Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | ARLINDO OLIVEIRA | ||
Descritores: | AÇÃO ESPECIAL PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS AUTORIDADE DO CASO JULGADO DEMONSTRAÇÃO DA EXISTÊNCIA DO CRÉDITO EM ANTERIOR INSOLVÊNCIA FACTOS ASSENTES | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 09/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMPETÊNCIA GENÉRICA DA MARINHA GRANDE DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LEIRIA | ||
Texto Integral: | S | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 581.º, N.º 1, E 611.º, N.º 1, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário: | I – Instaurada ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contrato, ocorre vinculação à autoridade do caso julgado em relação a uma anterior decisão, proferida em processo de insolvência da ré, pela qual foi julgada demonstrada a existência do respetivo crédito (o peticionado na ação de cumprimento). II – Em tal caso, é de ter como assentes na ação de cumprimento os factos dados por provados naqueles autos de insolvência. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Relator: Arlindo Oliveira Adjuntos: Paulo Correia José Avelino Gonçalves
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra
A..., A. S., sociedade de direito da República Checa, com sede em ... 4, na ..., ... ... registada sob o número ...10, com o número fiscal CZ ...10, Instaurou a presente acção especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contracto contra: B..., UNIPESSOAL, LDA., pessoa coletiva n.º ...52, sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada, com sede na Rua ..., ... - ..., ... .... * Alega, em apertada síntese, que, no exercício da sua actividade, forneceu bens à ré, segundo os preços e condições de venda que pratica e após acordo nesse sentido entre as duas sociedades, dezenas de milhares de litros de combustível, gasóleo e portagens. A ré ficou obrigada a pagar o respectivo preço, o que não fez até à presente data, tendo liquidado apenas a quantia de € 4.226,37, sendo que ao indicado valor acrescem juros de mora vencidos e vincendos, sendo que o valor de juros já vencidos, liquidados até 27 de Junho de 2023, ascendem a €556,16. Assim, e a final, peticiona a condenação da ré no pagamento da quantia de €5.211,09 (cinco mil duzentos e onze euros e nove cêntimos) a título de capital; a quantia de €556,16 (quinhentos e cinquenta e seis euros e dezasseis cêntimos) a título de juros vencidos até 27 de Junho de 2023; e pagar os juros de mora que se vierem a vencer após 28 de Junho de 2023. * Regularmente citada, a ré deduziu contestação, sufragando que os fornecimentos de combustível cujo pagamento a autora reclama não foram feitos pela ré, nem dizem respeito aos seus veículos, porquanto terá existido uma clonagem de cartões. * Por despacho datado de 15.02.2024, sob a ref.ª 106335332, oficiou-se aos autos de Processo n.º 1561/23.... solicitando-se o envio de certidão da Sentença proferida, com nota de trânsito em julgado. * Por despacho datado de 14.03.2024, sob a ref.ª 106636950, e atendendo ao teor da certidão junta referente aos autos de Processo n.º 1561/23...., foram as partes convidadas a pronunciar-se quanto à verificação da excepção de autoridade de caso julgado, tendo as partes emitido pronúncia, sob os requerimentos constantes sob as refªs. 10630763, de 19.03.2024 e 10639110, de 21.03.2024. * Foi conhecida e julgada verificada a existência da excepção de autoridade de caso julgado com a Decisão, factos e fundamentação do Processo n.º 1561/23...., nos termos supra explanados, vindo, em consequência, a decidir-se, quanto a tal, o seguinte: “Perante o exposto, verifica-se a existência de caso julgado material, isto é, autoridade de caso julgado, quanto à matéria em discussão nos presentes autos o que se declara - devendo atender-se aos factos e fundamentação (de facto e de direito) constante do Processo n.º 1561/23.....”.
Na sequência do que, nos presentes autos, sem realização da audiência de discussão e julgamento, se deu por provada a factualidade dada por provada na supra referida acção de insolvência, e a final, se decidiu o seguinte: Em face do exposto, decide-se: “I. Condenar a ré B..., Unipessoal, Lda. a pagar à autora A..., A. S a quantia de €5.211,09 (cinco mil duzentos e onze euros e nove cêntimos), a que acresce o montante devido a título de juros de mora vencidos, à taxa legal de 4%, que até ao dia 27 de Junho de 2023, se cifram em €556,16 (quinhentos e cinquenta e seis euros e dezasseis cêntimos) e juros moratórios vincendos até efectivo e integral pagamento. II. Condenar a ré no pagamento das custas da acção. III. Valor da causa: €5.767,25 (cinco mil setecentos e sessenta e sete euros e vinte e cinco cêntimos).”.
Inconformada com a mesma, interpôs recurso a ré B..., L.da, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida, imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 71), finalizando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões: 1- Não se verifica a existência de caso julgado, porque as causas de pedir e os pedidos são diferentes nas duas referidas ações; 2- Não podem ser dados como provadas nestes autos, os fatos referentes à acção de insolvência; 3- Só revogando a sentença, recorrida, ordenando o prosseguimento dos autos, considerando a recusa da A. em juntar as fotografias para que foi notificada, se fará justiça.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Dispensados os vistos legais, há que decidir. Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se se verifica a autoridade de caso julgado, relativamente à matéria em discussão nos presentes autos, em virtude do decidido nos autos de insolvência que correu termos no Juízo de Comércio ..., com o n.º 1561/23...., designadamente se aqui se devem ter por assentes os factos ali dados por provados.
A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório que antecede.
Se se verifica a autoridade de caso julgado, relativamente à matéria em discussão nos presentes autos, em virtude do decidido nos autos de insolvência que correu termos no Juízo de Comércio ..., com o n.º 1561/23...., designadamente se aqui se devem ter por assentes os factos ali dados por provados. Como resulta do relatório que antecede, a recorrente insurge-se contra o teor da decisão recorrida, com o fundamento em que a causa de pedir e o pedido não são os mesmos, porquanto na acção de insolvência estava em causa apurar a solvabilidade da ali requerida e estando insolvente que tal se reconhecesse, ao passo que nos presentes autos se trata de apurar se a autora detém sobre a ré o invocado crédito, proveniente dos alegados fornecimentos de combustível que lhe efectuou e que não foram pagos. Como referido, na decisão recorrida considerou-se que se verifica a autoridade de caso julgado, quanto à existência de tal crédito, que resulta demonstrado na anterior acção de insolvência, em face da factualidade que ali foi tida por assente e não provada.
Como sabido, visa a “exceção de caso julgado” evitar que o órgão jurisdicional contrarie na decisão posterior o sentido da decisão anterior ou repita na decisão posterior o conteúdo da decisão anterior; garantindo assim aos particulares o mínimo de certeza e de segurança jurídicas indispensáveis à vida de relação, razão pela qual o que essencialmente se exige, em nome do caso julgado, é que os tribunais respeitem a decisão já proferida, não julgando a questão de novo. Garante-se, portanto, a impossibilidade do tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira diferente e a inviabilidade do tribunal decidir sobre o mesmo objeto duas vezes de maneira idêntica, uma vez que a finalidade dum processo não se esgota na definição do direito/justiça do caso concreto, tendo também em vista conferir certeza/segurança jurídicas e paz social, essenciais à vida em sociedade; certeza/segurança jurídicas e paz social que nunca aconteceriam se, proferida uma decisão, esgotada a possibilidade de interpor recurso de tal decisão, a parte vencida pudesse suscitar nova e sucessivamente a questão antes decidida. Há pois caso julgado quando se repete uma causa, sendo que há a “repetição da causa” quando há identidade de sujeitos, identidade do pedido e também da causa de pedir (cfr. art. 581.º/1 do CPC). Identidade de sujeitos que reside no facto de as partes serem as mesmas nas duas ações sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica. Identidade da causa de pedir que existe quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico, identidade que tem de ser procurada não relativamente às demandas formuladas, mas na questão fundamental levantada nas duas ações; pelo que, tendo a nossa lei adotado a chamada teoria da substanciação, se exige sempre a indicação do título ou facto jurídico em que se baseia o direito do autor. Identidade do pedido que tem de ser apreciada não só em relação ao que se pede nas duas ações mas também em relação ao que se alega a respeito da questão fundamental que comanda o pedido das ações. E se, quanto à identidade de sujeitos, nenhumas especiais dificuldades normalmente se suscitam, não é sempre com a mesma facilidade que se percebe a identidade nos elementos objetivos (causa de pedir e pedido). Assim, a propósito dos limites objetivos do caso julgado, não será demais referir que desde há muito que a conceção/sistema restrito do caso julgado se foi impondo quer na doutrina quer na jurisprudência, ou seja, hoje, não é sustentável dizer que qualquer fundamento fica pelo trânsito em julgado indiscutível (sistema amplo do caso julgado), devendo antes ser dito, como regra, que só a decisão tem foros de indiscutibilidade, sendo tudo o mais (todos os seus fundamentos) discutível (sistema restrito). Porém, o que se diz como regra (só ter a sentença força de caso julgado na parte decisória e não nos motivos) é algo que não tem uma rigidez absoluta, distinguindo-se, tendo como ponto de partida tal regra (própria dum sistema restritivo puro), hipóteses em que os fundamentos têm força de caso julgado e hipóteses em que não têm[1]. Verdadeiramente, hoje, em termos de limites objetivos do caso julgado, impera a ideia pragmática do “in medio virtus”[2]: o sistema restritivo adotado acaba por ser apenas “pseudo-restritivo” ou, mais exatamente, um sistema intermédio[3]. Efetivamente, de modos diversos e com mais ou menos nuances (de linguagem), diz-se repetidamente que a decisão e fundamentos constituem um todo único; que toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), pelo que o respetivo caso julgado se encontra sempre referenciado a certos fundamentos; que reconhecer que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha com esse valor, por si mesma e independentemente dos respetivos fundamentos; enfim, que não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário que adquire o valor de caso julgado, mas o próprio silogismo no seu todo; que o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos dessa decisão[4]. “Em regra, o caso julgado não se estende aos fundamentos de facto da decisão; mais exatamente, os fundamentos não adquirem valor de caso julgado quando são autonomizados da respetiva decisão judicial; não são vinculativos quando desligados da respetiva decisão. Mas valem (os fundamentos) enquanto fundamentos da decisão e em conjunto com esta[5]”. Enfim, repetindo, os pressupostos da decisão (de facto e de direito[6]) estão cobertos pelo caso julgado enquanto pressupostos da decisão – caso julgado relativo – ou seja, a força de caso julgado alarga-se aos pressupostos enquanto tais[7]: o que está em causa no caso julgado é o raciocínio como um todo e não cada um dos seus elementos; e só o raciocínio como um todo faz caso julgado. Mas mais – e relacionado com esta ideia dos fundamentos, enquanto tal (ligados ao decidido), adquirirem valor de res judicata – o caso julgado também possui um valor enunciativo, ou seja, a eficácia do caso julgado exclui toda a situação contraditória ou incompatível com aquela que ficou definida na decisão transitada, ficando afastado todo o efeito incompatível, isto é, todo aquele efeito que seja excluído pelo que foi definido na decisão transitada.[8] Mais ainda, os fundamentos podem possuir um valor próprio de caso julgado sempre que haja que respeitar e observar certas conexões entre o objeto decidido e um outro objeto; conexões que podem ser, designadamente, de prejudicialidade, o que significa, por ex., que, se numa compra e venda o comprador obtém a redução do preço atendendo aos defeitos da coisa, não pode questionar a validade do contrato em ação em que o vendedor requeira que ele lhe pague a quantia em dívida. E ainda o que resulta do que é normalmente chamado de “efeito preclusivo”; que designa o efeito da sentença segundo o qual não se pode formular a mesma solicitação processual no futuro com base em factos não supervenientes ao momento do encerramento da discussão em 1.ª instância (art. 611.º/1 do CPC)[9]. Podendo referir-se, neste ponto, que “o âmbito da preclusão é substancialmente distinto para o autor e para o réu. Quanto ao autor, a preclusão é definida exclusivamente pelo caso julgado: só ficam precludidos os factos que se referem ao objeto apreciado e decidido na sentença transitada. Assim, não está abrangida por essa preclusão a invocação de uma outra causa de pedir para o mesmo pedido, pelo que o autor não está impedido de obter a procedência da ação com base numa distinta causa de pedir. (…). Quanto ao âmbito da preclusão que afeta o réu, há que considerar que lhe incumbe o ónus de apresentar toda a defesa na contestação (art. 498.º/1), pelo que a preclusão que o atinge é independente do caso julgado: ficam precludidos todos os factos que podiam ter sido invocados como fundamento dessa contestação, tenham ou não qualquer relação com a defesa apresentada e, por isso, com aquela que foi apreciada pelo tribunal.”[10] O que significa – é o sentido do efeito preclusivo para um réu – que os contra-direitos que um réu possa fazer valer – e não fez – são ininvocáveis contra o caso julgado; que este abrange aquilo que foi objeto de controvérsia e ainda os assuntos que o réu tinha o ónus de trazer à colação, estando neste último caso todos os meios de defesa do réu; que a indiscutibilidade duma questão, o seu carácter de res judicata, pode resultar tanto duma investigação judicial, como do não cumprimento dum ónus que acarrete consigo por força da lei esse efeito[11]. É, na síntese clássica, a regra do “tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debetat”. E é chegado a este ponto da compreensão dos limites objetivos do caso julgado – nos meandros das situações incompatíveis, de prejudicialidade e do chamado efeito preclusivo – que emerge a “figura” da autoridade de caso julgado e os exemplos de escola (e jurisprudenciais) da verificação da “autoridade de caso julgado”. Como exceção dilatória, visa o caso julgado (material) prevenir, como já se referiu, a possibilidade de prolação de decisões judiciais contraditórias com o mesmo objeto (efeito impeditivo e função negativa); como autoridade de caso julgado, garante a vinculação dos órgãos jurisdicionais e o acatamento pelos particulares de uma decisão anterior (efeito vinculativo e função positiva). Quando o objeto processual antecedente é repetido no objeto processual subsequente, o caso julgado da decisão anterior releva como exceção de caso julgado no processo posterior; quando o objeto processual anterior funciona como condição para a apreciação do objeto processual posterior, o caso julgado da decisão antecedente releva como autoridade de caso julgado material no processo instaurado em 2.º lugar[12]. Daí que a exceção do caso julgado pressuponha a identidade de sujeitos, de pedido e de causa de pedir; enquanto, naturalmente, a autoridade do caso julgado dispensa tal tríplice identidade[13]. Porém, tal dispensa não significa um não confinamento da “figura” do alcance e da autoridade do caso julgado àquelas situações em que a sentença reconhece, no todo ou em parte, um concreto direito do A., assim fazendo precludir todos os meios de defesa do R., os concretamente deduzidos e até os abstratamente dedutíveis com base em direito próprio; ou àquelas situações em que a sentença, ao reconhecer um direito, constitui um pressuposto ou condição de julgamento de um outro objeto ou prejudica/exclui a invocação de direitos contraditórios e incompatíveis[14].
No caso em apreço, a recorrente, entende que se trata de diferentes causas de pedir e pedidos, com o fundamento, acima já mencionado, de serem diferentes os fins visados em cada um dos processos em questão: solvabilidade da requerida e existência do alegado crédito, respectivamente, visando a requerida, nestes autos, invocar meios de defesa que não invocou no processo de insolvência, designadamente a questão do “sistema de segurança” e notificação da autora para juntar aos autos as fotografias dos veículos abastecidos.
Como já se referiu, entre a causa de pedir e a pretensão processual existe um nexo de individualização caracterizado pela reciprocidade: a causa de pedir individualiza a pretensão e a pretensão delimitada a causa de pedir, estabelecendo-se entra ambas uma relação de implicação mútua [15]. Daí o dizer-se, como também já se referiu, que “é a resposta dada na sentença à pretensão do A., delimitada em função da causa de pedir, que a lei pretende seja respeitada através da força e autoridade do caso julgado”[16]; ou, por outras palavras, que a eficácia do caso julgado apenas cobre a resposta injuntiva do tribunal à pretensão do A., concretizada no pedido e limitada através da respetiva causa de pedir; ou, ainda, que o que adquire o valor de caso julgado é o silogismo/raciocínio judiciário no seu todo, que o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge esses fundamentos enquanto pressupostos dessa decisão. Como se salienta na sentença recorrida, o que está em causa nestes autos é apurar se a autora detém ou não o invocado direito de crédito sobre a ré. Ora, analisando a matéria de facto dada como provada nos itens 1 a 9 da acção de insolvência, conjugada com a ali dada como não provada e descrita na respectiva alínea d), tal questão já se mostra decidida, no sentido de que, efectivamente, a aqui autora detém tal crédito sobre a ré, pelo que, nos termos expostos, não se pode, agora, de novo, discutir judicialmente tal questão. A ordem jurídica já se pronunciou quanto a tal, em termos que vinculam as ora partes, por força da autoridade de caso julgado formado em resultado da prolação da sentença proferida nos autos de insolvência supra referidos. O que a ré refere quanto à existência do sistema de segurança em nada contende com esta conclusão. Trata-se apenas de um argumento com vista a que tais fornecimentos não se tivessem por existentes, mas tal questão já se mostra decidida na anterior decisão. De igual modo, irreleva a questão da junção das fotografias. As mesmas apenas serviriam de meio de prova, relativamente a uma questão que já se mostra decidida, com trânsito em julgado. Impõe-se, pois, manter a decisão recorrida e julgar improcedente a apelação.
Nestes termos se decide: Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida. Custas pela apelante. Coimbra, 10 de Setembro de 2024
[1] A dificuldade – como refere o Prof. Castro Mendes, in Limites Objetivos do Caso Julgado em Processo Civil, pág. 121 e ss. – está “em estabelecer a distinção em bases científicas sem empurrar a questão para uma casuísmo necessariamente arbitrário”. [2] Efetivamente, a conceção/sistema restrito (da sentença só ter força de caso julgado na parte decisiva e não nos fundamentos) leva a conclusões duvidosas e em última análise insatisfatórias (como resulta dos inúmeros exemplos citados por Castro Mendes, obra citada, pág. 143). [3] Como observou – há mais de 50 anos, mas com inteira atualidade – o Prof. Castro Mendes (obra citada, pág. 133), mesmo aqueles (Dias Ferreira) que diziam que “a sentença só tem força de caso julgado na parte decisiva e não nos motivos, considerandos ou enunciações”, não deixavam de acrescentar “excepto quando os considerandos estejam relacionados com a decisão por forma que com ela formem um todo indivisível”. Do mesmo modo a jurisprudência que “aceita a regra segundo a qual o caso julgado não se alarga aos fundamentos da decisão”, logo acrescentado “que o CPC admite a decisão implícita, como consequência necessária do julgamento expressamente proferido e já transitado, constituindo problema de interpretação da sentença saber se nela há um fundamento implícito”. [4] Seguimos de perto Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, pág. 578. [7] O Prof. Antunes Varela – Manual de Processo, 1.ª ed., pág. 693 e ss. – parece ser um pouco mais restritivo, na medida em que apenas diz que “é a resposta dada na sentença à pretensão do A., delimitada em função da causa de pedir, que a lei pretende que seja respeitada através da força e autoridade do caso julgado”; e que “a força do caso julgado não se estende, por conseguinte, aos fundamentos da sentença, que no corpo desta se situam entre o relatório e a decisão final”; porém, mais à frente não deixa de reconhecer que “reveste o maior interesse, para a delimitação do caso julgado, a fixação do sentido e, sobretudo, do alcance dessa resposta contida na decisão final”; e que “é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado” [8] Miguel Teixeira de Sousa, obra citada, em que ilustra o referido com os seguintes exemplos: Se o R. é condenado, como devedor, a cumprir uma prestação ao A., aquele não pode demandar este último pedindo a restituição, com base no enriquecimento sem causa, da quantia paga; se o R. é condenado a entregar uma coisa ao A., aquele não pode instaurar uma acção pedindo a restituição da mesma coisa. [9] A sentença condenatória corresponde à situação existente no momento do encerramento da discussão nos termos do art. 611.º/1 do CPC. [11] E a indiscutibilidade não pode ser posta em causa invocando argumentos, factos ou razões que o efeito preclusivo cobriu. - Prof. Castro Mendes, obra citada, pág. 186. [12] A exceção do caso julgado encerra a vertente negativa, em ordem a evitar a repetição de ações; a autoridade do caso julgado traduz a vertente positiva, no sentido de imposição externa da decisão tomada. [14] São elucidativos os exemplos em que tal “figura” se considera normalmente como verificada: Se uma decisão reconhece o direito de propriedade sobre uma parcela de terreno e condena o R. à sua restituição e à demolição da construção que na mesma efetuou, não pode o R. – por força da autoridade do caso julgado da primeira decisão – em nova ação, ainda que com fundamento em acessão industrial imobiliária, pedir o reconhecimento do direito de propriedade sobre a mesma parcela de terreno; apesar de não se verificar a exceção dilatória do caso julgado, atenta a diversidade da causa de pedir, a segurança e a certeza jurídica decorrentes do trânsito em julgado da primeira decisão obstam a que, em nova ação, se questione o direito de propriedade e as obrigações de restituição e de demolição reconhecidas na primeira ação com base numa realidade que já se verificava aquando da primeira ação e que aí poderia/deveria ter sido invocada pelo R. (quer para impedir a procedência da ação, quer para sustentar, em sede reconvencional, o direito potestativo de acessão imobiliária. Se uma decisão condena no pagamento de uma indemnização, não pode aquele que é ali condenado vir pedir, com base no enriquecimento sem causa, a restituição da quantia paga; impedimento esse que resulta, não da exceção de caso julgado (face à diversidade das causa de pedir), mas da autoridade de caso julgado formado pela primitiva ação/decisão. Se uma decisão condena no preço (duma compra e venda) duma coisa, não pode o condenado, em posterior ação, vir invocar vício invalidante de tal compra e venda; impedimento que também resulta da autoridade de caso julgado formado pela primitiva ação/decisão. Se numa ação de reivindicação se reconhece a propriedade, tal vale como autoridade de caso julgado num processo posterior em que o proprietário requer a condenação da contraparte no pagamento duma indemnização pela ocupação indevida do imóvel. |