619.º do CPC.

(…) Em conclusão: o caso julgado formado através do trânsito em julgado da decisão proferida significa que a decisão judicial passa a ter força obrigatória dentro do processo, não podendo ser revertida ou modificada – pelo tribunal que a proferiu ou qualquer outro –, nem podendo, nesse processo, admitir-se a prática de qualquer acto que seja contraditório com o seu conteúdo decisório.”.

Deste modo, reitera-se, o trânsito em julgado daquela decisão – cf., ainda, decisão do Apenso A –, conduz, inexoravelmente, a que tenham ficado reconhecidas neste processo de inventário as dívidas à Autoridade Tributária – no valor de € 86 882,10 –, ao Instituto da Segurança Social – no valor de € 103 711,95 – e ao Banco 1..., S.A. – no valor de € 127 219,83 – relativamente aos interessados que não as impugnaram, salvaguardando quanto aos interessados impugnantes, EE e GG, o não reconhecimento da sua quota-parte na dívida ao Banco 1..., S.A. (e também à Autoridade Tributária, quanto ao primeiro).

Destarte, já há muito que se encontra consolidada no processo esta decisão de 31-10-2021 – refª citius 98256813 – pelo que inexiste qualquer fundamento para invocar que o tribunal a quo procedeu ex officio à determinação do passivo, conforme invoca incorrectamente a recorrente.

Acresce relembrar que o art. 1111.º do CPC, sob a epígrafe “Assuntos a submeter à conferência de interessados”, no seu n.º 3, prevê: “Aos interessados compete ainda deliberar sobre o passivo e a forma do seu pagamento, bem como sobre a forma de cumprimento dos legados e demais encargos com a herança.”

Anotam a este respeito Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, Volume II, 2.ª edição, 2024, anotação ao art. 1111.º do CPC, p. 626, nota 10: “Segundo o n.º 3, compete ainda aos interessados «deliberar sobre o passivo e a forma do seu pagamento». Este preceito deve ser habilmente interpretado, na medida em que os interessados já foram anteriormente chamados a pronunciar-se sobre o passivo, com efeitos preclusivos (ac. arts. 1104.º, n.º 1, al. e) e 1106.º, n.ºs 1 e 4). Além disso, no momento em que se realiza a conferência de interessados, o juiz já proferiu decisão sobre o passivo, em função do acordo expresso ou tácito dos interessados, ou de alguns deles, ou com base na apreciação da prova documental relevante para uma decisão segura (cf. art. 1110.º, n.º 1, al a) e anot. ao art. 11106.º). Neste contexto, salvo casos excecionais (v.g. reclamação do passivo, nos termos do art. 1088.º, n.º 1), a deliberação dos interessados reportar-se-á apenas ao modo de satisfação das dívidas e ao cumprimento de legados e encargos, e não propriamente á aprovação do passivo”.

Nesta senda considerou-se, entre outros, no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 10-10-2024, Proc. n.º 1439/21.3T8PRT.P1: “No novo modelo do processo de inventário, a aprovação do passivo tem lugar na fase dos articulados e não na conferência de interessados, pelo que nesta conferência, o único objecto admissível da deliberação dos interessados é apenas a forma do seu pagamento”.

Por outro lado, no que tange à comunicação do Banco 1..., S.A., de 22-11-2022 – refª citius 8195460 – não se olvida a mesma poderia ser uma causa superveniente que, em abstracto, seria susceptível de influenciar a fixação do montante exacto do passivo, atento o disposto no art. 573.º, n.º 2 do CPC.

Contudo, como salienta o Ministério Público, desde 22-11-2021 até à notificação da informação da Secretaria constante da refª citius 107491230, de 07-06-2024, em nenhum momento foi apresentado pela cabeça de casal, ora recorrente, ou por qualquer dos interessados, qualquer requerimento formalmente fundamentado, de facto e de direito, a invocar uma qualquer excepção que pudesse influenciar a fixação do passivo antes estabelecida, alegando a superveniência do seu conhecimento, pelo que, não o tendo feito, sibi imputet.

Importa acrescentar, outrossim, que, para além do tribunal não poder valorar oficiosamente aquele facto, o processo seguiu a sua normal tramitação, após a 1ª instância ter decidido previamente a questão do passivo, no despacho de 31-10-2021, tendo-se realizado três conferências de interessados – a 14-02-2022, 26-04-2022 e 05-07-2022 – nas quais os interessados nunca suscitaram essa questão.

Ademais, e relativamente à invocada falta de oportunidade da recorrente e dos interessados para deliberarem sobre a forma de pagamento do passivo, não se alcança em que medida é que o tribunal a quo actuou erradamente, ponderando que na última conferência de interessados, realizada em 05-07-2022, ficou exarado em acta: “[P]or todos os interessados presentes e representados foi dito pretenderem que se proceda à venda da totalidade dos bens especificados na relação de bens, requerendo desde já a junção aos autos de propostas de aquisição de tais bens, deliberação à qual o Ministério Público aderiu. /Por todos os interessados foi ainda dito não pretenderem deliberar quanto à forma de pagamento do passivo” (sic).

Como bem salientou  o Ministério Público nas contra-alegações, “[a] mera convicção, por parte da Recorrente, e dos interessados, de que a questão da aprovação do passivo e da fixação do seu montante ainda se encontrava pendente, quando tal questão já se encontrava consolidada desde a prolação do despacho datado de 31.10.2021, apenas aos mesmos pode ser imputado, não padecendo, por conseguinte, a sentença ora recorrida, ou o processado, de qualquer vício”.

A terminar, cumpre deixar claro que também no despacho de 11-04-2024, devidamente notificado a todos os interessados e à cabeça de casal, se decidiu que “não se procederá a designação de data para continuação de conferência de interessados, alcançadas que se encontram as finalidades previstas no artigo 1111.º, do Código de Processo Civil.

Elabore mapa da partilha e proceda subsequente à sua notificação aos interessados (artigos 1120.º, nrs.º 2 a 5, do Código de Processo Civil). (…)” (sic).

Ora, nenhum interessado reagiu quanto a esse despacho, dele recorrendo, o qual transitou em julgado, e só agora, quando notificados da informação lavrada pela secção com a  refª citius 107491230, no sentido de o passivo da herança sobrelevar o activo – sendo aquele de € 317 813,88 e este de 165 050,30 –, vieram reagir, sendo certo que quanto àquele despacho, que determinou a não realização da conferência de interessados, por estarem alcançadas as finalidades previstas no art. 1111.º do CPC, se produziu caso julgado.

Aqui chegados debrucemo-nos, por fim, sobre a questão da inutilidade superveniente da lide, no âmbito do processo de inventário; a este respeito, podem-se consultar, na jurisprudência mais recente dos tribunais superiores, várias decisões, de que citamos, a título ilustrativo, as seguintes:

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 07-02-2017, Proc. n.º 180/12.2TBFLG.P1: “Ocorrendo uma cumulação de inventários e tendo os interessados, em conferência, aprovado um passivo de dimensão muito superior ao activo mas que releva apenas na partilha dependente, deve concluir-se a partilha no inventário inicial, ocorrendo inutilidade superveniente da lide apenas quanto à partilha no inventário sucessivamente cumulado”;

– Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21-05-2019, Proc. n.º 470/14.0T8LMG.C1: “Num processo de inventário para separação de meações, apurando-se na conferência de interessados que o passivo é muito superior ao activo, o que inviabiliza a partilha, e não tendo, por via disso, sido requerida a insolvência, impõe-se a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide”;

– Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 10-10-2024, Proc. n.º 66/22.2T8ELV.E1: “Após conferência de interessados em que nenhum dos ex-cônjuges aceitou pagar as dívidas comuns nem requereu a insolvência e em que foi reconhecido um crédito sobre esse património comum de valor superior à soma dos activos, qualquer operação de partilha é inútil, pelo que deve ser declarada extinta a instância pela sua inutilidade superveniente”.

Estabelece o artigo 277.º, n.º 1, al. e), do CPC que a instância extingue-se por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

A impossibilidade e a inutilidade superveniente da lide constituem formas anómalas de extinção da instância, que compreendem as hipóteses em que sobrevém extrajudicialmente um facto, diverso da composição da lide, causador do desaparecimento irremediável de algum elemento constituinte da relação processual.

Como é reconhecido pela doutrina, este(s) caso(s) de extinção da instância ocorre(m) quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não possa ter qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o escopo visado com a acção foi atingido por outro meio; daqui resulta que somente em caso de inutilidade patente e absoluta da acção, é que deve ser declarada a sua extinção.

Aderindo à jurisprudência constante dos arestos acima sumariados, e sendo o passivo apurado – no valor de (–) 317 813,88 – superior ao activo – perfazendo (+) 165 050,30 –, torna-se inútil o prosseguimento do inventário.

Em consonância, e concluindo, o tribunal a quo não violou o disposto no artigo 1111.º, n.ºs 1 e 3, do CPC, pelo que é de confirmar a decisão recorrida.

As custas processuais recaem sobre a apelante ex vi arts. 527.º, 607.º, n.º 6, e 663.º, n.º 2, todos do CPC.


*

Sumário (artigo 663.º, n.º 7, do CPC): (…)

           

Decisão:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar improcedente a apelação e, em consequência, mantém-se a decisão recorrida.

Custas pela cabeça de casal/apelante


Coimbra, 11 de Novembro de 2025

Luís Miguel Caldas – Emília Botelho Vaz – Hugo Meireles



[1] Juiz Desembargador relator: Luís Miguel Caldas /Juízes Desembargadores adjuntos: Dra. Emília Botelho Vaz e Dr. Hugo Meireles.
[2] Juntou procuração forense em 27-07-2021.
[3] Acessível em https//www.dgsi.pt, tal como os demais que se mencionarem neste Acórdão.