Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1387/17.1T8GRD-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA JOÃO AREIAS
Descritores: AUDIÇÃO JUDICIAL ATRAVÉS DE TELEFONE OU OUTRO MEIO DE COMUNICAÇÃO ACORDO DAS PARTES
Data do Acordão: 01/21/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA J. L. CÍVEL J1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 254º E 520º, Nº 1 DO NCPC.
Sumário: 1. No caso de comunicações determinadas em diligência em que a parte se encontre presente, a respetiva notificação é imediatamente feita, por via oral, dispensando-se as formalidades prescritas no artigo 253º CPC.

2. Se a parte nunca exerceu nos autos a pretensão da sua audição através da utilização de telefone ou outro meio de comunicação direta com o tribunal, meio este cuja utilização, além do mais, o nº 1 do artigo 520º faz depender do acordo das partes, a omissão de tal procedimento nunca poderá constituir uma nulidade processual tal como se encontra prevista no artigo 195º, nº1, CPC.

Decisão Texto Integral:








Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I – RELATÓRIO

O... e mulher, A..., intentam a presente ação declarativa sob a forma de processo comum contra J..., alegando, em síntese, que no dia 31 de agosto de 2017 o Réu dirigiu ao autor marido expressões injuriosas e ameaçadoras, tentando invadir a residência dos autores,

 pedindo, em consequência, a condenação do Réu no pagamento de uma indemnização no montante de 16.000,00 € a cada um dos autores, bem como numa sanção pecuniária compulsória no valor de 2.000,00 €, pelas práticas equivalentes a que se decida contra os autores.

O Réu contesta negando os factos que lhe são imputados, concluindo pela improcedência da ação.

Por despacho de 27 de dezembro de 2018, o juiz a quo indeferiu o requerimento da autora a solicitar a requisição ou atribuição de verba para custear o seu transporte em ambulância para a audiência final, decisão esta que, tendo sido objeto de recurso, veio a ser confirmada por este tribunal (por acórdão de 26-011-2019).

Realizada a audiência final a 24 de janeiro de 2019, vieram os autores, por requerimento enviado a 28 de janeiro, requerer que se elaborasse imediatamente a ata da audiência final para “poder responder com toda a serenidade à suspeita e labéu de litigância de má-fé que lhes foi lançada pelo tribunal”.

Por requerimento de 7 de fevereiro de 2019 vieram os autores requerer que tendo a Ata da Audiência de 24.01.2019 sido colocada só a 06 de fevereiro de 2019, e não lhe tendo sido certificada qualquer cota “que referisse o anacronismo, pois a ata figura no cititus como tendo sido descarregada no próprio dia, requer que lhe seja aditada uma quota no sentido acima referido”.

Em simultâneo com a prolação da sentença, o juiz a quo proferiu o seguinte despacho:

“Requer ainda a A. que lhe seja “aditada uma cota” no sentido de um alegado anacronismo da ata que só foi colocada a 6/02/2019 mas aparece com a data do julgamento.

Com todo o respeito, não se entende o que pretende a A. e para que finalidade.

A ata de julgamento tem a data da realização do mesmo, independentemente da data em que a Sra Funcionária a pôde elaborar e da que foi analisada e assinada pela Magistrada, o que nem sempre é possível, como não foi, no próprio dia, devido ao demais serviço do tribunal.

De todo o modo, qualquer prazo para impugnar as decisões proferidas na audiência contam-se da mesma, onde a A. estava representada, e não da data em que a mesma ficou disponível.

Assim, é irrelevante a pretensão deduzida para os interesses da A.

Pelo exposto, indefere-se o requerido.

Custas do incidente pela A. que se fixa em 2 Ucs, sem prejuízo do apoio judiciário – art.º 7º do RCP.”

Foi proferida sentença a julgar a ação improcedente, absolvendo o Réu do pedido.

Inconformados com tal decisão, vêm os autores dela interpor recurso de apelação, terminando a sua motivação com as seguintes conclusões:

I. As apelações pendentes, no desígnio da recorrente, prosseguirão para acórdão.

II. A cota que falta no processado a assinalar a data exata em que foi descarregada no “citius” a acta da Audiência, é elemento essencial, visto nomeadamente o disposto no art.º 253.º do CPC.

III. A Audiência é nula, por não ter sido praticado ato essencial à boa e justa decisão da causa, em infração ao disposto no art.º 195.º/1 do CPC.

IV. Com efeito, estando documentada a impossibilidade justificada da presença da recorrente na Audiência, mas capaz de depor, podia e devia ser utilizado meio adequado para lhe tomar as declarações (deslocação do Tribunal ou via telefone).

V. Isso mesmo prescrevem os art.ºs 457.º/1/2 e 520.º/1/2 do CPC, que foram infringidos.

VI. Enquanto é contrário à regra de terceiro imparcial do juiz pressupor que um “depoimento” não prestado seja irrelevante para o julgamento da matéria de facto.

VII. Nula a Audiência, nula a sentença recorrida, condicionada in totum pelo vício assinalado.

VIII. Assim, a sentença recorrida deve ser revogada, para que a Audiência de Discussão e Julgamento venha a ser repetida.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Falecido o Autor marido, foi, por despacho de 03-10-2019, declarada extinta a instância relativamente ao falecido autor.
Dispensados que foram os vistos legais, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 657º do CPC, cumpre decidir do objeto do recurso.
II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
Tendo em consideração que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, sem prejuízo da apreciação de eventuais questões de conhecimento oficioso – cfr. artigos 635º e 639º do Novo Código de Processo Civil –, as questões levantadas pela Apelante são as seguintes:
1. Impugnação da decisão interlocutória proferida em simultâneo com a prolação da sentença recorrida.
2. Nulidade da audiência por não se ter feito deslocar o tribunal a casa da autora.
III – APRECIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO
1. Despacho interlocutório

O tribunal a quo indeferiu o pedido da autora/apelante de “aditamento” de uma cota a certificar que a ata de audiência de julgamento apenas foi disponibilizada a 6 de fevereiro de 24-01-2019, com fundamento em que a ata tem a data do dia em que foi realizada não se entendendo qual a finalidade do pedido, uma vez que o prazo para impugnar as decisões proferidas na audiência conta-se da mesma, onde a autora estava representada, e não da data em que se encontra disponível.

Insurge-se a Apelante contra o decidido invocando o disposto no artigo 253º CPC, segundo o qual quando se notifiquem despachos deve disponibilizar-se ao notificado cópia legível da decisão e fundamentos.

Não assiste razão à Apelante.

Com efeito, se o artigo 253º CPC dispõe uma regra geral para as notificações – exigindo a disponibilização ao notificado de cópia ou fotocópia legível da decisão e dos fundamentos –, a lei processual civil prevê um específico regime para as notificações feitas em “ato judicial”: valem como notificações as convocatórias e comunicações feitas aos interessados presentes em ato processual, por determinação da entidade que a ele preside (artigo 254º).

O artigo 254º reproduz a norma do artigo 260º do CPC, introduzida pelo DL 239-A/95, consagrando expressamente um entendimento corrente na prática dos tribunais, no sentido de que estando o destinatário da notificação presente em diligência processual não faria sentido que a notificação não fosse imediatamente feita, por via oral, dispensando as formalidades dos artigos anteriores[1].

Não se reconhece, assim, a verificação da invocada nulidade.

2. Nulidade da audiência por o tribunal não se ter feito deslocar o tribunal a casa da autora.

Tendo os autores manifestado, na petição inicial, a sua intenção de prestar declarações, e tendo o seu requerimento, de requisição de ambulância ou verba para custear a ambulância por parte do tribunal, sido indeferido, a autora não compareceu à audiência de julgamento.

Da Ata de audiência ocorrida a 24 de janeiro de 2019 consta que o ilustre mandatário da Autora, invocando ter interposto recurso do despacho que indeferiu o pedido de requisição de ambulância ou custeio do respeito custo, e que ao mesmo fosse atribuído efeito suspensivo, manifestou a sua oposição ao início da produção de prova.

Como tal, a nulidade que agora, em sede de recurso, vem invocar, resultante da não deslocação do tribunal à residência da autora a fim de aí ser ouvida ou da sua não audição pelo telefone, respeita a um procedimento que, embora previsto na lei, não foi pelo mandatário da autora oportunamente requerido.

Com efeito, o artigo 456º dispõe que o depoimento deve, em regra, ser prestado na audiência final, salvo se for urgente ou o depoente estiver impossibilitado de comparecer no tribunal.

Ora, face à alegada impossibilidade da autora de se deslocar pelos seus próprios meios, a pretensão exercida pela autora foi a de pedir a requisição de uma ambulância e não a de deslocação do tribunal à residência da mesma a fim de aí ser ouvida pelo tribunal.

Assim como, a autora, através do seu mandatário, nunca exerceu nos autos a pretensão da sua audição através da utilização de telefone ou outro meio de comunicação direta com o tribunal, meio este cuja utilização, além do mais, o nº 1 do artigo 520º faz depender do acordo das partes.

 Uma vez que a audição da autora pelo tribunal por outros meios que não através da sua comparência em tribunal não integra uma formalidade que a lei prescreva com caráter obrigatório – é apenas uma das possibilidades previstas na lei a título de exceção de audição das partes ou das testemunhas –, a omissão de tal procedimento (que a autora não requereu atempadamente), nunca poderá constituir uma nulidade processual tal como se encontra prevista no artigo 195º, nº1, CPC.

De qualquer modo, ainda que integrasse uma nulidade processual, o que se não reconhece, a apreciação de tal questão em sede de recurso sempre se encontraria dependente da sua arguição prévia junto do tribunal recorrido, uma vez o âmbito de ação do tribunal de recurso se circunscreve à reapreciação de questões julgadas na 1ª instância.

Não se reconhece, assim, a verificação de qualquer nulidade da audiência final (nulidade esta que, além do mais, não foi arguida perante o tribunal a quo) que pudesse afetar a decisão recorrida.

A Apelação é manifestamente improcedente.

IV – DECISÃO

 Pelo exposto, acordando os juízes deste tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas a suportar pela Apelante.       

                                                                Coimbra, 21 de janeiro de 2020
 V – Sumário elaborado nos termos do art. 663º, nº7 do CPC.
1. No caso de comunicações determinadas em diligência em que a parte se encontre presente, a respetiva notificação é imediatamente feita, por via oral, dispensando-se as formalidades prescritas no artigo 253º CPC.
2. Se a parte nunca exerceu nos autos a pretensão da sua audição através da utilização de telefone ou outro meio de comunicação direta com o tribunal, meio este cuja utilização, além do mais, o nº1 do artigo 520º faz depender do acordo das partes, –, a omissão de tal procedimento (que a autora não requereu atempadamente), nunca poderia constituir uma nulidade processual tal como se encontra prevista no artigo 195º, nº1, CPC.


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[1] José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3ª ed., Coimbra Editora, pp.495-496.Também António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, em anotação a tal norma sustentam que as decisões proferidas e documentadas em ata/auto, consideram-se notificadas ao mandatário, sendo desnecessária a expressa referência ao ato de notificação – “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, Parte Geral e de Declaração, Artigos 1º a 702º, Almedina, p.289.