Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
189-B/1994.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: EXECUÇÃO
PENHORA DE CRÉDITO
OBRIGAÇÃO DO DEVEDOR
SEGURO DE VIDA
Data do Acordão: 03/05/2013
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GOUVEIA
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 819.º; 820.º; 856.º; 860.º DO CPC
Sumário: 1. Na penhora de crédito a notificação do devedor é condição da sua eficácia em relação a ele, produzindo como efeito o cumprimento da obrigação que deve ser realizada por esse devedor, ou através do depósito da respectiva importância na CGD ou da entrega da coisa devida ao exequente ou, ainda, mediante a realização da prestação ao adquirente do crédito, nos termos estabelecidos no 860º do CPC.

2. O devedor só está obrigado a depositar a importância que integra o crédito na data do vencimento.

3. No caso de o crédito penhorado estar titulado por apólice de seguro de vida, a seguradora deve depositar o valor do capital seguro e não o que tenha pago ao segurado em consequência de resgate por quantia inferior, sendo este circunstancialismo inteiramente inoponível ou ineficaz perante o exequente.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

Na execução para pagamento de quantia certa com processo ordinário que no Tribunal Judicial da Comarca de Gouveia o A...., move a B....e outros, por requerimento de 1.08.2008 nomeou aquele exequente à penhora, entre outros bens, o crédito que o executado B....detinha na C....decorrente da apólice nº 111836110.

Em consequência, foi ordenada em 7.05.2009 a penhora do aludido crédito, com a notificação daquela devedora nos termos do art.º 856 do CPC.

Em resposta de 21.05.2009, informou a devedora C....que considerava penhorado “o contrato” alusivo àquela apólice; que o capital por esta seguro era de € 5.000,00; e que o respectivo vencimento ocorria em 1.10.2012. Solicitava ainda que o tribunal a desobrigasse da determinação do tomador de pagar o capital ao beneficiário por ele designado na hipótese de aquele falecer antes do vencimento.

Entretanto, por carta datada de 11.05.2012 veio esta devedora informar o seguinte:

“ (…) em 10 de Janeiro de 2012 foi-nos solicitado pelo tomador da apólice nº 1118316110 o resgate do seguro. Por lamentável lapso, de que nos pedimos desculpa, liquidámos ao Sr. B....o valor de 4.187.07, conforme cópias que anexamos. Assim vimos solicitar a vossa atenção no sentido de verificaram se o referido valor não será utilizado para liquidação ao Tribunal. (…)”.

 Notificado, veio o Exequente A… requerer se notificasse a seguradora para depositar à ordem do processo o montante correspondente ao capital seguro pela apólice nº 1118316110, e, sem prescindir, que se ordenasse a penhora do saldo bancário da conta do executado no Banco BPI com o NIB constante da indicação dada por aquela seguradora no documento que comprovava a transferência do saldo por este resgatado.

Foi então proferido o despacho de fls. 681-682, nos termos do qual, deferindo-se a pretensão da exequente, se determinou a notificação da seguradora para proceder ao depósito à ordem do processo do montante correspondente ao capital seguro pela apólice em questão, no montante de € 5.000,00.

Inconformada, deste despacho interpôs a devedora recurso, admitido como de agravo, com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.

Dispensados os vistos, cumpre decidir.

Os pressupostos de facto a ter em consideração são os que defluem do relatório que antecede.

                                                                                 *

A apelação.

Nas conclusões com que termina a respectiva alegação, a recorrente levanta apenas as seguintes questões:

1º - A de saber se só estaria vinculada a depositar o saldo do seguro existente à data da penhora, saldo que seria inferior ao do capital e mesmo ao valor pelo qual foi pago o resgate solicitado pelo executado;

2º - E se o valor em dívida já se mostra depositado.

Contra-alegou o exequente, batendo-se pela manutenção do decidido.

Cumpre decidir.

Sobre a obrigação da recorrente depositar a totalidade do capital seguro.

Tal como decorre do relatório, o que está em jogo no recurso é essencialmente saber se a recorrente, seguradora na apólice 1118316110 relativa a um seguro de vida no qual é tomador o executado Henrique Amaro, está ou não obrigada a depositar a totalidade do capital seguro devida no respectivo vencimento, sendo que este ocorreu em 1 de Outubro de 2012.

É igualmente incontroverso, por estar aceite pelas partes e, de certo modo, defluir dos documentos juntos aos autos – embora não se encontrem juntas as Condições Gerais e Especiais da apólice que ficou a reger o contrato – que, à data da penhora, o executado Henrique Ramos Amaro era tomador junto da apelante de um seguro do ramo vida, com um capital seguro de € 5.000,00. E que tendo solicitado o resgate respectivo em 10 de Janeiro de 2012, o mesmo lhe foi concedido pela apelante por meio da transferência de € 4.138,70, concretizada em 11 de Maio de 2012 para uma conta de que era titular no Banco BPI.

Nenhuma dúvida se coloca relativamente à ineficácia perante o exequente de qualquer disposição de bens ou direitos previamente penhorados, disposição cuja inoponibilidade àquele está consagrada nos art.ºs 819 e 820 do CC.

E é pacífico entre os litigantes, incluindo a apelante, que do seguro em apreço, atenta a sua natureza financeira ou capitalizadora, advinha para o executado um crédito sobre a seguradora apelante. Na verdade, tal como os vulgares depósitos bancários ou os chamados PPR, os denominados seguros de capitalização caracterizam-se por integrarem uma aplicação financeira, apenas daqueles se diferenciando por combinarem a indemnização de um risco (no caso do seguro de vida, o risco de morte do segurado) com essa aplicação[1].

Por isso, neste tipo de seguro, o tomador adquire o direito ao crédito resultante do contrato na data convencionada para o vencimento.

O problema que agora se coloca está em definir o tratamento a dar à hipótese em que, violando a regra da indisponibilidade a partir da penhora, a seguradora-devedora satisfaz ao executado-credor o crédito penhorado, na totalidade ou reduzido de penalização, antes do respectivo vencimento.

A solução a dar-lhe não pode afastar-se dos princípios gerais.

  

A penhora de créditos consiste na notificação ao devedor de que o crédito fica à ordem do tribunal da execução, nos termos do art. 856º, nº1, do CPC. Resulta, assim, do texto da lei, que a penhora de créditos se efectiva por meio de notificação ao devedor e que ela fica feita logo que se procede a essa notificação. Como refere Teixeira de Sousa, “Acção Executiva Singular”, pág. 267, a notificação é condição de eficácia da penhora em relação ao terceiro devedor, produzindo como efeito o cumprimento da obrigação que deve ser realizada por esse devedor, ou através do depósito da respectiva importância na CGD ou da entrega da coisa devida ao exequente ou, ainda, mediante a realização da prestação ao adquirente do crédito, conforme estabelece o art. 860º do CPC.

No entanto – di-lo o nº 1 do art.º 860 do CPC – o dever de depositar à ordem do tribunal (que será do agente de execução se este existir) impende sobre o devedor que não haja contestado a obrigação, logo que a dívida se vença.

Isto é, o devedor só está obrigado a depositar a importância que integra o crédito na data do vencimento. De modo que a recorrente como devedora deveria ter depositado o valor do capital seguro – € 5.000,00 – em 1 de Outubro de 2012. Não o tendo feito, por em momento anterior ter autorizado indevidamente o resgate a pedido do executado, não pode invocar este circunstancialismo, que é inteiramente inoponível ou ineficaz perante o exequente. Por conseguinte, esta ineficácia relativa acaba por significar que diante da exequente tudo se passa como se a seguradora recorrente não tivesse pago qualquer resgate antecipado.

Donde que a decisão da 1ª instância de ordenar à apelante que procedesse ao depósito do crédito na sua expressão integral (€ 5.000,00) esteja em total harmonia com o comando do art.º 860, nº 1, do CPC.

E do que dito fica se retira que no caso em apreço não pode ter qualquer cabimento a norma do art.º 861-A, nº 6, do CPC, agora invocada pela recorrente para defender a tese de que só estava obrigada a depositar tão só o saldo existente à data da penhora (que equivaleria ao valor capitalizável do seguro nesse momento). É que não tendo sido ordenada a penhora de um depósito bancário, aquele preceito nunca seria aplicável à situação em apreço.    

Improcede, assim, a questão suscitada.

Sobre o depósito do valor do crédito penhorado.

Alega a apelante que depositou o valor do crédito.

Mas o que ela efectuou foi uma transferência bancária do montante do resgate para uma conta do executado. Não foi, assim, efectuado um depósito à ordem do tribunal, único que relevaria.

Pelo que não há efectivamente qualquer depósito a considerar.

Pelo exposto, negam provimento ao agravo.

Custas pela agravante.

                        Freitas Neto (Relator)

                        Carlos Barreira

                        Barateiro Martins


[1] José Vasques, na sua obra Contrato de Seguro, Coimbra Editora, 1999, qualifica de não-seguros as puras operações de capitalização que se traduzem “na troca de uma prestação única ou de prestações periódicas efectuadas pelo segurado por um título nominativo ou ao portador pelo qual a seguradora se compromete a pagar um capital previamente fixado, acrescida da participação nos resultados a que houver lugar”. Em todo o caso, há operações de capitalização de dependem de um facto aleatório, p. ex., quando, num seguro de vida, em caso de morte do segurado, além do capital, se atribui ao beneficiário designado uma remuneração do valor entregue pelo tomador. Neste caso, é com propriedade que se pode falar também de verdadeiro seguro, uma vez que a capitalização não é um puro objectivo das partes.