Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1145/14.5TBLRA-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
ENCERRAMENTO DO PROCESSO
BENS
EXONERAÇÃO DO PASSIVO
LIQUIDAÇÃO
Data do Acordão: 06/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA, LEIRIA, INSTÂNCIA CENTRAL – 1.ª SECÇÃO DE COMÉRCIO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ALÍNEA A), DO N.º 1 DO ARTIGO 230.º DO CIRE
Sumário: Só se deve declarar o encerramento do processo de insolvência no despacho liminar de deferimento do pedido de exoneração do passivo restante, se inexistirem bens a liquidar; existindo estes e não estando concluída a respectiva liquidação, não se pode declarar o encerramento do processo de insolvência, antes de concluída a liquidação.
Decisão Texto Integral:

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

           

A... , já identificada nos autos, apresentou-se à insolvência e requereu lhe fosse concedida a exoneração do passivo restante.

No seguimento do pedido por si formulado, veio a requerente a ser declarada insolvente.

Conforme Acta da Assembleia de Credores, junta de fl.s 2 a 5, ocorrida em 12 de Maio de 2014, conforme despacho ali proferido, determinou-se que os autos prosseguiriam para a liquidação do activo (constituído por um imóvel e um veículo, como se refere a fl.s 14), como proposto pelo Sr. Administrador e no concernente à pretendida exoneração do passivo restante, foi ordenada a notificação da requerente para que comprovasse, documentalmente, a condição de estudantes de seus filhos e bem assim fizesse prova da respectiva filiação.

Após o que, cf.. decisão, aqui junta de fl.s 6 a 13, proferida em 24 de Novembro de 2014, foi liminarmente admitido o já referido pedido de exoneração do passivo restante e foi fixada a quantia a excluir da cessão e as obrigações a que ficava sujeita a devedora, durante o período da cessão.

Através do requerimento aqui junto de fl.s 37 a 39, que deu entrada em juízo no dia 20 de Outubro de 2015, veio a ora recorrente requerer que fosse encerrado o processo de insolvência, nos termos do disposto no artigo 230.º, n.º 1, al. e), do CIRE, com o consequente início do período da cessão e com o prosseguimento da liquidação.

Alegando, para tal e em resumo, que tal encerramento deve ser declarado no despacho inicial de exoneração do passivo, nos termos do referido preceito, sob pena de a liquidação se poder arrastar por anos, sem que se declare o encerramento e se inicie o período da cessão, com prejuízos para o devedor e para os credores.

Conclusos os autos ao M.mo Juiz a quo, foi proferida a decisão, aqui junta de fl.s 14 a 17, (aqui recorrida), na qual se indeferiu a pretensão da requerente, com o fundamento em que, resumidamente, só se deve declarar o encerramento do processo de insolvência no despacho liminar de deferimento do pedido de exoneração do passivo restante, se inexistirem bens a liquidar; existindo estes e não estando concluída a respectiva liquidação, não se pode declarar o encerramento do processo de insolvência, antes de concluída a liquidação, nos termos do disposto na alínea a), do n.º 1 do artigo 230.º do CIRE, nos termos gerais em que está previsto o encerramento do processo de insolvência.

Conforme despacho aqui junto a fl.s 32, proferido em 04 de Fevereiro de 2016, nesta data, é que se declarou finda a liquidação e se ordenou ao Sr. Administrador que apresentasse contas.

Inconformada com a decisão de fl.s 14 a 17, interpôs recurso a requerente A... , recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho, aqui junto a fl.s 32), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1. O CIRE actual encontra-se alterado pela Lei 16/2012, resultando da proposta de lei, foi intenção do legislador, com a revisão do regime insolvencial, prosseguir, entre outros objectivos, (...) designadamente, a simplificação de procedimentos, o ajustamento de prazos que, em muitos casos, se mostravam demasiadamente alargados, a possibilidade de adaptação do processo ao caso concreto, o reforço das competências do juiz em termos de gestão processual

2. De acordo com os objectivos da revisão, constata-se que, ao art.º 230°, n.º1, foi acrescentada a alínea e), que dispõe que, deve o processo ser encerrado, (...) e) - Quando este ainda não haja sido declarado, no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante referido na alínea b) do artigo 237.º

3. Com esta alteração, o legislador, entendeu que, deve ser declarado o encerramento no despacho inicial de exoneração do passivo.

4. O que se compreende facilmente, uma vez que, não são raros os casos em que, a liquidação se arrasta por anos e, sem que seja declarado o encerramento, não haveria possibilidade de iniciar o período de cessão.

5. Por esta razão, que entendem os requerentes levou o legislador a alterar a Lei, não pode, deixar de se considerar que passou a ser dever do juiz, declarar o encerramento do processo, a quando da prolação do despacho inicial de exoneração, nos termos da alínea e) do nº1 do CIRE

6. Assim, de harmonia com o disposto no art.º 230 °, n.ºs 1 al. e), do CIRE, não tendo sido declarado o encerramento no despacho inicial de exoneração do passivo, cumpre declarar o encerramento do processo.

Termos em que, nos melhores de Direito e sempre com o Mui. Douto Suprimento de Vossa Exa. requer, seja alterada a decisão recorrida e substituída por outra que

-Declare encerrado o processo termos do nº 1 da alínea e) do artigo 230 do CIRE e,

-Declare iniciado o período de cessão

Com o que se fará

JUSTIÇA

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigo 635, n.º 4 e 639.º, n.º1, do NCPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se o encerramento do processo de insolvência deveria ter sido decretado no despacho liminar do incidente de exoneração do passivo restante.

A matéria de facto a considerar é a que consta do relatório que antecede.

Se o encerramento do processo de insolvência deveria ter sido decretado no despacho liminar do incidente de exoneração do passivo restante.

Como resulta do exposto, circunscreve-se o objecto do presente recurso à questão de saber se resulta do disposto no artigo 230.º, n.º 1, al. e), do CIRE que o encerramento do processo de insolvência ali previsto é automático; ou seja, se sempre que o encerramento do processo de insolvência ainda não haja sido determinado, o deve ser aquando da prolação do despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante referido no seu artigo 237.º, al. b).

Defende a recorrente que assim é ao passo que na decisão recorrida se perfilhou o entendimento de que aquele preceito deve ser entendido em conjugação com o que, para além dele, no CIRE se estipula acerca do encerramento do processo de insolvência e liquidação da massa insolvente.

Desde já adiantando a solução, somos de opinião que a interpretação mais consentânea com as normas aplicáveis é a perfilhada na decisão recorrida, a qual, por isso, é de manter.

Efectivamente, dispõe-se no artigo 230.º, n.º 1, al.s a) e  e), do CIRE que:

1 - Prosseguindo o processo após a declaração de insolvência, o juiz declara o seu encerramento;

a) Após a realização do rateio final, sem prejuízo do disposto no n.º 6 do artigo 239.º;

(…)

e) Quando este ainda não haja sido declarado, no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante referido na alínea b) do artigo 237.º.

Importa, ainda, ter em consideração o disposto no artigo 182.º, n.º 1, do CIRE, de acordo com o qual só se procede ao rateio final e distribuição do respectivo produto pelos credores (reconhecidos e graduados) após a liquidação da massa insolvente.

Só depois de se saber qual o produto da liquidação é que se pode proceder ao pagamento aos vários credores.

Assim, inexistindo no processo de insolvência o incidente de exoneração do passivo restante, é indubitável que, no respeitante ao encerramento do processo de insolvência, rege o disposto no n.º 1 al. a), do referido artigo 230.º; existindo este incidente, então, terá de ter-se em linha de conta, também, o que se estabelece na sua al. e).

Da conjugação destas alíneas e do citado artigo 182.º, n.º1 que, como vimos, estabelece a regra de que a distribuição e o rateio final só podem ter lugar depois de encerrada a liquidação da massa insolvente, tem de se concluir que mesmo no caso de existência do incidente de exoneração do passivo restante, se já tiver ocorrido a liquidação, pode e deve decretar-se o encerramento do processo de insolvência, nos termos da alínea e); no caso de esta ainda não ter sido concluída, então, já não tem aplicação esta alínea, verificando-se, ao invés, o regime regra – previsto na alínea a) – e, então, haverá que aguardar pelo rateio final, nos termos supra referidos.

Ora, no caso em apreço, uma vez que a liquidação só foi declarada finda em 04 de Fevereiro de 2016, cf. despacho aqui junto a fl.s 33, ou seja, depois de ter sido proferido o despacho liminar do incidente de exoneração do passivo, impunha-se, como se fez na decisão recorrida, não declarar encerrado o processo de insolvência, nessa decisão, havendo que aguardar pela liquidação da massa insolvente.

A interpretação a que se adere é a seguida pela maioria da nossa doutrina, designadamente, Alexandre de Soveral Martins, in Um Curso de Direito da Insolvência, Almedina, 2015, a pág.s 344 e 540 a 542, que ali refere:

“De acordo com o artigo 230.º, 1, e), o juiz declara o encerramento do processo de insolvência no despacho inicial do incidente de exoneração do passivo restante se esse encerramento ainda não tiver sido declarado. No entanto, a letra do preceito, não diz tudo e uma leitura mais apressada conduziria a soluções indesejáveis (…).

O despacho inicial é proferido na assembleia de apreciação do relatório ou nos 10 dias subsequentes (art.239.º,1). Se nesse despacho inicial o juiz decretasse sempre o encerramento do processo quando nessa altura o processo de insolvência ainda não estivesse encerrado, o devedor com bens sairia profundamente beneficiado. Com efeito, o início da venda dos bens só tem lugar, em regra, após a assembleia de apreciação do relatório (art. 158.º, 1). Mas nessa mesma assembleia ou nos 10 dias subsequentes é proferido o despacho inicial, que declararia encerrado o processo. Não haveria assim tempo para proceder à venda de bens do devedor.

Daí que a existência de bens na massa para liquidar impeça que o juiz decrete o encerramento no despacho inicial. E isto apesar do art.230,1, e), que deve por isso ser objecto de interpretação restritiva.

(…)

Se não há insuficiência da massa e há liquidação, o encerramento do processo de insolvência terá lugar após a realização do rateio final (art. 230.º, 1, a). Não faz então qualquer sentido aplicar nessa hipótese o art. 230.º, 1,e)”.

Também Carvalho Fernandes e João Labareda, in CIRE Anotado, 2.ª Edição, Quid Juris, 2013, a pág. 875 e seg.s, referem que:

“tendo sido requerida a exoneração do passivo restante, duas situações podem ocorrer: ou há património actual que deve ser liquidado ou não há. Neste último caso, tanto pode suceder que a inexistência já seja conhecida à data do proferimento do despacho inicial, como não.

Ora, se houver património a liquidar, não se vê como deva – ou possa – o despacho inicial declarar o encerramento do processo de insolvência, o qual só poderá ter lugar após a concretização da liquidação e rateio.”.

Idêntica é a posição defendida por Luís Menezes Leitão, in Direito da Insolvência, 5.ª edição, Almedina, 2013, pág. 273, ao ali escrever que:

“O encerramento do processo de insolvência constitui a fase final do mesmo, pelo que logicamente deverá ocorrer uma vez realizados os fins previstos nesse mesmo processo, a que se refere o art.º 1.º, ou seja, a liquidação do património do devedor e a repartição do respectivo produto pelos seus credores (art.º 230.º, n.º 1, a), ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência”.

Podendo, ainda, ver-se, no mesmo sentido, Catarina Serra, in O Regime Português da Insolvência, pág. 144 e I Congresso de Direito da Insolvência, pág. 49 e Ana Filipa Conceição, ob. ora cit., a pág.s 56 e 57.

Na jurisprudência, podem ver-se, v. g., o Acórdão desta Relação, de 28/10/2014, Processo n.º 2544/12.2TBVIS.C1; do Tribunal da Relação de Guimarães, Processo n.º 498/14.0TBGMR-G.G1 (citado na decisão recorrida); e do Tribunal da Relação de Évora, Processo n.º 5422/10.6TBSTB-H.E1, todos disponíveis no respectivo sítio do itij.

Pelo que e face aos fundamentos expostos, não merece censura a decisão recorrida, sendo, por isso, a mesma, de manter.

Assim, improcede o presente recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Custas pela massa insolvente (artigos 303 e 304.º do CIRE).

Coimbra, 07 de Junho de 2016.

           

Arlindo Oliveira (Relator)
Emidio Francisco Santos
Catarina Gonçalves