Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1437/22.0T8LMG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: PROTEÇÃO DE DADOS
DEVER DE COOPERAÇÃO PARA A DESCOBERTA DA VERDADE
Data do Acordão: 11/11/2025
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU – LAMEGO – JUÍZO LOCAL CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 23.º DA LEI 58/19 - LEI DA PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS), DE 8 DE AGOSTO.
ARTIGOS 7.º, 411º, 417º E 418º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Legislação Comunitária: ARTIGOS 4º, 1) E 10), 5º, Nº 1, B) E C), 6º, Nº 1, E) E F), Nº 2, 3, E 4, A) E B), DO REGULAMENTO GERAL SOBRE A PROTEÇÃO DE DADOS (RGPD) DA UNIÃO EUROPEIA (UE) - REGULAMENTO(UE) N.º 679/2016, DE 27 DE ABRIL.
Sumário: Face ao Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD), seus arts. 4º, 1) e 10), 5º, nº 1, b) e c), 6º, nº 1, e) e f), nº 2, 3, e 4, a) e b), e 23º, nº 1, f), Lei da Protecção de Dados Pessoais (DL 58/19, de 8.8), seu art. 23º, nº 1, e arts. 417º, nº 1 e 3, do NCPC, a R. é obrigada a colaborar para a descoberta da verdade, informando o tribunal da morada e NIF de terceiro, para quem como empreiteira efectuou uma obra, quando existe litígio entre ela e a A. sobre que trabalhos em concreto foram realizados e o seu valor, a fim de possibilitar o contacto do tribunal com tal terceiro com vista a ser realizada prova pericial no imóvel objecto da dita obra.

(Sumário elaborado pelo Relator)
Decisão Texto Integral: *

I – Relatório

1. A.... Lda, com sede em ..., instaurou no Julgado de Paz em ..., acção declarativa contra B..., Lda, com sede em ..., pedindo a sua condenação no pagamento da quantia de 13.943,62 € e juros de mora.

Alegou ter trabalhado para a R. como sub-empreiteira.

A requerida contestou e reconveio.

Entretanto a A. requereu perícia na obra que efectuou. A R. opôs-se, designadamente por os proprietários dos imóveis não serem partes na causa e não existir consentimento dos mesmos.

Foi deferida a perícia e os autos passaram a correr pelo Juízo Cível de Lamego.

Carecendo de realizar-se a perícia, um terceiro, AA, recusou prestar colaboração para entrar num imóvel onde o perito teria de entrar.

Foi proferido despacho para as partes transmitirem todos os dados de que dispõem de AA, por forma a que o Tribunal oficiosamente diligencie pela obtenção da morada do mesmo.

A A. veio dizer não ter mais informações acerca do Sr. AA, sendo o mesmo o dono da obra na qual a R., empreiteira, prestou serviços, e com a qual celebrou contrato de empreitada, pelo que esta tem de certeza mais elementos identificativos da pessoa em questão, desde logo o seu número de contribuinte fiscal.

Insistiu-se junto da R., para indicar os dados que dispõe do referido AA, concretamente NIF e morada, com a expressa advertência de que na falta de colaboração, incorreria em multa processual, nos termos do art. 417º, nº 1 e 2, do NCPC.

A R. escusou-se ao solicitado com o fundamento que não está legalmente autorizada a fornecer dados pessoais do dono da obra a terceiros, sob pena de violação das disposições constantes do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD) e da Lei nº 58/2019, de 8.9.

*

Foi proferido despacho que, por falta de colaboração com o tribunal, condenou a ré B..., LDA. em multa de 2 UC.

*

2. A recorreu, concluindo que:

1 – A Recorrente, na qualidade de empreiteiro, recusou-se legitimamente a fornecer dados pessoais de terceiros sem a devida autorização, em conformidade com o Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), garantindo a proteção dos direitos fundamentais do titular dos dados.

2 – O d. despacho recorrido é incompatível com o RGPD, pois impõe à R. a obrigação de divulgar informações protegidas sem a devida fundamentação legal, violando os princípios da legalidade, necessidade e proporcionalidade.

3 – O d. despacho impugnado carece de motivação jurídica suficiente, não demonstrando que os dados solicitados eram absolutamente imprescindíveis para a decisão da causa, tornando a decisão arbitrária e desproporcional.

4 - A prova pericial requerida pela Recorrida limita-se à medição dos trabalhos executados, fundamento do seu alegado direito, não se destinando à obtenção de conhecimentos técnicos essenciais à compreensão do tribunal, razão pela qual a quebra da proteção de dados do terceiro se

revela desnecessária.

5 - A própria Recorrida possui o contacto telefónico do dono da obra e chegou a falar com ele na realização da prova pericial; no entanto, este recusou-se a abrir as portas do seu imóvel, evidenciando que a dificuldade na obtenção da prova decorreu da postura do terceiro e não da R..

6 - Existiam alternativas viáveis para a produção da prova, sem necessidade de violação de dados pessoais, incluindo diligências processuais adequadas junto ao dono da obra, que poderiam ter sido requeridas pela parte interessada.

7 - Diante do evidente conflito de interesses entre o direito à proteção de dados pessoais e a necessidade de produção de prova no processo, competia ao Tribunal a quo suscitar a intervenção da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) ou do Tribunal da Relação, à semelhança do que ocorre nos processos envolvendo sigilo bancário, quando uma das partes não presta o seu consentimento para a quebra desse sigilo – Cfr. art. 36º da L. nº 58/2019, de 08/08.

8 - A aplicação de multa à Recorrente é manifestamente ilegal, pois penaliza o cumprimento de obrigações legais, contrariando os princípios da legalidade e da proporcionalidade, ao impor-lhe uma sanção por respeitar normas fundamentais de proteção de dados.

9 - Provados os factos que, no seu conjunto, configuravam a demonstração da razão que assiste à R./apelante, é forçoso que se conclua pela insubsistência da decisão constante no despacho recorrido, sendo perfeitamente legítimo pugnar-se, porque outro desfecho não pode ter este despacho, que não seja o da sua revogação.

10 - Assim não se tendo entendido, temos certo que o despacho recorrido não terá feito a melhor e mais correcta interpretação e aplicação ao caso sub judice das pertinentes disposições legais, nomeadamente, os arts. 6º, 5º, nº 1, al. c) e 83º do RGPD, arts. 26º e 35º da CRP, art. 8º da Convenção Europeia dos Direitos Humanos e arts. 23º, 36º e 48º da L. nº 58/2019, de 08/08, art. 417º, nº 3 do CPC e art. 342º do CC.

Pelo que, no provimento do presente recurso, deve o d. despacho recorrido ser revogado, e, consequentemente,

- Ser revogada a multa aplicada, por ausência de fundamento legal;

- Ser reconhecida a violação da lei de proteção de dados, impedindo que a Recorrente seja compelida a fornecer os dados sem base legal;

- Caso se entenda pela necessidade da informação, deve o Tribunal suscitar o incidente de quebra de proteção de dados à CNPD e/ou ao Tribunal da Relação, tudo com as demais consequências legais.

Assim se decidindo, mais bem resultará, a nosso ver, aplicado o Direito e realizada a JUSTIÇA

3. Inexistem contra-alegações.

II – Factos Provados

A factualidade a considerar é a que resulta do Relatório supra.

III – Do Direito

1. Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é delimitado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes (arts. 639º, nº 1, e 635º, nº 4, do NCPC), apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas.

Nesta conformidade, a única questão a resolver é a seguinte.

- Revogação da multa aplicada.

2. Na decisão recorrida escreveu-se que:

“O Regulamento (UE) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho de 27 de Abril de 2016 relativo à protecção das pessoas singulares diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados.

As informações solicitadas à ré, são enquadráveis na definição de dados pessoais constante do n.º 1 do artigo 4.º do regulamento citado por conterem «informações relativas a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»)…» e o seu tratamento (nº 2 do artigo 4.º do Regulamento) só é lícito se, no que ao caso interessa, «for necessário para efeito dos interesses legítimos prosseguidos pelo responsável pelo tratamento ou por terceiros, excepto se prevalecerem os interesses ou direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a protecção dos dados pessoais, em especial se o titular for uma criança».

É também proibido o tratamento de dados pessoais que revelem a origem racial ou étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, ou a filiação sindical, bem como o tratamento de dados genéticos, dados biométricos para identificar uma pessoa de forma inequívoca, dados relativos à saúde ou dados relativos à vida sexual ou orientação sexual de uma pessoa, sendo que esta proibição não se aplica «se o tratamento for necessário à declaração, ao exercício ou à defesa de um direito num processo judicial ou sempre que os tribunais atuem no exercício das suas função jurisdicional.» cf. n.ºs 1 e 2.º, al. f) do artigo 9.º do Regulamento.

Muito embora a pessoa, cujos dados de identificação se requerem, não seja parte no processo, é-o a ré que prestou serviços para AA sendo conhecedora da sua identificação fiscal, não é menos verdade que todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para descoberta da verdade, designadamente, facultando o que for requisitado, cf. n.º 1 do artigo 417.º do Código Processo Civil.

O autor, pretende que através do tribunal se proceda à identificação do referido empreiteiro com vista a alcançar um interesse legítimo, sendo importante identificar e localizar AA.

Para atingir a pretendida finalidade é necessária a identificação fiscal e morada, sempre se diga que o número de identificação fiscal, que gira no trato comercial não acarreta uma violação da reserva da vida privada do identificando.

Acrescentando-se que, in casu, não considera estarem verificadas as causas de recusa a que alude o n.º 3 do do artigo 417.º do Código Processo Civil, pelo que não assiste qualquer razão à ré.”.

A R. discorda pelos motivos constantes das suas alegações de recurso. Afigura-se-nos que sem razão. Expliquemos brevitatis causa.

O RGPD aplica-se nos tribunais, conforme decorre do seu Considerando (20).

As normas do mesmo a considerar e seu teor, para a resolução do presente caso, são:

Artigo 4.º

Definições

Para efeitos do presente regulamento, entende-se por:

1)«Dados pessoais», informação relativa a uma pessoa singular identificada ou identificável («titular dos dados»); é considerada identificável uma pessoa singular que possa ser identificada, direta ou indiretamente, em especial por referência a um identificador, como por exemplo um nome, um número de identificação, dados de localização, identificadores por via eletrónica ou a um ou mais elementos específicos da identidade física, fisiológica, genética, mental, económica, cultural ou social dessa pessoa singular;   

(…)

10)«Terceiro», a pessoa singular ou coletiva, a autoridade pública, o serviço ou organismo que não seja o titular dos dados, o responsável pelo tratamento, o subcontratante e as pessoas que, sob a autoridade direta do responsável pelo tratamento ou do subcontratante, estão autorizadas a tratar os dados pessoais;

Artigo 5.º

Princípios relativos ao tratamento de dados pessoais

1. Os dados pessoais são:

(…)

b)Recolhidos para finalidades determinadas, explícitas e legítimas e não podendo ser tratados posteriormente de uma forma incompatível com essas finalidades; o tratamento posterior para fins de arquivo de interesse público, ou para fins de investigação científica ou histórica ou para fins estatísticos, não é considerado incompatível com as finalidades iniciais, em conformidade com o artigo 89.º, n.º 1 («limitação das finalidades»);

c)Adequados, pertinentes e limitados ao que é necessário relativamente às finalidades para as quais são tratados («minimização dos dados»);

Artigo 6.º

Licitude do tratamento

1. O tratamento só é lícito se e na medida em que se verifique pelo menos uma das seguintes situações:

(…)

e)O tratamento for necessário ao exercício de funções de interesse público ou ao exercício da autoridade pública de que está investido o responsável pelo tratamento;

f)O tratamento for necessário para efeito dos interesses legítimos prosseguidos pelo responsável pelo tratamento ou por terceiros, exceto se prevalecerem os interesses ou direitos e liberdades fundamentais do titular que exijam a proteção dos dados pessoais, em especial se o titular for uma criança.

(…)

2. Os Estados-Membros podem manter ou aprovar disposições mais específicas com o objetivo de adaptar a aplicação das regras do presente regulamento no que diz respeito ao tratamento de dados para o cumprimento do n.º 1, alíneas …e), determinando, de forma mais precisa, requisitos específicos para o tratamento e outras medidas destinadas a garantir a licitude e lealdade do tratamento, inclusive para outras situações específicas de tratamento em conformidade com o capítulo IX.

3. O fundamento jurídico para o tratamento referido no n.º 1, alíneas c) e e), é definido:

a)Pelo direito da União; ou

b)Pelo direito do Estado-Membro ao qual o responsável pelo tratamento está sujeito.

A finalidade do tratamento é determinada com esse fundamento jurídico ou, no que respeita ao tratamento referido no n.º 1, alínea e), deve ser necessária ao exercício de funções de interesse público ou ao exercício da autoridade pública de que está investido o responsável pelo tratamento. Esse fundamento jurídico pode prever disposições específicas para adaptar a aplicação das regras do presente regulamento, nomeadamente: as condições gerais de licitude do tratamento pelo responsável pelo seu tratamento; os tipos de dados objeto de tratamento; os titulares dos dados em questão; as entidades a que os dados pessoais poderão ser comunicados e para que efeitos; os limites a que as finalidades do tratamento devem obedecer; os prazos de conservação; e as operações e procedimentos de tratamento, incluindo as medidas destinadas a garantir a legalidade e lealdade do tratamento, como as medidas relativas a outras situações específicas de tratamento em conformidade com o capítulo IX. O direito da União ou do Estado-Membro deve responder a um objetivo de interesse público e ser proporcional ao objetivo legítimo prosseguido.

4. Quando o tratamento para fins que não sejam aqueles para os quais os dados pessoais foram recolhidos não for realizado com base no consentimento do titular dos dados ou em disposições do direito da União ou dos Estados-Membros que constituam uma medida necessária e proporcionada numa sociedade democrática para salvaguardar os objetivos referidos no artigo 23.º, n.º 1, o responsável pelo tratamento, a fim de verificar se o tratamento para outros fins é compatível com a finalidade para a qual os dados pessoais foram inicialmente recolhidos, tem nomeadamente em conta:

a)Qualquer ligação entre a finalidade para a qual os dados pessoais foram recolhidos e a finalidade do tratamento posterior;

b)O contexto em que os dados pessoais foram recolhidos, em particular no que respeita à relação entre os titulares dos dados e o responsável pelo seu tratamento;

(…)

Artigo 23.º

Limitações

1. O direito da União ou dos Estados-Membros a que estejam sujeitos o responsável pelo tratamento ou o seu subcontratante pode limitar por medida legislativa o alcance das obrigações e dos direitos previstos nos artigos 12.º a 22.º e no artigo 34.º, bem como no artigo 5.º, na medida em que tais disposições correspondam aos direitos e obrigações previstos nos artigos 12.º a 22.º, desde que tal limitação respeite a essência dos direitos e liberdades fundamentais e constitua uma medida necessária e proporcionada numa sociedade democrática para assegurar, designadamente:

(…)

f)A defesa da independência judiciária e dos processos judiciais;

(…).

E da Lei 58/19 (Lei da Protecção de Dados Pessoais), de 8.8, são:

Artigo 23.º

Tratamento de dados pessoais por entidades públicas para finalidades diferentes

1 - O tratamento de dados pessoais por entidades públicas para finalidades diferentes das determinadas pela recolha tem natureza excecional e deve ser devidamente fundamentado com vista a assegurar a prossecução do interesse público que de outra forma não possa ser acautelado, nos termos da alínea e) do n.º 1, do n.º 4 do artigo 6.º ….

(…).

Por fim, não resulta das normas do RGPD e da LPDP, que os arts. 417º e 418º do NCPC tivessem sido arredados da sua aplicabilidade.

Interpretando e concatenando as normas e preceitos referidos, temos que o AA é o titular dos dados pessoais e a R. terceiro face ao mesmo. Que o tribunal pretende recolher tais dados para finalidades determinadas, explícitas e legítimas. Saber a morada do mesmo e seu NIF a fim de permitir o contacto do tribunal par efectivação de perícia, o que é legítimo e necessário para o exercício das suas funções de interesse público e de autoridade pública e interesses legítimos perseguidos por terceiro, no caso a A., no caso exercício do seu direito a acionar em tribunal a sua alegada devedora.

Mas o tratamento do tribunal terá de constituir uma medida necessária e proporcionada numa sociedade democrática, sob a égide de que os dados pessoais sejam adequados, pertinentes e limitados ao que é necessário relativamente às finalidades para as quais são tratados.

Ou seja, princípios concretos em similar identificação com o disposto no art. 417º, nº 1, do NCPC, que reza assim:

Dever de cooperação para a descoberta da verdade

1 - Todas as pessoas, sejam ou não partes na causa, têm o dever de prestar a sua colaboração para a descoberta da verdade, respondendo ao que lhes for perguntado, submetendo-se às inspeções necessárias, facultando o que for requisitado e praticando os atos que forem determinados.

Dever este sujeito aos mesmos critérios de adequação, pertinência e necessidade, como defende M. Teixeira de Sousa, em CPC Online, Versão 9/2005, respectivamente, anotação ao Título V, nota (36) (b) e (c), pág. 8, anotação aos arts. 411º, 417º e 418º, nota (5) (a), pág. 15, e anotação ao art. 417º, nota (3) (a), pág. 30, que passamos a acompanhar.

Aí se doutrina que sempre que a produção de prova exija a colaboração das partes ou de terceiros ou sempre que a prova seja ordenada oficiosamente pelo tribunal, há que controlar a relevância, a proporcionalidade e a necessidade da prova a produzir. É claro que a prova que não é relevante não é necessária, mas é possível distinguir a relevância da necessidade da prova nestes termos: (i) a relevância refere-se ao contributo da prova do facto por um certo meio de prova para a decisão da causa; (ii) a necessidade respeita à utilidade da prova de um facto relevante para a decisão da causa por um certo meio de prova.

E que o art. 417.º nada dispõe sobre a protecção de informações confidenciais e o art. 418.º até regula a dispensa da confidencialidade quanto a dados relativos quer à identificação, à residência, à profissão e entidade empregadora, quer à situação patrimonial de alguma das partes que se encontrem na disponibilidade de serviços administrativos.

E, ainda que, tal como acontece com o dever de esclarecimento (art. 7º, nº 2 e 3), o dever de colaboração das partes é autónomo da distribuição do ónus da prova, pelo que esse dever também recai – e até recai especialmente – sobre a parte que não está onerada com a prova do facto.

De posse destes elementos, diremos que a prova pericial requerida pela A., e deferida pelo tribunal a quo, é relevante para apurar os trabalhos feitos pela mesma e fixar o seu valor, isto é, refere-se ao contributo da prova do facto por um certo meio de prova para a decisão da causa; é necessária, porque sem ela fica impossibilitado ou muito dificultado o que concretamente foi efectuado na obra e qual será o seu valor, isto é, a necessidade respeita à utilidade da prova de um facto relevante para a decisão da causa por um certo meio de prova; e é um meio de prova proporcional, entre outros que possam existir, para atingir a verdade material jurisdicional.

A maneira de ser realizada é a permissão do dono do imóvel para tal fim, ou voluntária ou coercivamente, esta última, se necessário, a decidir oportunamente pelo Tribunal.

Mas para localizar, contactar e notificar o dono do imóvel para o efeito, é adequada, pertinente e limitada ao que é necessário («minimização dos dados» do art. 5º, nº 1, c) do RGPD), a notificação da R.

R. que, por certo, disporá dos elementos pedidos relativos à morada do mesmo e seu NIF, atento a relação contratual que estabeleceu com ele. Esses dois elementos revestem-se como importantes para o andamento regular do processo e justa composição do litígio entre A. e R. – adequação e pertinência.   

Dois elementos esses que não implicam violação da vida privada do AA – b) do nº 3 do indicado art. 417º e que tornam a recusa da R. ilegítima.

Sendo certo, que a sua utilização é limitadíssima ao âmbito interno do presente processo, não se divisando qualquer perigo de atingir divulgação para um conhecimento público alargado, perturbador dos interesses jurídicos subjectivos ou direitos do referido AA – limitação ao necessário.

Igualmente não se acompanha o argumento da recorrente de suscitar a intervenção da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) ou do Tribunal da Relação, à semelhança do que ocorre nos processos envolvendo sigilo bancário, quando uma das partes não presta o seu consentimento para a quebra desse sigilo, pois o art. 36º da referida Lei 58/2019 não o impõe ao tribunal e de sigilo não se pode falar, por não integrar a previsão da c), do nº 3, do mencionado art. 417º.

Não procede a apelação.

3. Sumariando (art. 663º, nº 7, do NCPC): (…).

IV – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso improcedente, mantendo-se o despacho proferido.


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Custas pela recorrente.

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Coimbra, 11.11.2025

Moreira do Carmo

Vítor Amaral

Alberto Ruço