Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | LUIS CRAVO | ||
Descritores: | TÍTULO EXECUTIVO DOCUMENTO PARTICULAR ACTA DA ASSEMBLEIA DE CONDÓMINOS INDEFERIMENTO LIMINAR | ||
Data do Acordão: | 12/17/2014 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | COMARCA DE VISEU - VISEU - INST. CENTRAL - SECÇÃO DE EXECUÇÃO - J1 | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.46 CPC/61, 703 CPC/2003, 6º DL Nº 268/94 DE 25/10 | ||
Sumário: | 1.- No particular dos “títulos executivos”, vigora o princípio da tipicidade ou taxatividade, do qual decorre que o legislador, de modo imperativo, quanto a esta matéria, fixou que documentos podem cumprir função de título executivo, sendo que no C.P.Civil, esse elenco constava do art. 46º do mesmo, normativo que foi objecto de renumeração no n.C.P.Civil (de 2013), passando a constar do art. 703º deste último. 2.- Com a Reforma de 2013 ao processo civil (decorrente da Lei nº 41/2013, de 26.06.), a categoria de “documentos particulares” foi suprimida no correlativo art. 703º, nº1, al.c) do n.C.P.Civil. 3.- Uma acta de reunião de assembleia de condóminos, para efeitos e ao abrigo do art. 6º do DL nº 268/94, de 25 de Outubro, apenas serve de título executivo contra o proprietário que deixe de pagar a sua contribuição/despesas de condomínio, e já não para ser usada por eventuais credores que sobre o condomínio tenham quaisquer créditos, ainda que reportados a essa mesma questão da contribuição/despesas de condomínio. 4.- A manifesta falta de título executivo, consubstancia motivo de indeferimento liminar do requerimento inicial executivo, nos termos do art. 812º-E, nº1, al.a), do C.P.Civil, na redacção aplicável e que lhe foi dada pelo DL nº 226/2008, de 20 de Novembro. 5.- No caso de deficiente alegação e enquadramento no requerimento inicial executivo, quer factual, quer jurídico, pode ter lugar despacho de aperfeiçoamento do requerimento executivo ex vi do previsto no nº3 do art. 812º-E, nº1, do mesmo C.P.Civil decorrente da Reforma de 2007. | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam na 2ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1] * 1 – RELATÓRIO “P (…). L.da” propôs execução sumária para pagamento de quantia certa contra “CONDOMÍNIO CENTRO COMERCIAL D (...)”, sendo que a execução tem como título executivo uma acta de condomínio que se encontra junta aos autos a fls. 5-10, pretendendo a exequente o pagamento da quantia de € 10.635,62 da executada. Para tanto alega que ela exequente foi administradora do condomínio do prédio dito no D (...)– Centro Comercial n.º 363, até Junho de 2006, e que no período em que durou a administração do executado, ela exequente liquidou despesas com as suas partes comuns, mormente despesas de expediente, água, electricidade e outras referentes às partes comuns, no valor total de € 12.214,61, valor que se reflectiu em saldo negativo do condomínio e que até à presente data não foi liquidado, acrescendo que no âmbito de contrato de prestação de serviços com a exequente, o executado não liquidou honorários no valor de € 1.750,00, sendo que o executado ao longo de vários anos foi alternando de administrador e reunindo com a exequente de forma a resolverem extrajudicialmente os valores em dívida, até que, no ano de 2012, chegaram a acordo com o executado em fixar o montante em dívida no valor de € 10.000,00, valor este que se encontra “reflectido em assembleia de condóminos que corresponde a acta n.º 10, que serve de título à presente execução”, mas que pese embora tal acordo, o executado não procedeu à liquidação do valor em falta e reconhecido em assembleia. * Por despacho na oportuna sequência proferido, a Exma. Juíza titular dos autos, tendo presente que o título executivo apresentado constitui uma acta da reunião da assembleia de condóminos, proferiu o seguinte despacho: «De acordo com o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 268/94, de 25 de Outubro “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportados pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixe de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.” Da conjugação do citado normativo legal, com os artigos 10.º, n.º 5 e 703.º do Código de Processo Civil - disposições que estabelecem a função do título executivo, determinando o fim e limites da acção executiva e as espécies que lhe podem servir de base – e com artigo 713.º do mesmo diploma legal - que exige como requisitos da obrigação exequenda que esta seja certa, exigível e líquida, se o não for em face do título executivo, ainda que constitua uma fase introdutória da execução – conclui-se que uma acta apenas serve de título executivo contra o proprietário que deixe de pagar, e já não contra eventuais credores que sobre o condomínio tenham quaisquer créditos. Quer isto dizer que a acta de condomínio dada à execução não constitui título executivo contra a aqui executada. Nos termos e pelos fundamentos expostos, indefere-se liminarmente o requerimento executivo por manifesta falta de título executivo, nos termos do disposto no artigo 726.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.» * Inconformada com essa decisão, apresentou a Exequente recurso de apelação contra a mesma, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões: «I. A exequente serve-se dos presentes autos e seu título executivo, com vista a exigir do condomínio – o conjunto de proprietários – montante que deixaram de pagar. II. Em despacho que se recorre o tribunal a quo indefere liminarmente o requerimento executivo por manifesta falta de título executivo, nos termos de artigo 726.º, n.º 2 de C.P.C. Em suma, conclui que uma acta apenas serve de título executivo contra o proprietário que deixe de pagar, já não contra eventuais credores que sobre o condomínio tenham quaisquer créditos e que por tal não constitui título executivo contra a executada - o condomínio. III. Ou seja, serve de título executivo, documento que por disposição especial, é atribuída força executiva, de acordo com a alínea d) de n.º 1 de artigo 703.º do C.P.C., e artigo 6.º de Decreto-lei – 268/94 de 25 de Outubro. Trata-se de título executivo de onde consta a prestação que se pretende obter de forma judicial, nos termos de n.º 5 de artigo 10.º de C.P.C. IV. Pois da análise de acta dada a execução se retira claramente o fim e o limite do direito da exequente. Mormente, que existe valores por liquidar por parte do condomínio à exequente, que esse valor corresponde ao montante de 10.000,00€ e que se prende com a cobertura de despesas às expensas dos administradores. V. Enquanto administrador, o exequente e face à falta de liquidez de condomínio e como forma de evitar que este se visse privado sobretudo de electricidade e elevadores, algo que traria prejuízos graves, pois o condomínio executado corresponde a um Centro Comercial. A exequente adiantou a suas custas, o pagamento de tais serviços comuns do executado. VI. Ficando, com um crédito sobre o executado, que após negociação com o mesmo, se limitou ao valor de 10.000,00€ que consta em acta dada a execução e ora se requer o se pagamento. VII. E o condomínio executado, nada mais é do que o conjunto de proprietários, os quais no caso concreto deixaram de pagar à exequente, na proporção da sua quota – parte, em valor que assumem por liquidar em acta de assembleia. A execução é contra o condomínio, porquanto este representa a globalidade dos condóminos/proprietários reunidos nos termos legais. Responsáveis pelas dívidas das partes comuns, são os condóminos/proprietários, nos autos devidamente representados pelo executado. VIII. E sobre os quais nasce a obrigação de liquidar o montante definido em assembleia. IX. Entende a recorrente que a acta dada à execução é título executivo contra o executado, pois determina a contribuição por liquidar à exequente. X. No caso concreto, estamos perante um conjunto de proprietários, reapresentados pelo condomínio, que deixaram de pagar o valor assumido perante a exequente XI. Pois primeiramente as partes alcançaram o valor em dívida, tornando-o líquido, certo e exigível e seguidamente o aprovaram em assembleia de condóminos nos termos legais. XII. A prosseguir o presente despacho, vai obrigar a exequente a intentar acção declarativa, quando já detém título executivo de onde consta a prestação que pretende obter de forma coerciva, fazendo tábua rasa, da razão de ser do processo executivo e da força executiva dada às actas de condomínio, contra os proprietários que deixem de pagar. Acresce que, o executado sempre terá possibilidade de colocar em causa tal obrigação exequenda e o título dado a execução, em sede de embargos de executado, por excerto declarativo. XIII. Não faz sentido que a acta da reunião da assembleia que tivesse deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio servisse de título executivo contra o condómino relapso, e a mesma acta não servisse de título executivo para o conjunto de condóminos relapsos perante a exequente. XIV. A recorrente pode accionar a sua universalidade – o condomínio, o que fez. Contrariamente ao concluído pelo tribunal recorrido, não está a ser dada a execução uma acta contra eventuais credores. XV. A assembleia de condóminos está sim, a servir de título a execução para pagamento de quantia certa, contra um conjunto de proprietários que deixaram de pagar e a ser utilizada por um eventual credor, a aqui recorrente. XVI. Ora, no caso concreto, a exequente tem legitimidade e capacidade de conduzir o processo, ou seja, é quem pode ser o verdadeiro titular, ativo ou passivo, do objeto litigioso, e não que é o titular. Este último juízo integra o mérito a ser aferido em momento processual posterior. XVII. Entende ainda a recorrente que a sua qualidade de credora se retira da acta dada à execução que a coloca numa situação legitimadora, isto é, cinge-se à teórica identificação, in statu assertionid, das pessoas legalmente tituladas à demanda executória, ou seja, retira-se da acta o tema no terreno dos esquemas abstratos, traçados pela lei, para habilitar alguém ao processo (situações legitimadoras). XVIII. No caso, o título executivo oferece o mínimo de garantias quanto à existência do direito de crédito que a exequente pretende satisfazer coercivamente, cf. Acórdão de 23-05-2002, em que foi relator Loureiro da Fonseca Sumários N.º 61 do STJ – P. 46. XIX. E no mesmo sentido da exequente, encontramos Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, processo n.º 9241055, JTRP00008382, in dgsi.pt, nos termos do qual: “Nos termos do disposto artigo 1437.º n.º 2 de C.C., o administrador do condomínio pode ser demandado na acções respeitantes às partes comuns do edifício, ou sejam, as acções nas quais estejam em causa actos da conservação e fruição das coisas comuns, actos conservatórios dos respectivos direitos ou prestação de serviços comuns (por exemplo, remunerações do administrador, despesas de electricidade e relativas ao pessoal contratado para a prestação de serviços). II - Se o ex-administrador pagou essas despesas do seu bolso, ficou subrogado nos direitos dos respectivos credores.” Entende a exequente que se encontra violadas as seguintes disposições legais: artigos 1437.º do Código Civil, artigos 10.º n.º 5, alínea d), n.º 1 de artigo 703.º, n.º 2 de artigo 726.º, todos de C.P.C., e artigo 6.º de Decreto – Lei n.º 268/94 de 25 de Outubro. Termos em que, Deve o presente recurso de apelação ser julgado procedente e, em consequência com o douto suprimento que expressamente se invoca ser o despacho de indeferimento liminar recorrido substituído por outro, que defira liminarmente o requerimento executivo e determine a prossecução dos autos executivos até final, assim se fazendo JUSTIÇA.» * Não foram apresentadas quaisquer contra-alegações. * Colhidos os vistos e nada obstando ao conhecimento do objecto do recurso, cumpre apreciar e decidir. * 2 – QUESTÕES A DECIDIR, tendo em conta o objecto do recurso delimitado pela Recorrente nas conclusões das suas alegações (arts. 635º, nº4 e 639º, ambos do N.C.P.Civil), por ordem lógica e sem prejuízo do conhecimento de questões de conhecimento oficioso (cf. art. 608º, nº2, “in fine” do mesmo N.C.P.Civil), face ao que é possível detectar o seguinte: - uma acta da reunião da assembleia de condóminos configura título executivo por e para uma empresa de administração de condomínio – que alegadamente liquidou despesas com as partes comuns do edifício (mormente despesas de expediente, água, electricidade e outras) e tem também alegadamente crédito de honorários – relativamente à quantia exequenda reclamada, correspondente ao valor de alegado acordo de montante em dívida pelo condomínio executado, que tenha ficado “reflectido em assembleia de condóminos” a que se reporta tal acta? * 3 – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO Com relevância para a apreciação das conclusões do recurso, para além do que resulta do precedente relatório, cumpre ter presente que: - resulta literalmente da invocada acta nº 10 da assembleia de condóminos, que teve lugar em 27 de Julho de 2012, que aí foi reportado pela administração, quanto às contas do exercício do ano 2007 até Julho de 2012, a existência de “saldos iniciais transitados constantes em acta precedente”, e, mais concretamente se encontrando reproduzido na própria acta um quadro com a designação de “status de valores por liquidar”, do qual consta, designadamente, quanto a “P (...)”, o valor de “- 10.000,00”, sendo que as contas dos exercícios em causa foram aprovadas nessa mesma assembleia de condóminos, pela maioria legalmente exigida; - o executado deduziu oportunamente oposição à execução que lhe foi movida, sustentando uma ampla linha de defesa, contemplando quer a alegação “da inexequibilidade do título executivo”, “ do erro na forma do processo”, e “da prescrição”, quer questionando a “relação causal subjacente”, sumariamente, que não obstante o montante alegadamente em dívida (€ 10.000,00) constar da acta que serve de título executivo, a reunião/assembleia de condóminos foi muito problemática, não tendo sido essa acta subscrita por todos os condóminos participantes, padecendo ela de vícios que comprometem a sua legalidade. * 4 - FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO Cumpre então entrar na apreciação da questão suscitada no recurso e que consiste na discordância frontal relativamente ao entendimento perfilhado no despacho recorrido, no sentido de que face ao disposto no art. 6º do DL nº 268/94, de 25 de Outubro, “uma acta apenas serve de título executivo contra o proprietário que deixe de pagar, e já não contra eventuais credores que sobre o condomínio tenham quaisquer créditos”. Efectivamente, preceitua-se no citado normativo que “A acta da reunião da assembleia de condóminos que tiver deliberado o montante das contribuições devidas ao condomínio ou quaisquer despesas necessárias à conservação e fruição das partes comuns e ao pagamento de serviços de interesse comum, que não devam ser suportados pelo condomínio, constitui título executivo contra o proprietário que deixe de pagar, no prazo estabelecido, a sua quota-parte.” Ora, consabidamente, neste particular dos “títulos executivos”, vigora o princípio da tipicidade ou taxatividade, do qual decorre que o legislador, de modo imperativo, quanto a esta matéria, fixou que documentos podem cumprir função de título executivo, sendo que no C.P.Civil, esse elenco constava do art. 46º do mesmo, normativo que foi objecto de renumeração no n.C.P.Civil (de 2013), passando a constar do art. 703º deste último. De referir que esse rol era completado pelos arts. 47º a 52º do C.P.Civil / arts. 704º a 708 do n.C.P.Civil, além de legislação avulsa. Seja como for, “trata-se de um rol taxativo, não se admitindo o seu alargamento por interpretação extensiva e, muito menos, por analogia.”[2] Acontece que entre essa dita legislação avulsa constava e consta precisamente a referenciada categoria da “acta da reunião da assembleia de condóminos” (cf. art. 6º do DL nº 268/94, de 25 de Outubro), relativamente ao que não ocorreu qualquer alteração ou revisão legislativa. Neste quadro, quanto a nós, não merece efectivamente qualquer censura o sentido da decisão recorrida quanto ao entendimento perfilhado no sentido de que uma acta de reunião de assembleia de condóminos, para efeitos e ao abrigo do art. 6º do DL nº 268/94, de 25 de Outubro, apenas serve de título executivo contra o proprietário que deixe de pagar a sua contribuição/despesas de condomínio, e já não para ser usada por eventuais credores que sobre o condomínio tenham quaisquer créditos, ainda que reportados a essa mesma questão da contribuição/despesas de condomínio. Importa ter presente que a referida atribuição de força executiva às actas de assembleia de condóminos não constitui inovação no nosso ordenamento jurídico, já sendo consagrada no primeiro diploma que de forma estruturada regulou em Portugal a propriedade horizontal: o Decreto-Lei nº 40333, de 14.10.1955.[3] A formulação do citado art.º 23.º do Decreto-Lei nº 40333 enquadrava-se na modalidade de acta a que se reconhece força executiva, por documentar deliberação que aprova despesas, da qual nasce a obrigação de o condómino prestar a respectiva contribuição (a vencer-se futuramente), bastando essa acta para fundar a execução, em caso de incumprimento.[4] Com efeito, uma acta com o aludido conteúdo comprova a constituição de uma obrigação e bem assim a data do seu vencimento; assim, decorrido o aludido prazo de pagamento, documentará uma obrigação que é certa e exigível e que poderá ser liquidada no requerimento executivo, por meio da indicação das prestações que não foram pagas e que estão, assim, em dívida (cfr. artigos 802.º, 805.º n.º 1, do C.P.Civil).[5] Dito de outra forma: em termos de interpretação literal, o que está contemplado e se tem em vista é a execução pelo “condomínio” contra o “proprietário” que deixe de pagar a sua contribuição/despesas de condomínio. Naturalmente que esta categoria de título executivo, até por constar de legislação avulsa, é claramente excepcional, donde a sua aplicação por analogia – por um “credor” sobre o “condomínio” – estar excluída relativamente a normas de tal natureza (cf. art. 11º do C.Civil). Mas será que se pode entender diversamente por via de interpretação extensiva do regime legal? Sucede estar pressuposto na interpretação extensiva, “que dada hipótese, não estando compreendida na letra da lei, o está todavia no seu espírito: há ainda norma, visto que o espírito é que é decisivo. Quando há lacuna, porém, a hipótese não está compreendida nem na letra nem no espírito de nenhum dos preceitos vigentes...num caso estamos ainda a extrair a norma, implícita num texto imperfeito, no outro nada encontramos implícito, porque há uma lacuna”[6] Ora cremos já resultar do vindo de expor que a situação invocada corresponde afinal a uma situação que não está de todo contemplada no espírito da norma... Isto é, corresponde inequivocamente a situação invocada a uma lacuna do sistema, donde não se lhe poder aplicar por interpretação extensiva a pretendida categoria de título executivo acta de reunião de assembleia de condóminos, para efeitos e ao abrigo do art. 6º do DL nº 268/94, de 25 de Outubro! O que tudo serve para dizer que nada há a censurar à decisão recorrida enquanto fundamentada nesta linha de entendimento. * Dito isto, não podemos nem devemos deixar de apreciar uma outra vertente da questão. É ela a que se prende com a virtualidade da situação invocada para permitir a propositura de uma execução enquanto fundada em “documento particular”. De facto, a al. c) do nº1 do art. 46º do C.P.Civil[7] (na redacção decorrente do DL nº 226/08, de 20.11.), dispunha que (apenas) podiam servir de base à execução os documentos particulares, assinados pelo devedor, que importem constituição ou reconhecimento de obrigações pecuniárias, cujo montante seja determinado ou determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes, ou de obrigação de entrega de coisa ou de prestação de facto. Ora, o art. 1º, nº1, do já citado DL nº 268/94, de 25 de Outubro estabelece que “são obrigatoriamente lavradas actas das assembleias de condóminos, redigidas e assinadas por quem nelas tenha servido de presidente e subscritas por todos os condóminos que nelas hajam participado.” Por sua vez, o nº2 do mesmo artigo acrescenta que “as deliberações devidamente consignadas em acta são vinculativas tanto para os condóminos como para os terceiros titulares de direitos relativos às fracções”. Neste conspecto, tendo na assembleia de condóminos a que se reporta a acta ajuizada sido aprovadas (pela maioria legalmente exigida) as contas do exercício do ano 2007 até Julho de 2012, sendo que dessas contas fez parte o reconhecimento de um valor de € 10.000,00 por liquidar à aqui Exequente “P (...)”, e acta essa que se mostra devidamente assinada por quem de direito, parece legítimo sustentar que a mesma configurava um “documento particular” neste último enquadramento, a saber, enquanto documento assinado pelo devedor, que importava reconhecimento de uma dívida. É certo que com a Reforma de 2013 (decorrente da Lei nº 41/2013, de 26.06.), essa categoria de “documentos particulares” foi suprimida no correlativo art. 703º, nº1, al.c) do n.C.P.Civil… Acontece que, tendo essa Reforma do C.P.Civil entrado em vigor no dia 1 de Setembro de 2013 (cf. art. 8º da Lei nº 41/2013 de 26 de Junho já citada), obviamente que tendo a execução ajuizada sido instaurada em 6.08.2013, foi ainda na vigência do C.P.civil decorrente da Reforma de 2007 que foi ela proposta – sobretudo porque é o próprio art. 6º, nº3 dessa mesma Lei nº 41/2013 de 26 de Junho a esclarecer que “o disposto no Código de Processo Civil, aprovado em anexo à presente lei, relativamente aos títulos executivos, às formas do processo executivo, ao requerimento executivo e à tramitação da fase introdutória só se aplica às execuções iniciadas após a sua entrada em vigor.” O que tudo serve para dizer que a execução ajuizada foi instaurada numa data em que a situação invocada – “acta nº 10 da assembleia de condóminos” – poderia ser enquadrável como constituindo um “documento particular” que valia como título executivo. Ora, temos que o art. 812º-E, nº1, do mesmo C.P.Civil decorrente da Reforma de 2007 (aditado pelo também já citado DL nº 226/08) prescreve o indeferimento liminar do requerimento executivo quando: “a) Seja manifesta a falta ou insuficiência do título; (…) c) Fundando-se a execução em título negocial, seja manifesto, face aos elementos constantes dos autos, a inexistência de factos constitutivos ou a existência de factos impeditivos ou extintivos da obrigação exequenda que ao juiz seja lícito conhecer”. E acrescenta o nº 3 que, fora dos casos do nº 1, “o juiz convida o exequente a suprir as irregularidades do requerimento executivo, bem como a sanar a falta de pressupostos (…)”. A esta luz e quanto ao que importa no caso, há título executivo, e este é suficiente, quando, tratando-se de documento particular, assinado pelo devedor, o mesmo importar a constituição ou o reconhecimento de obrigação pecuniária, se o respectivo montante estiver já determinado ou for determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes. Já, ao invés, faltará o título executivo se, visto o pedido exequendo, o documento particular, embora assinado pelo devedor, não importar a constituição ou não contiver o reconhecimento de obrigação pecuniária, ou se o respectivo montante não estiver determinado nem for determinável por simples cálculo aritmético de acordo com as cláusulas dele constantes. Nesta linha de entendimento, é efectivamente legítimo questionar se não era caso de convite ao aperfeiçoamento do requerimento executivo, em vez da imediata rejeição da pretensão de execução… Pois que, se o requerimento executivo deve ser acompanhado do título executivo (cf. art. 810º, nº6, al. a) do aplicável C.P.Civil) e se o juiz deve indeferir liminarmente o requerimento executivo quando “seja manifesta a falta ou insuficiência do título” (cf. nº1 do art. 812º-E do mesmo C.P.Civil), outra e diversa deve ser a solução quando se esteja afinal perante uma deficiente alegação e enquadramento, quer factual, quer jurídico, isto é, quando a situação invocada – “acta nº 10 da assembleia de condóminos” – poderia ser enquadrável como constituindo um “documento particular” que valia como título executivo. Devendo nesse caso ter lugar um despacho de aperfeiçoamento do requerimento executivo ex vi do previsto no nº3 do art. 812º-E, nº1, do mesmo C.P.Civil decorrente da Reforma de 2007! Mormente quando muito clara e expressamente fora alegado no requerimento executivo que pese embora o acordo (com o executado, em fixar o montante em dívida no valor de € 10.000,00), o executado não procedeu à liquidação do valor em falta e reconhecido em assembleia... Não obstante tudo o vindo de dizer, acontece que essa solução – do convite ao aperfeiçoamento – não pode agora ser alternativamente a escolhida e decretada, na medida em que a Exequente/recorrente não sustentou tempestivamente a ilegítima desaplicação de tal, nem tão pouco propugnou por que tal tivesse agora lugar. E estando como estava em causa, no limite, uma nulidade secundária, não pode ela ser conhecida, e muito menos declarada oficiosamente – cf. art. 201º do aplicável C.P.Civil. Efectivamente, se o não accionamento do poder-dever de decretar um despacho de aperfeiçoamento era omissão que constituía irregularidade relevante (cf. art. 201º nº 1 do C.P.Civil), contudo, não tendo sido ela arguida pela Exequente no recurso da decisão que a acobertou, não pode nem deve ser conhecida por esta Relação. O que tudo serve para dizer que não se pode argumentar que ocorreu um vício na decisão, por não ter sido oportunamente proferido despacho-convite pelo julgador, por via do que teria sido possível suprir tempestivamente a deficiência de enquadramento factual e jurídico. Desde logo porque alinhamos com aqueles que entendem que se o actual art. 726º nº 4 do n.C.P.Civil (ex vi do do art. 6º, nº2 do mesmo n.C.P.Civi), impõe ao juiz o dever de convidar as partes a suprir as deficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada (correspondendo agora a um poder vinculado), no quadro do correspondente nº 3 do artigo 812º-E do C.P.Civil, existia apenas um poder-dever funcional cuja omissão não gerava qualquer nulidade.[8] Mas ainda que se perfilhasse a posição contrária – a da verificação da nulidade, atenta a natureza vinculada do convite em causa – tal não invalida que estando em causa uma nulidade do art. 201º do C.P.Civil, tivesse que ser arguida no prazo geral de 10 dias após a correspondente omissão, donde estar agora sempre sanada.[9] Assim, sem necessidade de maiores considerações, necessária e incontornavelmente improcede o recurso, em qualquer via de enquadramento que se faça da questão ajuizada. * 5 – SÍNTESE CONCLUSIVA I – No particular dos “títulos executivos”, vigora o princípio da tipicidade ou taxatividade, do qual decorre que o legislador, de modo imperativo, quanto a esta matéria, fixou que documentos podem cumprir função de título executivo, sendo que no C.P.Civil, esse elenco constava do art. 46º do mesmo, normativo que foi objecto de renumeração no n.C.P.Civil (de 2013), passando a constar do art. 703º deste último. II – Com a Reforma de 2013 ao processo civil (decorrente da Lei nº 41/2013, de 26.06.), a categoria de “documentos particulares” foi suprimida no correlativo art. 703º, nº1, al.c) do n.C.P.Civil. III – A manifesta falta de título executivo, consubstancia motivo de indeferimento liminar do requerimento inicial executivo, nos termos do art. 812º-E, nº1, al.a), do C.P.Civil, na redacção aplicável e que lhe foi dada pelo DL nº 226/2008, de 20 de Novembro. IV – Naturalmente que outra e diversa deve ser a solução quando se esteja afinal perante uma deficiente alegação e enquadramento no requerimento inicial executivo, quer factual, quer jurídico, isto é, quando a situação invocada – “acta nº 10 da assembleia de condóminos” – poderia ser enquadrável como constituindo um “documento particular” que valia como título executivo, devendo nesse caso ter lugar um despacho de aperfeiçoamento do requerimento executivo ex vi do previsto no nº3 do art. 812º-E, nº1, do mesmo C.P.Civil decorrente da Reforma de 2007. V – O actual art. 726º nº 4 do n.C.P.Civil (ex vi do do art. 6º, nº2 do mesmo n.C.P.Civi), que impõe ao juiz o dever de convidar as partes a suprir as deficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada (correspondendo agora a um poder vinculado), constitui disposição ainda não em vigor ao tempo da prolação da decisão recorrida, sendo que se encontra em contraste com o correspondente nº 3 do artigo 812º-E do mesmo C.P.Civil decorrente da Reforma de 2007 – que é o dispositivo aplicável ao caso – face ao qual existia apenas um poder-dever funcional cuja omissão não gerava qualquer nulidade. VI – Mas ainda que se perfilhasse a posição contrária – a da verificação da nulidade, atenta a natureza vinculada do convite em causa – tal não invalida que estando em causa uma nulidade do art. 201º do C.P.Civil, tivesse que ser arguida no prazo geral de 10 dias após a correspondente omissão, sob pena de ficar sanada. * 6 - DISPOSITIVO Pelo exposto, decide-se a final julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida de indeferimento liminar/rejeição do requerimento executivo. Custas pela Exequente. * Coimbra, 17 de Dezembro de 2014
Luís Filipe Cravo ( Relator ) António Carvalho Martins Carlos Moreira
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