Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1171/05.5TBTMR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: COMPRA E VENDA COMERCIAL
VÍCIOS DA COISA
DEFEITOS
PRAZO DE CADUCIDADE
Data do Acordão: 05/22/2007
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR – 3º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 874º, 913º E 917º DO C. CIV. E 2º C. COMERCIAL
Sumário: I – Compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa ou outro direito, mediante um preço.

II – O artº 2º C. Comercial consagra dois tipos de actos comerciais: os objectivamente comerciais, que o são independentemente das qualidades dos respectivos sujeitos (regulados no C. Comercial); e os subjectivamente comerciais, que têm tal natureza devido ao facto de serem comerciantes as pessoas que neles intervêm (regulados no C. Comercial e no C. Civ.).

III – Como é entendimento maioritário, o regime estatuído nos artºs 916º e 917º do C. Civ. é aplicável, por via de interpretação extensiva, a todas as acções com fundamento na responsabilidade contratual baseada no (in)cumprimento defeituoso da prestação.

IV – A acção de indemnização pelos prejuízos resultantes do (in)cumprimento defeituoso da prestação (com origem, directa ou indirecta, no vício ou defeito da coisa (artº 913º C. Civ.) está sujeita aos prazos breves ou curtos de caducidade previstos no artº 917º do C. Civ.

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra

I- Relatório

1. A autora, A... , instaurou contra a ré, B... , a presente acção declarativa, com forma de processo ordinário, pedindo a condenação da última a pagar-lhe a importância de € 23.351,40, acrescida de juros de mora, à taxa legal de 12%, desde a sua citação e até ao seu integral pagamento.
Para tanto alegou, em síntese, o seguinte:
A autora é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras actividades, à construção civil, obras públicas e particulares, enquanto a ré é também uma sociedade comercial que presta serviços e fornece equipamentos destinados à construção civil.
No exercício daquela sua actividade, e no âmbito da execução da empreitada que andava a realizar no «complexo Aquático Municipal de Santarém», a autora, nos anos de 2001 e de 2002 (Outubro), contratou, por duas vezes, com a ré o fornecimento de determinado número de fechaduras (de moedeiro e cartão) para aquela obra, cujo preço lhe pagou.
Porém, em meados do ano de 2003 foram detectados defeitos em muitas das referidas fechaduras, tendo a autora então interpelado a ré para solucionar o problema, e nomeadamente para substituir as mesmas, ao que a mesma sempre se recusou.
Porém, como a ré não o fez, e dado a pressão que a dona da obra (a Câmara Municipal de Santarém) fazia constantemente sobre si, a autora teve ela própria de mandar proceder à substituição de 150 das aludidas fechaduras que lhe foram vendidas por aquela e que apresentavam defeitos.
Nessa substituição despendeu a autora a importância total de € 13.357,44 (incluindo o IVA no montante de € 2.161,44).
Para além disso, haverá ainda que ser compensada na importância de € 4.813.96, correspondente ao preço pago dessas 150 unidades de fechaduras que foram si substituídas e que se encontravam incluídas naquelas que já havia integralmente pago e a que se reporta a factura nº 3673.
Por outro lado ainda, com tal situação a autora viu o seu bom nome posto em causa, para além de lhe ter causado outros transtornos, nomeadamente com inúmeras deslocações que teve de efectuar ao local para tentar resolver a situação, pelo que pelo ressarcimento desses danos reclama ainda a importância de € 5.000,00.
E daí a importância condenatória que acima reclama da ré.

2. Na sua contestação, a ré defendeu-se por excepção e por impugnação.
No que concerne àquela primeira defesa, invocou, por um lado, a ilegitimidade da autora para a demandar e, por outro, a caducidade do direito e da acção da autora, conducente à sua absolvição do pedido.
No que concerne àquela 2ª defesa, e no essencial, declinou qualquer tipo de responsabilidade e nomeadamente por as fechaduras em causa, por si vendidas à autora, não terem sido portadoras de qualquer defeito.
Por fim, pediu a ré a condenação da autora como litigante de má fé, acusando-a de alterar dolosamente a verdade dos factos.

3. No seu articulado de réplica, a autora pugnou, com base nos fundamentos aí aduzidos, pela improcedência de todas aquelas excepções aduzidas pela ré, concluindo tal como o fizera no final da p.i..

4. No despacho saneador, depois de ter julgado improcedente a excepção dilatória de ilegitimidade activa da autora, e ter considerado quanto ao demais regular a instância, o srº juiz a quo veio ali a julgar, com base nos fundamentos aí aduzidos, procedente a excepção peremptória de caducidade do direito de acção da autora, absolvendo, consequentemente, a ré do pedido, tendo ainda ali considerado não vislumbrar indícios de actuação de má fé por qualquer das partes.

5. Não se tendo conformado como tal decisão/sentença, a autora dela interpôs recurso, o qual foi recebido como apelação.

6. Nas correspondentes alegações de tal recurso, a autora concluiu as mesmas nos termos seguintes:
(……………………….)

7. A ré embora tivesse apresentado contra-alegações, todavia, por não ter pago a correspondente taxa de justiça devida, o srº juiz a quo ordenou o desentranhamento dos autos.

8. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
***
II- Fundamentação
1. Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto dos mesmos (cfr. artºs 690, nº 1, e 684, nº 3, do CPC), exceptuando aquelas questões que sejam de conhecimento oficioso (cfr. nº 2 – finé - do artº 660 do CPC).
É também sabido que, dentro de tal âmbito, deve o tribunal resolver todas as questões que lhe sejam submetidas a apreciação, exceptuando-se aquelas questões cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras (cfr. 1ª parte do nº 2 do artº 660 do CPC).
Por fim, vem, também, sendo dominantemente entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a derimir (vidé, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.” e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).
1.2 Ora, tal como decorre das conclusões do recurso, verifica-se que as questões que importa aqui apreciar são as seguintes:
a) Da alteração da matéria de facto dada como assente na decisão recorrida.
b) Da caducidade, ou não, do direito da autora.
***
2. Quanto à 1ª questão.
(…………………….)
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3. Os factos
Na decisão recorrida foram dados, desde logo, como assentes os seguintes factos (com a alteração agora feita à al. g) no termos que atrás deixámos exarados):
a) A A. é uma sociedade comercial que se dedica, entre outras actividades, à construção civil, obras públicas e particulares;
b) A R. é uma sociedade comercial que presta serviços e fornece equipamentos destinados à construção civil;
c) No exercício da sua actividade, e no âmbito da execução da empreitada “Complexo Aquático Municipal de Santarém”, a A. no ano de 2001, contratou a R. para o fornecimento de, pelo menos, 1342 fechaduras;
d) A R. forneceu à A. 1342 fechaduras;
e) Tendo a A. pago à R. o total de € 43.068,94;
f) Em Outubro de 2002, a R. forneceu mais 30 fechaduras à A., no valor de € 1.076,95;
g) Em 20/06/2005, autora pagou com a substituição de fechaduras a importância € 11.376,00, acrescida de IVA no montante de € 2.161,44, o que importou a quantia total de € 13.537,44.
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4. Quanto à 2ª questão.
Da caducidade, ou não, do direito da autora.
Como resulta do que acima deixámos exarado, a decisão recorrida resultou do conhecimento, no despacho saneador, da excepção peremptória aduzida pela ré invocando a caducidade do direito e a acção da ré.
Antes de mais, importa caracterizar o tipo a relação jurídica (obrigacional) que foi estabelecida entre a autora e a ré, sendo certo que, como é sabido, o julgador não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito, muito embora só possa servir-se do factos que as mesmas partes alegaram (cfr. artº 664 do CPC).
E face aos elementos disponíveis, parece inolvidável estarmos na presença de dois contratos de compra e venda: um primeiro contrato de fornecimento de fechaduras feito pela ré à autora no ano de 2001, cujo respectivo preço, foi então nessa altura pago pela primeira, e depois um segundo contrato em que a autora, em Outubro de 2002, comprou à ré mais 30 fechaduras (embora se destinassem todas à mesma obra).
Como é sabido, compra e venda é o contrato pelo qual se transmite a propriedade de uma coisa, ou outro direito, mediante um preço (artº 874 do C. C.).
Coloca-se, todavia, desde logo, a questão de saber se estamos perante contratos de compra e venda de natureza civil ou comercial?
Nos termos dos do estatuído no artº 2º do C. Comercial “serão considerados actos do comércio todos aqueles que se acharem especialmente regulados neste Código, e, além deles, todos os contratos e obrigações dos comerciantes, que não forem de natureza exclusivamente civil, se o contrário do próprio acto não resultar”.
É também sabido que tal normativo legal consagra dois tipos de actos comerciais: os objectivamente comerciais, que o são independentemente das qualidades dos respectivos sujeitos, e os subjectivamente comerciais, que têm tal natureza devido ao facto de serem comerciantes as pessoas que neles intervêm. Os primeiros encontram a sua sede de regulamentação no Código Comercial e os segundos encontram-se previstos naquele diploma e no Código Civil.
No caso sub júdice, se é indubitável estarmos perante actos de natureza subjectivamente comercial (já que foram praticados entre duas sociedades comerciais), já, porém, tal conclusão não será possível quanto à caracterização dos mesmos como sendo também objectivamente comerciais. Na verdade, os actos em causa - e sobretudo considerando que os bens comprados pela autora à ré se destinavam a ser aplicados pela primeira numa obra de empreitada que a mesma andava a executar - não se integram na previsão de nenhum dos normativos do Código Comercial e especialmente no artº 463.
Haverá, pois, assim, de concluir que os actos em causa, e mais concretamente os sobreditos contratos de compra e venda celebrados entre a autora e a ré têm apenas a natureza subjectivamente comercial, os quais, apesar tudo, não deixam de revestir natureza comercial (vidé, ainda a propósito, 13, nº 2, 230, nº 1, todos do Cód. Comercial, e 200 do Cód. das Sociedades Comerciais, Fernando Olavo, in “Lições de Direito Comercial, 1957, pág. 186”, Vasco Lobo Xavier, in “Direito Comercial-Sumários, Coimbra, 1977/78, págs. 38 e sgts.” e José Tavares, in “Sociedades e Empresas Comerciais, pág. 729 e sgts., e Acordão do STJ de 7/10/2003, in “CJ, Acs. do STJ, Ano XI, T3 – 88”).
Muito embora se estatua no artº 471 do C. Com. que “as condições referidas nos dois artigos antecedentes haver-se-ão por verificadas e os contratos perfeitos, se o comprador examinar as cousas compradas no acto de entrega e não reclamar contra a sua qualidade ou, não as examinando, não reclamar dentro de 8 dias”, todavia, tal normativo (e ao contrário do defendido também pela ré) não é aplicável ao caso em apreço, já que o mesmo (como se escreveu naquele último acordão do STJ) reporta-se nitidamente aos artºs 469 e 470, ou seja, à venda sob amostra e à compra de coisas não à vista e nem designáveis por padrão, consubstanciando-se no fundo uma compra e venda sob reserva de a coisa agradar ao comprador (vidé, esse propósito, ainda Ac. RC de 30/04/2002, in “CJ, Ano XXVII, T2 – págs. 36/37”).
Daí que, e tal como, aliás, se defendeu nos arestos atrás citados, a questão em apreço terá que ser analisada à luz dos artºs 913 e ss do C. Civil ex vi artº 3 do C. Comercial, e tanto mais, como iremos ver, que tal é também imposto por razões da própria unidade do nosso sistema jurídico.
Como vem sendo dominantemente entendido (embora com brechas) o regime estatuído nos artºs 916 e 917 do CC é aplicável, por via de interpretação extensiva, a todas as acções com fundamento na responsabilidade contratual baseada no incumprimento defeituoso da prestação, ou seja, quer às acções em que se peça a anulação do contrato, quer àquelas em que se peça a reparação ou a substituição da coisa ou em que complementar ou exclusivamente se peça uma indemnização por prejuízos sofridos por causa do vício ou defeito da coisa, mesmo tratando-se de prejuízos indirectos contanto que estejam ligados a tais defeitos ou vícios da coisa.
Vem, assim, constituindo entendimento também dominante que o comprador pode escolher e exercer autonomamente a acção de responsabilidade civil para obtenção de indemnização, quer pelo interesse contratual positivo, quer mesmo pelo interesse contratual negativo, decorrente das regras gerais do direito de responsabilidade civil, baseado no cumprimento defeituoso ou inexacto, presumidamente imputável ao vendedor, nos termos dos arts. 798, 799 e 801, nº 1. do CC, sem que tenha de fazer valer outros remédios, nomeadamente sem que tenha de pedir a resolução do contrato ou a redução do preço e nem a reparação ou a substituição da coisa.
Acção essa em que, todavia, e como atrás se disse, apenas se exige que os prejuízos cuja indemnização nela se reclama tenham a sua origem – directa ou indirecta – no vício ou defeito da coisa, e nos termos da previsão abrangida pelo citado artº 913 do CC, estando, contudo, a mesma sempre sujeita aos prazos breves ou curtos de caducidade previstos no artº 917 do CC. (Neste sentido, vidé, entre muitos outros, Calvão da Silva, in “Compra e Venda de Coisas Defeituosas, 4ª ed., revista e actualizada, Almedina, 2006, págs. 73/74 e segs”; Pedro Romano Martinez, in “Cumprimento Defeituoso, Em Especial na Compra e Venda e na Empreitada, Almedina, págs. 411/413 e 422/425”; Menezes Leitão, in “Direito das Obrigações, Contratos Em Especial, Vol. III, 3ª ed. , Almedina 2005, págs. 125/126”; Ac. RC de 31/05/1994, in «CJ. Ano XIX, T3 – 22»; Ac. do STJ, de 04/11/2004, proc. nº 04B086, in www.dgsi.pt/jstj; Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado, Vol. II, Coimbra Editora, 2ª ed. revista e actualizada, pág. 193, nota 3”, o próprio acordão uniformizador de jurisprudência nº 2/97 do STJ de 4/12/1996, in “DR IS-A de 30/1/1997” – cujas razões de fundo, muito embora proferido então sobre a acção destinada a exigir a reparação de defeitos de coisa imóvel e antes da publicação do DL nº 267/94 de 25/10, se nos afigura terem aqui cabal aplicação -, e bem assim a muita outra jurisprudência e doutrina citadas sobretudo por aqueles dois primeiros autores no lugar daquelas suas obras).
Sujeição a tais prazos curtos do citado artº 917 que Pedro Romano Martinez (in “ob. cit., pág. 413”) justifica da seguinte forma: “De facto, não se compreenderia que o legislador só tivesse estabelecido um prazo para a anulação do contrato, deixando outros pedidos sujeitos à prescrição geral (artº 309); por outro lado, tendo a lei estatuído que, em caso de garantia de bom funcionamento, todas as acções derivadas do cumprimento defeituoso caducam em seis meses (artº 921, nº 4), não se entenderia muito bem porque é que, na falta de tal garantia, parte dessas acções prescreveriam no prazo de vinte anos; além disso, contando-se o prazo de seis meses a partir da denúncia, e sendo esta necessária em relação a todos os defeitos (artº 916), não parece sustentável que se distingam os prazos para o pedido judicial; por último, se o artº 917 não fosse aplicável, por interpretação extensiva, a todos os pedidos derivados do defeito da prestação, estava criado um caminho para iludir os prazos curtos” (tema esse que o autor retoma, nessa linha, a fls. 430/431 e ss).
No mesmo sentido (à semelhança daqueles outros autores ou jurisprudência citados), vai ainda Calvão da Silva (in “Ob. cit. pags. 77/78/79”) ao discorrer da seguinte forma: “(...) Justifica-se a extensão do artº 917, que apenas se refere à acção de anulação, às acções dos demais direitos referidos, porque e na medida em que através delas se fazem valer pretensões no quadro da garantia e à garantia ligadas; porque e na medida em que através delas se realize ou materialize a mesma garantia pelos vícios, numa palavra, porque e na medida em que são recursos contratuais por vício da coisa. (...). Na verdade, seria incongruente não sujeitar todas as acções referidas à especificidade do prazo breve para agir que caracteriza a chamada garantia edilícia desde a sua origem, pois, de contrário, permitir-se-ia ao comprador obter resultados (referidos aos vícios da coisa) equivalentes, iludindo os rígidos e abreviados termos de denúncia e caducidade. Ora, em todas as acções de exercício de faculdades decorrentes de garantia, qualquer que seja a escolhida vale a razão de ser do prazo breve (...): evitar no interesse do vendedor, do comércio jurídico, com vendas sucessivas, e da correlativa paz social a pendência por período dilatado de um estado de incerteza sobre o destino do contrato ou cadeia negocial e as dificuldades de prova (e contraprova) dos vícios anteriores ou contemporâneos à entrega da coisa que acabariam por emergir se os prazos fossem longos, designadamente se fosse de aplicar o prazo geral da prescrição (artº 309). (...). No tocante à venda de coisas móveis viciadas, sente-se a brevidade dos prazos fixados pelo Código. Continua a justificar-se, porém, a previsão de prazo breve razoável para as clássicas acção redibitória (...) e acção estimatória, bem como para as acções de reparação ou substituição da coisa e indemnização, no interesse do vendedor e comércio jurídico em cadeia, dados os efeitos de insegurança, de incerteza e de entorpecimento para o giro dos negócios decorrentes de prolongada garantia edilícia”.
Depois disto, e para terminarmos, diremos que com a fixação de tais prazos curtos foi intenção do legislador sacrificar, se necessário, o interesse da realização da plena justiça, ou seja, da obtenção de uma solução mais justa em prol da segurança e fluidez dos negócios jurídicos.
Aqui chegados, e com base em tais considerações de cariz teórico-técnico, avancemos, com maior velocidade, para a resolução da sobredita questão em apreço.
Como resulta do que logo acima deixámos expresso, a autora veio com a presente acção reclamar da ré uma indemnização por alegados prejuízos ou danos de natureza patrimonial e não patrimonial por si sofridos em virtude do cumprimento defeituoso da prestação a que se obrigara, ou seja, por lhe ter fornecido fechaduras com defeitos ou com vícios, os quais (e no seu dizer – cfr., nomeadamente, artº s 31 e 33 da pi) não só as desvalorizam como também impedem a realização do fim a que se destinavam.
Vícios ou defeitos esses que, assim, se encontram abrangidos pela previsão do artº 913 do CC.
E sendo assim são aplicáveis ao caso os prazos de caducidade previstos nos artº 916 e e 917 do CC, e mesmo em relação à parte do pedido referente à indemnização pelos danos não patrimoniais – cuja ressarcibilidade é hoje praticamente pacífico terem também lugar mesmo em sede de responsabilidade contratual -, já que os mesmos decorrem ou tem a sua origem - ou, na pior das hipóteses, estão com eles estritamente conexos - nos alegados vícios da coisa, ou seja, nos alegados defeitos das fechaduras que a ré lhe forneceu. (Vidé em tal sentido, e para desenvolvimento, o recente Ac. da RC de 2007/04/17, in “Rec. de Apelação nº 263/04”, desta secção, publicado www.dgsi.pt/jtrc”, do qual foi relator o srº Desembargador Jorge Arcanjo).
Preceitua o artº 916 do CC que:
“Nº 1. O comprador deve denunciar ao vendedor o vício ou a falta de qualidade da coisa, excepto se este houver usado dolo.
Nº 2. A denúncia será feita até trinta dias depois de conhecido o defeito e dentro de seis meses após a entrega da coisa.
Nº 3. Os prazos referidos no número anterior são, respectivamente, de um e cinco anos, caso a coisa vendida seja um imóvel”.
Por sua vez, estabelece o artº 917, daquele mesmo diploma legal, que “a acção de anulação por simples erro caduca, findo qualquer dos prazos fixados no artigo anterior sem o comprador ter feito a denúncia, ou decorridos sobre esta seis meses, sem prejuízo, neste último caso, do disposto no nº 2 do artº 287”.
Já vimos que estamos perante prazos de caducidade e não de prescrição (cfr. ainda artº 298, nº 2, do CC), e que ao caso em apreço são aplicados os prazos curtos de caducidade previstos nos normativos legais atrás citados (e não o prazo de prescrição geral previsto no artº 309 do CC – como também defendia a apelante), sendo igualmente irrelevante, por inaplicável, para o caso, ao contrário do que defende igualmente a apelante, o prazo de garantia de 5 anos estipulado no artº 226 do DL nº 59/99 de 2/3 (que aprovou regime jurídico das empreitadas de obras públicas), e tanto mais ainda que esse prazo é somente estabelecido para as relações entre o dono da obra pública e o empreiteiro, sendo certo ainda, por um lado, que no caso em apreço a ré não se comprometeu a realizar qualquer obra perante a autora (ou outrem alguém), e como tal não se pode sequer qualificar aquela como subempreiteira, e, por outro lado, os elementos alegados e carreados para os autos são manifestamente insuficientes para podermos falar sem tibiezas da existência de qualquer contrato de empreitada de obra pública (no qual a autora seja empreiteira), e tanto mais que não foi junto aos autos sequer qualquer documento autêntico que consubstanciasse o referido contrato, e de cuja existência dependia sempre a validade desse pretenso contrato - formalidade ad substantiam- (cfr. artºs 251 do citado DL nº 59/99 e 364, nº 1. do CC).
Por outro lado, e ao contrário também do defendido pela autora, é manifestamente inaplicável ao caso o nº 3 do citado no artº 916. Na verdade, o alargamento dos prazos ali previstos, pressupõe, como decorre expressamente desse normativo, que a coisa vendida tenha sido um imóvel. Para efeitos de tal normativo, o momento a atender, sobre a natureza da coisa, é o momento da venda, pouco interessando o destino que posteriormente lhe foi dado. Ora, é manifesto que as fechaduras que a ré vendeu à autora tinham nessa altura a natureza de coisa móvel (cfr. artº 205 do CC). É, pois, a nosso ver, desprovido de sentido pretender que ao caso se apliquem os prazos previstos no citado nº 3 do artº 916, pelo simples facto de mais tarde as referidas fechaduras (como coisa móvel) terem sido aplicadas num imóvel, dele passando a fazer parte integrante, nos termos do disposto no artº 204, nºs 1 al. e) e 3, do CC). Seguindo o raciocínio da autora, à simples venda de um ou mais pregos, defeituosos, que depois foram aplicados numa qualquer obra, seria também sempre aplicável o regime do alongamento dos prazos previsto no citado nº 3 do artº 916.
Ora, excluindo-se a aplicação do nº 3 do referido normativo, da conjugação dos artºs 916, nºs 1 e 2, e 917 do CC, resulta (já vimos que não está em aqui em causa uma acção de anulação com base no erro) que o comprador de coisa defeituosa deve, desde logo, denunciar o defeito ou vício da coisa que comprou ao vendedor. Aliás, diga-se que denúncia do defeito funciona como o acto do credor que certifica e comunica ao devedor o seu incumprimento defeituoso e, por extensão, como pressuposto para o exercício posterior do direito de acção do credor (cf., por ex., Ac do STJ de 6/7/04, in “www.dgsi.pt”).
Por outro lado, o referido comprador não só tem o ónus de fazer tal denúncia, como a deve ainda exercer nos trinta dias subsequentes à data em tomou conhecimento do defeito, mas sempre dentro do prazo de seis meses após a data que lhe foi entregue a coisa. A esse propósito, diga-se que para efeitos de entrega deve atender-se à data da entrega efectiva ou material da coisa e não à data da sua entrega simbólica.
Se tal denúncia não tiver sido feita dentro daqueles prazos, tal acarreta, desde logo, a caducidade dos direitos que se visavam exercer e salvaguardar com a correspondente acção (a menos que entretanto ocorra causa impeditiva da caducidade, por ex: reconhecimento do direito do comprador por parte do vendedor – cfr. artº 331, nºs 1 e 2, do CC).
Denúncia essa, como facto constitutivo do seu direito, cujo ónus de prova impende sobre o autor/comprador, muito embora já seja sobre o réu/vendedor que incida o ónus de prova sobre a tempestividade da referida denúncia (cfr. artºs 342, nºs 1 e 2, e 343, nº 2, do CC, e nesse sentido vidé ainda, por todos, Calvão da Silva, in “Ob. cit. págs76/77”).
Por fim, resulta ainda que mesmo que o autor/comprador tenha exercido tal denúncia tempestivamente, deverá ainda instaurar a corresponde acção de responsabilidade civil tendente a fazer valer o correspondente direito dentro do prazo de 6 meses subsequentes a tal denúncia, sob pena de caducidade do direito de acção.
Posto isto, reportando-nos novamente ao caso sub júdice, verifica-se, desde logo, que a ré se limitou a alegar que em Novembro de 2001, comprou à ré 1432 fechaduras, cujo preço pagou (cfr. artºs 5º, 6º e 7º da pi).
E que depois, no mês de Outubro do ano de 2002, a ré lhe forneceu mais 30 fechaduras (cfr. artº 8º da pi e al. f) dos factos assentes).
Dado que autora nada mais alegou (como lhe competia) sobre outra qualquer data da entrega efectiva de tais fechaduras, deve, para o efeito – e atenta a natureza dos respectivos contratos - tomar-se aquelas duas datas como sendo as das entregas efectivas das referidas fechaduras (alegadamente defeituosas).
Por outro lado, alegou ainda que em meados do ano de 2003 as fechaduras começaram a dar problemas (cfr. artº 10º da pi). Resultando do alegado nos artigos subsequentes de tal articulado - e após uma descrição dos concretos defeitos que alegadamente então apresentavam – que foi só a partir de então (em data que concreta que, todavia, não foi indicada ou precisada, quer por si, quer pela própria ré) que interpelou a ré para solucionar os problemas das ditas fechaduras, e nomeadamente para as substituir. Substituição que a ré sempre se recusou a efectuar, negando qualquer defeito das mesmas, e nomeadamente da sua responsabilidade.
Deve ainda dizer-se que, mais uma vez, a autora nada sequer alegou sobre a data da aplicação das aludidas fechaduras que adquiriu à ré (sendo certo que ao ter replicado podia muito bem ter aproveitado esse articulado para esclarecer esse e outros factos, e nomeadamente aqueles acima referidos).
Ora, resulta, desde logo, do exposto, que durante os primeiros seis meses após a compra de tais fechaduras à ré (e da entrega que lhe foi feita das mesmas) a autora não apresentou àquela nenhuma denúncia relativamente a qualquer vício das mesmas, e, consequentemente, também não instaurou qualquer acção fundada em alegados defeitos da mesmas (sendo certo que esta só deu entrada em juízo em 26/09/2005).
Quando, porém, mais tarde, sempre depois de meados do ano 2003, o veio a fazer, já há muito haviam decorrido os prazos curtos (que foram estipulados pelas razões que supra deixámos enunciadas) de caducidade fixados para o efeito, pelos normativos legais acima citados.
Pelo que, por tudo o exposto, ter-se-á de concluir pela caducidade do direito e acção da autora, assim se julgando procedente a excepção peremptória aduzida pela ré, absolvendo-se a mesma do pedido.
Termos em que se decide julgar improcedente o recurso da autora, confirmando-se o despacho saneador/sentença da 1ª instância, muito embora com base em fundamentos não coincidentes com aqueles ali aduzidos.
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III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a decisão recorrida (muito embora com fundamentos não coincidentes).
Custas pela autora/apelante.