Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | JTRC | ||
Relator: | CARLOS MOREIRA | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA QUALIFICAÇÃO | ||
Data do Acordão: | 01/26/2010 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Tribunal Recurso: | ANADIA | ||
Texto Integral: | S | ||
Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
Decisão: | CONFIRMADA | ||
Legislação Nacional: | ARTS.186, 188, 189 DO CIRE | ||
Sumário: | I – O termo “documentado”, constante do nº2 do art.188 do CIRE deve ser interpretado extensivamente, reportando-se, não apenas à prova documental, mas à prova em geral, a efectivar por qualquer meio admissível em direito. II- Porque a não documentação do parecer no incidente de qualificação da insolvência a que alude o artº 188 nº2 do CIRE não respeita à essência do acto mas antes à prova dos factos nele invocados, e podendo esta ser efectivada por outros meios probatórios que apenas surjam supervenientemente, a não junção de «documentos», hoc sensu, ali referidos não acarreta qualquer invalidade do mesmo.
III - Atentos, vg. os princípios da imediação e da oralidade, a decisão sobre a matéria de facto apenas pode ser alterada se os elementos probatórios invocados pelo recorrente apontarem, de uma forma inequívoca e irrefutável, no sentido por ele pretendido, quer porque os invocados pelo julgador não têm nitidamente a força que ele lhe atribui, quer porque a sua interpretação dos mesmos viola as regras da lógica e da experiencia comum.
IV – Provado qualquer um dos factos índices do nº2 do artº 186º do CIRE a insolvência tem inelutavelmente de ser qualificada de culposa; já a prova dos factos do nº3 apenas faz presumir a culpa grave, importando, para aquela qualificação, que se prove ainda o nexo de causalidade entre tal actuação culposa e a criação ou agravamento da situação de insolvência. | ||
Decisão Texto Integral: | ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA.
1. Por apenso aos autos principais que declararam a sociedade, A...., insolvente, a ilustre Administradora de Insolvência emitiu parecer nos termos dos artigos 188.º e 191.º do CIRE.
Alegou, para o efeito e em síntese: Que existem indícios que clamam a conclusão de existir incumprimento de contabilidade organizada – 186º nº2 al. h) do CIRE. Que a insolvente não se apresentou à insolvência, emergindo a presunção de culpa do artº 186º nº3 al.a).
Tal parecer foi corroborado pelo parecer do Ministério Público no sentido de a insolvência ser qualificada como culposa, nos termos conjugados dos artigos 186.º, n.º 2 e 3 e 18.º, n.º 1 e 3, al. b) daquele diploma.
Citado, B.... , na qualidade de (ex-)Presidente do Conselho de Administração da insolvente, contestou a qualificação da insolvência como culposa. Alegando, em suma, que: - O parecer não é fundado em provas credíveis; - A sociedade foi vítima de vários actos de vandalismo e de destruição de documentos que não podem ser imputáveis ao opoente. - A responsabilidade pela não entrega das declarações fiscais em tempo e manutenção de uma contabilidade organizada se deve ao contabilista C.... (TOC da insolvente), que não foi capaz de organizar as contas respeitantes aos anos de 2005, 2006 e 2007 de forma a que fossem aprovadas pelo ROC. - Que o dossier fiscal foi integralmente disponibilizado à A.I. - O opoente contratou a firma de contabilidade Contimbra para realizar uma auditoria de contas, a fim de “colocar a contabilidade da empresa em dia, como é de direito”. - Os suprimentos realizados pelo opoente à insolvente mostram-se contabilisticamente bem inscritos; - Nunca se opôs à declaração da insolvência da A....;
Concluiu pela qualificação da insolvência como fortuita ou pela redução do tempo de inibição decretado.
2. Prosseguiu o processo os seus legais termos, tendo, a final, sido proferida sentença que: Julgou incidente de qualificação da insolvência como culposo, e, em consequência: a) Determinou que B.... na qualidade de Presidente do Conselho de Administração da insolvente A....., seja afectado por tal qualificação. b) Decretou a sua inabilitação para o exercício específico do comércio durante um período de 5 (cinco) anos e para ocupação de qualquer cargo de titular de órgão de uma sociedade comercial ou civil, associação ou fundação privada de actividade económica, empresa pública ou cooperativa. c) Determinou a perda de quaisquer créditos por si reclamados sobre a massa insolvente ou por si detidos e na sua condenação na restituição de bens ou direitos que, se for o caso, haja recebido em pagamento desse créditos.
3. Inconformado recorreu o opoente.
Rematando as suas alegações coma as seguintes conclusões:
1. O parecer da administradora de insolvência deve ser fundamentado e documentado. 2.Da análise do parecer da administradora de insolvência, não consta qualquer documento que instrua a factualidade descrita no mesmo. 3.a não documentação do parecer da administradora da insolvência, nos termos do art. n.º 188.º n.º 2 do CIRE, por lhe ser exigível para sustentar a fundamentação a ele associada, configura uma nulidade, por violação expressa de uma disposição imperativa, com as demais consequências legais, ferindo todos os actos subsequentes, nomeadamente a valoração factual e a própria sentença. 4. O dever de colaboração determinada pela alínea i) do n.2 do art.º 186 do C.I.R.E., após ter sido requerido a instâncias da administradora da insolvencia, foi cumprido pelo Sr. Administrador da insolvente Sr. B..... 5.O TOC interno da empresa, Dr. C...., foi contratado em 2005. 6. Toda a documentação fiscal requerida aquando da fiscalização das finanças foi entregue à DGCI. 7. O recorrente não confessou em momento algum a inexistência de toda a documentação contabilística. 8. o requerimento de declaração de insolvência deu entrada no Tribunal em 22.01.2008. 9. A aprovação das contas da empresa referentes aos anos de 2006 não foi recusada pela administração da empresa. 10. O presidente do conselho de administração sempre diligenciou com todos os meios ao seu alcance pela organização da contabilidade da empresa 11- O administrador da insolvente impulsionou a regularização da contabilidade, contratando técnicos para o efeito, solicitando auditorias em relação à contabilidade . 12. O Sr. B.... sempre disponibilizou os documentos contabilísticos que tinha em seu poder, 13. O dossier fiscal não foi pedido ao TOC nem pela Administradora nem pela sua colaboradora. 14. O dossier fiscal ficou junto com os documentos que estavam na posse da administradora da insolvência 15 -Todos os factos contabilísticos da empresa estavam documentados e lançados informaticamente pelo TOC 16 . A prova da não disponibilização e inexistência de documentos contabilísticos trata-se da prova de um facto negativo. Sendo aquela de realização difícil ou impossível parte daquele sobre quem recai a presunção legal, o ónus da prova conhecerá uma inversão. Isto é: em face da presunção legal da existência do facto, bastará ao administrador negar tal facto, cabendo à administradora de insolvência ou ao Tribunal, o dever de provar quais os documentos contabilísticos concretos em falta. 17. Entre 2005 e 2007, o Sr. B.... participou criminalmente às autoridades, que a sede da insolvente foi alvo de actos de vandalismo, dos quais desapareceram documentos da contabilidade referente ao ano de 2004, que prejudicaram a elaboração das contas dos anos subsequentes. 18. Houve responsabilidade pela não encerramento das contas, imputável ao TOC da empresa, Dr. C....pelo incumprimento da sua legis artis . 19 - Não se verifica a existência de um nexo de causalidade entre as situações previstas no parecer , por referencia ao art. 186.n.º 2 al h), e a ocorrência ou agravamento da insolvência, 20 Não se verifica um nexo de causalidade entre a actuação do administrador da empresa insolvente e a situação de insolvência, por não poder ser imputável responsabilidade ao sr. B..... 21. O Presidente do Conselho de Administração da insolvente desconhecia a real situação de ruptura financeira e económica que a empresa ultrapassava 22. Para se considerar um incumprimento definitivo do dever de apresentação à insolvência, há que atender primeiramente a todas as circunstâncias que conduziram a essa declaração, e em especial, aos factos conhecidos pelo administrador da insolvente e à alteração imprevista das condições com que até então a empresa se deparava 23- O momento a partir do qual se pode fixar um prazo em que se torna exigível a apresentação do devedor à insolvência ( neste caso, 60 dias nos termos do art. 18.º do CIRE), é o momento em que a empresa se torna insusceptível satisfazer obrigações, que pelo seu significado, ou pelas próprias circunstâncias do incumprimento para o obrigado o impedem de continuar a satisfazer a generalidade dos seus compromissos. 24.O momento em que a insolvência se tornou evidente deve ser fixado com rigor em 23.11.2007, data em que a insolvente se viu, pela primeira vez, impossibilitada de pagar as prestações, ao seu único financiador, o “D....”. 25-Em consequência, é a contar do dia 23.11.2007, que decorrem os 60 dias para o devedor ( o ora recorrente) se apresentar à insolvência. 26. Tendo ficado a devedora impossibilitado de se apresentar à insolvência voluntariamente por força de requerimento anterior, a não oposição do administrador na qual declara expressamente” aceito a insolvência”, dentro do prazo legal de oposição, configura uma manifestação pragmática de aderir à insolvência, ou seja, declarar-se insolvente de forma voluntária. 27.Não se verifica a existência de um nexo de causalidade entre o facto previsto na alínea a) do n.º 3 art.186.º do CIRE e a agravação da insolvência, pelo que tal não deverá considerado provado.
4. Sendo que, por via de regra: artºs 684º e 690º do CPC - de que o presente caso não constitui excepção - o teor das conclusões define o objecto do recurso, as questões essenciais decidendas são as seguintes: 1ª Nulidade do parecer da Sra. Administradora da insolvência por falta de documentação. 2ª Alteração da decisão sobre a matéria de facto. 3ª Julgamento do incidente em função dos factos apurados.
5. Apreciando. 5.1. Primeira questão. 5.1.1. Invoca o recorrente a nulidade do parecer da Sra. Administradora da insolvência por falta de documentação. Nos termos do artº 188º do CIRE: Nº1 «Até 15 dias depois da realização da assembleia de apreciação do relatório, qualquer interessado pode alegar, por escrito, o que tiver por conveniente para o efeito de qualificação da insolvência como culposa.» Nº2 «Dentro dos 15 dias subsequentes, o administrador da insolvência apresenta parecer, devidamente fundamentado e documentado, sobre os factos relevantes, que termina com a formulação de uma proposta, identificando, se for o caso, as pessoas que devem ser afectadas pela qualificação da insolvência como culposa». … O parecer deve ser fundamentado, isto é, o administrador deve explanar as razões que o levam a sustentar a qualificação da insolvência como culposa ou fortuita. E, em princípio, deve ser documentado. Diz-se em princípio, porque a documentação apenas é exigível na medida em que aquela fundamentação o exija e na medida em que a apresentação dos documentos seja possível. Na verdade não resulta da letra da lei, nem dos princípios gerais, que a apresentação de documentos constitua para o administrador dever inelutável. Efectivamente e em tese, pode congeminar-se que casos haverá nos quais, devido ao tipo ou género dos factos invocados, inexiste necessidade de apresentação de documentos e, aqueloutros, em que, objectivamente, quer porque não tem acesso aos mesmos, quer porque estes lhe são (so)negados, é inexigível ao administrador a sua apresentação. Acresce que o termo «documentado» deve ser interpretado habilmente, «cum granno sallis», ou, numa outra perspectiva, não no seu sentido literal estrito, mas antes extensivamente. Ou seja, ele mão se reporta apenas à prova por documentos, «tout court», mas à prova em geral, a efectivar por qualquer meio admissível em direito. Pois que não faria qualquer sentido, perante os princípios gerais que regem em sede de direito probatório - os quais, por via de regra de que o presente caso não constitui excepção admitem qualquer tipo de prova -, que tal restrição fosse aqui pretendida pelo legislador. 5.1.2. In casu aquela primeira hipótese não se coloca, porque para os factos alegados – maxime os atinentes à falta de contabilidade organizada - seria necessário, ou, pelo menos, conveniente, a apresentação de suporte probatório, rectius documental. Mas já quanto à segunda hipótese a Sra. Administradora alega expressamente que a insolvente não lhe disponibilizou o dossier fiscal onde constam os elementos necessários e de suporte ao encerramento de contas. Esta asserção, posto que contestada pelo recorrente, não foi posteriormente infirmada. Pelo que tem de concluir-se que à Sra. Administradora não foi possível a apresentação de documentação por motivos alheios à sua vontade. O que, efectivamente e por recurso à simples lógica das coisas e a princípios de experiencia comum, é de aceitar, pois que não se alcança porquê e em que medida, a Sra. Administradora não apresentaria os documentos se efectivamente os pudesse obter. Mas há mais. A apresentação dos meios probatórios/documentos releva apenas em sede de prova dos factos alegados. Porque esta prova normalmente melhor se efectiva pela via documental, a lei pretende que os documentos – posto que, como se viu, na medida do necessário e exigível – sejam apresentados aquando da emissão do parecer. Porém, certo é que os factos invocados até poderão ser provados por outros meios probatórios que não apenas e só documentais. Em todo o caso esta apresentação dos documentos não faz parte da essência dos factos alegados, cuja qualificação e relevância pode emergir independentemente de ela se ter, ou não, verificado. Isto é, tal apresentação coloca-se, não em sede de invocação de causa de pedir dos factos alegados no parecer, mas em sede de direito probatório. Consequentemente a apresentação encerra não tanto um dever, mas mais um ónus. Sofrendo o invocante as consequências de, eventualmente, não vir a provar os factos bastantes para convencer do cariz culposo da insolvência. Nesta perspectiva nem sequer se pode concluir que a não apresentação de documentação, seja por que motivo for, encerra qualquer nulidade do parecer. Nem a lei fulmina com tão grave sanção tal incompletude. Não se podendo concluir que ela possa influir no exame ou na decisão da causa – artº 201º do CPC, ex vi do artº 17º do CIRE. Como se viu é tudo uma questão de ónus de prova com consequências a recaírem sobre quem este impendia. E sendo certo que actualmente, mais do que nunca, o processo de insolvência é, essencialmente, um processo de partes, onde, relevantemente, emergem os princípios do dispositivo e da auto-responsabilidade dos intervenientes processuais. Mais ainda. Mesmo que se considerasse estarmos perante uma nulidade, ela não se consubstanciaria como uma nulidade tipificada, mas antes como uma das atipicamente previstas no citado artº201º. A qual não pode ser conhecida oficiosamente, mas apenas a requerimento do interessado e, no que ao caso interessa, quando ele interveio em algum acto do processo e se deva entender que tomou conhecimento da mesma – artº 205º. Ora o ora recorrente foi notificado do parecer da Sra. Administradora, dele tomou conhecimento e, não obstante impugnar o seu teor e as suas conclusões, não invocou, pelo menos adrede e inequivocamente, tal vício. Assim sendo, extemporaneamente o fez em sede de recurso da decisão que conheceu do incidente.
5.2. Segunda questão. Há que considerar que no nosso ordenamento vigora o princípio da liberdade de julgamento ou da livre convicção segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, e fixa a matéria de facto em sintonia com a sua prudente convicção firmada acerca de cada facto controvertido -artº655º do CPC. Perante o estatuído neste artigo pode concluir-se, por um lado, que a lei não considera o juiz como um autómato que se limita a aplicar critérios legais apriorísticos de valoração. Mas, por outro lado, também não lhe permite julgar apenas pela impressão que as provas produzidas pelos litigantes produziram no seu espírito. Antes lhe exigindo que julgue conforme a convicção que aquela prova determinou e cujo carácter racional se deve exprimir na correspondente motivação – cfr. J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 3º, 3ªed. 2001, p.175. Na verdade prova livre não quer dizer prova arbitrária, caprichosa ou irracional. Mas quer dizer prova apreciada em inteira liberdade pelo julgador, sem obediência a uma tabela ditada externamente, posto que em perfeita conformidade com as regras da lógica e as máximas da experiência – cfr. Alberto dos Reis, Anotado, 3ª ed. III, p.245. 5.2.2. Por outro lado há que ter em conta que as decisões judiciais não pretendem constituir verdades ou certezas absolutas. Pois que às mesmas não subjazem dogmas e, por via de regra, provas de todo irrefutáveis, não se regendo a produção e análise da prova por critérios e meras operações lógico-matemáticas. Assim: «a verdade judicial é uma verdade relativa, não só porque resultante de um juízo em si mesmo passível de erro, mas também porque assenta em prova, como a testemunhal, cuja falibilidade constitui um conhecido dado psico-sociológico» - Cfr. Ac. do STJ de 11.12.2003, dgsi.pt, p.03B3893. Acresce que a convicção do juiz é uma convicção pessoal, sendo construída dialecticamente, para além dos dados objectivos fornecidos pelos documentos e outras provas constituídas, nela desempenhando uma função de relevo não só a actividade puramente cognitiva mas também elementos racionalmente não explicáveis e mesmo puramente emocionais – AC. do STJ de 20.09.2004 dgsi.pt. Efectivamente, com a produção da prova apenas se deve pretender criar no espírito do julgador um estado de convicção, assente num grau de probabilidade o mais elevado possível, mas em todo o caso assente numa certeza relativa, porque subjectiva, do facto. – cfr. Acórdão desta Relação de 14.09.2006, dgsi.pt, citando Antunes Varela. Uma tal convicção existirá quando e só quando o Tribunal tenha logrado convencer-se da verdade dos factos para além de toda a dúvida razoável.- Cfr. Figueiredo Dias, in Dto. Processual Penal I Pág. 205. Nesta conformidade - e como em qualquer actividade humana - existirá sempre na actuação jurisdicional uma margem de incerteza, aleatoriedade, e, até, falibilidade, vg. no que concerne á decisão sobre a matéria de facto. Mas tal é inelutável e está ínsito nos próprios riscos decorrentes do simples facto de se viver em sociedade onde os conflitos de interesses e as contradições estão sempre, e por vezes exacerbadamente, presentes, havendo que conviver - se necessário até com laivos de algum estoicismo e abnegação - com esta inexorável álea de erro ou engano. O que importa, é que se minimize o mais possível tal margem de erro. O que passa, tendencialmente, pela integração da decisão de facto dentro de parâmetros admissíveis em face da prova produzida, objectiva e sindicável, e pela interpretação e apreciação desta prova de acordo com as regras da lógica e da experiência comum. É que a verdade que se procura, não é, nem pode ser, uma verdade absoluta -porque assente em premissas de cariz matemático-, mas antes uma verdade político-jurídica, a qual é consecutida se a sentença convencer os interessados directos: as partes – e, principalmente, a sociedade em geral, do seu bem fundado: isto é, a sentença valerá acima de tudo se for validada e aceite socialmente. 5.2.3. Nesta perspectiva constitui jurisprudência uniforme que a garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas, nem pode significar a desvalorização da sentença de 1ª instância, que passaria a ser uma espécie de "ensaio" do verdadeiro julgamento a efectuar pelo Tribunal da Relação. É da decisão recorrida que tem sempre de se partir, porque um tribunal de recurso não julga ex novo. Assim, a função do Tribunal da 2ª Instância deverá circunscrever-se a "apurar a razoabilidade da convicção probatória do 1º grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos - Ac. do Trib. Constitucional de 3.10.2001, in Acórdãos do T. C. vol. 51º, pág. 206 e sgs e Ac. da Rel. de Lisboa de 16.02.05, dgsi.pt. com realce e sublinhados nossos tal como nas citações infra «Assentando a decisão recorrida na atribuição de credibilidade a uma fonte de prova em detrimento de outra, com base na imediação, tendo por base um juízo objectivável e racional, só haverá fundamento válido para proceder à sua alteração caso se demonstre que tal juízo contraria as regras da experiência comum» -Ac. da Relação de Coimbra de 18.08.04, dgsi.pt. Neste contexto, em recurso compete apenas sindicar a decisão naquilo em que de modo mais flagrante se opuser à realidade, pois há que pressupor que a imediação e a oralidade dão um crédito de fiabilidade que se presume já que por virtude delas na formação da convicção do julgador entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova e factores que não são racionalmente demonstráveis. Sendo que estes princípios permitem ainda uma apreciação ética dos depoimentos - saber se quem depõe tem a consciência de que está a dizer a verdade -, mais importante do que a validade científica dos mesmos, pois que o julgador pode não estar habilitado a avaliá-los nesta vertente –Acs. do STJ de 19.05.2005 e de 23-04-2009 dgsi.pt., p.09P0114. Na verdade: «considerando que, por força dos princípios da oralidade e da imediação, o julgador de primeira instância, se encontra muito melhor habilitado a apreciar a prova produzida – maxime a testemunhal – só em situações extremas de ilogicidade, irrazoabilidade e meridiana desconformidade, perante as regras da experiência comum, dos factos dados como provados em face dos elementos probatórios que o recorrente apresente ao tribunal ad quem, pode este alterar, censurando, a decisão sobre a matéria de facto» – cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 16.01.2007, dgsi.pt, p.5673/2007-1. 5.2.4. In casu. 5.2.4.1. Quanto ao mencionado na al.f) do relatório da sentença: «novos actos de vandalismo…» e quanto à referência à «frota de camiões…», trata-se de lapsos materiais. Pois que efectivamente o opoente não fez tais menções na oposição. Operando a sua correcção, determina-se a sua eliminação – artº 249º do CC. Quanto aos pontos de facto referidos em AA das alegações. Há a considerar que os factos nucleares a atender são os invocados pela AI, a saber: os atinentes à falta de contabilidade organizada e à falta de apresentação à insolvência. Destarte os factos referidos em AA1, AA2 – dever de colaboração e data da contratação do TOC – são irrelevantes, excrescentes ou, quando muito, circunstanciais. O mencionado em AA3 - entrega de toda a documentação fiscal à DGCI, que atestou inexistirem desconformidades – não está provado. Na verdade o próprio TOC C...., no extracto do seu depoimento mencionado pelo recorrente não confirma tal entrega e, quanto á inexistência de desconformidades, apenas diz que: «eu penso…que não encontrou lá anomalias». Quanto à entendida confissão da inexistência de contabilidade organizada plasmada na sentença, tal é inócuo. O que importa é a conclusão, ou não, de tal inexistência em função dos factos provados e não provados. 5.2.4.2. E apreciemos esta vertente. Pretende o recorrente que sejam dados como não provados os seguintes factos que o Sr. Juiz considerou provados: «7. O D... – Banco ..., requereu, em 24.01.2008, nestes autos, a declaração de insolvência. 10. A administração recusou-se a provar as contas respeitantes ao ano de exercício de 2006; Não foi disponibilizado pelo Dr. C.... e o Sr. B..... o “dossier fiscal” da insolvente, à administradora da insolvência ou à sua colaboradora, seja em papel como em suporte informático, muito embora tenha sido entregue documentação contabilística incompleta que serve de suporte à contabilidade da empresa. 11. Documentos contabilísticos respeitantes à actividade desenvolvida no mês de Março de 2006 e referenciado nos extractos da empresa como “doc. Diversos – provisório”, não foram encontrados na sede da empresa, não obstante alguns dos seus alegados “factos contabilísticos” se encontrarem lançados informáticamente na contabilidade, impedindo uma real percepção da situação contabilística desde o ano de exercício de 2004.» E que sejam dados como provados os seguintes factos que o julgador judiciou não apurados: «13. Que entre o ano de 2005 a 2007 a sede da insolvente tenha sido alvo de actos de vandalismo de que tenha resultado, entre outras coisas, o desaparecimento de documentos da contabilidade da insolvente. 14. Que alguma vez a sociedade insolvente, enquanto tal, ou o Sr. B....., na qualidade de Presidente do conselho de administração, tenha participado às autoridades policiais ou aos serviços do Ministério Público junto deste Tribunal actos de vandalismo perpetrados nas instalações da insolvente. 15. Que o trabalho desenvolvido pelo Dr. C...., enquanto TOC da empresa, tenha sido prejudicado por actos de vandalismo perpetrados contra as instalações da insolvente. 16. E, em consequência, não lhe haja sido possível a elaboração atempada das contas respeitantes aos anos de 2005 a 2007 e sua apresentação ao ROC para sua aprovação e certificação. 17. Que a ausência de uma contabilidade organizada se deva a incúria grave do TOC, Dr. C..... 19. Que o Presidente do Conselho da Administração da insolvente desconhecesse a situação de ruptura financeira e económica em que empresa vivia desde, pelo menos, meados do ano de 2005, ou conhecesse a sua obrigação legal de apresentar a sociedade à insolvência, nos 60 dias subsequentes à aquiescência dessa mesma situação.» O Sr. Juiz a quo fundamentou as respostas nos seguintes e, essencialmente, sintéticos termos: «O Tribunal …valorou o teor dos documentos juntos aos autos principais, como o teor da sentença de insolvência; certidão de teor da conservatória comercial respeitante à insolvente e corpos da administração; declarações fiscais da insolvente respeitantes aos anos de exercício de 2005 a 2007, bem como os balancetes que seguem em anexo, entrecruzado com o parecer da ilustre A.I. e as informações dos Serviços do Ministério Público de folhas 152 a 153 (e consulta manual de alguns dos processos aí mencionados). Foram ainda tomadas declarações à Administradora da Insolvência que confirmou em termos genéricos, mas de forma incisiva, o parecer que juntou aos autos…; o depoimento escorreito de E.... (…escriturária da insolvente entre 1999 e o ano de 2006…), que apenas referiu ter conhecimento que a sede da A.... entre 2005 a 2007 teria sido alvo de “assaltos”, embora mostrando desconhecer se levaram alguma coisa, em especial quanto aos documentos da contabilidade... F..... (TOC com relações profissionais com a insolvente até ao ano de 2003…e amigo pessoal do opoente), esclareceu que desempenhou as funções de TOC na firma A....., até ao ano de 2003; conhecer o Dr. C....de quem tem boa opinião profissional e que sabe que as contas entre ele e o Dr. C....não foram aprovadas por lhe ter sido dito, por várias razões, que faltavam documentos dos factos a inscrever na contabilidade. G..... (contabilista, sócio da firma X....…que prestou serviços à insolvente em 2005/2006 e, mais tarde, em 2008), referiu …das dificuldades que este – toc - sempre teve em elaborar as contas da empresa com fundamento na falta de documentação, que não lhe era entregue; H..... ( TOC, ROC da A.... até Junho de 2008), que não certificou as contas do ano de 2005 a 2007 por falta de elementos contabilísticos, nem sequer no ano passado – em Junho – porque os documentos vinham sempre incompletos, e que sabe que o Dr. C....l, na qualidade de TOC, sempre lhe disse que não tinha na sua posse mais documentos do que aqueles que lançava; tendo percebido, do que pode observar, por exemplo, que o Sr.B.... não documentava as transacções e os suprimentos pessoais que fazia à empresa. I..... (casada, contabilista, que prestou apoio técnico à administradora da insolvência e conheceu a contabilidade da insolvente) declarou de forma franca, informada e sólida que as contas da insolvente não estavam encerradas por ausência de documentação que permitisse a sua elaboração, e posterior aprovação e certificação legal. Que as declarações de IRC e correspondentes balancetes apenas lhe foram entregues em Setembro de 2008, não obstante requeridas meses antes, e que a demais documentação contabilística entregue se encontrava incompleta, em especial ao nível das contas entre os sócios e a empresa e vice-versa; não teve acesso ao dossier fiscal da empresa por lhe ter sido sempre negado pelo Dr. C.... que dizia que estava na posse do Sr. B.....o, e este, por sua vez, alegando que o mesmo estava na posse daquele. C..... (casado, contabilista e TOC da A.... desde 2005 a 2008), que referiu que quando iniciou funções na empresa a situação contabilista estava “caótica”; diagnosticou os problemas e propôs soluções, desenvolvendo a sua actividade em sintonia com o ROC da empresa, Dr. H ..., tendo em vista a consolidação das contas, que não foi possível fazer em face dos anos contabilísticos anteriores e às dívidas fiscais;. Quanto aos factos dados como não provados os mesmos resultam da ausência de prova credível que os demonstrasse e a constatação que a insolvente não cumpriu, através do Sr. B..., como lhes era devido e podia tê-lo feito, com as obrigações legais de apresentação da firma à insolvência e elaboração, aprovação e depósito das constas respeitantes aos anos de 2005 a 2007.» E seguidamente analisando criticamente a prova efectuada nos seguintes termos: «O que o acervo probatório acabado de referir demonstra de forma congruente e concludente entre si, é que a A....., aos “comandos” do Sr. B..., presidente executivo do conselho de administração, mostra desde o ano de 2004 um deficiente funcionamento ao nível da sua contabilidade, omitindo o registo e documentação de todas as suas transacções que obstam, á margem da lei (porque é obrigatório guarda nos 5 anos subsequentes ao período fiscal a que dizem respeito os documentos que servem de base à contabilidade declarada) ao concreto conhecimento da situação financeira e económica da insolvente através da sua contabilidade, que não foi ultrapassado pela entrega de alguma da documentação não tratada contabilisticamente à A.I. ou à DGCI, sendo evidente que tais resultados não tinham respaldo em documentação física, ciente de que tal acto obstava a que a gestão da firma fosse sindicável ou perceptível a terceiros, o que pretendeu… Alega o opoente, em sua defesa… que a sede da firma foi entre os anos de 2005 a 2007 “vandalizada” e que tais factos haviam sido denunciados às autoridades públicas “que deram origem a processos cujos seu trâmites correm junto do Tribunal da Mealhada.” (art.6.º da oposição). Perante a ausência de demonstração destes factos em juízo, determinou o Tribunal no uso dos poderes que lhe são conferidos pelo CIRE (art.137.º), que os serviços do Ministério Público junto deste Tribunal informassem o que tivesse por conveniente quanto ao alegado, tendo, por certidão de fls.152/153, sido dito que não existia processo algum pendente naqueles serviços. Consultados os processos aí mencionados constata-se que os inquéritos aí referidos em nada materializam os alegados furtos, com excepção dos inquéritos 645/04.0GAMLD e 493/06.2GAMLD, em que o Sr. B... na qualidade de legal representante da insolvente denunciou à GNR da Mealhada em 26.11.2004 e 09.11.2006, respectivamente, o furto de dois motores de ventilação e furto de 1.100 € dos escritórios da insolvente; ferramentas diversas e cerca de 9 metros de material de pavimento, contra desconhecidos. Em lado algum se refere terem sido furtados documentos da contabilidade ou que tenham desaparecido …tendo os processos sido arquivados. …não se mostra provado que o TOC, em virtude desses pretensos furtos, não haja podido elaborar as contas, muito menos verdade que …seja o verdadeiro responsável material do descalabro contabilístico da A.... … pois que a sua inquirição (que aliás não foi requerida pelo opoente, estranhe-se, mas antes oficiosamente determinada pelo Tribunal) mostra-se compatível com os demais testemunhos com conhecimento directo dos factos, que contrariam de forma flagrante, por evidente, a tese exposta na oposição. …O que a insolvente, através do seu presidente do conselho de administração alega, é uma outra realidade que não foi demonstrada e até é violadora das regras da experiência do sector empresarial e dos seus usos (sem esquecer que estamos perante uma sociedade que à data tinha um capital social de 2.500.000.000$00 e não de uma pequena empresa, de gestão familiar, muito embora fosse esse o caso da insolvente se atentarmos nas pessoas que constituíram os seus corpos de administração), sendo que não se pode dizer que o “caos” contabilístico “gerado” seja inconsequente ou sequer inocente, pois inviabilizou a sindicância – pelos motivos já referidos – da contabilidade da empresa, que apenas após a sua declaração da insolvência vem a “reconstruir” alguns anos de exercício fiscal, onde se constata um forte (declarado) passivo acumulado nos últimos três anos de exercício... Quanto à data em que tal situação de insolvência se tornou evidente a mesma pode ser fixada em meados de 2005/20006 quando o Fisco penhorou bens daquela sociedade, vindo em inícios de 2007 (Fevereiro) a encerrar a sua actividade de facto, que não de direito (porque nunca comunicou a cessação de actividade), com o aluguer das maquinarias à firma (presidida pelo seu filho) J..... Como diria o Sr. de La Palisse sem máquinas não há produção e sem esta não há actividade laboral, pelo que também aqui o não se ter apresentado à insolvência, tendo esta sido requerida por terceiros decorridos que se encontravam pelo menos 11 meses desde o conhecimento da situação de insolvência que se encontrava – sem bens móveis e proventos da sua actividade – compromete o requerente com a presumida responsabilidade delitual.» Vejamos. Quanto ao ponto 7. Tal como refere o MºPº, assiste razão ao recorrente, pois que a data de 24.001.2008 se reporta à distribuição do processo e não à entrada na secretaria da pi. Esta entrada verificou-se m 22.01.2008. É pois esta data a relevante.
No atinente aos pontos 10 e 11. Apreciados por este tribunal os depoimentos das testemunhas confirma-se efectivamente que o núcleo essencial fáctico destes pontos, qual seja a não entrega à AI do dossier fiscal, não um qualquer, mas um devidamente organizado e documentalmente completo, como previsto e exigido nos artºs 115º e 121º do CIRC e no Anexo à Portaria 359/2000 de 20 de Junho, não se verificou. Tal resulta da generalidade da prova produzida, maxime dos depoimentos de várias testemunhas, e, mais impressivamente, das testemunhas G...., I.....e da Sra. AI. Na verdade as testemunhas referiram, , que após a declaração da insolvência o administrador da insolvente prestou a colaboração pedida, entregando, vg. os documentos atinentes à contabilidade. Porém, outrossim expenderam, expressa, directamente e com conhecimento de causa, que faltavam documentos importantes, vg. os relacionados com os movimentos das contas dos sócios e dos clientes. Tendo ainda sido detectadas irregularidades, como a venda de stoks por valores inferiores aos da avaliação e a existência de movimentos na conta de sócios – Dr. B... - que não têm documentos de suporte.
No concernente aos restantes pontos dados como não provados. Indicia-se que as instalações da empresa foram alvo de furto(s). Mas não se apurou com suficiência que eles incidissem sobre documentação ou quaisquer outros elementos que pudessem afectar a regular organização da contabilidade. Nem, outrossim se apurou que a inexistência ou irregularidade da mesma decorresse da inacção ou da incompetência do TOC. Se assim fosse e tal como acertadamente expende o MºPº poderia e deveria a administração da sociedade corrigir essa situação, designadamente através do pedido de realização de inquérito pela falta de apresentação de contas – artº 67º do CSC, ou, no limite, através da destituição do TOC – artº 419º nº1, ex vi do artº 423º-A. Antes pelo contrário, apurou-se que este não pode cumprir a sua função porque a administração não lhe facultou os documentos necessários para o efeito. Já a não prova do teor do ponto 19, para além de dimanar da insuficiência da produzida em audiência, emerge, outrossim, das regras da experiencia comum e da lógica das coisas. Prova essa que, a produzir-se, representaria um atestado de menoridade, de incompetência e/ou de irresponsabilidade sobre o opoente. Pois que se o Presidente do Conselho de Administração de uma sociedade anónima não tem o poder e o dever de conhecer o estado da mesma e de zelar pelo seu bom desempenho comercial quem poderá/deverá? Atente-se, vg., na presunção inilidível do conhecimento da situação de insolvência prevista no artº 18º nº3 do CIRE.
Perante este quadro probatório e atentos os ensinamentos e orientações doutrinais e jurisprudenciais supra expostos conclui-se que inexistem elementos que permitam a censurar, na sua essência e salvo o quase lapsus calami atinente à data da instauração do processo de insolvência - a decisão sobre a matéria de facto. Antes pelo contrário, mostra-se ela adequada e sensata. Quando muito, e mesmo que se concedesse que alguma dúvida resta no sentido do decidido, ela situar-se-ia em grau razoável, ainda admissível, perante alguma margem de aleatoriedade que inelutável e inexoravelmente sempre existirá no âmbito e no âmago das relações humanas ao que a função jurisdicional, na aplicação do direito, não está imune. Não se podendo concluir, no tocante a tais factos que, perante a prova produzida e em face dos elementos probatórios invocados pela recorrente, que a decisão sobre a matéria de facto, se mostre irrazoável, porque meridianamente desconforme a tal prova e às regras da lógica e da experiência comum. 5.2.5. Decorrentemente os factos a considerar são os seguintes: 1. A insolvente A...., Fabrico de Transformação e Comércio de Materiais Cerâmicos, S.A., é uma pessoa colectiva, constituída em 21.1.1998 sob a forma de sociedade anónima, encontrando-se matriculada na Conservatória do Registo Comercial da ..... sob a matrícula nº ..., desde tal data, pela apresentação 01 de 1998.11.20, com o capital social de 2.500.000,00 €, repartido por 50.000 acções ao portador com o valor nominal de 5,00 €. 2. O objecto social da insolvente consistia no fabrico, transformação e comercialização de materiais cerâmicos, sua importação e exportação. 3. A sociedade obrigava-se com a assinatura do Presidente do Conselho de Administração, ou na sua ausência, entre outros, pela assinatura do administrador em que delegarem. Desde a constituição da sociedade que B.... exerce o cargo de Presidente do Conselho de Administração. 4. Cessou as suas funções de administração com a declaração de insolência por sentença transitada em julgado e proferida em 26.02.2008. 5. A insolvente estava apetrechada com os bens materiais e humanos necessários ao desenvolvimento da sua actividade fabril e comercial. 6. A insolvente outorgou um contrato de aluguer das suas máquinas à sociedade J...., com objecto social análogo ao seu, de que é Presidente do conselho de Administração L....., filho de B.... e ex-membro do conselho de administração da insolvente, datado de 02.02.2007, através do qual aquela cedeu a esta o gozo das máquinas industriais contra o pagamento de 78.000,00 € por ano. 7. O D... – Banco ..., requereu, em 22.01.2008, nestes autos, a declaração de insolvência. 8. Durante os períodos fiscais respeitantes a 2005, 2006 e 2007 não foram elaboradas pelo TOC as respectivas contas, que por sua vez não foram aprovadas pelo conselho de administração, e certificadas e depositadas pelo ROC na Conservatória do Registo Comercial. 9. A insolvente declarou em 30.06.2008 para efeitos de IRC um resultado líquido de exercício respeitante ao ano de 2005 de – 467.382,10 €; no ano de 2006 um resultado líquido de exercício de – 586.317,82 €; e em 10.07.2008 declarou um resultado líquido de exercício respeitante ao ano de 2007 no valor de – 606.2002,63 € e resultados transitados de anos anteriores no valor de – 3.584.740,27 €, num total de -4.190.942,90 €. 10. A administração recusou-se a provar as contas respeitantes ao ano de exercício de 2006; Não foi disponibilizado pelo Dr. C.... e o Sr. B... o “dossier fiscal” da insolvente, à administradora da insolvência ou à sua colaboradora, seja em papel como em suporte informático, muito embora tenha sido entregue documentação contabilística incompleta que serve de suporte à contabilidade da empresa. 11. Documentos contabilísticos respeitantes à actividade desenvolvida no mês de Março de 2006 e referenciado nos extractos da empresa como “doc. Diversos – provisório”, não foram encontrados na sede da empresa, não obstante alguns dos seus alegados “factos contabilísticos” se encontrarem lançados informáticamente na contabilidade, impedindo uma real percepção da situação contabilística desde o ano de exercício de 2004. 12. O Dr. C....solicitou em meados de Julho ou Agosto de 2008 ao Sr. B... o pagamento de 1.500,00 € para poder finalizar as contas da insolvente.
5.3. Terceira questão. 5.3.1. Estatui o artigo 186º, n.º 2, do CIRE 1- A insolvência é culposa quando a situação tiver sido criada ou agravada em consequência da actuação, dolosa ou com culpa grave, do devedor ou dos seus administradores, de direito ou de facto, nos três anos anteriores ao inicio do processo de insolvência. 2 – Considera-se sempre culposa a insolvência do devedor que não seja uma pessoa singular quando os seus administradores, de direito ou de facto, tenham: a) Destruído, danificado, inutilizado, ocultado, ou feito desaparecer, no todo ou em parte considerável, o património do devedor; b) Criado ou agravado artificialmente passivos ou prejuízos, ou reduzido lucros, causando, nomeadamente, a celebração pelo devedor de negócios ruinosos em seu proveito ou no de pessoas com eles especialmente relacionadas; c) Comprado mercadorias a crédito, revendendo-as ou entregando-as em pagamento por preço sensivelmente inferior ao corrente, antes de satisfeita a obrigação; d) Disposto dos bens do devedor em proveito pessoal ou de terceiros; e) Exercido, a coberto da personalidade colectiva da empresa, se for o caso, uma actividade em proveito pessoal ou de terceiros e em prejuízo da empresa; f) Feito do crédito ou dos bens do devedor uso contrário ao interesse deste, em proveito pessoal ou de terceiros, designadamente para favorecer outra empresa na qual tenham interesse directo ou indirecto; g) Prosseguido, no seu interesse pessoal ou de terceiro, uma exploração deficitária, não obstante saberem ou deverem saber que esta conduziria com grande probabilidade a uma situação de insolvência; h) Incumprido em termos substanciais a obrigação de manter contabilidade organizada, mantendo uma contabilidade fictícia ou uma dupla contabilidade ou praticado irregularidade com prejuízo relevante para a compreensão da situação patrimonial e financeira do devedor; i) Incumprido, de forma reiterada, os seus deveres de apresentação e de colaboração até à data da elaboração do parecer referido no n.º 2 do artigo 188.º 3. Presume-se a existência de culpa grave quando os administradores, de direito ou de facto, do devedor que não seja uma pessoa singular tenham incumprido: a) O dever de requerer a declaração de insolvência; b) A obrigação de elaborar as contas anuais, no prazo legal, de submetê-las à devida fiscalização ou de as depositar na conservatória do registo comercial.
Tal como acertadamente expende o Sr. Juiz a quo o preenchimento de qualquer das situações ou factos-indice previstos no n.º 2 deste artigo, determina a qualificação da insolvência como culposa. Pois que da ocorrência do(s) mesmo(s) estipula a lei uma presunção inilidivel, jure et jure, de culpa. O que dimana do adverbio «sempre». Assim, verificada qualquer uma das situações tipificadas nas als. do nº 2 do artº 186º do CIRE, deve o julgador, sem mais exigências, qualificar a insolvência como culposa. Aliás, pode defender-se que estes factos índice mais do que simples presunções inilidíveis são situações típicas de insolvência culposa. Pois que enquanto naquelas o legislador apenas faz corresponder à prova da ocorrência de determinados factos a ilação de que um outro facto -fenómeno ou acontecimento da realidade empírico-sensível - ocorreu, nestas desde logo se estabelece uma valoração normativa da conduta que esses factos integram. Assim, provada qualquer uma das situações enunciadas nas alíneas do nº2, estabelece-se de forma automática o juízo normativo de culpa do administrador, sem necessidade de demonstração do nexo causal entre a omissão dos deveres constantes das diversas alíneas e a situação de insolvência ou o seu agravamento – cfr. Acórdão do Tribunal Constitucional de 26.11. 2008, DR, 2ª Série, n.º 9, de 14.01.2009. De todo o modo, sejam presunções ou factos-índice, o legislador prescinde de uma autónoma apreciação judicial acerca da existência de conduta culposa e da sua adequação para a insolvencia. Já as situações do n.º 3 do mesmo artigo acarretam, por sua vez, uma presunção “juris tantum” de culpa grave, passível, por conseguinte, de ser arredada mediante prova em contrário – cfr. Carvalho Fernandes in Revista Themis, 2005, p.94; Carvalho Fernandes e João Labareda, in Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2006, II, p.14 e Acórdãos da Relação de Coimbra de 24.03.2009, de 21.04.2009 e de 23.06.2009, dgsi.pt, ps. 1421/06.0TBAVR – H.C1, 369/07.6TBCDN-B.C1 e 273/07.8TBOHP. Destarte, se verificadas as situações previstas no nº 3 do artº 186º, para que se possa qualificar a insolvência como culposa é necessário ainda concluir-se que os comportamentos omissivos aí previstos criaram ou agravaram a situação de insolvência, não bastando a mera demonstração da sua existência. Ou seja, é ainda necessário provar-se o nexo causal entre a conduta gravemente culposa do devedor ou administrador e a criação ou agravamento do estado de insolvência para concluir pela insolvência culposa, nos termos do nº 1 do citado art. 186º - cfr. o supra cit. Ac. da Relação de Coimbra de 23.06.2009 e os Acs. da Relação do Porto de 20.10.2009 e de 26.11.2009, dgsi.pt. ps. 578/06.5TYVNG-A,.P1 e 138/09.9TBVCD-M.P1. Em sentido contrario pronunciou-se Catarina Serra, in Caderno de Direito Privado, n.º 21, Janeiro/Março, 2008, p. 60 e segs. A qual, comparando o conteúdo das als. h) e i) do n.º 2 com o das als. a) e b) do n.º 3, defende que «elas pouco se distinguem… sob o ponto de vista da sua aptidão para serem causas da criação ou do agravamento da insolvência» (p. 66 e 69) pelo que conclui que «estas presunções não são simplesmente de culpa qualificada – no (f)acto praticado – mas são de culpa qualificada na insolvência.» Existindo para impedir que, devido à dificuldade de provar o nexo de causalidade, fiquem, na prática, impunes os sujeitos que violaram obrigações legais. E onerando-se assim, estes sujeitos com a prova de que não foi a sua conduta ilícita (e presumivelmente culposa) que deu causa à insolvência ou ao respectivo agravamento, mas sim uma outra razão, externa ou independente da sua vontade. 5.3.2. No caso vertente a conduta do opoente subsume-se na previsão das alíneas h) do nº2 e a) do nº3. O que, ex vi daquele segmento normativo, determina a inelutável conclusão de que a insolvência deve considerar-se culposa. Inexistindo necessidade de prova do nexo causal entre a culpa e a criação ou o agravamento do estado insolvente. Quanto à não apresentação à falência é certo que o opoente, mesmo considerando a data de 23.11.2007 como a demonstrativa do estado de insolvência da sociedade porque impossibilitada de cumprir as suas obrigações vencidas, rectius com o seu financiador D..., não cumpriu o seu dever de apresentação no prazo de 60 dias determinado pelo artº 18º nº1 do CIRE.. Nem valendo a sua argumentação de que ficou impossibilitado de se apresentar por força do requerimento anterior. É que, como outrossim aqui bem alerta a digna magistrada do MºPº, em 24.01.2008, ela ainda não tinha conhecimento da instauração do processo e, não obstante, não o tinha despoletado de motu propriu. Nem tendo cabimento a invocação do recorrente que tudo ficou suprido e sanado com a sua aquiscência à continuação do processo antes instaurado por credor. São situações ou realidades diferentes que não se confundem ou condicionam. Melhor do que ninguém ele sabia, ou era-lhe exigível que soubesse, da critica situação da sociedade, pelo que já deveria ter diligenciado, atempadamente, pelo requerer da insolvência. E devendo concluir-se, neste particular, que existiu um efectivo nexo causal entre a falta de apresentação à insolvência e o agravamento de tal situação. Pois que, desde há muitos meses e até anos, a situação económico-financeira da sociedade era mais do que deficitária com resultados líquidos de exercício respeitante aos anos de 2005 a 2007 sucessiva e acrescidamente negativos– ponto 9. E com o aluguer de activos – máquinas – a firma terceira da qual, curiosamente ou talvez não, é Presidente do conselho de Administração L..., filho do recorrente, que eram certamente necessárias à sua laboração, em Fevereiro de 2007. E com uma contabilidade, no mínimo, completamente desorganizada e falha de elementos necessários à real e efectiva avaliação da sua actividade e «saúde» económico-financeira. É assim, mais do que evidente, e que ressumbra à saciedade das regras da lógica e da experiencia comum, que o protelar da intervenção jurisdicional constituiu um factor de agravamento da sua insustentável situação.
Nem merecendo acolhimento o pedido de atenuação das sanções aplicadas. Quanto à prevista na al.c) do nº1 do artº 189º porque, dados os factos apurados, a sua gravidade - vg. atenta a actuação do recorrente que se prolongou por um largo lapso de tempo e a própria dimensão da empresa e a sua relevância no tecido empresarial e na economia local e regional – se alcança como relevante. Assim e prevendo tal segmento a inibição para o exercício do comércio por um período de 2 a 10 anos, sensato e justo se vislumbra o fixado prazo de cinco anos. No atinente à previsão da al.d) porque, consubstanciando-se ela apenas na vertente qualitativa, inexiste possibilidade da sua redução e, muito menos, pelo que se viu, da sua revogação.
6. Sumariando. I- Porque a não documentação do parecer no incidente de qualificação da insolvência a que alude o artº 188 nº2 do CIRE não respeita à essência do acto mas antes à prova dos factos nele invocados, e podendo esta ser efectivada por outros meios probatórios que apenas surjam supervenientemente, a não junção de «documentos», hoc sensu, ali referidos não acarreta qualquer invalidade do mesmo. II- Atentos, vg. os princípios da imediação e da oralidade, a decisão sobre a matéria de facto apenas pode ser alterada se os elementos probatórios invocados pelo recorrente apontarem, de uma forma inequívoca e irrefutável, no sentido por ele pretendido, quer porque os invocados pelo julgador não têm nitidamente a força que ele lhe atribui, quer porque a sua interpretação dos mesmos viola as regras da lógica e da experiencia comum. III – Provado qualquer um dos factos índices do nº2 do artº 186º do CIRE a insolvência tem inelutavelmente de ser qualificada de culposa; já a prova dos factos do nº3 apenas faz presumir a culpa grave, importando, para aquela qualificação, que se prove ainda o nexo de causalidade entre tal actuação culposa e a criação ou agravamento da situação de insolvência.
7. Deliberação.
Termos em que se acorda negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a sentença.
Custas pelo recorrente. |