Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
213/10.7T2AVR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE ARCANJO
Descritores: INSOLVÊNCIA
SENTENÇA
EMBARGOS
ACÇÃO SUB-ROGATÓRIA
GRUPO DE SOCIEDADES
APENSAÇÃO DE PROCESSOS
PERSONALIDADE JURÍDICA
Data do Acordão: 09/07/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DO BAIXO VOUGA – JUÍZO DE COMÉRCIO DE AVEIRO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 606º CC; 2º E 86º, Nº 2, DO CIRE
Sumário: I – Os embargos à sentença declaratória de insolvência não são meio adequado para neles se exercer a acção sub-rogatória, prevista no artº 606º do CC.
II – O CIRE (aprovado pelo DL nº 53/2004, de 18/03) não contém um regime específico sobre a insolvência no grupo de sociedades, eliminando a coligação, prevista anteriormente no CPEREF (redacção do DL nº 315/98, de 20/10) passando a estatuir (artº 86º, nº 2) a apensação de processos, devendo interpretar-se extensivamente de modo a permitir, em determinadas condições, uma consolidação substancial, através de liquidação conjunta.

III – A lei não atribui personalidade jurídica ao grupo de sociedades, separada e autónoma das sociedades componentes, como sujeito de direito (“personificação do grupo”).

IV – Porque as sociedades de grupo, mesmo em domínio total, mantêm autonomia jurídica, não obsta à declaração de insolvência de uma ou de várias delas, face ao conteúdo do artº 2º do CIRE.

V – O levantamento da personalidade colectiva no âmbito do grupo de sociedades tem natureza excepcional e pressupõe, além do mais, que a personalidade tenha sido usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros, segundo o critério do abuso de direito.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra


I – RELATÓRIO

1.1. - "A..., LLC", com sede em ..., Estados Unidos da América, ao abrigo dos arts.40 nº1 f) e d) do CIRE e 606 do CC, em sub-rogação da sociedade B..., deduziu embargos à sentença declaratória de insolvência da sociedade D..., decretada, em 29 de Janeiro de 2010, no Juízo do Comércio da Comarca de Baixo Vouga.

Alegou, em resumo:

A sociedade declarada insolvente D... foi detida a 98,18% pela sociedade C..., e esta detida a 100% pela B... .

A embargante é credora da B... de um crédito no valor de € 1.500.000,00, acrescida de juros de mora vencidos de € 39.452,05 e vincendos.

Por sua vez, a B... é credora da sociedade insolvente, devido a um financiamento de € 4.105.282,31 que lhe concedeu.

Sendo a B... credora da insolvente, teria a faculdade, no âmbito do seu direito de crédito, de opor embargos à sentença declaratória de insolvência, nos termos do art.40 nº1 d) CIRE, o que não fez.

Dada a relação de grupo, constituída pelo domínio total, a B..., para fazer face ao cumprimento da obrigação para com a embargante, deveria, nos termos do arts.503 CSC, determinar a transferência para si de activos da sociedade insolvente, de forma a extinguir essa dívida e diminuir o seu passivo.

A B... nunca pagou à embargante e o seu património é insuficiente, tanto assim que já requereu a sua insolvência.

Sendo os embargos um meio necessário à satisfação do direito de crédito da B... sobre a insolvente e ao exercício do direito da B... determinar a transferência, para si, dos bens necessários a fazer face à suas dívidas, pode a embargante sub-rogar-se à B... no exercício daqueles direitos e deduzir, em sua substituição, os embargos que ela poderia opor.

A sentença de insolvência da D... a não pode ser mantida.

A administração da sociedade insolvente ao apresentar-se à insolvência conseguiu, com a sentença, destacar o património da sociedade dependente para benefício exclusivo dos credores desta, em prejuízo dos credores da sociedade dominante, introduzindo, por esse meio, a separação de património e a afectação exclusiva a determinados credores que a lei quis evitar ao estabelecer o regime legal dos grupos de sociedades.

Os credores da sociedade dominante deixam de poder contar com o património da sociedade dependente, na medida em que a sociedade dominante deixa, com a cessão da relação de grupo, de poder ornar a transferência, para si, dos activos da sua dependente.

Na declaração de insolvência da D..., o tribunal não teve em conta os seguintes factos:

Não foi ainda declarada a insolvência da B... ;

Os credores da sociedade insolvente têm a faculdade de exigir da B... a satisfação dos seus créditos;

A B... tinha e tem credores, entre os quais a embargante, está em situação de incumprimento, pelo que havendo ainda activos na esfera da sociedade sua dependente tinha a obrigação legal de fazer operar a transferência, para si, desses activos, até que retomasse a sua situação de solvabilidade;

Os activos da sociedade insolvente ainda não tinham sido todos transferidos para a B... .

Pediu a revogação da sentença e requereu a citação da B..., nos termos do art.608 CC.

1.2. – Por despacho de 5/3/2010 ( fls.31 a 37 ), decidiu-se indeferir liminarmente os embargos.

Para tanto, aduziram-se dois argumentos essenciais: a ilegitimidade da embargante ( por inverificação dos pressupostos da acção de sub-rogação ) e a improcedência dos embargos ( por falta de fundamento legal ).

1.3. – Inconformada, a embargante recorreu de apelação ( cf. fls.152 a 208), com as conclusões que se passam a resumir:

[…]

1.4. - Contra-alegou a embargada D....( fls.215 a 261 ), em resumo, com a inexistência dos pressupostos da acção sub-rogatória e dos fundamentos dos embargos, bem assim com a inutilidade superveniente da lide, em virtude da declaração de insolvência da B..., por sentença de 15/3/2010 ( proc. nº 255/10.2T2AVR) do Juízo de Comércio da Comarca de Baixo Vouga.


II - FUNDAMENTAÇÃO

         2.1. - A impostação do problema:

         Decretada, por sentença de 29 de Janeiro de 2010, a insolvência da sociedade D..., a aqui embargante, com sede em ..., Estados Unidos da América, deduziu embargos à sentença, em sub-rogação da sociedade B... ( arts.40 nº1 f) e d) do CIRE e 606 do CC).

         O despacho recorrido indeferiu liminarmente os embargos, com base em dois tópicos argumentativos:

         a) - A ilegitimidade activa da embargante, por inverificação dos pressupostos da acção de sub-rogação, no essencial, com os seguintes argumentos:

         i) - Pendente processo de insolvência da B..., o exercício do suposto direito de crédito contra a D...fica afastado, por aplicação analógica do disposto no art. 245º, nº 3, al. a) e 5 do CSC;

         ii) - O direito da sociedade dominante determinar a transferência de bens da insolvente para o seu património ( art.503 CSC ), não configura um direito de crédito, susceptível de sub-rogação, mas antes um acto inserido nos poderes de administração da empresa, pertencente exclusivamente ao órgão de administração da sociedade dominante;

         iii) - Qualquer que fosse o direito da sociedade dominante, ele não seria exercitado através dos presentes embargos, já que estes apenas conduziriam à revogação da sentença declaratória de insolvência , o que por si só é insusceptível de conduzir a um qualquer aumento do activo ou à redução do passivo da  sociedade dominante e, por isso, insusceptível de reverter em benefício dos credores da sociedade dominante. Para tanto seria necessário um acto da administração da sociedade dominante sendo que, no exercício desta e conforme já referido, não pode a embargante substituir-se àquela por via de qualquer acção de sub-rogação pois que tanto violaria o princípio do exercício pessoal do cargo que recai sobre os administradores.

         b) – Manifesta improcedência, por falta de fundamento legal:

         A embargante não alegou factos novos susceptíveis de infirmar/afastar a situação de insolvência da devedora que, de acordo com o que por esta veio alegado e documentos que juntou aos autos principais, vem estribada na manifesta inferioridade do seu passivo em relação ao activo e, em suma, na impossibilidade de cumprir todas as suas obrigações vencidas por ausência de meios próprios ou alheios para as liquidar. Com efeito, em nenhum momento a embargante alega que a devedora se apresenta solvente, ou seja, que tem capacidade para, por si só, cumprir todo o seu passivo.

Em contrapartida, objecta a apelante dizendo verificar-se o direito de embargar por sub-rogação do direito que a lei confere à B... , direito com um conteúdo patrimonial, e que o tribunal não podia declarar a insolvência da sociedade dominada sem a prévia insolvência da sociedade dominante e das restantes sociedades que integram o grupo.

2.2. – Os embargos à sentença, a acção sub-rogatória e a insolvência no grupo de sociedades:

A sentença declaratória da insolvência pode ser impugnada alternativa ou cumulativamente através de embargos ( art.40 CIRE) e do recurso ( art.42 CIRE), retomando-se o sistema da dupla reacção constante do Código de Processo Civil (arts.1182 e 1183).

Os embargos destinam-se exclusivamente à alegação “ de factos ou de meios de prova que não tenham sido tidos em conta pelo tribunal e que possam afastar os fundamentos da declaração de insolvência” ( art.40 nº2 ), ou seja, exige-se a oposição com base em novos factos ou novos meios de prova.

O art. 40 nº1 do CIRE postula os sujeitos com legitimidade para embargar a sentença declaratória de insolvência. Não sendo a embargante um dos sujeitos aí elencados, designadamente, credora da insolvente, discute-se a questão se saber se o direito de embargar pode ser exercitado aqui por via da sub-rogação, prevista no art.606 do CC. Ou seja, alegando a embargante ser credora da B..., , e sendo esta credora da insolvente, se pode sub-rogar-se no direito de embargar da sua devedora.

A sub-rogação do credor ao devedor de direitos de conteúdo patrimonial contra terceiros ( art.606 do CC ) faz parte de um conjunto de instrumentos, entre os quais a acção pauliana, a legitimidade do credor para invocar a nulidade dos actos praticados pelo devedor e o arresto, que a ordem jurídica coloca à disposição do credor para defesa e conservação da garantia do seu direito, que é o património, susceptível de penhora, do devedor ( art.601 do CC ).

           A acção sub-rogatória, ou seja, o exercício por parte do credor de direitos de natureza patrimonial que a lei confere ao devedor e dos quais resulte um aumento do activo ou diminuição do passivo, ao contrário do regime do CC de 1867, está agora admitida em termos gerais, procurando conciliar-se os interesses do credor em se defender da inacção do devedor e o deste em não ver coarctada a sua liberdade.

Trata-se de sub-rogação indirecta do credor ao devedor, por não configurar uma forma de substituição na titularidade de um direito ( sub-rogação directa ), mas antes de uma actuação, enquanto meio conservatório da garantia patrimonial. No essencial são três os requisitos: uma obrigação efectivamente existente, a inércia do devedor e a essencialidade da sub-rogação (cf., por ex., VAZ SERRA, Responsabilidade Patrimonial, BMJ 75, pág.153 e segs, ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, vol.II, 4ª ed., pág.424 ).

A lei processual não prevê a sub-rogação para a prática de actos processuais, com fundamento na norma de direito substantivo inscrita no art.606 do CC. O que a lei prevê e regula é a figura da substituição processual ou a intervenção de um terceiro na causa.
         A substituição processual acontece quando alguém defende direito alheio em nome próprio, por não haver coincidência entre o titular do direito subjectivo e o exercício da acção, sendo uma espécie de legitimidade extraordinária, distinguindo-se da sucessão processual e da representação.
         A substituição processual pode ser de inicial, quando a acção é proposta pelo substituto, ou superveniente, se no decurso do processo se opera a substituição, como no caso previsto no art.271 do CPC, desde que não ocorra uma modificação subjectiva da instância por habilitação do transmissário.

         Por isso, a apelante não pode fundar-se no art.606 do CC para legitimar o direito aos embargos, além do mais, porque a sub-rogação não é automática, dependendo da prévia comprovação dos respectivos pressupostos e destinando-se os embargos a impugnar a sentença declaratória da insolvência, com base em “factos novos” susceptíveis de “afastar os fundamentos da declaração insolvência”, logo com uma estrita finalidade, não parece que através deles se possa exercitar a acção sub-rogatória, de natureza conservatória, pois tal implicaria alargar o objecto dos próprios embargos, sendo um direito de natureza processual ( direito subjectivo processual ) que incide sobre um acto jurisdicional ( a sentença declaratória de insolvência), e cujas condições de exercício não estão reguladas pelo direito substantivo, havendo, de resto, disposição legal expressa a conferir legitimidade específica a determinados sujeitos /titulares ( art.40 nº1 do CIRE ).

         Em todo o caso, e mesmo que assim se não entenda, também não se verificam os pressupostos da acção sub-rogatória, como se justificou pertinentemente no despacho recorrido.

         A embargante socorre-se, em abono da sua pretensão, das implicações jurídicas da relação de grupo entre as sociedades B...(dominante) e a D...(dominada), sustentando, além do mais, o direito da sociedade dominante dar instruções à sociedade dominada e de determinar a transferência de activos ( art.503 nº1, por remissão do art.491 do CSC), bem como o regime da responsabilidade por dívidas nas sociedades em relação de grupo, tudo isto, para justificar o conteúdo patrimonial do direito de impugnar a sentença por oposição de embargos.

         Verifica-se, antes de mais, que também a B..., , foi declarada insolvente, por sentença de 15/3/2010 do Juízo de Comércio de Aveiro ( Comarca de Baixo Vouga), o que implica a cessação da relação de grupo (arts.489 nº4 b) e 141 nº1 e) do CSC) e a consequente impossibilidade dela dispor do património das suas participadas e de emitir as” instruções vinculantes”.
Note-se que tal facto, contrariamente ao reclamado pela apelada, não configura uma inutilidade superveniente da lide, como causa da extinção da instância ( art.287 e) CPC), porque esta dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não possa subsistir por motivos atinentes ao sujeito ou ao objecto do processo, o que manifestamente não sucede.

         Por outro lado, o pretenso direito sub-rogatório seria aqui postergado pela ausência da inactividade ou inércia da B..., visto haver reclamado o seu crédito na insolvência da sociedade D...( dominada ).

           Acresce que, como também se anotou no despacho, o direito de embargar, mesmo na hipótese de procedência, jamais implicaria a transferência automática dos activos, porque tal se insere no “poder de direcção” – o direito de dar à administração da sociedade dominada “instruções vinculantes” ( art.503 nº1 CSC ), ainda que desvantajosas para a sociedade dominada.

Contudo, trata-se de um poder limitado, desde logo, porque as ordens prejudiciais devem ser lícitas e servir interesses do grupo ou da sociedade directora, e não podem determinar a transferência de activos da sociedade dominada, sem “justa contrapartida” ( art.503 nº4 CSC ), além de que a titularidade do exercício do direito de dar instruções cabe aos órgãos de administração da sociedade directora, como resulta do art.504 nº1 CSC.

É certo que aplicando-se às sociedades de domínio total as normas relativas às sociedades subordinadas, por força da norma remissiva do art.491 CSC, ela deve ser objecto de interpretação correctiva, designadamente no tocante às transferências patrimoniais, mas em todo o caso sempre se impunha o respeito pelos limites da própria sobrevivência económica da sociedade dependente ( cf. ENGRÁCIA ANTUNES, Os Grupos de Sociedades, 2ª ed., pág.721, 889 e segs.) e jamais operaria como efeito imperativo da revogação da sentença.

Por seu turno, conforme se justificou no despacho recorrido, a embargante não alegou factos novos que infirmem os fundamentos em que assentou a declaração de insolvência, ou, como respondeu a apelada, a tese da apelante nunca levaria a considerar solvente a recorrida.

           A apelante diz que o tribunal não considerou factos ( novos ) sobre a situação do grupo, por a sociedade D...estar integrada num grupo societário que constitui uma unidade empresarial, não podendo decretar-se a insolvência de uma sociedade dominada, sem que previamente tenha sido decretada a insolvência da sociedade totalmente dominante e das restantes do grupo, com vista a uma liquidação comum, ou seja, o objecto da insolvência terá de ser a empresa considerada no seu todo.

Esta questão remete-nos para o problema geral da insolvência nos grupos de sociedades.

           No âmbito do CPEREF ( redacção do DL nº 315/98 de 20/10 ) era permitida a coligação activa ou passiva de sociedades que se encontrassem em relação de grupo, nos termos do Código das Sociedades Comerciais.

           Daí admitir-se a viabilidade de uma acção falimentar em coligação passiva tendo por objecto um grupo de sociedade por domínio total em que a relação de crédito se reportasse à sociedade mãe e a uma das filhas das demais sociedades componentes do grupo plurissocietária ( cf., por ex., Ac RL de 9/12/2003 e Ac RP de 14/2/2004, disponíveis em www dgsi.pt ).

           O actual CIRE ( aprovado pelo DL nº 53/2004 de 18/3 ) não contém um regime específico sobre a insolvência no grupo de sociedades, eliminando até a coligação, agora apenas prevista para a insolvência de casados ( art.264 ).

         Estatui-se, porém, no art.86 nº2, a apensação dos processos de insolvência quando estejam em causa sociedades comerciais entre as quais se verifiquem, nos termos do Código das Sociedades Comerciais, relações de domínio ou de grupo.

É controversa a questão de saber se com apensação permanece a “autonomia formal e substancial dos processos”, sem liquidação conjunta, ou se ela tem impacto substantivo, possibilitando uma consolidação patrimonial, com a liquidação conjunta das sociedades do grupo.

           No sentido da autonomia formal, CARVALHO FERNANDES/ JOÃO LABAREDA ( Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, Vol.I, pág.361 ), para quem cada um dos processos apensos segue os seus próprios termos, embora proporcione vantagens como a do não recebimento por nenhum credor de mais do que lhe é devido, dado o concurso simultâneo às diversas massas insolventes responsáveis pela dívida.

Diversamente, ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA ( “ A insolvência nos grupos de sociedades”, Revista de Direito das Sociedades, Ano I ( 2009 ), nº4, pág.995 e segs. ) sustenta que o art.86 nº2 CIRE deve ser objecto de interpretação extensiva, de modo a permitir, em determinadas condições, uma consolidação substancial, através de liquidação conjunta, assumindo “indirecta incidência material, permitindo afastar a ideia do processo de insolvência como processo exclusivamente dirigido à liquidação do património de cada sociedade individual “, logo “ pode e deve haver apensação dos processos de insolvência de sociedades que se encontrem, com a sociedade declarada insolvente, em relação de domínio ou de grupo, sempre que a lei ou a confusão dos patrimónios o justifique, independentemente da posição ocupada por cada uma das sociedades no grupo “ ( pág.1013 ), sendo esta a posição que melhor garante a igualdade dos credores, cuja solução se revela dogmaticamente mais consistente, e, por isso mesmo aceitável.

           Mas uma coisa é a liquidação conjunta através da apensação de processos, na acepção acolhida, outra a impossibilidade legal da insolvência de uma das sociedades do grupo, reivindicada pela apelante.

Dado que as sociedades de grupo, mesmo em domínio total, mantêm autonomia jurídica, como resulta da própria regulamentação legal e é entendimento doutrinário predominante, a lei não obsta à declaração de insolvência de uma ou de várias delas, como no caso presente, face ao conteúdo do art.2º do CIRE.

Na verdade, a lei não atribui personalidade jurídica ao grupo de sociedades, separada e autónoma das sociedades componentes, como sujeito de direito ( “personificação do grupo” ), pois o que o caracteriza, enquanto forma de organização de um conjunto de empresas, é precisamente “a unidade económica do todo e a pluralidade jurídica das partes”, e o grupo de sociedades, seja vertical, horizontal ou diversificado, não é reconduzível a uma empresa ( em sentido objectivo ou subjectivo), postergando se a concepção de unidade empresarial ( cf., neste sentido, ENGRÁCIA ANTUNES, Os Grupos de Sociedades, 2ª ed., pág.155 e segs., COUTINHO DE ABREU, Da Empresarialidade, pág.256 e segs. ).

Não obstante, a doutrina convoca, por vezes, o instituto da desconsideração ou levantamento da personalidade colectiva no âmbito do grupo de sociedades, quer com base em normas específicas ( por ex., art.501 do CSC ), quer por necessidade do sistema ( cf. MENEZES CORDEIRO, O Levantamento da Personalidade Colectiva, 2000, pág.81 e segs. ).

Só que mesmo nas situações de confusão de esferas jurídicas ou de subcapitalização material, não é o simples controlo, a interpenetração das sociedades ou a direcção unitária que justificam o levantamento, dada a natureza excepcional e subsidiária do instituto, sendo que este é trazido à colação quando “a personalidade foi usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros”, ou seja, – “ enquanto instituto de carácter excepcional, a desconsideração mantém o seu espaço próprio de actuação – necessariamente residual – mas não pode nunca ser erigido em solução de âmbito geral para os problemas dos grupos de sociedades. Por isso mesmo, em princípio a autonomia das sociedades mantém-se mesmo em caso de insolvência de uma ou de todas, salvo se os pressupostos do levantamento se encontrarem preenchidos ou se existir norma positiva a impor a responsabilidade “( cf. ANA DE OLIVEIRA, loc. cit., pág.1007 ).

           Ora, não há sequer elementos que apontem para uso abusivo da sociedade dominada, designadamente segundo o critério do abuso de direito ( art.334 CC ), sendo certo que o ordenamento contém normativos legais que não só proporcionam a correcção de desvios no âmbito das sociedades em relação de grupo ( cf, por ex., arts.83, 84, 501 e 502 CSC), como o art.22 do CIRE prevê a situação de responsabilidade civil pelos prejuízos causado aos credores em caso de indevida apresentação à insolvência pelo devedor.

           2.3. - As inconstitucionalidades:

           A apelante arguiu a inconstitucionalidade material das normas dos arts. 3 e 20 nº1 do CIRE, na interpretação dada, por violação do art.61 da CRP, e das normas dos arts.41 nº2 do CIRE e 234-A CPC por violação do art.20 da CRP.

           O direito constitucional à livre iniciativa económica, positivado no art.61 da CRP, tem sido concebido numa dupla vertente: por um lado, abrange a liberdade de iniciar uma actividade económica ( direito à empresa, liberdade de criação de empresa), e, por outro, na liberdade de gestão e actividade da empresa ( liberdade empresarial ) ( cf., por ex, Ac TC nº187/200, de 2/5/2001, nº289/04, de 27/4/2004, nº254/2007, de 30/3/2007, disponíveis em tribunal constitucional.pt).

           Pois bem, nenhuma destas liberdades de criação, escolha de objecto e modo de gestão foram postergados com a interpretação nas normas legais citadas.

O direito fundamental de acesso ao direito e aos tribunais ou à tutela jurisdicional efectiva, plasmado no art.20 da CRP, enquanto direito de natureza análoga à dos direitos, liberdades e garantias, traduz-se, desde logo, no direito de recurso a um tribunal e de obter uma decisão jurídica sobre questão juridicamente relevante.

O Tribunal Constitucional interpreta esta garantia no sentido da proibição de regimes adjectivos que em absoluto retirem a uma das partes o seu direito de defesa ( cf., por ex., Acórdão 440/94, DR, II Série, de 1 de Setembro de 1994), reafirmando-a como “um direito a uma solução jurídica dos conflitos, a que se deve chegar em prazo razoável e com observância de garantias de imparcialidade e independência, possibilitando-se, designadamente, um correcto funcionamento das regras do contraditório, em termos de cada uma das partes poder deduzir as suas razões ( de facto e de direito) oferecer as suas provas, controlar as provas do adversário e discretear sobre o valor e resultado de umas e outras” ( cf., por ex., Ac TC nº86/88 de 13/4/88, BMJ 376, pág.237 ).

Sabido que o direito de acesso à justiça não é ilimitado ou absoluto ( cf., por ex., Ac TC nº 239/97 de 19/2/97, nº72/99 de 3/2/99, disponíveis em www tribunalconstitucional.pt ), a verdade é que, com a imputada inconstitucionalidade, a apelante mais não fez do que impugnar o acto do julgamento, a concreta aplicação do despacho recorrido sobre as normas legais invocadas, tanto assim que nem sequer especifica a recorrente o critério normativo, genérico e abstractamente concebido, seguido na interpretação dos preceitos.

           Por isso, debalde as alegadas inconstitucionalidades materiais.

           2.4. – Síntese conclusiva:

           1. Os embargos à sentença declaratória de insolvência não são meio adequado para neles se exercer a acção sub-rogatória, prevista no art.606 do CC.

           2. O CIRE ( aprovado pelo DL nº 53/2004 de 18/3 ) não contém um regime específico sobre a insolvência no grupo de sociedades, eliminando a coligação, prevista anteriormente no CPEREF ( redacção do DL nº 315/98 de 20/10 ) passando a estatuir ( art.86 nº2 ) a apensação de processos, devendo interpretar-se extensivamente de modo a permitir, em determinadas condições, uma consolidação substancial, através de liquidação conjunta.

         3. A lei não atribui personalidade jurídica ao grupo de sociedades, separada e autónoma das sociedades componentes, como sujeito de direito ( “personificação do grupo” ).

4. Porque as sociedades de grupo, mesmo em domínio total, mantêm autonomia jurídica, não obsta à declaração de insolvência de uma ou de várias delas, face ao conteúdo do art.2º do CIRE.

5. O levantamento da personalidade colectiva no âmbito do grupo de sociedades tem natureza excepcional e pressupõe, além do mais, que a personalidade tenha sido usada de modo ilícito ou abusivo para prejudicar terceiros, segundo o critério do abuso de direito.


III – DECISÃO

           Pelo exposto, decidem:


1)

           Julgar improcedente a apelação e confirmar o despacho recorrido.

2)

           Condenar a apelante nas custas.