Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | FREITAS NETO | ||
Descritores: | EXECUÇÃO PENHORA DE CRÉDITO OBRIGAÇÃO DO DEVEDOR SEGURO DE VIDA | ||
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Data do Acordão: | 03/05/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | GOUVEIA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | AGRAVO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 819.º; 820.º; 856.º; 860.º DO CPC | ||
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Sumário: | 1. Na penhora de crédito a notificação do devedor é condição da sua eficácia em relação a ele, produzindo como efeito o cumprimento da obrigação que deve ser realizada por esse devedor, ou através do depósito da respectiva importância na CGD ou da entrega da coisa devida ao exequente ou, ainda, mediante a realização da prestação ao adquirente do crédito, nos termos estabelecidos no 860º do CPC. 2. O devedor só está obrigado a depositar a importância que integra o crédito na data do vencimento. 3. No caso de o crédito penhorado estar titulado por apólice de seguro de vida, a seguradora deve depositar o valor do capital seguro e não o que tenha pago ao segurado em consequência de resgate por quantia inferior, sendo este circunstancialismo inteiramente inoponível ou ineficaz perante o exequente. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
Na execução para pagamento de quantia certa com processo ordinário que no Tribunal Judicial da Comarca de Gouveia o A...., move a B....e outros, por requerimento de 1.08.2008 nomeou aquele exequente à penhora, entre outros bens, o crédito que o executado B....detinha na C....decorrente da apólice nº 111836110. Em consequência, foi ordenada em 7.05.2009 a penhora do aludido crédito, com a notificação daquela devedora nos termos do art.º 856 do CPC. Em resposta de 21.05.2009, informou a devedora C....que considerava penhorado “o contrato” alusivo àquela apólice; que o capital por esta seguro era de € 5.000,00; e que o respectivo vencimento ocorria em 1.10.2012. Solicitava ainda que o tribunal a desobrigasse da determinação do tomador de pagar o capital ao beneficiário por ele designado na hipótese de aquele falecer antes do vencimento. Entretanto, por carta datada de 11.05.2012 veio esta devedora informar o seguinte: “ (…) em 10 de Janeiro de 2012 foi-nos solicitado pelo tomador da apólice nº 1118316110 o resgate do seguro. Por lamentável lapso, de que nos pedimos desculpa, liquidámos ao Sr. B....o valor de 4.187.07, conforme cópias que anexamos. Assim vimos solicitar a vossa atenção no sentido de verificaram se o referido valor não será utilizado para liquidação ao Tribunal. (…)”.
Notificado, veio o Exequente A… requerer se notificasse a seguradora para depositar à ordem do processo o montante correspondente ao capital seguro pela apólice nº 1118316110, e, sem prescindir, que se ordenasse a penhora do saldo bancário da conta do executado no Banco BPI com o NIB constante da indicação dada por aquela seguradora no documento que comprovava a transferência do saldo por este resgatado.
Foi então proferido o despacho de fls. 681-682, nos termos do qual, deferindo-se a pretensão da exequente, se determinou a notificação da seguradora para proceder ao depósito à ordem do processo do montante correspondente ao capital seguro pela apólice em questão, no montante de € 5.000,00.
Inconformada, deste despacho interpôs a devedora recurso, admitido como de agravo, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.
Dispensados os vistos, cumpre decidir.
Os pressupostos de facto a ter em consideração são os que defluem do relatório que antecede.
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A apelação.
Nas conclusões com que termina a respectiva alegação, a recorrente levanta apenas as seguintes questões:
1º - A de saber se só estaria vinculada a depositar o saldo do seguro existente à data da penhora, saldo que seria inferior ao do capital e mesmo ao valor pelo qual foi pago o resgate solicitado pelo executado; 2º - E se o valor em dívida já se mostra depositado.
Contra-alegou o exequente, batendo-se pela manutenção do decidido.
Cumpre decidir.
Sobre a obrigação da recorrente depositar a totalidade do capital seguro. Tal como decorre do relatório, o que está em jogo no recurso é essencialmente saber se a recorrente, seguradora na apólice 1118316110 relativa a um seguro de vida no qual é tomador o executado Henrique Amaro, está ou não obrigada a depositar a totalidade do capital seguro devida no respectivo vencimento, sendo que este ocorreu em 1 de Outubro de 2012. É igualmente incontroverso, por estar aceite pelas partes e, de certo modo, defluir dos documentos juntos aos autos – embora não se encontrem juntas as Condições Gerais e Especiais da apólice que ficou a reger o contrato – que, à data da penhora, o executado Henrique Ramos Amaro era tomador junto da apelante de um seguro do ramo vida, com um capital seguro de € 5.000,00. E que tendo solicitado o resgate respectivo em 10 de Janeiro de 2012, o mesmo lhe foi concedido pela apelante por meio da transferência de € 4.138,70, concretizada em 11 de Maio de 2012 para uma conta de que era titular no Banco BPI.
Nenhuma dúvida se coloca relativamente à ineficácia perante o exequente de qualquer disposição de bens ou direitos previamente penhorados, disposição cuja inoponibilidade àquele está consagrada nos art.ºs 819 e 820 do CC. E é pacífico entre os litigantes, incluindo a apelante, que do seguro em apreço, atenta a sua natureza financeira ou capitalizadora, advinha para o executado um crédito sobre a seguradora apelante. Na verdade, tal como os vulgares depósitos bancários ou os chamados PPR, os denominados seguros de capitalização caracterizam-se por integrarem uma aplicação financeira, apenas daqueles se diferenciando por combinarem a indemnização de um risco (no caso do seguro de vida, o risco de morte do segurado) com essa aplicação[1]. Por isso, neste tipo de seguro, o tomador adquire o direito ao crédito resultante do contrato na data convencionada para o vencimento. O problema que agora se coloca está em definir o tratamento a dar à hipótese em que, violando a regra da indisponibilidade a partir da penhora, a seguradora-devedora satisfaz ao executado-credor o crédito penhorado, na totalidade ou reduzido de penalização, antes do respectivo vencimento. A solução a dar-lhe não pode afastar-se dos princípios gerais.
A penhora de créditos consiste na notificação ao devedor de que o crédito fica à ordem do tribunal da execução, nos termos do art. 856º, nº1, do CPC. Resulta, assim, do texto da lei, que a penhora de créditos se efectiva por meio de notificação ao devedor e que ela fica feita logo que se procede a essa notificação. Como refere Teixeira de Sousa, “Acção Executiva Singular”, pág. 267, a notificação é condição de eficácia da penhora em relação ao terceiro devedor, produzindo como efeito o cumprimento da obrigação que deve ser realizada por esse devedor, ou através do depósito da respectiva importância na CGD ou da entrega da coisa devida ao exequente ou, ainda, mediante a realização da prestação ao adquirente do crédito, conforme estabelece o art. 860º do CPC. No entanto – di-lo o nº 1 do art.º 860 do CPC – o dever de depositar à ordem do tribunal (que será do agente de execução se este existir) impende sobre o devedor que não haja contestado a obrigação, logo que a dívida se vença. Isto é, o devedor só está obrigado a depositar a importância que integra o crédito na data do vencimento. De modo que a recorrente como devedora deveria ter depositado o valor do capital seguro – € 5.000,00 – em 1 de Outubro de 2012. Não o tendo feito, por em momento anterior ter autorizado indevidamente o resgate a pedido do executado, não pode invocar este circunstancialismo, que é inteiramente inoponível ou ineficaz perante o exequente. Por conseguinte, esta ineficácia relativa acaba por significar que diante da exequente tudo se passa como se a seguradora recorrente não tivesse pago qualquer resgate antecipado. Donde que a decisão da 1ª instância de ordenar à apelante que procedesse ao depósito do crédito na sua expressão integral (€ 5.000,00) esteja em total harmonia com o comando do art.º 860, nº 1, do CPC. E do que dito fica se retira que no caso em apreço não pode ter qualquer cabimento a norma do art.º 861-A, nº 6, do CPC, agora invocada pela recorrente para defender a tese de que só estava obrigada a depositar tão só o saldo existente à data da penhora (que equivaleria ao valor capitalizável do seguro nesse momento). É que não tendo sido ordenada a penhora de um depósito bancário, aquele preceito nunca seria aplicável à situação em apreço. Improcede, assim, a questão suscitada.
Sobre o depósito do valor do crédito penhorado.
Alega a apelante que depositou o valor do crédito. Mas o que ela efectuou foi uma transferência bancária do montante do resgate para uma conta do executado. Não foi, assim, efectuado um depósito à ordem do tribunal, único que relevaria. Pelo que não há efectivamente qualquer depósito a considerar.
Pelo exposto, negam provimento ao agravo. Custas pela agravante.
Freitas Neto (Relator) Carlos Barreira Barateiro Martins
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