Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | LUÍS CRAVO | ||
Descritores: | INCIDENTE DE ANULAÇÃO DA VENDA OMISSÃO DA INDICAÇÃO DOS FACTOS PROVADOS PODERES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 07/10/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | JUÍZO DE EXECUÇÃO DE ALCOBAÇA | ||
Texto Integral: | S | ||
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Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | ANULADA | ||
Legislação Nacional: | ARTIGOS 20.º, 4 E 205.º, 1, DA CRP ARTIGO 5.º, 1 E 2, B), CRPREDIAL ARTIGOS 154.º; 293.º A 295.º; 411.º; 574.º, 3, 607.º; 608.º, 2; 617.º; 615.º, B) E D); 662.º, 2, C) E 838.º, DO CPC | ||
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Sumário: | I – A omissão, em termos suficientes e adequados, da explicitação dos factos da causa, inviabiliza o controle interno da decisão, a reponderação a esse respeito do juízo de facto, para além de afetar as vias de defesa das partes. II – Assim, faltando a enumeração/discriminação expressa e explícita dos factos provados na “Decisão” final do incidente de anulação da venda (nos termos do disposto no artigo 838º do n.C.P.Civil), o Tribunal da Relação pode e deve anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na 1ª instância [art. 662º, nº 2, al. c) do mesmo n.C.P.Civil]. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Apelações em processo comum e especial (2013) * Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO No âmbito do processo de execução comum em que era exequente “A... S.A.” e executado AA e outros, tendo sido penhorado um bem imóvel, o Exmo. Agente de Execução comunicou a Decisão de Venda aos autos do mesmo em 30.06.2022, a saber, «Venda através de leilão electrónico, na plataforma www.e-leiloes.pt, nos termos do artigo 837.º do CPC», sendo que na oportuna sequência foi publicitada essa venda nos seguintes expressos termos: «Tipo de Bem: Imóvel Descrição do Bem: Prédio Urbano composto por casa de habitação rés-do-chão e sótão, tendo o r/c quatro divisões, cozinha, casa de banho e garagem e o sótão três divisões e casa de banho, com a área total de 1000m2, situado na Estrada ..., ..., no Lugar ..., da União das Freguesias ... e ... e do concelho ..., inscrito na respectiva matriz predial com o artigo n.º ...02, da freguesia e do concelho acima mencionados, e descrito na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóveis ... sob o n.º ...28/.... (Valor patrimonial actual CIMI determinado no ano 2016: 85.570,00 Euros). Valor Base: 182.352,95 € Valor de Avaliação: 85.570,00 € Modalidade da Venda: Venda por negociação particular Data da Venda: 2023-05-18 14:30 Valor da Venda: 155.000,01 € Data Limite da Publicação: 18-05-2023» * De referir que no portal “e-leilões.pt”, para além de uma fotografia do alçado frontal do imóvel, e do destaque à informação de que o imóvel tinha «Área Privativa: 226 m2; Área Dependente: 47 m2; Área Total: 1000 m2», do anúncio constava ainda o seguinte: «Observações: *Adverte-se que é da responsabilidade do (s) interessado (s) verificar se o imóvel corresponde às suas expectativas; * AS VISITAS terão lugar entre as 14:00 h e as 17:00 horas, 5 dias antes do encerramento do leilão, as quais passam pelo agendamento prévio com o fiel depositário (que não é o Agente de Execução), através do contacto que apenas se encontra disponível após efectuar o registo e "Login" na presente plataforma; *Alertam-se ainda os interessados que, antes de efectuarem propostas, deverão consultar as regras de funcionamento constantes no site e a legislação legal em vigor e aplicável; * Adverte-se ainda que, os pedidos de informação sem a indicação de número de processo ou a referência do leilão, não serão respondidos; * Encerrado o Leilão e aceite a proposta, oportunamente, o proponente é notificado para depositar o preço oferecido num prazo de 15 dias. (artigo 824º n.º 2 do Código de Processo Civil).» * Em 20.06.2023, o Exmo. Agente Execução comunicou aos autos haver decidido o seguinte: «(…) 2. Veio a sociedade B... Unipessoal, Lda, NIPC ...70, com sede na Estrada ..., ..., ... ..., apresentar proposta de aquisição do referido imóvel, pelo valor de € 155.105,01 (cento e cinquenta e cinco mil, centos euros e um cêntimo), valor superior a 85% do seu valor base indicado na supra aludida decisão. 3. Por ser a melhor proposta, decide-se vender o identificado bem imóvel ao supra aludido proponente. 4. Com efeito, será o mesmo notificado para proceder ao pagamento do mencionado preço, nos termos do n.º 2 do artigo 824.º do CPC, bem como para juntar os comprovativos de liquidação e pagamento das obrigações fiscais, em sede de de imposto de selo e I.M.T.» * Em 13.10.2023, o dito proponente “B... Unipessoal, Lda.”, veio deduzir “incidente de anulação da venda, nos termos do disposto no artigo 838º”, sustentando, no essencial, que «(…) a realidade do imóvel que o requerente adquiriu não correspondia nem corresponde ao que foi anunciado para efeitos de venda, sendo que o valor proposto pelo requerente para aquisição do mencionado imóvel sempre teve por base a área de 1.000m2 e não a de menos 225m2 que corresponde a uma servidão, não anunciada. o que se pode constatar pelo levantamento topográfico que se junta sob o doc.2 6.º o requerente só na presente data tomou conhecimento e consciência da divergência entre a área anunciada em venda e a área real do prédio, que são 775m2, pelo que o negócio é anulável por erro sobre o objecto, sendo que se o requerente soubesse que a área real do prédio não correspondia à área anunciada, nunca teria apresentado a proposta de compra. 7.º devendo ser restituído ao requerente, tudo quanto prestou, designadamente o preço pago, despesas da escritura, IMT (Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis) e Imposto de Selo, cujos documentos se protestam juntar.», termos em que concluiu no sentido de que «- Deve ser anulada a venda ou, em alternativa, - Deve assim ser reduzido o preço da coisa em função da área efetivamente existente, ou, ainda, - alternativamente ser o contrato convalescido mediante a expurgação do ónus ou limitação existente, ou seja, pela totalidade da área anunciada.» * No exercício do contraditório, a Exequente veio declarar, em 23.10.2023, que «(…) notificado do email do adquirente, vem discordar da anulação da venda do imóvel uma vez que, o ónus de verificação se o imóvel corresponde às suas expectativas pertence ao interessado. Assim, não pode o ora exequente aceitar que os fundamentos invocados para a anulação da venda sejam agora apresentados pois, atentas as observações constantes na plataforma do e-leilões já junta aos autos, está explícito que se adverte os interessados que antes de efectuarem propostas deverão ou poderão visitar o imóvel para verificar se efectivamente corresponde às expectativas. Em face do exposto, não se considera justificada a posição do adquirente uma vez que deveria ter garantido que todos os procedimentos supra referidos poderiam ter sido realizados previamente à apresentação da proposta/licitação uma vez que estava ciente das regras estabelecidas na supra referida plataforma.» * Notificado para se pronunciar, veio o Exmo. Agente de Execução, por sua vez, em 20.10.2023, informar os autos que: «•Não tem, nem nunca teve o agente de execução signatário conhecimento da existência de qualquer servidão, pois tal informação nunca foi prestada pelos executados, nem consta a mesma do registo predial, conforme pesquisa se que junta (DOC. N.º 1). •Ademais, salvo melhor opinião é da responsabilidade do proponente a verificação do estado do bem a adquirir, devendo antes de apresentar proposta assegurar-se que o mesmo corresponde às suas expectativas e se encontra nas condições pretendidas, podendo aliás o imóvel ter sido visitado pelo mesmo antes do encerramento do leilão, conforme informação colocada no anúncio (DOC. N.º 2).» * O citado proponente “B... Unipessoal, Lda.”, apresentou ainda uma “resposta a alegação”, através da qual, para além de reiterar o anteriormente sustentado, invocou que «(…) resultando dos documentos uma desconformidade entre o bem anunciado e o imóvel existente, o que constitui erro relevante sobre as qualidades do objecto transmitido. Desconformidade que se traduz na perda da utilização, gozo e fruição de 225 m2 da área do imóvel. SERVIDÃO que tudo indica, se constituiu por destinação do pai de família, já que o imóvel em causa é proveniente de um prédio fracionado, em virtude de partilhas, sendo os proprietários dos prédios com ele confinantes parentes entre si.» * Na sequência, a Exma. Juiz de 1ª instância proferiu decisão em 11.01.2024 do seguinte concreto teor: «B..., Unipessoal, Lda. veio requerer a anulação da venda ou, em alternativa, a redução do preço da coisa em função da área efetivamente existente ou ainda, em alternativa, a convalescença do contrato mediante a expurgação do ónus ou limitação existente, ou seja, pela totalidade da área anunciada. Para tanto, alegou que a realidade do imóvel que adquiriu não corresponde ao que foi anunciado para venda, sendo que o valor por si proposto para aquisição teve por base a área de 1.000m2 e não a de menos 225m2, que corresponde a uma servidão não anunciada. Juntou um documento intitulado “levantamento topográfico” relativo a um imóvel que não é identificado, constando do mesmo a referência a uma área de servidão de 225m2. O Agente de Execução informou não ter conhecimento da existência de qualquer servidão, na medida em que tal informação nunca foi prestada pelos executados, nem consta do registo predial, para além de que é da responsabilidade do proponente a verificação do estado do bem a adquirir, devendo antes de apresentar proposta assegurar-se que o mesmo corresponde às suas expectativas e se encontra nas condições pretendidas, podendo aliás o imóvel ter sido visitado pelo mesmo antes do encerramento do leilão. A exequente pugnou pelo indeferimento do requerido, corroborando o demais alegado pelo Agente de Execução. Compulsados os autos, verifico que não consta do registo predial qualquer servidão sobre o prédio em apreço. Cumpre apreciar e decidir. Dispõe o artigo 838.º do CPC que: “1 – Se, depois da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir, na execução, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, sem prejuízo do disposto no artigo 906.º do Código Civil. 2 - A questão prevista no número anterior é decidida pelo juiz, depois de ouvidos o exequente, o executado e os credores interessados e de examinadas as provas que se produzirem”. No presente caso, a venda incidiu sobre um imóvel cuja área real – segundo a alegação do comprador – não coincide com a área anunciada para venda, face à existência de uma servidão com a área de 225m2. Sucede que, conforme resulta do exposto acima, nenhuma prova foi apresentada no sentido de confirmar quer a existência de uma servidão incidente sobre o imóvel vendido, quer a área da mesma. Com efeito, o comprador apenas juntou um levantamento topográfico que não identifica o prédio aí retratado, desconhecendo-se em que se baseou para assinalar a existência de uma servidão naquele local e com a área indicada, uma vez que, conforme já se referiu, tal servidão não consta do registo predial nem de qualquer outra parte dos autos. Nada existindo que demonstre a existência da servidão, não se pode concluir que a área do imóvel seja inferior à anunciada para a venda, nem por qualquer outra desconformidade entre o imóvel adquirido pela requerente e o que foi anunciado. Não se verifica, pois, qualquer fundamento para proceder à anulação da venda, à redução do preço ou à convalescença do contrato. Face ao exposto, indefiro a anulação da venda do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...28, freguesia ..., à requerente B... – Unipessoal, Lda., bem como a redução do preço e a convalescença do contrato. Notifique.» * Insatisfeito, o dito proponente “B... Unipessoal, Lda.” interpôs recurso, cujas alegações finalizou com as seguintes conclusões: «41. A douta decisão que antecede foi inserida na Plataforma CITIUS á data de 11/01/2024, considerando-se a aqui Recorrente dela notificada em 15/01/2024. A. Ao processo executivo, em matéria de recursos, são aplicáveis os artigos 853º e 854º do Código de Processo Civil e, subsidiariamente, por força do artigo 852º, o regime estabelecido para os recursos no processo de declaração, sendo que as decisões que ponham termo a procedimentos ou incidentes de natureza declaratória, inseridas na tramitação da ação executiva, conforme preceituado nos artigos 852º e 853º, nº1, são passíveis de apelação autónoma, ou seja, de interposição imediata de recurso. B. O recurso de apelação da decisão do pedido de anulação da venda, pedido que se insere na tramitação normal e própria da execução, ao qual se aplica o regime regra dos incidentes (artigo 838º, nºs 1 e 2 e artigos 293º a 295º, todos do CPC), enquadra-se na previsão expressa na al. c), do nº2, do artigo 853º, do CPC. C. Logo, o prazo de interposição do recurso de tal decisão, é o prazo geral de 30 (trinta) dias, face ao disposto no artº 638º, nº1, 1ª parte, ex-vi al. c), do nº2, do artº 853º, aplicável por força do artº 852º, todos do Código de Processo Civil. D. Desde já devem ser consideradas inválidas as notificações, recusando-se-lhes a produção de quaisquer efeitos legais, respetivamente, dirigidas, a título oficioso, pela Secção do processo ao senhor agente de execução (notificação com a referência Citius 106184705, datada de 31/01/2024) e, deste último ao exequente (notificação com a referência Citius 10490681, datada de 05/02/2024), onde é referido que “a douta decisão aqui objeto de recurso transitou em julgado em 25/01/2024”. E. Vem o presente recurso interposto da douta decisão que antecede, a qual entendeu não se verificar qualquer fundamento para proceder à anulação da venda, à redução do preço ou à convalescença do contrato, tendo decidido: “indefiro a anulação da venda do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...28, freguesia ..., à requerente B... – Unipessoal, Lda, bem como a redução do preço e a convalescença do contrato”. F. Dispõe o artº 838º do CPC, que: “Se, depois da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir, na execução, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, sem prejuízo do disposto no artigo 906º do Código Civil” (nº 1). “A questão prevista no número anterior é decidida pelo juiz, depois de ouvidos o exequente, o executado e os credores interessados e de examinadas as provas que se produzirem” (nº2). G. A desconformidade entre o bem anunciado para a venda e o imóvel existente, constitui erro relevante sobre as qualidades do objeto transmitido e aquilo que foi anunciado, o que constitui motivo de anulação da venda e indemnização ao comprador, designada mas não exclusivamente, despesas com a escritura, impostos, levantamento topográfico e outros prejuízos, resultantes da probabilidade da alienação do imóvel, por parte da sua adquirente e ora recorrente. H. Com data de 27/03/2019, foi elaborado auto de penhora relativo ao seguinte bem: “Prédio urbano composto por casa de habitação rés-do-chão e sótão, tendo o r/c quatro divisões, cozinha, casa de banho e garagem, com a área total de 1.000 m2, situado na Estrada ..., ..., no Lugar ..., da União das Freguesias ... e ... e do concelho ..., inscrito na respetiva matriz predial com o artigo n.º ...02, da freguesia e do concelho acima mencionados e descrito na Conservatória do Registo Predial (dito de forma abreviada) de ... sob o n.º ...28/...”. (Facto Provado). I. A venda do imóvel em causa foi anunciada em leilão eletrónico, na modalidade de negociação particular, cfr. artºs. 811º, nº 1, al. d), 832º e 833º, todos do CPC, por decisão do senhor AE, tomada em 18/11/2022, sendo aceites propostas iguais ou superiores a 85% do valor base. Facto provado. J. O valor base, proposto pelo exequente, através de requerimento datado de 21/04/2022, foi fixado em 182.352,95 €, sendo aceites propostas iguais ou superiores a 85% desse valor, tendo sido atribuído o valor mínimo de 155.000,01 €. Facto provado. K. Ao tomar conhecimento da proposta de venda do referido imóvel, e atentas as características e descrição publicitadas no anúncio da venda, publicado na Plataforma E-Leilões (anúncio que é acompanhado da caderneta predial e descrição na Conservatória), mormente a localização, o edificado, a área e limites, a recorrente apresentou uma proposta de compra, no valor de 155.105,01 € (cento e cinquenta e cinco mil cento e cinco euros e um cêntimo), que foi aceite, conforme decisão do senhor AE, proferida em 20/06/2023, Facto provado. L. Por escritura de compra e venda, outorgada em 11/07/2023 no Cartório Notarial BB, em ..., lavrada de fls. 41 a 43 vº, a recorrente adquiriu o imóvel em causa (Doc.1, composto de 7 fls.) M. Das despesas feitas com o contrato e com a coisa comprada, a recorrente teve que suportar os seguintes custos: f) IMT – declaração de liquidação, emitida pela AT e obtida via Internet em 30/06/2023, no valor de 2.801,39£ (Doc.2, composto de 3 fls.); g) Imposto Selo – declaração de liquidação emitida pela AT e obtida via Internet em 30/06/2023, no valor de 1.240,84 € (Doc.3, composto de 3 fls.); h) Certificado energético, com o custo de 67,65 € (Doc.4); i) Pagamento da deslocação do senhor AE, para intervenção na escritura, com o custo de 45,40 € (Doc.5); j) Custo da escritura e outros emolumentos notariais, com o custo de 327,19 € (Doc.6); Que no seu cômputo ascendem a 4.482,47 € (quatro mil quatrocentos e oitenta e dois euros e quarenta e sete cêntimos). N. Verbas estas que merecem tutela jurídica, as quais, em caso de anulação da venda, deverão ser ressarcidas ao comprador, ainda que esta seja fundada em simples erro, como estatuído no artigo 909º do Código Civil. O. A ora recorrente ao receber o imóvel e ao tomar posse do mesmo, constata que este está onerado com uma SERVIDÃO, com a área de 225 m2. P. Servidão essa que se traduz numa desconformidade entre o bem anunciado para a venda e o imóvel existente, consubstanciada na perda de utilização, gozo e fruição de 225 m2 da área do imóvel, o que constitui erro relevante sobre as qualidades do objeto transmitido e aquilo que foi anunciado. Q. No pedido incidental, deduzido nos termos dos artigos 838º e seguintes do CPC, a aqui recorrente juntou levantamento topográfico, onde é visível essa afetação de área, tendo pago a quantia de 254,80 €, pelo apoio topográfico (Doc.7). R. Entendeu o Tribunal “a quo” desvalorizar, em absoluto, tal documento, afirmando que ”não identifica o prédio aí retratado, desconhecendo-se em que se baseou para assinalar a existência de uma servidão naquele local e com a área indicada”. S. Reforça o Tribunal o raciocínio expendido na circunstância de tal servidão não constar do registo predial, nem de qualquer outra parte dos autos. T. Compulsando os elementos matriciais do imóvel constata-se a harmonização e coincidência entre a caderneta e a descrição predial, constando que o prédio tem a área total de 1.000 m2, não sendo feita referência a qualquer ónus. U. Diz o senhor AE que “não tem, nem nunca teve conhecimento da existência de qualquer servidão, pois, tal informação nunca foi prestada pelos executados, nem consta a mesma do registo predial”. V. O que é facto é que o senhor AE inseriu o imóvel alienado e publicitou a sua venda, sem nunca se ter deslocado ao local, nem conhecer o imóvel, a sua localização ou as suas caraterísticas físicas ou cadastrais. W. Por outro lado, os princípios da certeza e da verdade são inerentes à credibilidade de um sistema de registo, destinando-se o registo predial a dar a conhecer a situação jurídica do prédio, tornando essa informação cognoscível para quem quer que nela tenha interesse, publicitando a coisa jurídica que é objeto de um direito de propriedade privada. X. MAS O QUE É FACTO É QUE O IMÓVEL ESTÁ MESMO ONERADO COM UMA SERVIDÃO DE PASSAGEM. Y. Estamos a falar de uma servidão que tudo indica, se constituiu por destinação do pai de família, tendo em atenção o disposto no artº 1549º do Código Civil e as características do prédio existente no local e dos que com ele confrontam. Z. O imóvel adquirido pela recorrente é proveniente de um prédio fracionado, por cinco “destaques” em virtude de partilhas, sendo todos os proprietários dos referidos cinco artigos, parentes entre si. AA. A recorrente junta NOVO levantamento topográfico – com planta do local; fotografia georreferenciada do prédio transmitido e dos confinantes e identificação do perito topográfico – (Doc.8). BB. Resulta do levantamento topográfico ora junto, que o prédio adquirido pela recorrente, a que corresponde o nº 35-D, da Estrada ..., recebe passagem do prédio com o número 35-C e tem que dar passagem ao prédio identificado como 35-E.. CC. O acesso a todos os prédios faz-se por um portão situado na topo do prédio 35-A, resultando inequivocamente que o prédio adquirido pela recorrente é um prédio encravado, não dispondo de qualquer acesso direto à via pública. DD. Os prédios nºs 35-A, 35-B, 35-C e 35-D, dão passagem ou acesso ao prédio com o qual confinam, respetivamente, as áreas de 210,50 m2, 206,00 m2, 220,00 m2 e 225,00 m2 (o da recorrente), como se mostra assinalado. EE. Passagem que está assinalada a picotado de cor rosa, com exceção do prédio 35-E, que é rústico, não tem qualquer edificado e extrema. FF. A recorrente teve que custear um novo levantamento topográfico (Doc.8), tendo importado esse custo na quantia de 274,40 € (Doc.9). GG. O Tribunal “a quo” ao desvalorizar o levantamento topográfico junto com o incidente do pedido de anulação da venda e, em alternativa, da redução do preço em função da área efetivamente existente; ou, ainda, do pedido de convalescer o contrato, mediante a expurgação do ónus ou limitação existente, indeferindo “in totum” qualquer um dos pedidos, omitiu pronúncia, nos termos do disposto na primeira parte, da al. d), do nº1, do artº 615º do CPC, o que é causa de nulidade da sentença. HH. Nulidade que é aplicável aos despachos, por força do nº 3, do artº 613º do CPC. II. Sem conceder relativamente ao erro e à relevância deste, sobre as qualidades do objeto transmitido, não repugna á recorrente aceitar que teria adquirido o bem, mas por preço inferior ao que pagou, reduzindo-se este em função da desvalorização resultante do ónus ou limitações do imóvel adquirido (prédio absolutamente encravado), além da indemnização que ao caso couber, nos termos estatuídos no artº 911º do Código Civil. JJ. Deve, pois, ser revogado o douto despacho/sentença aqui recorrido, substituindo-o por outro que declare e aprecie a desconformidade entre o bem anunciado para a venda e o imóvel transmitido, retirando-se as consequências que ao caso se ajustarem, seja da anulação da venda, seja a redução do preço do negócio, em função da desvalorização ou limitações da coisa transmitida. KK. Resta acrescentar que a junção de documentos com a interposição do recurso, torna-se absolutamente necessária, em virtude da decisão proferida relativamente ao incidente do pedido de anulação da venda, efetuado nos termos do artº 838º do CPC. Assim se fará a costumada Justiça» * A Exequente apresentou as suas contra-alegações, das quais extraiu as seguintes conclusões: «A) Resulta da anúncio de venda constante dos autos e que aqui se anexa como Documento n.º 1 a devida identificação do imóvel e que passados a transcrever: “Prédio Urbano composto por casa de habitação rés-do-chão e sótão, tendo o r/c quatro divisões, cozinha, casa de banho e garagem e o sótão três divisões e casa de banho, com a área total de 1000m2, situado na Estrada ..., ..., no Lugar ..., da União das Freguesias ... e ... e do concelho ..., inscrito na respectiva matriz predial com o artigo n.º ...02, da freguesia e do concelho acima mencionados, e descrito na Conservatória do Registo Civil, Predial, Comercial e Automóveis ... sob o n.º ...28/....” O contrato de mútuo com hipoteca e fiança de 30-06-2006 objecto de execução nos presentes autos, teve como propósito o pagamento de dívidas da sociedade dos executados C..., Lda., em cuja conta o valor de 140 000,00€ foi creditado. B) O referido anúncio de venda é ainda acompanhado pela Certidão Permanente e pela Caderneta Predial Urbana, onde constam determinadas e especificadas as áreas do imóvel objecto de venda, não constando da referida documentação, nem do anúncio a agora alegada existência de servidão de passagem alegada. C) É ainda certo que resulta do anúncio que competente ao proponente antes de apresentar proposta a verificação do estado do imóvel. D) Da documentação oficial do imóvel, não resulta a existência do ónus alegado, pelo que inexiste fundamento legal para reverter ou anular a venda já consolidada nos autos, tendo já o Tribunal indeferido o pedido, decisão esta que será de manter. E) Compete ao proponente a verificação do estado do bem a adquirir, devendo antes de apresentar proposta assegurar-se, que o mesmo corresponde às suas expectativas e se encontra nas condições pretendidas, podendo aliás o imóvel ter sido visitado pelo mesmo antes do encerramento do leilão, conforme informação colocada no anúncio e aqui já reproduzida. F) O recorrente juntou um levantamento topográfico, mediante o qual não é possível identificar o imóvel cuja venda se pretende agora anular, pelo que não resulta provado a existência da referida servidão de passagem, não se provando assim qualquer desconformidade com documentação pertencente ao imóvel. G) O Tribunal a quo não poderia ter decidido de outra forma, senão indeferir o pretendido pelo recorrente, devendo manter-se a mesma. Nestes termos e nos melhores de direito deve o presente recurso ser julgado improcedente e, em consequência ser confirmada a decisão recorrida.» * Nada obstando ao conhecimento do objeto do recurso, cumpre apreciar e decidir. * 2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objeto do recurso delimitado pelo Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4, 636º, nº2 e 639º, ambos do n.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo n.C.P.Civil), face ao que é possível detetar o seguinte: - nulidade da sentença [al. d) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil]; - desacerto da decisão que indeferiu o pedido apresentado pelo Proponente, numa Venda através de leilão eletrónico, de anulação da venda (ou, em alternativa, a redução do preço da coisa, ou ainda, em alternativa, a convalescença do contrato). * 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO: os pressupostos de facto a ter em conta para a pertinente decisão são os que essencialmente decorrem do relatório que antecede. * 4 – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 4.1 – A primeira ordem de questões que com precedência lógica importa solucionar é a que se traduz na alegação por parte do Proponente/recorrente da nulidade da sentença. Que dizer do argumento da nulidade da decisão por omissão de pronúncia [art. 615º, nº1, al.d) do n.C.P.Civil]. Neste particular, argumenta o Proponente/recorrente, em síntese, que na “Decisão” proferida se omitiu pronúncia (“nos termos do disposto na primeira parte, da al. d), do nº1, do artº 615º do CPC”) sobre o pedido formulado, em alternativa, da redução do preço em função da área efetivamente existente, ou, ainda, do pedido de convalescer o contrato, mediante a expurgação do ónus ou limitação existente, pois que se indeferiu “in totum” qualquer um dos pedidos. Vejamos. Nos termos da dita al. d), verifica-se a nulidade da sentença quando “O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Na verdade, à luz do disposto neste normativo, a decisão padece do vício da nulidade quer no caso de o juiz conhecer de questões de que não podia tomar conhecimento, quer no caso de deixar de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, isto tendo-se presente que o juiz não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras – art. 608º, nº2 do mesmo n.C.P.Civil. Ora, tem sido entendimento pacífico da doutrina e da jurisprudência, que apenas as questões em sentido técnico, ou seja, os assuntos que integram o “thema decidendum”, ou que dele se afastam, constituem verdadeiras questões de que o tribunal tem o dever de conhecer para decisão da causa ou o dever de não conhecer, sob pena de incorrer na nulidade prevista nesse preceito legal. Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio. Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do art. 615º nº1, al.d), do n.C.P.Civil… Ora se assim é, compulsando o teor integral da “Decisão” questionada, relativamente à alegação de omissão de pronúncia quanto aos aspetos referenciados, tão-simplesmente não se compreende ou alcança o sentido e pertinência de uma tal alegação! Aliás, salvo o devido respeito, só se compreende uma tal invocação por lapso ou desatenção da leitura/compreensão da dita “Decisão”. Pois que houve expressa pronúncia sobre os pedidos em causa! Com efeito, se bem se atentar nos termos literais da mesma, aí consta expressamente o seguinte: «(…) Não se verifica, pois, qualquer fundamento para proceder à anulação da venda, à redução do preço ou à convalescença do contrato. Face ao exposto, indefiro a anulação da venda do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial ... com o n.º ...28, freguesia ..., à requerente B... – Unipessoal, Lda., bem como a redução do preço e a convalescença do contrato. Notifique.» [com sublinhados da nossa autoria] Termos em que improcede claramente esta via de argumentação aduzida pelo Proponente/recorrente como fundamento para a procedência do recurso. Assim improcedendo, sem necessidade de maiores considerações, esta arguida nulidade. * 4.2 – Cumpre então entrar sem mais na apreciação e decisão sobre a questão substancial supra enunciada, a saber, a do desacerto da decisão que indeferiu o pedido apresentado pelo Proponente, numa Venda através de leilão eletrónico, de anulação da venda (ou, em alternativa, a redução do preço da coisa, ou ainda, em alternativa, a convalescença do contrato). Vejamos. Estatui o art. 838º do n.C.P.Civil, com a epígrafe “Anulação da venda e indemnização ao comprador”: «1 - Se, depois da venda, se reconhecer a existência de algum ónus ou limitação que não fosse tomado em consideração e que exceda os limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria, ou de erro sobre a coisa transmitida, por falta de conformidade com o que foi anunciado, o comprador pode pedir, na execução, a anulação da venda e a indemnização a que tenha direito, sem prejuízo do disposto no artigo 906.º do Código Civil. 2 - A questão prevista no número anterior é decidida pelo juiz, depois de ouvidos o exequente, o executado e os credores interessados e de examinadas as provas que se produzirem.». Face ao preceituado vido de citar, temos que a decisão a proferir sobre a pedido de anulação é precedida do exercício do contraditório, aplicando-se o regime dos incidentes (nº2 e arts. 293º a 295º do mesmo n.C.P.Civil). O dito artigo 838º, regendo sobre a anulabilidade da venda executiva, com fundamento em invalidade material da mesma, visa tutelar a posição do comprador, a quem é facultado, após a realização da venda, pedir, no próprio processo de execução, a anulação da venda, desde que ocorra uma situação de erro sobre o objeto jurídico ou sobre o objeto material da venda (identidade e qualidade), não se exigindo a essencialidade para o declarante/comprador do elemento sobre que incidiu o erro e o seu conhecimento ou cognoscibilidade para o declaratário, bastando que a identidade ou as qualidades do bem vendido divirjam das que tiverem sido anunciadas. Por outro lado, consagra um regime, integrado no próprio processo de execução, que se não pode compaginar com a admissão de automatismos cominatórios que ponham em causa o direito material, donde, a este propósito já foi doutamente sublinhado que «A anulação da venda executiva por erro sobre a coisa transmitida visa a tutela do comprador, estando por isso na sua exclusiva disponibilidade. Contempla situações de erro acerca do objecto jurídico (ónus ou limitação) ou material (identidade ou qualidade da coisa transmitida) da venda, mas quando comparado com o regime geral da anulação do negócio jurídico por erro (artº 257 CC e 251 CC) dispensa os requisitos exigidos pelo artigo 247º do CC: a essencialidade para o declarante e o seu conhecimento ou cognoscibilidade pelo declaratário, sendo apenas necessária a demonstração de que o ónus ou limitação não foi considerado ou que a identidade ou as qualidades do bem vendido não coincidem com as que foram anunciadas. Verifica-se erro material sobre a coisa transmitida quando no anúncio publicitando a venda foi indicada uma área do imóvel superior à real»[2] e, também, como não poderá deixar de ser, bastará que o ónus ou limitação não tenha sido tomado em consideração ou que a identidade ou as qualidades do bem vendido divirjam das que tiverem sido anunciadas.[3] Por sua vez, exemplo de situações de erro sobre a identidade ou qualidade da coisa traduzem-se na “discrepância relevante entre a área ou a composição do prédio anunciadas e as áreas e composições reais (…), a não correspondência física entre o prédio mostrado ao adquirente pelo encarregado de venda e o prédio vendido”. De referir que no âmbito da anulação da venda executiva, nos termos do nº 1, do artº. 838º do n.C.P.Civil, nomeadamente por reconhecimento de ónus ou limitação excedente dos limites normais inerentes aos direitos da mesma categoria (erro sobre o objecto jurídico), já foi enunciado, de forma exemplificativa, constituir «fundamento de anulação da venda o facto de um bem imóvel, anteriormente à penhora, ao arresto ou à garantia, se encontrar onerado com um arrendamento, com um direito de superfície ou com uma servidão, não obstante ter sido publicitado para venda como se encontrando livre de qualquer ónus ou encargo, ou a circunstância de não possuir licença de habitabilidade». [4] [sublinhado da nossa autoria] Deste modo, a anulação da venda executiva por erro sobre a coisa transmitida (cfr. nº1, do art. 838º, do n.C.P.Civil), contempla situações de erro acerca do objeto jurídico (ónus ou limitação) ou material (identidade ou qualidade da coisa transmitida) da venda, sendo necessária a demonstração de que o ónus ou limitação não foi considerado ou que a identidade ou as qualidades do bem vendido não coincidem com as que foram anunciadas. Poderá constituir fundamento de anulação da venda a situação alegada, se se vier a verificar nenhum acesso ao imóvel existir. Podem ser analisados diversos exemplos de erro sobre o objeto jurídico na obra anteriormente citada, exemplificando-se com «O comprador pode ainda invocar fundamentos gerais do direito civil para a anulação da compra, designadamente: a impossibilidade física ou legal, a inadmissibilidade legal, a contrariedade à ordem pública ou aos bons costumes, a incapacidade, o dolo, a coação, o conluio entre o executado e o terceiro, integrando uma simulação ou erro na declaração (cf. Lebre de Freitas, A Ação Executiva, 7ª ed., pp. 400-401 e Rui Pinto, A ação executiva, pp. 914-915, 918-919)».[5] In casu, temos que se tratou de uma venda por negociação particular que foi publicitada e desencadeada através de anúncio publicitado no portal “e-leiloes.pt”, ou seja, apesar da modalidade de venda adotada (particular), as diligências de promoção desta tiveram como veículo ou meio de comunicação e publicitação adotado o anúncio publicitado naquele portal. Face ao que importará aferir acerca da forma de publicitação efetuada, bem como acerca da amplitude de informação e publicitação transmitida (nomeadamente ao Proponente, ora Recorrente). A Portaria nº 282/2013, de 29/08, veio regulamentar vários aspetos das ações executivas cíveis, entre os quais, segundo o seu intróito, o dever de informação e comunicação do agente de execução perante as partes, o que constitui garante da transparência na condução de cada processo. Prevendo acerca da publicidade da venda, e especificamente sobre o anúncio eletrónico, prescrevem os nos 1 a 3, do respetivo art. 19º que: «1– A venda dos bens penhorados é publicitada, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 817.º do Código de Processo Civil, através de anúncio na página informática de acesso público, na Área de Serviços Digitais dos Tribunais, acessível no endereço eletrónico https://tribunais.org.pt. 2– O anúncio contém: a)- A identificação do processo de execução; b)- O nome do executado; c)- A identificação do agente de execução; d)- As características do bem; e)- A modalidade da venda; f)- O valor para a venda; g)- O dia, hora e local de abertura das propostas; h)- O local e horário fixado para facultar a inspeção do bem; i)- Menção, sendo caso disso, ao facto de a sentença que serve de título executivo estar pendente de recurso ou de oposição à execução ou à penhora. 3– O anúncio deve ainda conter quaisquer outras informações relevantes, designadamente ónus ou encargos que incidam sobre o bem, e que não caduquem com a venda, bem como, sempre que possível, fotografia que permita identificar as características exatas do bem e o seu estado de conservação» [sublinhado da nossa autoria] Por sua vez, o Despacho da Ministra da Justiça nº 12624/2015 – DR, 2ª Série, nº 219, de 09/11/2015 -, veio definir as Regras de Funcionamento da Plataforma de Leilão Electrónico, desenvolvida e administrada pela Câmara de Solicitadores, estatuindo no nº 1, do art. 4º ser «da exclusiva responsabilidade do agente de execução a colocação de bens em leilão eletrónico, bem como a informação introduzida na plataforma, nos termos legais e regulamentares aplicáveis». E, o art. 6º, nº 2, alínea m), prevendo acerca da publicidade do leilão, detalha que «a publicitação no portal www.e-leiloes.pt deve indicar, pelo menos: É tempo de reverter todos estes considerandos ao caso ajuizado. Nas correspondentes alegações, o Proponente/recorrente apresenta a sua discordância quanto à análise feita pelo tribunal a quo relativamente à prova que o próprio juntou aos autos, isto é, a sua apreciação/avaliação, nomeadamente argumentando que havia uma série de factos que importava serem considerados “provados”, e enfatizando que o prédio para o qual havia apresentado a proposta de compra e por si adquirido estava “mesmo” onerado com uma “servidão de passagem”, não se podendo aceitar a “desvalorização” em absoluto do levantamento topográfico operada pela decisão recorrida. Como é bem de ver, o Proponente/recorrente quis impugnar a matéria de facto, mas não o fez expressa e claramente. Não o tendo feito porquanto, em nosso entender, tal seria virtualmente impossível de ser feito, dada a forma como a “Decisão” quanto à matéria de facto foi elaborada pela Exma. Juiz a quo – melhor, não elaborada.[6] Afigura-se como indiscutível que essa “Decisão”, ainda que aligeirada e mais sintética, deve ser estruturada em moldes aproximados ao de uma “sentença”. Na verdade, estando em causa, como estava, um incidente de anulação da venda nos termos do disposto no artigo 838º do n.C.P.Civil, na falta de regulamentação especial, deviam-se observar as regras gerais previstas para os incidentes da instância, constantes dos arts. 292º a 295º do n.C.P.Civil, sendo que particularmente quanto à “decisão” existe no art. 295º uma remissão expressa para a aplicação “com as necessárias adaptações”, do disposto no art. 607º do mesmo normativo [este precisamente com a epígrafe de “Sentença”]. Ora, consabidamente toda e qualquer “sentença” tem uma estrutura tripartida, sendo constituída por um relatório, pelos fundamentos e pela decisão. Particularmente quanto aos fundamentos, diremos que no que à sentença diz respeito, a lei exige que o juiz discrimine os factos que considera provados e os não provados, para além de, noutro plano, impor um exame crítico das provas (art. 607º, nos 3 e 4 do n.C.P.Civil). Ainda que seja de admitir que numa decisão sobre um incidente de anulação da venda tudo seja feito de forma mais sintética e perfunctória, o que é, a nosso ver, imperioso e mesmo indispensável, é que no caso resulte perfeitamente claro e explícito qual a matéria efetivamente provada e não provada. O que vimos de dizer tem particular pertinência e reveste-se da maior acuidade para um caso como o ajuizado. Com efeito, no caso havia inegável materialidade alegada para fundamentar a procedência do incidente, como seja, a identificação do imóvel que foi penhorado (incluindo em termos fiscais e registrais), as características jurídicas e materiais do mesmo (objeto e eventuais ónus), as condições materiais (e até literais) em que o anúncio de venda do mesmo foi publicitado, o conhecimento efetivo do objeto em venda que o proponente tinha à data da proposta de aquisição (em particular o conhecimento ou cognoscibilidade sobre a área total do prédio e existência de uma servidão de passagem onerando o mesmo), valor de aquisição e despesas que a mesma implicou. Ora se assim era, impunha-se que a Exma. Juíza de 1ª instância analisasse criticamente as provas existentes, sem prejuízo de tomar em devida consideração os factos que estivessem admitidos por acordo ou provados por documentos, sendo certo que o contexto em causa necessariamente implicava a efetivação de um julgamento de facto. Contudo, na “Decisão” ajuizada, não se discriminou nem enunciou, expressamente, qual a matéria que se considerou como “Provada” e “não Provada”, antes se limitou a um breve enunciado da pretensão formulada e posições do Exmo. Agente de Execução e Exequente, seguida de uma desvalorização apriorística de um documento (levantamento topográfico) junto, para se concluir, singelamente, que nada existindo que demonstrasse a existência da servidão (que também não constava do registo predial!), não se podia concluir por haver desconformidade entre o imóvel adquirido pelo Requerente e o que havia sido anunciado, donde, «Não se verifica, pois, qualquer fundamento para proceder à anulação da venda, à redução do preço ou à convalescença do contrato». Ademais, a Exma. Juíza de 1ª instância decidiu não produzir qualquer prova, mormente a de que se pudesse socorrer ao abrigo do princípio do inquisitório, com tal desconsiderando ostensivamente que podia, ao abrigo da inquisitoriedade (amplamente consagrada no art. 411º do n.C.P.Civil[7] e aflorada em inúmeros preceitos relativos à instrução), ordenar/determinar a produção de (outras) provas, designadamente, perícia, inspeção ao local ou a produção de outros meios de prova que se tornassem necessários à descoberta da verdade e à boa decisão, mesmo, ouvir as partes, tendo decidido, de imediato, a questão, embora nada fundamentando expressamente de facto. Acontece que, salvo o devido respeito, nem sequer se podia considerar como impugnada a existência da servidão em causa. Atente-se que quer o Exmo. Agente de Execução quer o Exequente apenas invocaram o desconhecimento dessa situação [existência da servidão], designadamente por não terem de tal sido informados, nem a mesma constar do registo do prédio. No caso, o que estará em causa é uma servidão de passagem, a qual até pelo confronto da fotografia do alçado frontal do imóvel que foi publicitada pelo Exmo. Agente de Execução no portal “e-leilões.pt”, ao que tudo indica tem o respetivo leito alcatroado, donde tratar-se-á juridicamente de uma servidão aparente, que se revela por sinais visíveis e permanentes.[8] Sucede que nos termos do art. 5º, nº 1 e 2 al. b) do C.R.Predial[9], «os factos sujeitos a registo só produzem efeitos contra terceiros depois da data do respectivo registo (…), à exceção do caso das servidões aparentes». Assim, no caso da servidão aparente o registo predial pode ser feito, não tem que ser feito – aí a publicidade é meramente enunciativa[10], visto que a sua inscrição nada acrescentará à sua situação substancial. Isto é, à luz do Código do Registo Predial vigente, as servidões aparentes não deixam de produzir efeitos relativamente a terceiros pelo simples facto de não serem levadas ao registo. Ora se assim é, a invocação de desconhecimento [designadamente por não constar do registo predial a existência da servidão], até permite a conclusão de que houve admissão/confissão da existência da servidão, atento o preceituado no art. 574º, nº3 do n.C.P.Civil, na medida em que se tratava de facto de que quer o Exmo. Agente de Execução quer o Exequente deviam ter conhecimento… Acrescendo que, para a Exma. Juíza de 1ª instância, uma devida conjugação do levantamento topográfico junto com a fotografia do alçado frontal do imóvel que foi publicitada pelo Exmo. Agente de Execução no portal “e-leilões.pt”, podia e devia constituir até mais do que um início de prova da existência dessa dita servidão! Aliás, e voltando à “defesa” apresentada pelo Exmo. Agente de Execução, para um caso como similitude com o presente, em que estava em causa a falta de licença de utilização do imóvel posto em venda, já foi sustentado em douto aresto o seguinte: «V–constitui ónus da encarregada de venda (que igualmente desempenhava as funções de agente de execução, tendo operado a penhora de tal imóvel) a aferição acerca da totalidade dos ónus ou limitações do bem cuja venda executava, no âmbito do mandato conferido – o nº. 1, do artº. 833º, do CPC -, de forma a poder concretizar uma venda totalmente esclarecida e com total lisura para os potenciais interessados, e não propriamente ónus da interessada proponente aferir previamente acerca da existência ou inexistência daquele licenciamento ; VI– tendo a encarregada de venda optado pela execução de tal modalidade de venda através de anúncio publicitado na plataforma electrónica e-leiloes.pt, impunha-se-lhe que neste fosse observado todo o manancial informativo e esclarecedor, de forma a proporcionar aos potenciais interessados uma decisão conscienciosa, esclarecida e responsável ;»[11] O que tudo serve para dizer que, no limite, poderia a Exma. Juíza de 1ª instância considerar que a situação tal como apresentada e com a prova feita era incerta e suscitava dúvidas, mas a assim ser, competia-lhe, ao abrigo do princípio do inquisitório, ordenar/determinar a produção de (outras) provas, designadamente, perícia, inspeção ao local ou a produção de outros meios de prova que se tornassem necessários à descoberta da verdade e à boa decisão do incidente. O que não podia, salvo o devido respeito, era com uma apreciação aligeirada e com meros juízos conclusivos de facto e de direito, decidir sem mais pelo indeferimento da anulação da venda do prédio, bem como da redução do preço e da convalescença do contrato. Sem embargo do vindo de dizer, temos decisivamente que no caso nem está explícito nem resulta minimamente percetível, qual era afinal a real e efetiva matéria de facto que se considerava apurada em sede dessa “Decisão” final. Esta exigência de discriminação dos factos considerados provados (e não provados) é um importante corolário do princípio do Estado de Direito e do papel criador e aplicador do direito desempenhado pelos tribunais. Sendo que a garantia de que todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas tem, entre nós, assento constitucional (art. 205º, nº1 da C.R.Portuguesa), está configurada nos artigos 154º e 615º, nº1, al.b), do n.C.P.Civil e consta do art. 6º da Declaração Europeia dos Direitos do Homem, como uma componente essencial da garantia de um processo equitativo (art. 20º, nº4, da mesma C.R.Portuguesa). De referir que nos termos do preceituado no citado art. 205º nº1 da Constituição da República, «[a]s decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei», sendo que esta exigência constitucional não constitui uma mera exigência formal, já que a fundamentação cumpre uma dupla função: de “carácter subjectivo” – garantia do direito ao recurso e controlo da correção material e formal das decisões pelos seus destinatários – e de “carácter objectivo” – pacificação social, legitimidade e autocontrole das decisões.[12] Sendo certo que esta asserção se reporta a todas as “decisões” dos tribunais, apenas ressalvando as de mero expediente. Por outro lado, essa apontada falta de especificação dos fundamentos de facto que justificam a decisão constitui uma “violação do dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais”, e encontra-se prevista na al.b) do nº1 do art. 615º do n.C.P.Civil, como um dos casos de nulidade da sentença, com o regime de arguição previsto no nº 4 do mesmo preceito legal. Daqui decorre que, neste caso, o recurso podia ter como fundamento esta nulidade, a qual podia ser suprida nos termos do art. 617º do mesmo normativo. No caso vertente esta nulidade não foi arguida pelas partes nem foi objeto de recurso. Acontece que, como doutamente já foi vincado em aresto oportuno deste mesmo Tribunal da Relação de Coimbra, «Porém, tal não obsta a que a respectiva existência seja conhecida oficiosamente quando haja controversão de factos julgados ou a julgar, para que se apreciar a aplicabilidade dos critérios substantivos constantes da norma ou normas jurídicas elegíveis. Nestas circunstâncias, prevê o artigo 712.º, n.º 4, do CPC, que a Relação possa anular, mesmo oficiosamente, a decisão proferida na primeira instância, quando repute deficiente a decisão sobre pontos concretos da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta. Assim, se a lei concede tal poder nos casos em que a decisão sobre a matéria de facto é meramente deficiente ou escassa para decisão de todos os pontos controvertidos da questão de direito, por maioria de razão também o concede quando se verifique uma total ausência da fixação da matéria de facto na sentença. Efectivamente, atento o poder censório conferido ao Tribunal da Relação, só face à indicação discriminada dos factos provados é que este tribunal poderá efectivamente entrar na apreciação do recurso interposto da sentença do tribunal ‘a quo’, pois só de posse desses elementos poderá averiguar cabalmente se existiu ou não uma correcta subsunção do direito aos factos e, evidentemente, ponderar se o juiz violou ou não alguma norma legal quanto aos factos que podia valorar; verificar se o juiz atendeu a todos os relevantes para a decisão da causa, ou se omitiu factos que devia ter considerado, etc.»[13] Naturalmente que aqui entronca o critério e determinante nesta matéria. Com efeito, os princípios gerais vindos de enunciar aplicam-se de pleno a uma “Decisão” num incidente da instância, como é a que está em causa na situação vertente. E nem se argumente que a Exma. Juíza a quo cumpriu em termos mínimos esse dever de fundamentação, com a apreciação que por si foi efetuada na decisão que proferiu. É que «Omitindo-se, em termos suficientes e adequados a explicitação dos factos da causa, inviabiliza o controle interno da decisão, a reponderação a esse respeito do juízo de facto, para além de afectar as vias de defesa das partes.»[14] Invoca-se neste último aresto vindo de referenciar o ensinamento de MICHELE TARUFFO, que efetivamente por paradigmático igualmente entendemos citar, a saber: «na motivação da sentença o juiz deve desenvolver uma argumentação justificativa da qual devem resultar as «boas razões» que fazem aceitar razoavelmente a decisão, numa base objectiva, não só para as partes, mas também – num plano mais geral – para a opinião pública. Na motivação, o juiz deve demonstrar a consistência dos vários aspectos da decisão, que vão desde a determinação da verdade dos factos na base das provas, até à correcta interpretação e aplicação da norma que se assume como critério do juízo. Da motivação deve resultar particularmente que a decisão foi tomada, em todos os seus aspectos, de facto e de direito, de maneira racional, seguindo critérios objectivos e controláveis de valoração, e, portanto, de forma imparcial»[15]. Noutro passo, esse mesmo autor sublinhou o seguinte: «a decisão não deve ser só justa, legal e razoável em si mesma: o juiz está obrigado a demonstrar que o seu raciocínio é justo e legal, e isto só pode fazer-se emitindo opiniões racionais que revelem as premissas e inferências que podem ser aduzidas como bons e aceitáveis fundamentos da decisão.»[16] Com efeito, na palavra de JORGE MIRANDA e RUI MEDEIROS, a fundamentação das decisões judiciais deve ser expressa, clara, coerente e suficiente e deve ser adequada à importância e circunstância da decisão.[17] Assim, não se encontrando discriminada em termos expresso e explícitos a factualidade tida por assente pelo Tribunal de 1ª instância na “Decisão” sob recurso, não pode efetivamente esta Relação exercer esse poder censório e decidir as questões que lhe foram colocadas. Pois que o tribunal recorrido se limitou a fazer uma “brevíssima” análise da prova apresentada, para dela extrair juízos conclusivos de facto, sem, como se disse, antes enumerar/discriminar devidamente os pertinentes factos onde deveria ter feito radicar o seu conhecimento final sobre o mérito da lide. Tendo presente que carecem, igualmente, de ser explanadas minimamente as razões determinantes do juízo de prova ou não prova dos factos sobre os quais não foi tomada posição expressa ou dos outros cuja reponderação se impõe face à incompletude de conhecimento que igualmente ocorreu, tudo antes de se proferir decisão final de mérito. Nestes termos, face a esta apontada deficiência, impõe-se oficiosamente anular a decisão recorrida, nos termos do art. 662º, nº 2, al. c) do n.C.P.Civil, devendo ser proferida nova “Decisão”, com enumeração/discriminação expressa e explícita dos factos “provados” [e eventualmente dos “não provados”], em obediência ao preceituado nos termos aplicáveis do art. 607º, nos 3 e 4 do n.C.P.Civil, mais devendo consignar-se motivação cabal para a parte omitida (com exame, sucinto e perfunctório que seja, da prova apreciada na sua globalidade), tudo sem prejuízo da necessidade/conveniência da prévia produção de prova adicional, designadamente perícia [para definição das estremas do prédio e apuramento rigoroso da sua área] e/ou inspeção ao local [para constatação a olho nú da real situação do prédio]. Consequentemente, fica prejudicado o conhecimento da questão do mérito da decisão suscitada no presente recurso. (…) * 6 – DISPOSITIVO Nesta conformidade e pelos fundamentos expostos, decide-se anular a “decisão” recorrida, determinando-se que os autos baixem à primeira instância a fim de a mesma aí ser substituída por outra em que se elenquem devidamente os factos “provados” e “não provados” (enumeração/discriminação expressa e explícita), fundamentando-se uma tal decisão de facto de acordo com o dever atinente que emerge dos enunciados preceitos legais, aplicando-se então depois o direito aos factos apurados, tudo sem prejuízo da necessidade/conveniência da prévia produção de prova adicional. Sem custas. Coimbra, 10 de Julho de 2024 Luís Filipe Cravo João Moreira do Carmo Fonte Ramos
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