Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | VÍTOR AMARAL | ||
Descritores: | PROCESSO TUTELAR DE MENORES EM PERIGO MEDIDA DE APOIO JUNTO DOS PAIS MEDIDA PROVISÓRIA DE ACOLHIMENTO RESIDENCIAL | ||
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Data do Acordão: | 01/18/2025 | ||
Votação: | DECISÃO SUMÁRIA | ||
Tribunal Recurso: | TRIBUNAL DE FAMÍLIA E MENORES DA FIGUEIRA DA FOZ | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 4.º E 35.º, ALS. A) E F) DA LEI N.º 147/99, DE 01 DE SETEMBRO ( LEI DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO) | ||
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Sumário: | 1. - A LPCJP tem por objeto a promoção dos direitos e a proteção das crianças e dos jovens em perigo, por forma a garantir o seu bem-estar e desenvolvimento integral, sendo esse o seu escopo, na defesa do superior interesse da criança e do jovem, parte débil na relação familiar complexa e conflitual.
2. - Mostra-se necessária e adequada (proporcional) a aplicação da medida provisória de acolhimento residencial a um menor de cinco anos de idade, que, após lhe ter sido aplicada a medida de apoio junto dos pais, concretizada junto da mãe, residindo ambos em casa da bisavó materna, se encontra em situação de perigo atual para a sua educação, higiene e segurança, com regressão significativa no seu comportamento, voltando a usar fralda durante a noite, por falta de vigilância da mãe, atenta a medicação por esta tomada, e que deixa ao alcance do filho, mostrando-se o menor irrequieto e refratário à imposição de regras e limites, vivendo numa casa que apresenta sinais de falta de limpeza e higiene e não mostrando os familiares próximos (mãe, pai e bisavó) capacidade para cuidar adequadamente da criança. 3. - Num tal caso, destinando-se a prevenir/obstar a tal situação de perigo atual, a medida provisória de acolhimento residencial mostra-se conforme ao superior interesse do menor, cuja família não responde, por ora, às suas necessidades básicas/essenciais. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
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Decisão Texto Integral: | ***
Ao abrigo do disposto no art.º 656.º do Código de Processo Civil em vigor (doravante, NCPCiv.), segue decisão sumária, face à simplicidade da questão a decidir.
*** I – Relatório Corre termos processo de promoção e proteção, requerido pelo M.º P.º, relativo ao menor AA, filho dos requeridos BB e CC, todos estes com os sinais dos autos. Em 24/09/2024 foi junta informação social, referente àquele menor, concluindo assim: «(…) consideramos estar perante uma situação de perigo grave, pelo que propomos a retirada imediata de AA do seio familiar, podendo o mesmo reintegrar o CAT da APPACDM, local que não lhe é estranho e onde já estabeleceu uma relação de confiança com os adultos e crianças residentes, com proposta de Confiança à Instituição com vista à Futura Adoção, em conformidade com o art. 35, n.º 1, al. g) da Lei 147/99 de 1 de setembro, de modo a que ainda em tempo útil, possa o mesmo ter direito a um projeto de vida que consolide um futuro saudável e seguro.». Na sequência, teve lugar, em 16/10/2024, conferência com os progenitores, a bisavó materna e técnicas do S.A.T.T. da Segurança Social de Coimbra, âmbito em que: a) As técnicas aludidas declararam reiterar o teor do relatório social elaborado e junto aos autos, propondo a alteração da medida para confiança a instituição com vista à adoção, afirmando, para tanto, ter havido agravamento da situação da criança (situação que descreveram, como exarado na ata daquela conferência); b) Os pais e a outra familiar, informados do que haviam dito e proposto aquelas técnicas, declararam discordar da proposta da Segurança Social; c) O Tribunal determinou a notificação dos pais e bisavó materna para, querendo, alegarem por escrito e apresentarem prova, em 10 dias, “para efeitos de debate judicial”, bem como do M.º P.º, para o mesmo efeito, por não ter sido possível obter o acordo dos pais para a medida proposta em substituição da que se encontrava vigente. Com data de 21/10/2024, foi proferida decisão provisória – a aqui recorrida – com o seguinte dispositivo: «Pelo exposto, nos termos dos arts. 35.º, n.º 1, al.ª f) e 37.º, n.ºs 1 e 3, da LPCJP, visto ainda os disposto nos arts. 1918.º e 1919.º do Código Civil, considerando que o menor em causa, AA, nascido em ../../2019, se encontra em situação de perigo actual para a sua educação, higiene e segurança, se continuar a residir com a mãe, que não revela adequadas capacidades parentais, em casa da bisavó do menor, que não consegue manter a família e a casa em ordem, sem qualquer ajuda económica do pai, que também não revela adequadas capacidades parentais, determino que a dita criança fique provisoriamente sujeita, pelo prazo de seis meses, à medida de acolhimento residencial no CAT da APPACDM da ..., ..., designada pelo SATT, onde já esteve acolhido antes com bons resultados, de modo a que usufrua de acompanhamento pré-escolar, beneficie de regras e limites e faça também outras aquisições ao nível da capacitação pessoal e social, beneficiando ainda de adequadas condições de alojamento, higiene e alimentação, o que a mãe e a bisavó não lhe têm garantido. O SATT deverá apresentar relatório para revisão desta medida provisória dentro do prazo de três meses estabelecido no art.º 37.º, n.º 3, da L.P.C.J.P. Passe mandados a favor do competente O.P.C., de modo a que fique habilitado, com a colaboração do SATT, a recolher o menor, AA, nascido em ../../2019, em casa da bisavó materna, DD, nos termos do art.º 92.º da L.P.C.J.P., podendo os agentes policiais entrar em qualquer casa onde esteja a criança, mesmo que não seja a da bisavó materna, durante o dia, a fim de cumprir os mandados, ainda que através de arrombamento de portas ou janelas, podendo ainda o menor ser recolhido na creche. O menor deve seguidamente ser conduzido por Técnica da Segurança Social ao referido CAT da APPACDM, na ..., neste concelho, conforme indicado na conferência precedente pelo SATT. As visitas dos progenitores e de outros familiares da criança não são por enquanto autorizadas, tendo de se aclimatar novamente a criança ao ambiente institucional. (…) Notifique esta decisão provisória aos pais e à bisavó materna da criança somente após se concretizar o cumprimento desta medida provisória com reintegração do referido menor na dita casa de acolhimento residencial, para que não seja frustrado com a mudança súbita de residência do menor para local desconhecido, por iniciativa da mãe ou de outro familiar.» (itálico aditado). Inconformada, a Requerida mãe recorre desta decisão, tendo apresentado alegação, onde formula as seguintes Conclusões ([1]): «I- Vem o presente Recurso da decisão cautelar que determinou a aplicação da medida provisória de acolhimento em instituição à criança AA, nascido a ../../2019, alterando a medida de acompanhamento junto da mãe, Requerida / ora Recorrente. II- Salvo o devido respeito, que, repare-se, é muito para com o Tribunal a quo, a Recorrente não pode conformar-se com o despacho proferido, pelo que o presente recurso tem como objecto toda a matéria do referido despacho que aplicou a referida medida de acolhimento residencial ao menor. III- A decisão ora em crise não se encontra fundamentada pois não se extrai, de forma concreta, qual a motivação do Tribunal para alterar a medida de apoio para acolhimento residencial, viciando a respetiva decisão de nulidade. III- O Relatório Social no qual o douto Tribunal a quo se apoia não se coaduna com a realidade. Por conseguinte: IV- Os factos vertidos nos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 13.º do despacho recorrido não corresponderem à verdade ou apresentam-se de forma distorcida, pelo que se impugnam os mesmos. V- Contrariamente ao referido em 3.º do douto despacho de que ora se recorre, a Recorrente ensinou o menor a chamar por si sempre que sentisse necessidade de ir à casa de banho, nem tampouco o menor “regrediu significativamente” porquanto o mesmo se adaptou bem à nova creche, fez amigos e o seu desenvolvimento é normal e adequado para a sua idade. VI- Contrariamente ao vertido no artigo 4.º do despacho à medida que o tempo foi passando, o menor foi-se integrando e respeitando as regras e rotinas que lhe foram sendo impostas. VII- Repare-se que, após debate judicial, por acórdão datado de 27 de Maio de 2024, foi aplicada ao menor a medida de apoio junto dos pais, concretizada junto da mãe, com retaguarda e supervisão da bisavó materna da criança, D. DD, pelo prazo de seis meses e com os deveres e regras referidos no douto despacho, em substituição da medida de acolhimento residencial. VIII- A entrega do menor pela instituição à mãe e bisavó maternas, decorreu da melhor forma, com grande emoção, sorrisos e abraços, no dia 25.06.2024 e o Relatório Social em crise foi elaborado a 23.09.2024, ou seja, menos de 3 meses, depois da criança ter ido residir com a sua mãe e bisavó materna. IX- Quer o menor, quer a mãe e a bisavó materna estavam numa fase inicial de adaptação, fase de adaptação essa que as Senhoras Técnicas não tiveram em consideração. X- O vertido no artigo 5.º do despacho recorrido, apenas se deve ao facto de o menor ter estado em acolhimento residencial, durante bastante tempo, revelando necessidade de carinho e atenção constantes, o que a mãe lhe tem sobejamente proporcionado. XI- Tanto é que o referido relatório refere “relatando um episódio ocorrido, em que a CC saiu para ir às compras e o bisneto gritou toda a tarde chamando pela Mãe, tendo que a bisavó telefonar à neta para rapidamente regressar a casa (...)” XII- É verdade que o menor quer estar constantemente com a sua Mãe, evidenciando fortes laços afectivos com esta. XIII- Também o constante no artigo 6.º, que expressamente também se impugna, não pode fundamentar a aplicação da medida provisória de acolhimento institucional, porquanto o referido ocorreu apenas NUM dia, em cerca de 90 dias que o menor esteve com a mãe e a bisavó, com visitas semanais e bi-semanais das Senhoras Técnicas. XIV- Contrariamente ao considerado no artigo 9.º do despacho quanto aos poços existentes no local, os mesmos nunca constituíram perigo para o menor porque o menor nunca andou desacompanhado fora de casa, quer no jardim, quer no quintal/horta, sendo sempre cuidadosamente vigiado! XV- E também contrariamente ao vertido no artigo 10.º do despacho ora recorrido, a Recorrente cumpriu as consultas médicas estipuladas para o menor, foi à vacina com o filho uma vez que na Instituição não cumpriu o plano nacional de vacinas, foi fazer o Cartão de Cidadão do menor, porquanto também haviam deixado expirar na Instituição. XVI- Pese embora, o pai nunca ter pago a pensão de alimentos a que está obrigado, conforme consignado no art. 11.º do despacho, a verdade é que a Recorrente, com os seus rendimentos, nunca deixou faltar nada ao seu filho, quer seja comida, vestuário. XVII- Mas, principalmente e além de tudo, muito afeto, amor e carinho pelo AA. XVIII- Não existe qualquer facto que revele que a D. CC, mãe do menor AA, tenha colocado o menor em perigo nas suas deslocações. XIV- O próprio Tribunal a quo violou a al. f) do Acórdão que decretou a medida de apoio junto dos pais, concretizada junto da mãe, com retaguarda e supervisão pela bisavó materna da criança, onde se referia “a mãe fica obrigada a frequentar um programa técnico destinado à melhoria das suas capacidades parentais, a solicitar pelo tribunal”. XV- Salvo o devido respeito por opinião diversa, a medida aplicada nos autos é desproporcional face ao quadro factual existente. XVI- O menor nunca se apresentou mal vestido, sujo, descuidado, triste, com fome ou mal nutrido. XVII- Tanto mais que as Senhoras Técnicas falaram com a Senhora Educadora e nenhum desses quadros foi exposto. XVIII- A progenitora tratou sempre de forma conveniente o filho, nada havendo neste particular a apontar-lhe. XIX- As falhas apontadas eram e são passíveis de serem colmatadas e não são graves o suficiente para a aplicação de uma medida cautelar. XX- Estão, sobretudo, em causa, o superior interesse do menor AA. XXI- A forma como decorreu a aplicação desta medida, foi feita sem dó nem piedade, tendo o mesmo sido “arrancado” do seu meio familiar no qual estava perfeitamente integrado, com todos os traumas e problemas psicológicos que daí advêm! XXII- Sem qualquer audição dos progenitores e bisavó materna, completamente de surpresa, o menor foi recolhido na creche, sem que se pudesse despedir da mãe a da bisavó e sem que estas pudessem, sequer, tentar explicar o que poderia estar a acontecer. XXIII- Ao longo dos meses em que o menor esteve com a sua Mãe e a sua Bisavó os laços familiares intensificaram-se fortemente, como assim era desejável, assim como desenvolveu amizade com familiares e vizinhos. XXIV- Revertendo a decisão que ia permitindo desenvolver os laços familiares o Tribunal decretou ainda que “as visitas dos progenitores e de outros familiares da criança não são por enquanto autorizadas, tendo de se aclimatar novamente a criança ao ambiente”. XXV- Acrescido do facto que a instituição não tem permitido, sequer, os contactos por via telefónica, em total abuso de direito! XXVI- O Tribunal a quo, ao decidir da forma explanada no despacho proferido, violou, entre outros, os princípios da proporcionalidade, princípio da adequação, princípio da actualidade e o superior interesse da criança. XXVII- A medida aplicada, de acolhimento institucional, deve ser revogada pois, só desta forma, será salvaguardado o verdadeiro interesse do menor, que é o crescimento do mesmo no seio da sua família. XXVIII- A decisão agora tomada e de que se recorre é demasiado gravosa para o menor, estando a ora Recorrente convencida de que trará mais prejuízos do que benefícios. XXIX- E, neste particular, o superior interesse dos menores cumprir-se-á com a permanência na sua família, com o devido acompanhamento à mãe, com a retaguarda da sua avó materna, bisavó materna do menor. XXX- Devendo, pois, ser revogada, devendo o menor voltar a residir com a sua mãe, ora Recorrente e com a supervisão e retaguarda da bisavó materna. XXXI- Ora, a decisão em crise e o Relatório Social em que se apoia em nenhum a sopesam este facto para a melhor compreensão da situação familiar dos menores, antes afirmando considerações genéricas que, como supra se referiu, não correspondem à realidade. XXXII- Acresce que, cotejando o art.º 3 da LPCJP que dispõe que ”há lugar à intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança quando os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto ponham em perigo a sua segurança, saúde, formação, educação ou desenvolvimento, ou quando esse perigo resulte de acção ou omissão de terceiros ou da própria criança ou do jovem a que aqueles não se oponham de modo adequado a removê-lo (art. 3º, nº1, da LPCJP). Considera-se existir o referido perigo, nomeadamente: quando a criança está abandonada ou vive entregue a si própria; sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais; não recebe os cuidados ou a afeição adequados à sua idade e situação pessoal; é obrigada a actividades ou trabalhos excessivos ou inadequados à sua idade, dignidade e situação pessoal ou prejudiciais à sua formação ou desenvolvimento; está sujeita, de forma directa ou indirecta, a comportamentos que afectem gravemente a sua segurança ou equilíbrio emocional; assume comportamentos ou se entrega a actividades ou consumos que afectem gravemente a sua saúde, segurança, formação, educação ou desenvolvimento sem que os pais, o representante legal ou quem tenha a guarda de facto se lhes oponham de modo adequado a remover essa situação (art.º 3.º, n.º 2). XXXIII- Ora, no caso em apreço, inexiste a situação de perigo prevista no sobredito preceito legal, pelo que o Tribunal a quo não observou o mesmo. XXXIV- Não obstante, não é especificado qualquer perigo, a crianças não esta doente, maltratada, suja, negligenciada. XXXV- A medida em causa no presente recurso, foi aplicada sem antes cumprir com o programa técnico que havia decidido. POR TUDO QUANTO EXPOSTO, DEVE A DOUTA SENTENÇA DO TRIBUNAL A QUO SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA QUE MANTENHA A MEDIDA DE APOIO JUNTO DA MÃE, COM RETAGUARDA E SUPERVISÃO DA BISAVÓ MATERNA DA CRIANÇA. COM O QUE SE FARÁ A COSTUMEIRA JUSTIÇA.». Contra-alegou o M.º P.º, concluindo, por sua vez, pela improcedência do recurso. *** O recurso foi admitido como de apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo – altura em que a 1.ª instância manifestou inexistir nulidade da decisão por falta de fundamentação –, após o que foi ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem. Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.
*** II – Âmbito recursivo Perante o teor das conclusões formuladas pela parte recorrente – as quais definem o objeto e delimitam o âmbito do recurso ([2]), nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. –, importa conhecer das seguintes questões: a) Nulidade da sentença, por falta de fundamentação (conclusão III); b) Nulidade processual: violação do princípio do contraditório, quanto à forma como ocorreu a aplicação da medida (conclusão XXII); c) Admissibilidade e procedibilidade da impugnação da decisão de facto – quanto aos “factos vertidos nos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 13.º” ( Conclusão IV); d) Erro de julgamento de direito na aplicação da medida, por violação dos princípios da atualidade, da proporcionalidade/adequação e do superior interesse do menor (conclusão XXVI).
*** III – Fundamentação A) Matéria de facto Na decisão recorrida ([3]) foi especificada a seguinte factualidade como apurada: «1. AA, nascido em ../../2019, é filho de CC e de BB. 2. Por acórdão de 27 de Maio de 2024 foi aplicada ao menor a medida de apoio junto dos pais, concretizada junto da mãe, com retaguarda e supervisão pela bisavó materna da criança, DD, pelo prazo de seis meses, nos termos dos artigos 4.º als. a), g) e h), 35.º, n.º 1, al. a) e 39º da L.P.C.J.P. [substituindo-se a medida de acolhimento residencial – art.º 62.º, n.º 3, b), da mesma lei], ficando a mãe, a bisavó materna e o pai da criança sujeitos aos respectivos deveres e regras, para promoção e protecção da criança, designadamente os seguintes: a) A mãe fica obrigada a colaborar com a sua avó materna nas tarefas de manutenção do lar organizado e higienizado, devendo respeitar as indicações da sua avó nas questões domésticas, designadamente na gestão das despesas e poupanças. b) A mãe fica obrigada a cuidar da higiene, alimentação, saúde e educação da criança, cumprir o seu plano vacinal, comparecer nas consultas médicas que lhe forem marcadas e administrar à criança a medicação que lhe seja medicamente prescrita, devendo respeitar as indicações da sua avó nos cuidados a ter com a criança. c) A mãe fica obrigada a manter a frequência da criança na creche, velando para que o filho ali seja assíduo e pontual, tenha bom comportamento e cumpra as tarefas educativas que lhe sejam atribuídas na creche. d) A mãe fica obrigada a comparecer nas consultas de Planeamento Familiar para a Especialidade de Nutrição, devendo cumprir a dieta que lhe seja prescrita até ter alta médica, e fazer exercício físico adequado durante o prazo de seis meses de vigência da medida. e) A mãe fica obrigada, até ter alta médica, a comparecer nas consultas de Neurologia e Psiquiatria no HDFF, devendo tomar a medicação que lhe seja prescrita, designadamente para a epilepsia. f) A mãe fica obrigada a frequentar um programa técnico destinado à melhoria das suas capacidades parentais, a solicitar pelo Tribunal. g) A mãe fica obrigada à inserção no mercado de trabalho quando terminar o presente curso profissional, devendo iniciar oportunamente a busca de emprego. h) O pai do menor fica obrigado iniciar de imediato a busca activa de emprego. i) O pai frequentará de imediato um programa de desabituação do consumo de álcool. j) O pai entregará mensalmente a favor do filho, a título de alimentos, o valor de cem euros (€100), fixado por equidade, que transferirá para a conta bancária da mãe, para o IBAN a indicar por esta nos autos e ao pai da criança no prazo de dez dias. k) O pai poderá conviver com a criança em local público, desde que combine o local de convívio com a mãe e com a avó materna desta, com a antecedência de 24 horas, num período com a duração de uma a duas horas, na presença da mãe ou da bisavó materna da criança. l) Os outros membros da família alargada da criança poderão conviver com o AA, desde que combinem o local e a duração do convívio com a mãe e com a avó materna desta, com uma antecedência de 24 horas. 3. Desde que passou a residir com a mãe em casa da bisavó materna, o AA regrediu significativamente no seu comportamento, voltando a usar fralda durante a noite, por dificuldade da mãe em acordar, atenta a medicação que toma e que deixa ao alcance da criança. 4. A criança está bastante irrequieta em casa, não acatando a imposição de regras e limites, o que é agravado pelo facto de a mãe regularmente desautorizar a bisavó à sua frente, por exemplo, quando esta repreendeu o menor em uma situação em que lhe retirou o triciclo à sua frente, a mãe voltou a dar o triciclo ao AA, levantando a mão à bisavó. 5. O AA apresenta dependência de uma figura adulta, o que, no Jardim de Infância, se traduz em não perder de vista a Senhora Educadora, procurando estar perto dela, pese embora a conheça há uma semana, atenta a data do referido relatório. 6. No dia 10/10/2024 a casa da bisavó da criança estava em piores condições que anteriormente, encontrando-se mais suja, nomeadamente, na sala encontravam-se duas a três toalhas em cima da mesa, muito sujas, garrafões de água, uma de bebida e uma caixa de plástico muito suja, que parecia ser para colocar pão; existiam bacias de roupa espalhadas; a casa-de-banho não se encontrava limpa, a cozinha estava com alguma loiça para lavar, havendo um grelhador sujo na banca que “não é lavado porque é para ser utilizado no outro dia” e o chão não se encontrava varrido, nem limpo. 7. O terraço que dá acesso à cozinha e ao quarto da avó, onde andam os animais, estava muito sujo, dizendo a bisavó, sobre a possibilidade de dar uma mangueira para a CC lavar o terraço, que a CC chega ao fim do dia cansada e ao fim-de-semana que a CC tem de descansar e vai passear com o namorado EE. 8. A CC chegou a mostrar às Técnicas o frigorífico praticamente sem comida, leite ou iogurtes e ultimamente já dispõe de carne ou peixe, iogurtes, leite, com um tacho com sobras de comidas sem estar devidamente acondicionado, também tendo no armário bolachas e cereais. 9. No local existem dois poços de água, um deles distando cerca de 8 metros da entrada da habitação, estando totalmente aberto, com um muro de altura de cerca de 80 centímetros, e com cerca de 4 metros de diâmetro, contendo lodo, o qual, após a conferência de 16/10/2024, foi cercado pela mãe e bisavó materna com uma rede metálica e com 1,70 metros de altura. 10. Segundo as Técnicas, a mãe e a bisavó não têm capacidade de insight, nem potencial de mudança, pese embora todas as tentativas efectuadas para as auxiliar tecnicamente. 11. O pai não tem efectuado o pagamento da prestação de alimentos a que estava obrigado pelo dito acórdão, tendo a mãe da criança instaurado contra o pai o incidente de incumprimento que corre termos sob o apenso A. 12. Numa visita que o pai fez ao menor, o progenitor encontrava-se embriagado, exalando cheiro a álcool, tendo usado linguagem menos própria à frente da criança. 13. A bisavó materna está muito desgastada com toda a situação e aos poucos começa a dar sinais de exaustão/saturação para com as responsabilidades assumidas e vivência existente.» ([4]).
*** B) Nulidade da decisão Importa saber se ocorre a invocada nulidade da sentença, por falta de fundamentação (conclusão III), alegando a Recorrente que a “decisão ora em crise não se encontra fundamentada pois não se extrai, de forma concreta, qual a motivação do Tribunal para alterar a medida de apoio para acolhimento residencial, viciando a respetiva decisão de nulidade”. Apreciando. Dispõe o art.º 615.º, n.º 1, al.ª b), do NCPCiv. que a sentença é nula quando não especifique os fundamentos (de facto e de direito) que justificam a decisão. São bem consabidas as exigências de fundamentação das decisões dos tribunais (cfr. art.º 154.º, n.º 1, do NCPCiv., tal como o antecedente art.º 158.º, n.º 1, do CPCiv./2007), sejam sentenças ou despachos – em termos de fundamentos de facto e de direito respetivos –, a que se reporta aquele art.º 615.º, n.º 1, al. b), do NCPCiv. [tal como o anterior art.º 668.º, n.º 1, al.ª b), do CPCiv./2007], e cuja violação, uma vez verificada, é causa de nulidade da sentença ([5]), cabendo naturalmente à parte recorrente clarificar onde pudesse ter faltado a decisão à fundamentação devida/exigível, em termos de omissão absoluta de fundamentos, o que, manifestamente, in casu não ocorreu. Com efeito, este Tribunal não logra descortinar onde se pretendesse ocorrer falta de fundamentação da sentença, ou outra causa de nulidade da mesma, sendo que não se trata de matéria de conhecimento oficioso do Tribunal ([6]). Donde que seja de concluir pela não verificação do vício de nulidade da sentença, antes parecendo que a Apelante não aceita o sentido da decisão proferida, matéria que, por traduzir discordância quanto ao sentido decisório (de facto ou de direito), já se prende com o mérito da sentença e não com quaisquer causas de nulidade da mesma. É que a decisão em crise, pela sua natureza provisória – cautelar e, como tal, incidental –, não está sujeita aos elevados rigores de fundamentação que se exigem a uma sentença (decisão final do processo). Mas, mesmo sendo provisória/incidental, é certo que a decisão em crise comporta um relatório (onde se configura o caso e se descreve o que aconteceu a montante), uma parte fáctica (onde se descrevem os factos considerados provados, a que se segue uma breve fundamentação/justificação da convicção, deixando, ainda assim, transparecer os motivos da formação da convicção probatória), seguida de uma fundamentação jurídica (parte da justificação/aplicação do direito), terminando com o respetivo dispositivo. Ora, assim sendo, dúvidas não podem restar quanto aos motivos de facto, nem quanto à oferecida fundamentação de direito. Da conjugação destes depreende-se que, com aplicação do regime legal pertinente, se considerou que o menor se encontrava em situação de perigo (atual) para a sua educação, higiene segurança, razão pela qual foi imposta a alteração da medida que se encontrava provisoriamente em vigor para a medida, também provisória, de acolhimento residencial. A parte recorrente pode não concordar com a decisão, mas não pode convencer da falta de fundamentação da mesma, havendo, ao contrário, fundamentação que permite compreender os motivos da aplicação da nova medida. Ainda que assim não se entendesse, sempre a argumentação da Recorrente teria de improceder nesta parte, por ser manifesto que existiu fundamentação de facto e de direito e, ainda que esta fosse deficiente/insuficiente, tal não determinaria – reitera-se – a dita nulidade, por não se tratar, em caso algum, de uma total/absoluta falta de fundamentação. Improcedem, pois, as conclusões da apelação em contrário.
C) Nulidade processual Argumenta a Recorrente (conclusões XXI e XXII): «A forma como decorreu a aplicação desta medida, foi feita sem dó nem piedade, tendo o mesmo sido “arrancado” do seu meio familiar no qual estava perfeitamente integrado, com todos os traumas e problemas psicológicos que daí advêm!»; «Sem qualquer audição dos progenitores e bisavó materna, completamente de surpresa, o menor foi recolhido na creche, sem que se pudesse despedir da mãe a da bisavó e sem que estas pudessem, sequer, tentar explicar o que poderia estar a acontecer.». Também esta argumentação improcede, salvo sempre o devido respeito, quanto a uma eventual violação do princípio do contraditório, designadamente por decisão-surpresa. É que, desde logo, a invocação não se refere à sentença em crise nem ao processo/tramitação decisório que a antecede. A questão é aqui colocada a jusante da decisão: reporta-se à forma como, proferida tal decisão (findo, pois, o respetivo processo decisório), decorreu a aplicação da medida imposta. Assim, a crítica da Apelante não se dirige à decisão recorrida, em si, mas ao que se passou depois, à tramitação processual subsequente, embora tendente ao cumprimento do ordenado naquela decisão, mas sem viciar o ato decisório, enquanto tal, sendo este – e só este – que está em causa na apelação interposta, visto o âmbito da mesma (impugnação, apenas, do “despacho datado de 21.10.2024”, só desse sendo interposto recurso, como expressamente referido no respetivo requerimento de interposição). E, em qualquer caso, se a decisão recorrida determinou que se procedesse de determinada forma, no cumprimento/execução da medida provisória aplicada, tal ocorreu – cabe dizê-lo – de modo justificado e admissível, ante a situação de perigo detetada, por se visar, somente, evitar obstáculos à localização do menor e decorrente implementação daquela medida, tudo na prossecução do seu superior interesse.
D) Impugnação da decisão relativa à matéria de facto Da admissibilidade da impugnação Não se conforma a Apelante com a decisão de facto proferida, pugnando pela sua alteração e notando-se que a sua censura se dirige aos pontos, supra aludidos, “3.º, 4.º, 5.º, 6.º, 7.º, 8.º, 9.º, 10.º, 13.º” dos factos dados como provados (conclusões IV e segs.), acrescentando, simplesmente, que os mesmos “não correspondem à verdade ou apresentam-se de forma distorcida”, com o que não expressa – ao arrepio do disposto na al.ª c) do n.º 1 do art.º 640.º do NCPCiv. – qual a concreta e diversa decisão que pretende (quanto à redação de cada um desses pontos de facto). Para além disso, não invoca, quanto a cada um desses factos, as específicas provas que impusessem decisão diversa [cfr. al.ª b) do n.º 1 do mesmo art.º 640.º, bem como art.º 662.º, n.º 1, da lei adjetiva]. Nem o faz nas conclusões, nem sequer no antecedente corpo alegatório, limitando-se a uma mera impugnação, onde nega o que consta do quadro dado como provado e do anterior relatório social. Por se limitar a Recorrente, nesta parte, a este arrazoado conclusivo, deve, desde logo, colocar-se a questão da (in)admissibilidade da empreendida impugnação da decisão de facto. Com efeito, esperava-se que a Apelante esclarecesse devidamente, não só quais os factos que, na sua ótica, foram julgados erradamente, como ainda quais as concretas provas que, uma vez criticamente analisadas/valoradas, obrigavam a uma decisão diversa da adotada, no sentido de delimitar, de forma motivada, o âmbito probatório da impugnação de facto, sem prescindir, em qualquer caso, da expressa indicação do sentido decisório pretendido (a decisão que, a seu ver, deve ser proferida sobre cada uma das questões de facto impugnadas, como tudo resulta do disposto no art.º 640.º do NCPCiv., norma de pendor imperativo e sancionatório, que dispõe quanto aos obrigatórios ónus a cargo do recorrente impugnante da decisão de facto). É que, em sede de impugnação da decisão de facto, cabe ao Tribunal de recurso verificar se o juiz a quo julgou ou não adequadamente a matéria litigiosa, face aos elementos a que teve acesso, tratando-se, assim, da verificação quanto a um eventual erro de julgamento na apreciação/valoração das provas (formação e fundamentação da convicção), aferindo-se da adequação, ou não, desse julgamento. Para tanto, se o Tribunal de 2.ª instância é chamado a fazer o seu julgamento dessa específica matéria de facto, o mesmo é comummente restrito a pontos concretos questionados – os objeto de recurso, no mesmo delimitados, necessariamente no plano conclusivo –, procedendo-se a reapreciação com base em determinados elementos de prova, concretamente elencados, designadamente certos depoimentos indicados pela parte recorrente. Como bem explicita Abrantes Geraldes ([7]), “Em quaisquer circunstâncias, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (…)”; mas também deve “especificar aqueles [meios de prova] que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos”; e, para além disso, «(…) deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto; (…)”. Para depois concluir que a rejeição do recurso quanto à decisão de facto deve verificar-se, para além do mais, nas situações de falta “de especificação nas conclusões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados”, tal como de falta “de posição expressa sobre o resultado pretendido relativamente a cada segmento da impugnação”, constituindo, aliás, exigências que “devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo. Exigências que afinal devem ser o contraponto dos esforços de todos quantos, durante décadas, reclamaram pela atenuação do princípio da oralidade pura e pela atribuição à Relação de efectivos poderes de sindicância da decisão sobre a matéria de facto como instrumento de realização da justiça. Rigor a que deve corresponder o esforço da Relação quando, debruçando-se sobre pretensões bem sustentadas, tenha de reapreciar a decisão recorrida …” ([8]). Ante este quadro referencial, parece notório – salvo o devido respeito por diverso entendimento – que a Apelante não observou os ónus, a seu cargo, estabelecidos pelo art.º 640.º do NCPCiv., nas al.ªs b) e c) do respetivo n.º 1 – em conjugação com o art.º 639.º do mesmo Cód. –, pois que omitiu, nas conclusões – tal como no corpo alegatório – a necessária indicação dos concretos meios de prova que impusessem decisão diversa (quanto a cada um dos pontos de facto que considera incorretamente julgados) e, do mesmo modo, a concreta decisão a dever ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. Donde que a impugnação de facto não possa, salvo o devido respeito, ser admitida, por incumprimento daqueles imperativos normativos, quanto a ónus a cargo da Recorrente. Vício este determinante da “imediata rejeição do recurso na respetiva parte”, como dispõe aquele preceito imperativo do n.º 2, al.ª a), do art.º 640.º do NCPCiv. ([9]). É certo que a Recorrente junta, com a sua peça recursiva, fotos e outros documentos, todavia, sem um requerimento de junção e/ou indicação de motivo probatório (a que factos e em que termos se dirigissem esses documentos), e, muito menos, qualquer análise crítica a respeito, o que sempre obrigaria à rejeição dos documentos ou, assim não se entendendo, à respetiva imprestabilidade probatória para o efeito de impugnação dos concretos factos em debate. No mais, refere a Apelante, no seu corpo alegatório, a propósito da prova em que se baseou o Tribunal a quo: «O Relatório Social apresentado nestes autos é impreciso, não revela a verdade dos factos, apoiando-se no facto de estarmos perante uma progenitora com um défice cognitivo e numa avó com pouca escolaridade para tecerem as mais variadas observações. Observações essas sempre focadas na desvalorização do que está a ser bem feito e enfoque em temores imaginários e infundamentados. O Relatório Social não apresenta a descrição de todos os factos necessários ao conhecimento da verdade dos factos, baseando-se apenas nas lacunas que surgiram.». Ora, este tipo de impugnação não basta para abalar a força probatória de tal “relatório” técnico, a que o Tribunal deu crédito. Era necessário mostrar, para além da mera negação ou imputação de parcialidade, a falta de correspondência à realidade ou o erro de observação ou apreciação. O que não ocorre. Na verdade, não se pode ter por demonstrada, sem mais, tal falta de imparcialidade ou erro de captação da realidade. Impunha-se prova que mostrasse o erro do relatório e o decorrente erro de julgamento do Tribunal, quando é certo que nenhuma prova obriga, no caso, a decisão diversa. Em suma, a impugnação de facto é inadmissível e, caso assim não se entendesse, teria de improceder, termos em que se mantém incólume o quadro fáctico da sentença em crise, sendo a esse – e somente a esse – que haverá, por isso, de atender-se para decisão do recurso.
E) Aspeto jurídico do recurso 1. - Da violação do princípio da atualidade Invoca a Apelante que: «O Tribunal decidiu aplicar a medida de que ora se recorre, baseado, especialmente, no dia 10.10.2024. Ou seja, antes da aplicação desta medida, as Senhoras Técnicas, sabendo não ser normal a casa estar como no dia 10.10.2024, não voltaram a visitar a casa para ver como esta estava limpa e arrumada. Pelo que a medida tomada foi feita em violação do princípio da actualidade.». Que dizer? De harmonia com o disposto no art.º 4.º da LPCJP ([10]), a intervenção externa deve ser orientada por diversos princípios, de que se salientam os seguintes: «a) Interesse superior da criança e do jovem – a intervenção deve atender prioritariamente aos interesses e direitos da criança e do jovem, nomeadamente à continuidade de relações de afeto de qualidade e significativas, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto; (…) c) Intervenção precoce – a intervenção deve ser efetuada logo que a situação de perigo seja conhecida; d) Intervenção mínima – a intervenção deve ser exercida exclusivamente pelas entidades e instituições cuja ação seja indispensável à efetiva promoção dos direitos e à proteção da criança e do jovem em perigo; e) Proporcionalidade e atualidade – a intervenção deve ser a necessária e a adequada à situação de perigo em que a criança ou o jovem se encontram no momento em que a decisão é tomada e só pode interferir na sua vida e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade; f) Responsabilidade parental – a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres para com a criança e o jovem; (…) h) Prevalência da família – na promoção dos direitos e na proteção da criança e do jovem deve ser dada prevalência às medidas que os integrem em família, quer na sua família biológica, quer promovendo a sua adoção ou outra forma de integração familiar estável; (…) k) Subsidiariedade – a intervenção deve ser efetuada sucessivamente pelas entidades com competência em matéria da infância e juventude, pelas comissões de proteção de crianças e jovens e, em última instância, pelos tribunais» ([11]). São permitidas as seguintes medidas de proteção, referidas no art.º 35.º: «a) Apoio junto dos pais; b) Apoio junto de outro familiar; c) Confiança a pessoa idónea; d) Apoio para a autonomia de vida; e) Acolhimento familiar; f) Acolhimento residencial; g) Confiança a pessoa selecionada para a adoção, a família de acolhimento ou a instituição com vista à adoção.» ([12]). Dir-se-á, então, que a decisão aqui recorrida (a de aplicação da medida) é datada de 21/10/2024, reportando-se a Recorrente a algo que ocorreu “no dia 10.10.2024”, ou seja onze dias antes da decisão. Por isso, a decisão reveste-se, logicamente, de atualidade, ao contrário do invocado pela Apelante, até em relação a tal data de “10.10.2024”. Nem pode acompanhar-se, mais uma vez, a (eventual) insinuação de parcialidade ou má vontade das técnicas, profissionais em exercício de funções, em relação às quais as provas dos autos em nada desabonam (apenas a alegação da Recorrente, mas essa não faz prova). Donde, pois, a improcedência da argumentação em contrário da parte impugnante.
2. - Da violação dos princípios da proporcionalidade e da prevalência do superior interesse do menor Refere a Recorrente que: - «Ao longo dos meses em que o menor esteve com a sua Mãe e a sua Bisavó os laços familiares intensificaram-se fortemente, como assim era desejável, assim como desenvolveu amizade com familiares e vizinhos»; - «Revertendo a decisão que ia permitindo desenvolver os laços familiares o Tribunal decretou ainda que “as visitas dos progenitores e de outros familiares da criança não são por enquanto autorizadas, tendo de se aclimatar novamente a criança ao ambiente”; - importando, ao invés, salvaguardar «o verdadeiro interesse do menor, que é o crescimento do mesmo no seio da sua família». Ora, dos factos provados resulta que ocorreu regressão significativa do menor desde que passou a residir de novo com a mãe (em casa da bisavó materna) [facto 3]. A criança mostra-se irrequieta em casa, não acatando imposições e limites [facto 4]. A casa onde residia com a mãe, em 10/10/2024, apresentava-se pelo modo descrito nos factos 6 e 7, em ambiente de marcado deficit de limpeza e higiene. Nem a mãe, nem o pai, nem a bisavó materna mostram condições – económicas, psicológicas e de saúde/vitalidade – para cumprirem adequadamente as obrigações os cuidados de que carece um menor daquela idade [factos 10 a 13]. Compreende-se, assim, atenta até a idade do menor e as vicissitudes da sua envolvente familiar e habitacional, a conclusão cautelar constante da fundamentação jurídica da sentença de aplicação/alteração de medida provisória/temporária: «Nenhum destes familiares cumpriu integralmente as obrigações e deveres consignados no dito acórdão para que pudesse ter êxito a medida de apoio junto dos pais, concretamente junto da mãe, com supervisão da avó materna desta, continuando a CC a fazer o que lhe apraz, o pai a embriagar-se e a causar mau ambiente quando junto da criança e a bisavó da criança a mostrar não ter capacidade para ser figura de retaguarda da mãe, não conseguindo controlar os impulsos desta, nem do neto, nem manter ordem e higiene na casa.». Daí o entendimento no sentido de que «(…) o menor em causa, AA, nascido em ../../2019, se encontra em situação de perigo actual para a sua educação, higiene e segurança, se continuar a residir com a mãe, que não revela adequadas capacidades parentais, em casa da bisavó do menor, que não consegue manter a família e a casa em ordem, sem qualquer ajuda económica do pai, que também não revela adequadas capacidades parentais (…)». Num tal contexto – que também perspetivamos –, não se vê, com todo o respeito devido, que outra medida cautelar/provisória menos gravosa pudesse aplicar-se, antes importando que o menor fosse temporariamente confiado a quem pudesse cuidar/tratar dele adequadamente, afastando a aludida “situação de perigo atual” em que se encontrava, como qualquer criança merece que lhe aconteça, de molde a poder beneficiar de uma esfera segura, que lhe permita desenvolver as suas potencialidades e, desde logo, não estar sujeito aos perigos aludidos, que se poderiam transformar em danos. Ora, são esses danos que o superior interesse da criança impõe que, preventivamente, se evitem ([13]), no caso através de medidas provisórias adequadas, se necessário através do afastamento temporário da família, a qual, lamentavelmente, não mostra condição, por agora, para cumprir adequadamente os seus deveres para com o menor. E é essa promoção – pelo lado positivo – de condições para um adequado desenvolvimento integral que ao Estado cumpre garantir, no seio da família, se possível, ou em esfera alternativa temporária segura, se necessário. Essa necessidade mostra-se presente in casu e a medida adotada comporta adequação perante os contornos da situação e as necessidades do menor. Por isso, foram observados os ditos princípios essenciais da proporcionalidade e da prevalência do superior interesse do menor. Assim, nada há a censurar à decisão em crise, a dever ser mantida. Improcede, pois, a apelação.
*** IV – Concluindo (cfr. art.º 663.º, n.º 7, do NCPCiv.):
*** V – Decisão Pelo exposto e ao abrigo do disposto no art.º 656.º do NCPCiv., julgando-se improcedente a apelação, mantém-se a decisão recorrida. Custas da apelação pela Recorrente (vencida no recurso).
Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior). Assinatura eletrónica.
18/01/2025
Vítor Amaral (relator)
([5]) É pacífico o entendimento de que a fundamentação insuficiente ou deficiente da sentença não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, mas apenas a falta absoluta da respetiva fundamentação. Com efeito, a causa de nulidade referida na al. b) do n.º 1 do dito art.º 668.º (atual art.º 615.º do NCPCiv.) ocorre quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido, mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão, violando o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (cfr. art.º 208.º, n.º 1, CRPort., e art.º 158.º, n.º 1, do CPCiv. aplicável). Como refere, a este propósito, Teixeira de Sousa – cfr. “Estudos sobre o Processo Civil”, pág. 221 –, “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”. Também Lebre de Freitas – cfr. Código de Processo Civil, pág. 297 – esclarece que “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação”. Por sua vez, Alberto dos Reis já ensinava – cfr. Código de Processo Civil Anotado, vol. V, pág. 140 – que deve distinguir-se “a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto”. ([9]) Como vem entendendo a jurisprudência dominante do STJ, “no âmbito do recurso de impugnação da decisão da matéria de facto, não cabe despacho de convite ao aperfeiçoamento das respectivas alegações” – cfr. Ac. STJ de 09/02/2012, Proc. 1858/06.5TBMFR.L1.S1 (Cons. Abrantes Geraldes), disponível em www.dgsi.pt, com itálico aditado, bem como demais jurisprudência ali citada. No mesmo sentido, à luz do NCPCiv., cfr. Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, cit., ps. 127 e seg.. |