Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | HUGO MEIRELES | ||
| Descritores: | PROMOÇÃO E PROTEÇÃO DE CRIANÇAS EM PERIGO SUPERIOR INTERESSE DO MENOR MEDIDA DE APOIO JUNTO DOS AVÓS | ||
| Data do Acordão: | 09/30/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES DE CASTELO BRANCO DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE CASTELO BRANCO | ||
| Texto Integral: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | REVOGADA EM PARTE | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 3.º, 4.º E 35.º, N.º 1, AL.ªS A) E B), DA LEI DE PROTEÇÃO DE CRIANÇAS E JOVENS EM PERIGO (APROVADA PELA LEI N.º 147/99, DE 01-09) | ||
| Sumário: | I – A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo tem como primeiro princípio orientador e estruturante o interesse superior da criança e jovem em perigo.
II – Mostra-se prematura a cessação e substituição da medida de promoção e proteção de apoio junto dos avós, inicialmente aplicada a título cautelar, a duas crianças de 3 e 5 anos, que revelou ser eficaz para promover o bem-estar, a segurança, a saúde e a estabilidade pessoal, familiar e emocional daquelas crianças, sobretudo quando tal medida iniciou a sua execução há apenas seis meses e foi precedida uma medida de colocação (acolhimento residencial) de duração superior a ano. III – A idade das crianças e o circunstancialismo por elas vivenciado aconselha a que se solidifiquem rotinas e se aprofundem os vínculos securizantes que, só recentemente, através do seu enquadramento no agregado familiar dos avós, voltaram a experimentar. (Sumário elaborado pelo Relator) | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam os Juízes na 3ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra
O Ministério Público junto do Juízo de Família e Crianças da Comarca de Castelo Branco requereu abertura de processo judicial de Promoção e Proteção, em 19 de setembro de 2023, no interesse e em benefício de: - AA e BB, nascidos, respetivamente, em ../../2019 e em ../../2022, filhos de CC e DD; - EE e FF, nascidas, respetivamente, a ../../2006 e a ../../2008, filhas de GG e da aludida DD. Alegou, em síntese, o seguinte: - As crianças e as jovens foram sinalizadas, em junho de 2023, à CPCJ de Castelo Branco, pela GNR ..., por a progenitora daquelas, no dia 16/06/2023, cerca das 00:00 horas, no interior da casa de morada de família, sita em ... – ..., ali haver agredido fisicamente a filha EE, com puxões de cabelo, a murro e pontapés, atirando-a ao chão. A filha EE foi chamada, ainda, pela mãe, de merda, puta e porca. - Na altura, a progenitora das crianças e jovens estaria alcoolizada. - A progenitora das crianças e jovens é consumidora habitual de bebidas alcoólicas, bem assim, de produtos estupefacientes, segundo as filhas. - Tal factualidade deu origem ao inquérito criminal n.º 176/23...., da Procuradoria da República do Juízo Local Criminal de Castelo Branco, o qual foi suspenso provisoriamente, com o cumprimento, pela progenitora das jovens, de determinadas injunções, sendo que, por despacho datado de 30/09/2024, foi ordenado o seu arquivamento. - Anteriormente, no dia 06/02/2023, as crianças AA e BB já haviam sido sinalizadas, à CPCJ de Castelo Branco, devido à ocorrência de situações de violência doméstica, ocorridas entre os seus progenitores, sendo que, no dia 04/02/2023, cerca das 12:00 horas, em ... – ..., estes ter-se-ão agredido mútua e fisicamente. - No dia 31/05/2023, na CPCJ de Castelo Branco, foi celebrado acordo de promoção e proteção, relativo às crianças AA e BB, tendo sido aplicada, em benefício destes, a medida de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe, DD. - Nos dias 20/06/2023, 21/06/2023 e 22/06/2023, na CPCJ de Castelo Branco, foi celebrado acordo de promoção e proteção, relativos às crianças AA e BB, bem assim, relativo às jovens EE e FF, tendo sido aplicada, em benefício de todos, a medida de apoio junto dos pais, na pessoa do respetivo progenitor. - No dia 21/06/2023, a progenitora das crianças e jovens foi conduzida ao departamento de psiquiatria do HAL, sito nesta cidade de Castelo Branco, devido a alegada tentativa de suicídio e a forte instabilidade emocional da mesma. - A CPCJ de Castelo Branco remeteu os presentes autos de promoção e proteção à Procuradoria da República, junto do Juízo de Família e Menores de Castelo Branco, para efeitos de instauração do presente processo judicial de promoção e proteção. * Por sentença datada de 25/10/2023, proferida nestes autos, foi homologado acordo de promoção e proteção relativamente às crianças e jovens, tendo sido aplicada em beneficio de AA e BB, a medida de apoio junto dos pais, na pessoa do progenitor, pelo prazo de um ano revista semestralmente, e a medida de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe, relativamente às jovens EE e FF, pelo período de um ano revista semestralmente. * Por despacho judicial, datado de 20/02/2024, proferido nos presentes autos, a título cautelar, em benefício das crianças AA e BB, foi aplicada a medida de acolhimento residencial e, em benefício da jovem EE, a medida de confiança a pessoa idónea – HH. Relativamente à jovem FF foi mantida a medida de apoio junto dos pais, na pessoa da progenitora. * Por sentença datada de 26/06/2024, proferida nos presentes autos, foi homologado acordo de promoção e proteção que aplicou, em benefício das crianças AA e BB, a medida de acolhimento residencial, pelo prazo de três meses e, em benefício da jovem EE, a medida de confiança a pessoa idónea – HH, até aquela atingir a maioridade, o que ocorreu no dia 26/10/2024. Relativamente à jovem FF foi mantida a medida de apoio junto dos pais, na pessoa da progenitora. * Por decisão judicial datada de 13/03/2025, proferida nos presentes autos, a título cautelar, em benefício das crianças AA e BB, foi aplicada a medida de apoio junto de outro familiar, in casu, avós paternos II e JJ, pelo período de seis meses, a rever trimestralmente. * No dia 14/03/2025, as crianças foram recolhidas pelo progenitor e avô paterno, tendo-se deslocado para a residência deste, em França. * Não foi possível alcançar decisão negociada. * Foi cumprido o disposto no artigo 114.º, n.º 1, da LPCJP e os autos prosseguiram para a fase de debate Judicial. * Em 21/3/2025, o Ministério Público apresentou as respetivas alegações, pugnando pela aplicação em benefício das crianças AA e BB, a medida de promoção e proteção de apoio junto de outro familiar, no caso, os avós paternos, II e JJ, por ser aquela que melhor se adequa aos interesses das crianças. * A progenitora DD apresentou as respetivas alegações escritas a 24703/2025, apresentou prova testemunhal, juntou documentos, e pugnou pela aplicação em benefício das crianças da medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, a executar na pessoa da mãe. * A Il. Advogada nomeada às crianças AA e BB apresentou alegações a 24-03-2025 com a referência n.º 3933777, requerendo: 1) Que os contactos entre a progenitora e as crianças fiquem definidos quanto à sua frequência para que fique garantido o direito de convivência e manutenção da ligação afetiva da progenitora com os filhos, e bem assim das irmãs com os irmãos; 2) Se decretem medidas concretas de apoio social e terapêutico a favor dos progenitores no sentido de os mesmos alcançarem estabilidade e as competências parentais necessárias para que possam assumir o exercício das responsabilidades parentais. * O progenitor CC apresentou alegações a 26-03-2025, pugnando pela cessação da medida de promoção e proteção, confiando-se a guarda das crianças ao progenitor ou, caso assim não se entenda, pela aplicação da medida de apoio junto da pessoa do pai, mantendo a residência atual, em casa dos avós paternos, onde o pai também reside. * Os avós paternos, II e JJ, notificados nos termos do artigo 114.º n.º 1, da LPCJP, nada disseram. * Realizou-se debate judicial, com intervenção de dois juízes sociais, tendo-se produzido a prova requerida e determinada pelo Tribunal. * A 14 de julho de 2025, foi proferido acórdão que culmina com o seguinte segmento decisório: Nestes termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que compõem este Tribunal colectivo em: Aplicar em benefício AA e BB, nascidos, respectivamente, em ../../2019 e em ../../2022, filhos de CC e de DD, a medida de promoção e protecção de apoio junto de outro familiar, in casu, dos avós paternos II e JJ, nos termos dos artigos 3.º, n.º 2, als. b), f) e g), 35.º, n.º 1, al. b), 40.º da LPCJP. A medida terá a duração de um ano, com revisões semestrais. No decurso da execução da medida: Os avós paternos comprometem-se a: - proporcionar aos netos os cuidados de que os mesmos careçam ao nível da alimentação, da higiene, da saúde, da educação e do seu equilíbrio emocional, garantindo que os netos não são expostos a ambientes e a circunstâncias impróprias para a sua idade, perturbadoras da sua estabilidade e desajustadas do seu normal desenvolvimento; - garantir todos os cuidados de saúde, higiene, alimentação e repouso das crianças; - assegurar o acompanhamento dos netos às consultas de saúde infantil e/ou outras que se verificarem necessárias ao seu bem-estar, designadamente apoio psicológico, a cumprir o plano nacional de vacinação e a cumprir as orientações e indicações dos técnicos de saúde; - assegurar que os netos não sejam expostos a um ambiente hostil que comprometa o seu bem estar emocional e de segurança; - assegurar os contactos entre as crianças e os pais e as irmãs; - proporcionar a realização de videochamadas diárias, a estabelecer entre as crianças e a progenitora e as irmãs, na hora que vierem a acordar com a progenitora, e na ausência de acordo, pelas 17h30 (hora portuguesa) / 18h30 (hora francesa) Os progenitores e avós paternos comprometem-se a: - a manter uma conduta respeitadora relativamente à EMAT, bem como, a colaborar e seguir todas as orientações e/ou solicitações que lhe forem transmitidas pela segurança social de Castelo Branco – EMAT. - a colaborar com os técnicos, comparecendo sempre que seja solicitada a sua comparência para as entrevistas e a estar disponíveis para o cumprimento das orientações que lhes sejam transmitidas. A progenitora compromete-se a: - frequentar consultas no CRI, de despiste de consumo de estupefacientes e bebidas alcoólicas; - comparecer em consultas de Psiquiatria e de Psicologia; - manter o emprego; O progenitor compromete-se a: - frequentar consultas no CRI, de despiste de consumo de estupefacientes Determina-se que a progenitora poderá visitar e conviver com os filhos, mediante prévia combinação com os avós paternos, com a supervisão destes ou de pessoa da sua confiança, sempre que a primeira se encontrar em França e tiver disponibilidade para o efeito, ou os filhos vierem a Portugal, e sem prejuízo dos períodos de descanso, de alimentação, dos horários escolares e das actividades extra-curriculares das crianças; O acompanhamento da execução da medida será levado a cabo pela UDS-NIJ de ..., nos termos do artigo 59.º, n.º 3, da LPCJP, devendo o primeiro relatório referente ao acompanhamento da execução da medida ser junto aos autos dentro de 5 meses, sem prejuízo de, sempre que tal se mostrar oportuno, comunicar todas as ocorrências que considere relevantes no âmbito da execução da medida agora aplicada. Sem custas, por delas estar isento o Ministério Público – artigo 4.º n.º 1 alínea a), do Regulamento das Custas Processuais. * Não se conformando com tal decisão, dela interpôs recurso o progenitor CC, terminando as suas alegações com as conclusões que, de seguida, se transcrevem: (…). * O Ministério Público, respondendo ao recurso, vem dizer, além do mais, o que, de seguida se transcreve: (…). * Colhidos os vistos, cumpre decidir * Questões a decidir, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões da sua alegação, nos termos dos artigos 635º. n.º 4 e 639º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso: a) Se a decisão recorrida enferma de nulidade (parcial) por contradição entre a decisão e os seus fundamentos e obscuridade; c) Se deve ser alterada a matéria de facto fixada pelo tribunal recorrido; d) Se deve ser alterada a medida de promoção e proteção aplicada às crianças AA e BB, devendo ser fixada a medida de apoio junto dos progenitores, na pessoa do progenitor recorrente; * III. Fundamentação de facto
Para além do que consta no relatório que antecede, da instrução e discussão da causa resultaram provados, com interesse para a decisão, os seguintes factos: - O progenitor das crianças continua a manifestar vontade e disponibilidade em cuidar dos filhos, com o apoio de retaguarda dos pais; - Nega que o avô paterno das crianças tenha qualquer problema relacionado com o consumo excessivo de bebidas alcoólicas, sendo que a avó paterna de AA e BB não padece de qualquer tipo de problema, ao nível da saúde; - É intenção do progenitor das crianças responsabilizar-se pelas tarefas da vida diária e pelo desenvolvimento dos filhos; - Considera-se com competências parentais e não pretende desresponsabilizar-se dos cuidados a prestar aos filhos, até porque já cuidou deles, sozinho, mormente, entre junho/2023 e fevereiro/2024, quando em benefício dos filhos foi aplicada a medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais, na pessoa do progenitor; - Pensa integrar, com os filhos, o agregado familiar dos avós paternos de AA e BB e, assim beneficiarem do apoio daqueles; - A progenitora das crianças encontra-se a residir, atualmente, na rua ... – ... – ...; - A progenitora e a filha FF encontram-se a dormir em colchões, no chão da sala, acrescentando que se encontra em fase de organização da casa e que prevê, para breve, a aquisição de mobiliário; - Quanto ao CRI, mencionou não ter voltado lá, por ter acompanhamento psicológico pela associação "Womens Lisboa"; - O progenitor das crianças visita-as, com regularidade semanal, na CAR, levando sempre brinquedos para os filhos, além de guloseimas; - A progenitora visita os filhos, na CAR, de forma mais espaçada, realizando videochamadas; - É emitido parecer no sentido da alteração da medida de acolhimento residencial, aplicada em benefício das crianças AA e BB, para a medida de apoio junto dos pais, na pessoa do progenitor, com o apoio de retaguarda dos avós paternos, na residência destes, em França. «3. A requerida é uma doente com hábitos alcoólicos marcados desde a infância. 4. A requerida foi consumidora de drogas pesadas (heroina e cocaina) entre os 14 anos e os 30 anos. 5. Actualmente a requerida está estável, mantém funcionalidade e trabalho regular. 6. Apresenta sentimentos de tristeza e ansiedade que relaciona com afastamento dos filhos, no entanto, sem impacto funcional. 7. Apresenta bom aspecto geral, vestuário adequado ao contexto, encontra-se vigil, calma e colaborante. 8. A requerida apresenta postura cordial, sem sinais de tensão, com atenção captável e fixável. 9. A requerida apresenta orientação no tempo, espaço, auto e alopsíquicamente, discurso espontâneo, normofónico, sem alterações semânticas ou sintáticas. 10. Apresenta pensamento formalmente organizado, sem alterações curso, posse ou conteúdo, sem alterações da senso-percepção. 11. Humor eutímico, com afectação moldáveis e reactivos. 12. Critica parcial para consumos no passado, demostrando motivação em manter-se abstinente e cumprir plano estipulado. 13. A requerida não apresenta psicopatologia aguda que necessite de intervenção especializada por psiquiatria. 14. Não apresenta alterações que possam comprometer o seu juízo critico ou que representem risco para a própria, terceiros ou bens jurídicos.» «Pelo exposto, e aqui chegados, concluímos que existe uma enorme conflituosidade entre denunciante e denunciado, conflituosidade essa que levou até a que os menores fossem retirados a ambos os progenitores, mas que não se reuniram indícios que permitam confirmar os factos denunciados, pelo que se impõe determinar o arquivamento dos autos»; Opiáceos: negativo Cocaína: negativo Cannabis: negativo MDMA: negativo Anfetaminas: negativo. Opiáceos: negativo Cocaína: negativo Cannabis: negativo MDMA: negativo Anfetaminas: negativo. «AA: O menino é descrito por sua família como tendo um temperamento mais calmo que o irmão. AA pode contar até 30 em francês e conhece o alfabeto até a letra N, em francês. Diz que gosta de dormir no quarto novo e brincar no jardim. AA pôde dizer-nos que «gosta de ver a mãe em por videochamada, mas na verdade, isso não o faz feliz». BB: Durante as consultas médicas, assegura-se que o pai está próximo e, se estiver preocupado, refugia-se no colo do pai. Muito curioso, explora a sala e descobre os jogos que foram colocados à sua disposição. Inicialmente reservado, depois comunica-se com olhares travessos próprios da sua idade e brinca connosco. Atualmente fala português, as nossas conversas são feitas com a tradução do pai. Quando estava na casa dos avós, pudemos vê-lo a brincar com o irmão no jardim. Depois vem ter com os adultos e para comunicar, dirige-se ao pai. Tenta fazer-se entender por gestos, com os avós. BB senta-se no colo da avó, e é evidente que existe uma ligação afetiva entre os dois. Desde há alguns dias, BB manifesta oposição sempre que lhe é proposta uma atividade, e a barreira da língua não facilita a sua compreensão pela família. (…) Depois de avaliar a situação das crianças AA e BB, não observamos qualquer risco ou perigo na atual organização familiar. Face à situação, a mãe das crianças não foi contactada pelos nossos serviços. Terá conhecimento deste relatório na audição de 11 de junho de 2025, em Portugal. A organização familiar proporciona todas as condições adequadas para o bem-estar e o equilíbrio das crianças. Todos os adultos fazem se esforçam para esse objetivo. O pai esforça-se para colocar os filhos em contacto com a mãe diariamente. Além disso, é responsável e investe no cuidado dos filhos. Observamos uma boa compreensão intrafamiliar que certamente permite que as crianças encontrem uma calma e um ritmo de vida tranquilizador e plena.» A 30.11.2023, recusa apoio social. Relativamente ao apoio psicológico a 21.05.2024, a DD abdicou do mesmo no nosso serviço, alegando já usufruir deste apoio numa associação para vítimas de maus tratos (Women Espaço Lisboa). Na altura apenas aderiu a apoio medico, tendo sido medicada. Contudo faltou à consulta médica agendada para dia 15.07.2024. Apenas voltou a solicitar novamente consulta de psicologia que veio no dia 11.02.2025. Ficou com consulta agendada apenas para dia 05.03.2025 (pois refere que tinha começado a trabalhar e que não podia começar a faltar e solicitou espaçamento entre consultas e apoio apenas mensalmente), mas mesmo assim, faltou à consulta agendada. Voltou apenas no dia 19.03.2025 já depois da hora agendada e nesta consulta solicitou uma declaração a dizer que queria ser antes acompanhada pela psicóloga da Associação .... Declaração esta que eu recusei, pois da minha parte a utente é livre de ser acompanhada onde quiser. A utente voltou a ficar com consulta médica agendada para dia 08 de abril de 2025, a qual faltou. E a última consulta de psicologia agendada para dia 28 de abril de 2025, também faltou. Solicitou agora novas consultas, tendo ficado com consulta de psicologia agendada para dia 22 de maio de 2025 e consulta medica para dia 25 de junho de 2025. Tal como é possível observar, não tenho informação clinica consistente devido a fraca adesão as propostas terapêuticas. A utente não assume problemas ligados ao álcool.» Mãe: 24 vezes. Pai: 52 vezes. Avós paternos (pelo menos um deles): 11 vezes. i) pela prática, em 14/05/2025, em autoria material e na forma consumada, de 01 (um) crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelo artigo 292.º, n.º 1, em conjugação com o disposto no art.º 69.º, n.º 1, al. a) do Código Penal na pena de 55 (cinquenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de €5,00 (cinco euros); ii) na pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 03 (três) meses (cf. artigo 69.º, n.º 1, alínea a) do Código Penal). * A) Da nulidade da decisão por contradição entre os fundamentos e a decisão e por obscuridadeDefende a recorrente que a decisão proferida pelo tribunal a quo, na parte em que determinou a que o recorrido se submeta à frequência de consultas no CRI de despiste ao consumo de estupefacientes, é nula, seja por contradição lógica entre os fundamentos e a decisão, seja por obscuridade, nos termos do preceituado no art. 615º, n.º 1, al. c) do Código de Processo Civil. Sustenta, em primeiro lugar, existir uma contradição lógica na própria decisão, a qual, ao mesmo tempo que determina que o recorrente se submeta a consultas, numa instituição portuguesa, para despistagem de consumo de estupefacientes, dá também como assente que o progenitor reside com as crianças em França, “mais deixando transparecer que aí deve continuar nos mesmos moldes (para uma eventual entrega das crianças ao próprio)”. Por outro lado, não resulta dessa mesma decisão com que periodicidade deve o progenitor submeter-se a tais consultas – o que se mostra essencial ao cumprimento da mesma - o que torna ainda tal decisão nula por obscuridade. Cumpre apreciar. As causas de nulidade da sentença estão taxativamente previstas no artigo 615º nº 1 do Código de Processo Civil e são de caráter formal, dizendo respeito a desvios no procedimento ocorridos na sentença (ou despacho) que impedem que se percecione uma decisão da concreta situação em disputa: não se confundem com todas as situações que podem inquinar uma decisão e conduzir à revogação da mesma. Não abarcam todas e quaisquer falhas de que uma sentença pode padecer. Dispõe o Artigo 615º, nº1, alínea c) que é nula a sentença quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível. A nulidade da sentença contemplada nesta norma pressupõe um erro de raciocínio lógico consistente em a decisão emitida ser contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto ou de direito de que o juiz se serviu ao proferi-la. A mesma ocorre quando os fundamentos invocados pelo juiz conduziriam logicamente não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto. Como se afirmou no acórdão do STJ de 26.1.2017 (processo n.º 402/10.4TTLSB.L1.S1, disponível em www.dsgi.pt): (…) III - A causa de nulidade prevista no art. 615º, nº 1, al. c), ocorre quando “há um vício real de raciocínio do julgador em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto ou, pelo menos, direcção diferente. IV – Saber se o enquadramento jurídico feito no acórdão e a conclusão a que nele se chegou são, ou não, acertados ou injustos, constitui matéria de que não cabe curar em sede de nulidade de sentença/acórdão. Trata-se de questão a envolver eventual erro de julgamento e nunca fundamento de nulidade do acórdão, que se prende tão só com a estrutura formal da decisão”. Ou seja, entre os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica pelo que se, na fundamentação da sentença, o julgador segue determinada linha de raciocínio apontando para determinada conclusão e, em vez de a tirar, decide em sentido divergente, ocorre tal oposição. Realidade distinta desta é o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou erro na interpretação desta, ou seja, quando – embora mal – o juiz entenda que dos factos apurados resulta determinada consequência jurídica e este seu entendimento é expresso na fundamentação ou dela decorre, o que existe é erro de julgamento e não oposição nos termos aludidos[1]. Por outras palavras, se a decisão está certa, ou não, é questão de mérito e não de nulidade da mesma[2]. No que tange à obscuridade conducente à ininteligibilidade da decisão, Alberto dos Reis[3], ensinava a este propósito: «A sentença é obscura quando contém algum passo cujo sentido é ininteligível; é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. Num caso não se sabe o que o juiz quis dizer; no outro hesita-se entre dois sentidos diferentes e porventura opostos. É evidente que, em última análise, a ambiguidade é uma forma especial de obscuridade. Se determinado passo da sentença é susceptível de duas interpretações diversas, não se sabe, ao certo, qual o pensamento do juiz.» Assim, a decisão judicial é obscura quando contém algum passo cujo sentido seja ininteligível e é ambígua quando alguma passagem se preste a interpretações diferentes. * No caso dos autos, parece-nos manifesto que não ocorrem as nulidades invocadas. De facto, não vislumbramos que haja qualquer incompatibilidade lógica entre a decisão de submeter o ora recorrente a consultas de controlo de consumo de estupefacientes, em Portugal, e o facto, considerado provado, de o mesmo atualmente residir em França. Poder-se-á, é certo, questionar se tal decisão, nos moldes em que foi tomada, é mais acertada, tendo em vista a atual residência do recorrente. Tal questão, contudo, relaciona-se com um eventual erro de julgamento e não com um qualquer vício de caráter formal da sentença, suscetível de gerar a sua nulidade. Do mesmo modo, não podemos afirmar que a decisão de submeter o recorrente a à frequência de consultas no CRI de despiste ao consumo de estupefacientes é ininteligível, ambígua ou suscetível de se prestar a interpretações diversas. A omissão de indicação da frequência das consultas em causa apenas poderá contender com a exequibilidade – porventura condicionada à prévia elaboração de um plano de consultas e de exames a definir pelos competentes serviços técnicos – mas não com a inteligibilidade da própria decisão. Em conclusão, o recorrente pode, naturalmente, discordar do sentido daquela decisão, designadamente entendendo que, em face dos factos provados, a mesma se afigura desproporcional e, por isso, deve ser substituída por outra que determine “em que circunstâncias temporais deverá o mesmo submeter-se ao despiste de consumo de estupefacientes (em França)”- o que corresponde à invocação de um erro de julgamento. Não pode é sustentar, de forma procedente, que a decisão em crise é nula por contradição lógica entre a decisão e os respetivos fundamentos ou por padecer de obscuridade. * B) Impugnação da matéria de facto.O recorrente pretende impugnar a matéria de facto assente, visando que passem a constar do elenco dos factos provados quatro novos factos, que correspondem aos resultados (negativos) de outros tantos testes despistagem de consumo de estupefacientes, que realizou nos dias 9 de setembro de 2024, 1 de abril, 15 de abril e 29 de abril do corrente ano de 2025. Ainda que não tal constitua uma impugnação de matéria de facto, no sentido típico, sempre poderá o recorrente entender que a matéria de facto provada (ou não provada) não está completa, para a boa decisão da causa, invocando essa desconformidade em recurso. Como se diz no Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 8 de abril de 2024[4]: As possibilidades de modificação da decisão de facto por via do recurso são, na verdade, bastante mais amplas, como decorre do art.º 662.º do Código de Processo Civil. Aliás, tal modificação pode, nos termos da alínea c), do nº 2, impor-se quando a Relação “repute de deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta” e, para tanto, constem do processo “todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto”–entre esses “elementos” e por força de tal remissão estando os que resultem da “prova produzida”. É esse, indiscutivelmente, o caso da impugnação em análise, uma vez que o recorrente não visou propriamente atacar os factos que o tribunal a quo considerou provados e não provados, defendendo antes que o tribunal deveria ter considerado provados, por terem relevo para a questão a apreciar, um conjunto de factos que, no seu entender, decorrem de elementos documentais juntos aos autos. A particularidade desta sua pretensão, naturalmente, não o dispensa de observar os ónus que a lei processual civil impõe ao recorrente que pretende atacar a decisão sobre a matéria de facto, previstos no art.º 640º do Código de Processo Civil. Nos termos da referida norma: «1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.” 2. No caso da al. b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena da imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder á transcrição dos excertos que considere relevantes” No caso, indicando o recorrente, nas conclusões e no corpo das suas alegações quais os factos a aditar, e porquê, e quais os meios de prova que sustentam o visado aditamento, tais ónus foram suficientemente observados pelo recorrente. Contudo, o cumprimento dos ónus de impugnação não se confunde com o mérito da decisão da matéria de facto em si. Apenas permite que a substância da impugnação seja apreciada, o que, de imediato, se fará. É facto que os relatórios dos três testes de despistagem do uso de estupefacientes realizados pelo recorrente, em França, e cujo resultado este pretende passe a constar dos factos provados, foram juntos aos autos com o relatório técnico social de acompanhamento e execução da medida, datado de 9 de maio, do qual consta a menção a que “o progenitor continua a realizar testes de despiste ao consumo de estupefacientes, tendo-os realizado em 01/04, 15/04, 29/04/2025, conforme documentos que seguem em anexo”. É também verdade que o recorrente, através de requerimento de 16/09/2024, havia junto aos autos o relatório do teste de despistagem de produtos estupefacientes que realizou no dia 9/09/2024, no CRI de Castelo Branco. A veracidade desses documentos ou a fidedignidade dos resultados que documentam não foi posta em causa por quem quer que seja De resto, foi com base em idênticos documentos (emanados dos mesmos laboratórios) que o tribunal a quo considerou provados os factos constantes dos pontos 88 e 89, referentes aos resultados (negativos) de testes da mesma natureza realizados pelo recorrente nos dias 6 de fevereiro e 24 de junho do ano de 2025, respetivamente. Temos, pois, de concluir pela potencial relevância para a decisão da causa dos factos que o recorrente pretende sejam aditados à matéria de facto assente, na medida em que são complementares daqueles outros que o tribunal considerou provados nos pontos 88 e 89 e, conjuntamente com estes, melhor permitirão aquilatar até que ponto a situação de consumo de estupefacientes pelo progenitor, tal como relatada nos factos acima provados, continua, ou não, a representar perigo para a segurança, saúde, formação e educação das crianças. Em face do exposto, entende este tribunal, ao abrigo do preceituado no art.º 662º, n.º 1 do Código de Processo Civil, que devem ser aditados aos factos assentes os seguintes pontos: “87-A: A 09-09-2024, CC apresentou amostra de urina no CRI de Castelo Branco, tendo sido sujeito a testes de detecção de matabolitos, tendo obtido os seguintes resultados: Opiáceos: negativo Cocaína: negativo THC: Negativo Metadona: Negativo Buprenorfina: Negativo MDMA: Negativo.”. * 88-A: A 01-04-2025, CC apresentou amostra de urina no Laboratório ..., ..., tendo sido sujeito a testes de detecção de metabolitos, tendo obtido os seguintes resultados:Cannabis: negativo Cocaína: negativo Opiáceos: negativo Anfetaminas: negativo Ecstasy/ MDMA: negativo. * 88- B: A 15-04-2025, CC apresentou amostra de urina no Laboratório ..., ..., tendo sido sujeito a testes de detecção de metabolitos, tendo obtido os seguintes resultados:Cannabis: negativo Cocaína: negativo Opiáceos: negativo Anfetaminas: negativo Ecstasy/ MDMA: negativo. * 88- C: A 29-04-2025, CC apresentou amostra de urina no Laboratório ..., ..., tendo sido sujeito a testes de detecção de metabolitos, tendo obtido os seguintes resultados:Cannabis: negativo Cocaína: negativo Opiáceos: negativo Anfetaminas: negativo Ecstasy/ MDMA: negativo. * Pelo exposto, nos termos assinalados, procede a impugnação da matéria de facto[5].* C) Da alteração da medida de promoção e proteção aplicada às crianças AA e BB Importa apreciar se deve manter-se a medida de apoio junto de outro familiar na pessoa dos avós paternos do das crianças AA e BB, aplicada pela decisão recorrida, ou antes ser a mesma substituída pela medida de proteção de acompanhamento junto do progenitor CC, como defende este nas suas alegações de recurso. A intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo obedece aos princípios orientadores vertidos no artigo 4.º da Lei de Proteção de Crianças e Jovens em Perigo - LPCJP (aprovada pela Lei n.º 147/99, de 1 de Setembro), de cuja alínea a) resulta que a intervenção, judiciária e não judiciária, deve atender prioritariamente, aos direitos e interesses da criança ou jovem, sem prejuízo da consideração que for devida a outros interesses legítimos no âmbito da pluralidade dos interesses presentes no caso concreto, ou seja, tem como primeiro princípio orientador e estruturante do direito das Crianças e Jovens, o interesse superior da criança e jovem em perigo. Este princípio mostra-se, desde logo, internacionalmente consagrado no artigo 3.º, n.º 1 da Convenção Sobre os Direitos da Criança o qual prevê que «[t]odas as decisões relativas a crianças, adoptadas por instituições públicas ou privadas de protecção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança». Merece também proteção constitucional no artigo 36.º, n.º 6, da Constituição da República Portuguesa, de acordo com o qual, «[o]s filhos não podem ser separados dos pais, salvo quando estes não cumpram os seus deveres fundamentais para com eles, e sempre mediante decisão judicial» e no art.º 69.º, n.º 1, da nossa Lei Fundamental que estabelece que «[a]s crianças têm direito à protecção da sociedade e do Estado com vista ao seu desenvolvimento integral, designadamente contra todas as formas de abandono e de opressão e contra o exercício abusivo da autoridade na família …». Está também legalmente consagrado no n.º 2 do artigo 1978.º do Código Civil, onde se refere que «[n]a verificação das situações previstas no número anterior o tribunal deve atender prioritariamente aos direitos e interesses da criança». Sendo o “interesse superior da criança”, um conceito jurídico indeterminado, a concretização do mesmo deve sempre ser norteada tendo por referência os princípios internacionais e constitucionais, na análise da situação concreta de cada criança enquanto ser humano único e complexo. Depois, entre outros, haverá que ter em consideração, por um lado, o princípio da proporcionalidade e atualidade, nos termos do qual a intervenção deve ser a necessária e adequada à situação concreta de perigo no momento em que a decisão é tomada, só podendo interferir na vida da criança ou do jovem e na da sua família na medida do que for estritamente necessário a essa finalidade (alínea e) do art.º 4 da LPJCP). E, por outro lado, os princípios da responsabilidade parental e da prevalência da família, segundo os quais a intervenção deve ser efetuada de modo que os pais assumam os seus deveres, devendo ser dada prevalência às medidas que integrem a criança ou o jovem na sua família (alíneas f) e g) do mesmo art.º 4 da LPCJP). As medidas de promoção e proteção ou são executadas no meio natural de vida, como acontece, por exemplo, com a de apoio junto dos pais, ou em regime de colocação, como acontece, designadamente, com a de acolhimento em instituição (cfr. o artigo 35.º, n.º 1, alínea a) e f), n. os 2 e 3). Traçados, ainda que de forma necessariamente breve, os princípios orientadores a que obedece a intervenção para a promoção dos direitos e proteção da criança e do jovem em perigo, vejamos o caso dos autos. As crianças AA e BB, de 3 e 5 anos de idade, respetivamente, cuja residência, após a separação dos progenitores, por decisão que regulou as responsabilidades parentais, foi fixada junto da progenitora, foram expostas a comportamentos abusivos de álcool e drogas por parte desta. Também ocorreram alguns episódios de consumos de drogas pelo progenitor (admitidos pelo próprio), sendo que, pelo menos em duas dessas ocasiões, as crianças estavam em casa no momento em ocorreram tais consumos. Acresce que a separação dos progenitores tem sido vivida num ambiente de conflitualidade extremada, que deu origem à apresentação de queixas crime (recíprocas) por violência doméstica e de queixas crime, por parte da progenitora contra o progenitor, por violência doméstica sobre a pessoa dos filhos e por pornografia de menores, tendo por alvo uma filha da progenitora. Por ser assim evidente que as crianças AA e BB se encontravam em grave situação de perigo, na aceção do art.º 3º da LPPCJ[6], nomeadamente no que diz respeito à prestação dos seus cuidados básicos, à sua segurança, física e emocional, à sua saúde, formação e adequado desenvolvimento, foram as mesmas crianças sinalizadas pela CPCJ de Castelo Branco que, posteriormente, remeteu os autos de promoção e proteção a Procuradoria da República, do Juízo de Família e Menores de Castelo Branco, para efeitos de instauração do presente processo judicial. Temos aqui de concordar com a sentença recorrida quando nela se refere que “(a)s razões que levaram à sinalização do caso não se encontram superadas”. Com efeito, a factualidade provada é reveladora de que se mantém a conflitualidade extrema que tem pautado o relacionamento entre os progenitores e de que a situação de instabilidade psíquica da progenitora não se mostra ultrapassada, não tendo ainda conseguido distanciar-se dos problemas de consumo de estupefacientes que há muito a afetam. A situação de perigo grave e sério para a saúde, segurança e desenvolvimento das crianças é, assim, atual. Por isso, importa providenciar, agora a título definitivo, a medida de proteção adequada a afastar tal perigo, de forma a promover o são e equilibrado desenvolvimento físico e emocional das crianças. Entendeu o tribunal a quo que, no caso, a medida mais adequada a essa finalidade, será a medida de apoio junto de outros familiares – prevista no art.º 35º, al b) da LPCJP - no caso, os avós paternos da criança, residentes França, medida essa aliás já aplicada a título cautelar por decisão de 13 de março de 2025. O recorrente, sem propriamente colocar em causa a legitimidade e a necessidade da intervenção protetiva, defende que, em face dos factos provados, não lhe podem ser associados os riscos para a saúde, segurança e desenvolvimento dos seus filhos que são assinalados pela sentença, uma vez que todos eles estão relacionados com a progenitora. Conclui, por isso, que se impunha adotar a medida de promoção e proteção de apoio junto da pessoa do pai, já que inexistem factos que permitam sustentar qualquer dúvida sobre a sua capacidade em exercer a parentalidade. Vejamos. A afirmação da decisão recorrida, segundo a qual os factos assentes não consentem que se pense no regresso das crianças, para casa da mãe, merece a nossa total concordância. Mas será que os factos provados são suficientes para concluir estarem já reunidas todas as condições para que as crianças sejam entregues ao pai, ainda que no âmbito da medida de apoio junto dos pais prevista no art.º 35º, n.º 1, al. a) da LPCJP? Não podemos negar que da prova produzida não resulta que o recorrente seja consumidor habitual ou regular de produtos estupefacientes. Pese embora os episódios passados de consumo de cocaína, que manteve com a mãe dos seus filhos, enquanto estes estavam ao seu cuidado – situação, de resto, admitida pelo recorrente – a verdade é que, tendo-se submetido a exames para despistagem de consumo desse e de outros produtos estupefacientes por 6 ocasiões ( 9 de setembro de 2024, 2 de fevereiro de 2025, 1 de abril de 20325, 15 de abril de 2025, 29 de abril de 2025 e 24 de junho de 2025), o resultado dos mesmos foi, em todas eles, negativo. É também certo que o recorrente, que não tem quaisquer antecedentes criminais, viu serem arquivados os inquéritos em que foi denunciado por crime de violência doméstica contra os filhos, contra a progenitora destes e, bem assim, pelo crime de pornografia de menores e crime de atos sexuais com adolescentes tendo por vítima a jovem EE, filha da mesma DD. São igualmente inegáveis os laços afetivos que as crianças mantêm com o pai, com quem aliás partilham o agregado familiar dos seus avós paternos, desde que a estes foram entregues, em execução da medida provisória aplicada em 13 de março de 2025. Não obstante, como se disse, o superior interesse das crianças, que não apenas é o critério orientador, mas também a finalidade última da intervenção do Tribunal, exige que esta alcance a solução que melhor favoreça um equilibrado e são desenvolvimento da criança e não a solução que mais agrade a um ou aos dois progenitores. E, obviamente, para se aferir o modelo que melhor favoreça o bom desenvolvimento das crianças, não pode deixar de se tomar em conta todas as particularidades da situação concreta. Entre elas ressalta a “tenra” idade das crianças AA e BB – a esta data com 5 anos e 11 meses e 3 anos e 6 meses, respetivamente – e o facto de, desde fevereiro de 2023, data em que foram sinalizadas à CPCJ de Castelo Branco, terem sido objeto de sucessivas medidas de promoção e proteção. Com efeito, no dia 31/05/2023, na CPCJ de Castelo Branco, foi celebrado acordo de promoção e proteção, relativo às identificadas crianças, tendo sido aplicada, em benefício destes, a medida de apoio junto dos pais, na pessoa da mãe. Ainda na CPCJ de Castelo Branco, em 20 de junho 2023, foi alcançado novo acordo de promoção e proteção, relativo também às mesmas crianças, alterando-se a medida anteriormente aplicada para a medida de apoio junto dos pais, na pessoa do progenitor. Por sentença datada de 25/10/2023, proferida nestes autos, foi homologado acordo de promoção e proteção relativamente às crianças, tendo sido aplicada, em benefício das mesmas, a medida de apoio junto dos pais, na pessoa do progenitor, pelo prazo de um ano revista semestralmente. Por despacho judicial, datado de 20/02/2024, proferido nos presentes autos, a título cautelar, em benefício das crianças AA e BB, foi aplicada a medida de acolhimento residencial, a executar de imediato na Instituição “...”. Por sentença datada de 26/06/2024, proferida nos presentes autos, foi homologado acordo de promoção e proteção que aplicou, em benefício das crianças AA e BB, a medida de acolhimento residencial (na mesma instituição), pelo prazo de três meses. Finalmente, por decisão judicial datada de 13/03/2025, proferida nos presentes autos, a título cautelar, foi aplicada a medida de apoio junto de outro familiar, no caso, avós paternos II e JJ, pelo período de seis meses, a rever trimestralmente. A decisão recorrida, confirmando a eficácia desta última medida, reiterou-a, agora a título definitivo. E o certo é que ressalta dos factos provados que as crianças AA e BB estão bem cuidadas e evidenciam estar emocionalmente estáveis, seguras e felizes. Mostram-se perfeitamente integradas no agregado familiar dos avós, com quem mantêm laços de grande afetividade, o que leva a concluir que a permanência em caso dos avós tem sido para eles muito benéfica. Os avós paternos revelam-se perfeitamente capazes de prover ao sustento e segurança, manifestando o desejo de o fazerem, enquanto tal se mostrar necessário. Neste enquadramento, beneficiam ainda da presença do seu progenitor, ora recorrente, que se deslocou para França e aí habita juntamente com os seus pais e as crianças. Quer dizer, mercê medida aplicada as crianças AA e BB têm assegurada a satisfação de todas as suas necessidades básicas, beneficiando de um agregado cuidador e atento às suas necessidades, parecendo assim – finalmente! - ter sido ultrapassada a situação de instabilidade que marcou os dois últimos anos da sua curta existência. Não podemos, contudo, olvidar que esta medida de proteção iniciou a sua execução, ainda como medita cautelar, apenas há cerca de seis meses e foi precedida de uma medida de colocação (acolhimento residencial das crianças na “...”) que durou mais de um ano. A idade das crianças e o circunstancialismo por elas vivenciado aconselha a que se solidifiquem rotinas e se aprofundem os vínculos securizantes que as crianças, só recentemente, através do enquadramento no agregado familiar dos avós, voltaram a experimentar. Assim, concordando com o tribunal de primeira instância, afigura-se-nos que é precoce substituir a medida aplicada por outra, concretamente a medida de apoio junto do pai, como pretendido pelo recorrente. Não se questiona que o progenitor seja cuidador preocupado e que nutre verdadeira afeição pelos filhos e por isso, pretenda, legitimamente, que os mesmos lhe sejam confiados. Contudo, relativamente ao progenitor recorrente, entendemos há ainda um caminho que ainda tem que ser feito para que, respeitando o “tempo das crianças”, se possa ponderar a alteração da medida de promoção e proteção atualmente vigente, designadamente para a pretendida pelo recorrente. De resto, tal caminho já estará a ser prosseguido, também com o apoio e retaguarda dos avós paternos das crianças, já que o recorrente está a viver com estes e com os seus filhos, em França. Concordamos, assim, com o tribunal a quo quando afirma que “a entrega das crianças ao pai, por ora, deve ser preterida em relação à entrega aos avós, por se considerar que a sua situação deve ser ainda melhor ponderada, e que o seu maior aliado será o tempo, a fim de ver se realmente se manterá um esteio na vida das crianças, apoiando-as e apoiando igualmente os avós paternos na missão que lhes foi incumbida desde Março de 2025”. Por conseguinte, julgamos ser de manter a decisão recorrida quanto à aplicação da medida de proteção de apoio junto dos avós paternos, nos termos e para os efeitos previstos nos art.º 35º, n.º 1, al. b) da LPCJP * Finalmente, cabe decidir se deve manter-se a decisão na parte em que determinou O progenitor compromete-se a: - frequentar consultas no CRI, de despiste de consumo de estupefacientes. Tal decisão mereceu impugnação do recorrente que defende a substituição da mesma por outra que determine “em que circunstâncias temporais deverá o mesmo submeter-se ao despiste de consumo de estupefacientes (em França)”. Para tanto, sustentou que nunca foi seguido no CRI, tendo-se submetido voluntariamente a testes de despistagem, para comprovar que não é um viciado e que os consumos do passado foram pontuais. Para além disso, o CRI (centro de respostas integradas) é uma instituição Portuguesa, sendo que o progenitor reside em França, além do que não resulta da decisão com que periodicidade deve o progenitor submeter-se ao despiste de consumo de estupefacientes. Apesar de tais fundamentos terem sido invocados para suportar a arguição da nulidade (parcial) a decisão, que foi indeferida, a impugnação aludida não pode deixar de ser entendida como a invocação de um erro de julgamento, sendo esta a sede própria para a sua apreciação. Principiamos por notar que, em nossa opinião, pese embora conste da redação da decisão impugnada a expressão “o pai compromete-se a”, a mesma deve ser interpretada como uma injunção imposta aquele progenitor. A este propósito diremos que nada obsta a que o tribunal possa determinar determinadas injunções, ou medidas restritivas de direitos, aos progenitores a cuja guarda estão as crianças, no quadro de uma medida de promoção e proteção de apoio junto dos pais (art.º 35º, n.º 1 da LPCJP), desde que as mesmas sejam necessárias e adequadas à salvaguarda do superior interesse da criança. Contudo, na situação vertente, foi aplicada a medida de apoio junto de outros familiares, no caso, os avós paternos, a quem as crianças foram entregues. Assim sendo, não estando as crianças à guarda do progenitor, não vemos fundamento para que se mantenha tal injunção - que, no caso, se traduz até numa medida restritiva dos direitos fundamentais daquele - sem prejuízo de o ora recorrente, de forma voluntária, continuar a submeter-se aos testes de despistagem de consumo de substâncias estupefacientes, na medida do seu interesse em confirmar a “trajetória de melhoria” assinalada no acórdão recorrido. Impõe-se, assim, nesta parte, revogar a decisão recorrida. * Sumário (ao abrigo do disposto no art.º 663º, n.º 7 do Código de Processo Civil): (…). * VI. Decisão Assim, face a tudo o que se deixa dito, acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, revogar a decisão recorrida na parte em que determinou que o recorrente frequentasse consultas de despiste de consumo de estupefacientes e, no mais, manter o decidido. Custas do recurso pelo recorrente, na proporção de 9/10 * Coimbra, 30 de setembro de 2025
Assinado eletronicamente por: Hugo Meireles Francisco Costeira da Rocha Marco António de Aço e Borges
(O presente acórdão segue na sua redação as regras do novo acordo ortográfico, com exceção das citações/transcrições efetuadas que não o sigam).
[2] Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.3.2001, acessível em www.dgsi.jstj/pt. |