Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
488/07.9GBLSA.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ESTEVES MARQUES
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
DIREITO À VIDA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
LUCRO CESSANTE
Data do Acordão: 04/21/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA LOUSÃ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA PARCIALMENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 483º,494º,496º, Nº1, 2E 3, 562º A 566º DO CC
Sumário: 1.Na fixação do montante da indemnização por perda do direito vida em consequência de acidente de viação deve ser tido em conta o modo como ocorreu o acidente, a idade, profissão, situação familiar e condição sócio - económica da vítima.

2.Por morte da vítima, a indemnização por danos não patrimoniais a arbitrar à viúva e ao filho visa compensar o sofrimento e a angústia sentida por aqueles que ficaram subitamente privados, respectivamente marido e pai

3.No cálculo desta indemnização, a fixar equitativamente, deve ter-se em consideração não só o grau de culpabilidade do causador do acidente mas também a situação económica daquele e dos titulares da indemnização

Decisão Texto Integral: 22
Proc. nº 488/07.9GBLSA.C1
RELATÓRIO

Por sentença proferida em 09.11.25, no processo comum singular do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Lousã, foi decidido:
a) Condenar o arguido P, pela prática de um crime de homicídio por negligência, p. p. pelo artº 137º, nº1, do CP, na pena de sete meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de um ano, subordinada à condição de o arguido, no âmbito de Plano de Reinserção Social a elaborar pela DGRS, se sujeitar à obrigação de frequentar programas de formação e sensibilização rodoviária, visitar quinzenalmente entidades relacionadas com a sinistralidade rodoviária, designadamente, estabelecimentos hospitalares e Associações, para conversa/visita de responsáveis das entidades e vítimas, a indicar pela DGRS, bem como visitar quinzenalmente pessoas em cumprimento de pena de prisão efectiva pela prática deste tipo de crime;
b) Condenar a demandada, --- Companhia de Seguros, S.A a pagar:
- à assistente, A o valor de €30.000,00 por danos não patrimoniais próprios sofridos por causa da morte de AD, acrescido de juros de mora desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento;
- ao menor J na pessoa da assistente, o valor de €35.000,00 por danos não patrimoniais próprios sofridos por causa da morte de AD, acrescido de juros de mora desde a data da sentença até efectivo e integral pagamento;
- a ambos os demandantes em conjunto o valor de €65.000,00 pela perda do direito à vida do falecido AD e €7.500,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pelo mesmo nos momentos que antecederam a sua morte, acrescidos de juros de mora desde a data da presente sentença até efectivo e integral pagamento;
- a ambos os demandantes em conjunto o valor de €2.185,00 por danos emergentes, acrescido de juros de mora desde a data da citação da demandada até efectivo e integral pagamento;
- à assistente, o valor de €221.826, por lucros cessantes, acrescido de juros de mora desde a data da citação da demandada até efectivo e integral pagamento;
-ao menor J, na pessoa da assistente, o valor de €111.456,65; c) à Ax.., o valor de €25.840,21.
Inconformada, a …Companhia de Seguros interpôs recurso da sentença, concluindo:
1ª - A assistente ao ser ouvida em audiência de discussão e julgamento do dia 03/11/2009 esclareceu, a instância do mandatário da recorrente, ser, ao tempo do acidente, tal como actualmente, operária fabril, auferindo desse trabalho o salário mínimo nacional;
2ª - Tal facto releva para a determinação dos rendimentos do agregado familiar do falecido e daqueles que se mantêm, sendo, em consequência, pertinente à determinação das indemnizações devidas por danos patrimoniais/lucros cessantes à viúva e ao filho do falecido;
3ª- O depoimento da assistente está gravado no único cd aúdio do minuto 00:00 ao minuto 23:22, tendo a instância do mandatário da recorrente tido início ao minuto 07:46, encontrando-se tal depoimento transcrito em documento anexo à presente motivação que se dá por reproduzido, nenhuma outra prova tendo sido produzida sobre este facto;
4ª- Deve, deste modo, ser aditado o seguinte facto à matéria provada:
A assistente A era, ao tempo do acidente, operária fabril, auferindo como vencimento o salário mínimo nacional, situação que se mantém no presente.
[artigo 431°-alínea a), do CPP.];
5ª- O tribunal "a quo" deu como provado, sob o n° 20 dos factos provados na sentença recorrida, que:
"Durante cerca de três horas que se seguiram ao embate, a vítima sofreu dores, apercebendo-se do perigo de vida que corria e de que se aproximava a sua morte;"
6ª - Sucede que nenhuma prova foi produzida nesse sentido, ninguém tendo sido inquirido a tais factos, nem existindo no processo quaisquer outros elementos documentais ou periciais dos quais se possam retirar tais factos;
7ª- A causa da morte foram as graves lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas e toraco-abdominais sofridas pela vítima - facto provado sob o n° 12 na sentença recorrida;
8ª- No último parágrafo da página 14 da sentença recorrida diz­-se:
"A convicção do tribunal resultou ainda das regras da experiência comum, designadamente no tocante ao sofrimento da vítima nos momentos que antecederam a morte…”.
9ª - Ao contrário do que aí se lê, as regras da experiência comum fazem perceber o estado de inconsciência em que a vítima se encontrava;
10ª- Devem, em consequência, ser eliminados dos factos provados na sentença, passando para os não provados, os que vêm escritos sob o n° 20 [artigo 431°-alínea a), do CPP];
11ª- A prova documental produzida pela interveniente e, designadamente, os documentos juntos por esta sob os n°s 3, 9 e 11 da sua petição, que foram esclarecidos pela testemunha D, permitem modificar o facto provado sob o n° 37 na sentença recorrida pela forma seguinte:
"As pensões mensais por acidente de trabalho pagas, desde 27/11/2007, pela interveniente Ax .. à viúva A e ao filho J eram inicialmente do montante, respectivamente, de € 362,10 e de € 241,40, pagos 14 vezes por ano e actualizáveis anualmente, tendo, no presente, o valor de € 381,54 e de € 254,90" ( artigo 431º - alínea a), do CPP).
12ª- O depoimento da testemunha referida no número anterior consta gravado no único cd aúdio, iniciando-se ao minuto 00.00 e terminando ao minuto 12:47, encontrando-se a instância do mandatário da recorrente ao minuto 09:12, dando-se por reproduzida a transcrição do mesmo que se junta á presente motivação;
13ª- Tal esclarecimento e discriminação do facto provado sob o n° 37 justifica-se tendo em vista a correcta valoração dos danos patrimoniais / lucros cessantes sofridos pela viúva e pelo filho do falecido;
14ª- Dão-se por reproduzidos os factos provados sob os n°s 4 (quanto à idade do falecido), 12, 18, 19,21,22,23,24,25,26,27, 32, 33, 34, 35 e 36, na sentença recorrida, que ficaram transcritos nestas alegações;
15ª- Em face da eliminação que se pede do facto provado sob o n° 20 na sentença recorrida, não se justifica a condenação da recorrente no pagamento da indemnização por danos não patrimoniais da própria vítima Armando David Rodrigues Gonçalves, devendo ser revogada a condenação da recorrente no pagamento do valor a esse título arbitrado de € 7.500,00 (sete mil e quinhentos euros);
16ª- Em face dos factos provados e daqueles outros que se pretendem ver aditados e modificados, por equitativa, justifica-se a redução da indemnização arbitrada pela perda do direito à vida da vítima para € 50.000,00 (cinquenta mil euros), v alar que está conforme à jurisprudência;
17ª - As indemnizações arbitradas pelos danos morais sofridos pela viúva e pelo filho do falecido devem ser reduzidas para € 15.000,00 (quinze mil euros), para cada um deles, sendo manifestamente exagerados os valores indemnizatórios fixados na sentença recorrida, respectivamente, em € 30.000,00 e € 35.000,00;
18ª - Quer na petição inicial quer no decurso da audiência de julgamento, a viúva e o filho do falecido declararam não renunciar às pensões a que têm direito por acidente de trabalho e que lhes são devidas pela interveniente Ax..l, por elas tendo, em consequência, optado;
19ª- As indemnizações a pagar pelos responsáveis por acidente simultaneamente de viação e de trabalho não se cumulam, apenas se completando;
20ª - Ao tempo do sinistro, o agregado familiar do falecido era composto por si, sua esposa e pelo filho de ambos;
21ª - Dispondo todos de um rendimento mensal de € 2.059,09 (dois mil e cinquenta e nove euros e nove cêntimos), assim discriminado:
- salário do falecido - € 1.156,00;
- proveitos com a utilização do tractor - € 500,00; e
c) - salário da assistente - € 403,00;
22ª- É razoável admitir-se que tal rendimento fosse repartido entre os três na proporção de 40% para cada um dos progenitores (€ 823,63) e de 20% para o filho (€ 411,83);
23ª- Após o acidente, a viúva do falecido continuou a trabalhar como operária fabril, auferindo o salário mínimo nacional (€ 403,00 mensais) e passou a receber da seguradora por acidente de trabalho uma pensão mensal no valor de € 362,10;
24ª- Viu, assim, reduzidos os proveitos que se lhe destinavam antes do acidente em € 170,43 mensais, ou seja, € 2.386,02 anuais;
25ª- Aceitando que o período de vida activa laboral do marido se prolongasse por 30 anos, justifica-se, por equitativa, a redução da indemnização que lhe foi arbitrada na sentença recorrida por danos patrimoniais / lucros cessantes para € 41.000,00 (quarenta e um mil euros);
26ª- O filho do falecido ficou a receber após o acidente pensão mensal por acidente de trabalho que lhe é prestada pela interveniente Ax… no valor de € 241,40;
27ª- Tendo tido em relação aos proveitos que lhe eram destinados anteriormente ao acidente uma perda mensal no valor de € 58,53, ou seja, € 819,42 anuais;
28ª – À data do acidente o filho do falecido tinha 5 anos de idade;
29ª- Admitindo que pudesse continuar a depender economicamente dos pais por mais 15 anos, justifica -se, por equitativa, a redução da indemnização por danos patrimoniais / lucros cessantes que lhe foi arbitrada na sentença recorrida para € 9.000,00 (nove mil euros);
30ª- Assim não decidindo, a sentença recorrida violou, designadamente, o disposto nos artigos 483°-n° 1, 494°, 495°- nº 3, 496° e 563°, do Código Civil.”.
À motivação do recurso interposto pela demandada, responderam os demandantes, pugnando pela manutenção da sentença recorrida.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.

FUNDAMENTAÇÃO

É a seguinte a matéria de facto dada como provada:
1. No dia 26…..07, pelas 06.15, o arguido partiu da sua residência na Lousã, com destino intermediário a Moinhos, onde recolheria um trabalhador da mesma empresa, seu superior, e com destino final à localidade de Paião, a fim de aí desempenhar mais um dia de trabalho.
2. Tripulava o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula …DN-57, pertencente a firma J… & Filhos, Lda, por conta, no interesse e às ordens da qual trabalhava.
3. Entre as 06:30 e as 06:45, o arguido, então único ocupante do veículo, seguia na EN 342, sensivelmente ao KM 60,300, no sentido Lousã-Miranda do Corvo, no local onde existe uma passagem de nível e onde a via descreve uma curva de ângulo pouco acentuado à esquerda, em plano um pouco mais elevado, atento o sentido de marcha que levava o arguido.
4. Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, mas em sentido oposto, onde a via descreve uma recta, circulava o veículo ligeiro de passageiros de matrícula …83-KE, conduzido pela vítima, AD, nascido em 11.04.67, que partira de sua casa, sita em … e se dirigia ao seu local de trabalho, sito na Lousã, transportando então um cunhado e um amigo, seus colegas de profissão.
5. No momento em que com o seu veículo alcançou o piso da passagem de nível, o arguido perdeu o controlo da viatura, invadindo de forma desgovernada a via de trânsito do sentido inverso, na qual seguia, pois, a vítima, derrapando sobre o seu lado direito.
6. Ao aperceber-se do perigo de colisão com o veículo conduzido pela vítima, o arguido guinou para a sua direita, tendo o veículo continuado desgovernado e instável, derrapando sobre a sua esquerda, acabando por colidir com a lateral esquerda do seu veículo na frente esquerda do da vítima, numa colisão fronto-lateral oblíqua central, embate que ocorreu, pois, na faixa de rodagem da vítima.
7. O veículo do arguido veio a imobilizar-se alguns metros depois, fora da faixa de rodagem, na berma direita, ficando o veículo KE imobilizado na via onde circulava.
8. O arguido circulava então com, pelo menos, os faróis médios acesos, pelo que o falecido se apercebeu, momentos antes do embate, de que o arguido vinha na sua direcção, desgovernado.
9. O arguido passava no local todos os dias há cerca de seis meses.
10. Nas circunstâncias de tempo e lugar em apreço, o arguido avistava a recta onde seguia a vítima sem dificuldade.
11. O piso encontrava-se húmido, o que o arguido sabia, tal como se encontrava, habitualmente, naquela época e àquela hora.
12. Do aludido embate, resultaram para a vítima lesões, designadamente, traumáticas crânio-meningo-encefálicas e tóraco-abdominais que foram causa directa e necessária da sua morte – que ocorreu cerca das 09:30 -, bem como ferimentos para os demais ocupantes.
13. Na marcha, o arguido cortara o ângulo da curva que se lhe apresentava então para a esquerda.
14. Ao aproximar-se da passagem de nível, aproximação de que estava ciente, o arguido não abrandou a marcha, não obstante saber ainda que o piso se encontrava húmido.
15. O arguido registava um atraso de cerca de 20m, tendo em conta a hora a que pretendia chegar a Moinhos.
16. O arguido não adequou a velocidade que imprimia ao veículo no local -passagem de nível em patamar superior -, e ao piso húmido, o que determinou a perda de controlo do veículo.
17. A vítima seguia na sua mão de trânsito e, ao avistar o arguido na passagem de nível, desgovernado, parou e encostou-se à berma direita, atento o seu sentido de marcha, a uma distância da passagem de nível de cerca de mais de 40 metros.
18. O falecido AD era pessoa robusta -não lhe sendo conhecida qualquer doença-, alegre e com gosto pela vida.
19. Por causa da morte de AD, a assistente e o filho, nascidos, respectivamente, em 10.01.65 e 11.09.02, sofreram abalo e desgosto, de que ainda não recuperaram.
20. Durante as cerca de três horas que se seguiram ao embate, a vítima sofreu dores, apercebendo-se do perigo de vida que corria e de que se aproximava a sua morte.
21. AD trabalhava para a firma C.. Lda, como chefe de equipa de encarregados, há vários anos, auferindo mensalmente o salário que à data do óbito ascendia ao valor – líquido -, de €1.156,09.
22. Era pessoa trabalhadora.
23. Com frequência não apurada mas considerável, a vítima aproveitava o período pós-laboral, feriados, férias e fins-de-semana para amanhar, fresar e lavrar com tractor e alfaias agrícolas terrenos pertencentes a si e a vizinhos.
24. E nessa actividade, retirava da sua propriedade os produtos agrícolas, batatas, milho e outros legumes necessários à subsistência do agregado familiar.
25. Com os trabalhos agrícolas que efectuava para terceiros, o falecido obtinha mensalmente a quantia de, pelo menos, €500,00, com a qual o casal fazia face às despesas pessoais e da casa.
26.O ofendido efectuava as reparações necessárias às suas viaturas e, bem assim, em casa, designadamente, ao nível na canalização, sem necessidade de recorrer a terceira pessoa.
27.O falecido AD era pessoa dedicada à esposa e ao filho.
28. Com o funeral da vítima, a demandante despendeu a quantia de €1.566,00.
29. O veículo então conduzido pela vítima, de marca Volkswagen, modelo fora adquirido pelo casal e ficou, por força do embate, totalmente destruído.
30. Ficaram ainda inutilizadas as roupas que a vítima envergava.
31. A proprietária do veículo conduzido pelo arguido transferira para a demandada Companhia de Seguros a responsabilidade civil emergente de danos causados a terceiros por contrato titulado pela apólice nº 31-…
32. Correu termos no 1º Juízo do Tribunal do Trabalho de Coimbra, sob o nº …/07.5TTCBR, os autos de acidente de trabalho, no qual a assistente formulou contra a interveniente pedido de pensão de sobrevivência.
33. No exercício da sua actividade, a interveniente AX.. celebrou com C – …, Lda., um contrato de seguro do ramo acidentes de trabalho – Conta de Outrem, titulado pela apólice nº0010….
34. O falecido AD trabalhava por conta daquela empresa.
35. No âmbito do aludido processo que correu termos no Tribunal do Trabalho de Coimbra, a interveniente pagou, em 05.11.08, a quantia global de €17.430,00 que se decompõe nos seguintes itens:
-€30,00 a título de despesas de transporte;

-€3224,00 a título de despesas de funeral;
-€4.836,00 a título de subsídio por morte (€2.418,00 para cada um dos beneficiários);
-€4.500,33 a título de pensão anual e vitalícia devida à beneficiária Almerinda pelo período de 26.11.07 a 30.11.08;
-€3.000,21 a título de pensão anual e temporária devida ao beneficiário José, pelo período de 26.11.07 a 30.11.08;
-€617,98, a título de subsídio de férias de 2008 devido no âmbito das pensões anuais;
-€1.221,48 a título de subsídio de Natal de 2007 a 2008 devido no âmbito das Pensões Anuais;
36. Relativamente à pensão por acidentes de trabalho, desde Dezembro de 2008 até Junho de 2009, a interveniente pagou o montante global de €5.087, 21 e até Outubro de 2009 mais €3.179,50, incluindo subsídio de Natal.
37. Actualmente, a aludida pensão ascende ao valor global de €635,90.
38. A interveniente pagou em 27.12.07, aos Hospitais da Universidade de Coimbra, a quantia de €143,50 pelos cuidados médicos prestados ao ofendido.
39. O arguido era titular de carta de condução desde 1998.
40. Aufere mensalmente €905,00, paga as prestações mensais de €400,00 ao Banco em virtude de empréstimo contraído para aquisição de casa própria e de €100,00 por força de empréstimo pessoal.
41. Vive com a esposa, que aufere €380,00 mensais, e com um filho menor.
42. Estudou até ao 9º ano.
43. O arguido mostrou-se consternado pelo sucedido e incomodado ante a submissão a julgamento, sem que, contudo, tivesse mostrado crítica relativamente a sua conduta, afirmando não ter passado a ter qualquer cautela acrescida no exercício da condução.
44. Não tem antecedentes criminais.
45. O arguido tinha em mente as situações em que lhe parecia adequado accionar a tracção às quatro rodas.
46. Ao agir sem adequar a velocidade às condições da via, que conhecia, o arguido não representou os resultados despiste, embate e morte de tripulante.
Factos não provados:
1. Imediatamente antes de alcançar a passagem de nível ali existente, o arguido circulava a velocidade superior a 90 Km/H.
2. O arguido efectuou um desvio brusco para a sua direita fomentando desta forma uma alteração do comportamento da estabilidade do veículo.
3. O arguido circulava a velocidade muito superior a 120 Km/H.
4. E era pessoa poupada, pouco gastando consigo próprio.
5. O falecido dedicava-se aos trabalhos agrícolas com frequência diária.
6. O veículo da vítima valia, à data, €2.500,00.
7. À data do acidente, o falecido trazia calças no valor de €40,00,00; uma camisa no valor de €30,00; uma camisola no valor de €30,00; uns sapatos no valor de €40,00 e um casaco no valor de €45,00.
8. Havia gelo no piso da passagem de nível por onde seguiu o arguido.
Motivação de facto:
Para clarificar o raciocínio seguido pelo tribunal, importa, antes de mais, fazer um breve périplo pelos elementos de prova produzidos.
Foram tidos em conta o Relatório de autópsia, constante de fls 39-47 e ainda os seguintes documentos:
-croquis, constante de fls 2-4;
-Fotografias dos veículos e respectivos posicionamentos, de fls 116 a 132, examinados em audiência de julgamento;
-Fotografia de fls 215-219, na ampliação junta posteriormente;
-recibo de despesas de funeral, constante de fls 253;
-Escritura de habilitação de herdeiros, de fls 272 e seguintes;
-Escritura de Convenção Antenupcial;
-Informação do Registo Criminal constante de fls 290;
-Apólice relativa à demandada, de fls 309 e seguintes;
-Apólice relativa à interveniente, constante de fls 431;
-cópia de auto de conciliação atinente ao processo que correu termos no Tribunal do Trabalho de Coimbra, sob o nº 1255/07;
-recibos de indemnização emitidos pela demandada AXA, constantes de fls. 434 e seguintes;
-factura emitida pelos HUC atinente a episódio de urgência, constante de fls. 442;
-recibos de remuneração de fls 527 e seguintes;
-certidão de assento de casamento, de fls 556;
-certidões de assentos de nascimento de fls 558, 562 e 566;
-cópia de livrete do veículo de matrícula NF-47-12;
Importa agora olhar aos depoimentos prestados em sede de audiência de julgamento.
No essencial e com relevo, o arguido explicou que o carro lhe fugiu na curva, de traseira, para a direita. Como viu a vítima em sentido contrário, guinou para a direita, mas já não pode evitar o embate.
Não sabe a que velocidade seguia, mas pensa que não vinha depressa.
Recorda, contudo, que não travou na passagem de nível nem abrandou.
Relatou também que a carrinha de caixa aberta que conduzia se separou do reboque, embora não saiba já dizer em que momento.
Questionado nesse sentido, respondeu que não percebeu o que sucedeu ao carro, mas que, mais tarde, lhe disseram que havia gelo na passagem de nível.
Mais considerou que não deveria ter accionado a tracção às 4 rodas.
Instado, respondeu ainda que vinha a circular há dois quilómetros quando se despistou.
A assistente respondeu espontaneamente que, por mês, os trabalhos agrícolas do arguido lhe rendiam em média €500,00 descontando já as despesas inerentes à actividade (combustível, manutenção, etc). Quantia que guardavam numa gaveta e com a qual pagavam as despesas correntes (alimentação, vestuário e calçado). O salário do ofendido servia sobretudo para pagar o empréstimo contraído para aquisição de casa própria, sendo que tentavam, nas suas palavras, não mexer no resto.
Instada a propósito, começou por dizer que o falecido só no Verão lavrava quando vinha do trabalho. Mais à frente, acrescentou que durante o resto do ano também trabalhava muitas vezes.
Mais disse que o falecido arranjava tudo em casa e no carro, pelo que poupavam muito.
Respondeu ainda que aos Domingos o marido só trabalhava de manhã.
Habitualmente iam à missa das 11 e almoçavam em casa de familiares.
A irmã da vítima, G, amigos do casal, deram conta de que viam a vítima muitas vezes a trabalhar e que o mesmo fazia parte da Direcção de um Clube local que reunia aos Domingos.
Assinalaram igualmente que o filho costuma referir-se ao pai quando vê ferramentas, o que interpretam como um sinal de que a criança, apesar de pequena, sofre com saudades do pai.
A irmã da vítima assegurou ainda que a assistente ficou muito abalada e que fez tratamentos.
GF que seguiam então com a vítima, relataram que viram o carro do arguido com luzes acesas totalmente desgovernado, e que a vítima parou ou quase.
Os Agentes da GNR, M, CR e L deram
conta de que o piso estava muito húmido, admitindo que pudesse ter geada.
Por seu turno, CG, patrão da vítima, deu conta de esta ser pessoa trabalhadora.
V que também ali passa todos os dias deu conta de o piso ser ali escorregadio. Acrescentou que viu o arguido encostado na via a chorar.
Por último, F, colega do arguido, deu conta de ter visto gelo.
Mais tarde, confrontado com o Agente da GNR que inspeccionou o local, esclareceu que se tratava de geada. Contextualizou que ali acorreu então porque o arguido o chamara, já que precisava de testemunhas para justificar o atraso ao trabalho.
No local, onde teve lugar parte da audiência de julgamento, confirmaram-se as medidas constantes do croquis. Entre o mais, salienta-se que o arguido se despistou a mais de 40 m de distância do veículo da vítima. Todavia, não cumpre fazer com este dado qualquer raciocínio, na medida em que não se olvida que, quando entra em despiste, o automóvel pode circular/derrapar a velocidade superior à imprimida pelo condutor antes do descontrolo. Cumpre assinalar que inexistiu qualquer dado, designadamente, rastos de travagem, marcas de rodado ou análise ao grau de deformação dos veículos, que permitissem concluir por qualquer velocidade imprimida pelo arguido, sequer por aproximação. Também não resultou que o mesmo tivesse guinado bruscamente, posto que resultou até que teve frieza de ânimo para não travar ao sentir-se desgovernado.
Note-se que também a versão de que haveria gelo decaiu perante a admissão das testemunhas que o haviam referido de que seria humidade, geada e não gelo formado.
Registe-se que todos os depoimentos convergiram no essencial e foram prestados de modo fluente e coerente, pelo que inexiste qualquer razão objectiva para reserva.
Acresce que, se efectivamente estivesse gelo no chão, estaria também noutros pontos da via, nos carros, etc. Pelo que tal factor seria seguramente memorável.
O arguido admitiu que pudesse seguir a 50 /60 Km/h e que não abrandou ao entrar na passagem de nível sabendo que o piso estava molhado. Motivo pelo qual, tendo ainda em conta o quadro lógico supra traçado, se considerou que não adequou a velocidade imprimida às condições do piso.
A convicção do tribunal resultou ainda das regras da experiência comum, designadamente no tocante ao sofrimento da vítima nos momentos que antecederam a morte e no respeitante à destruição do carro e das roupas do mesmo por força do embate.
Da prova produzida não resultaram quaisquer dados concretos e objectivos que permitissem concluir pelo valor do carro ou das roupas e, sobretudo, pelo valor auferido pela vítima no âmbito da sua actividade agrícola. Fizemos, por isso, fé na espontaneidade da assistente. Sabendo-se ainda que em geral as senhoras têm propensão para estar mais atentas ao governo da casa.

*
Cumpre pois apreciar as questões suscitadas pela recorrente e sumariadas nas suas conclusões, e que são as seguintes:
- Impugnação da matéria de facto;
- Saber se:
- o montante indemnizatório fixado a título de danos não patrimoniais sofridos pela vítima é devido;
- os montantes indemnizatórios fixados a título de perda do direito à vida e pelos danos morais e patrimoniais sofridos pela viúva e filho são excessivos;
Passemos à sua apreciação.
A) Da impugnação da matéria de facto
Quanto a este ponto começa a recorrente por pugnar para que se adite à matéria de facto provada, que a assistente à data do acidente e actualmente, é operária fabril, auferindo o salário mínimo nacional, porquanto segundo o seu ponto de vista tal constitui um elemento importante para a fixação da indemnização devida pelos lucros cessantes.
Invoca para o efeito as declarações da própria assistente.
Pois bem ouvidas tais declarações, dúvidas não há de que efectivamente a assistente refere que à data do acidente, bem como na actualidade é operária fabril e que auferia e aufere o salário mínimo nacional.
Porém, tal facto, contrariamente à pretensão da recorrente, não tem nenhum interesse para a decisão da causa, pois o seu conteúdo é completamente irrelevante para a fixação da indemnização devida a título de lucros cessantes, como veremos no momento em que apreciarmos essa questão.
Trata-se pois de um facto totalmente inócuo.
Daí que neste ponto o recurso seja manifestamente improcedente.
Pugna ainda a recorrente para que seja eliminada o ponto 20 da matéria de facto provada, porquanto nenhuma prova foi produzida relativamente a essa matéria, sendo que a Mmª juiz a fundamenta nas regras da experiência comum.
Vejamos.
Está em causa matéria relacionada com os chamados danos intercalares, isto é os sofridos pela vítima durante o período que antecedeu a sua morte.
No referido ponto foi dado como provado que:
"Durante cerca de três horas que se seguiram ao embate, a vítima sofreu dores, apercebendo-se do perigo de vida que corria e de que se aproximava a sua morte".
Verifica-se igualmente que a Srª juiz na motivação de facto, quanto a este ponto, escreveu:
"A convicção do tribunal resultou ainda das regras da experiência comum, designadamente no tocante ao sofrimento da vítima nos momentos que antecederam a morte…”.
Quer dizer nenhuma outra prova suporta esta conclusão e parece-nos que não era necessário.
Na verdade analisando o relatório de autópsia constante de fls. 39 e ss, constata-se que aí é referido que a vítima deu entrada no Serviço de Urgência pelas 9 horas do dia em que ocorreu o acidente, sendo que, à entrada “ apresentava midríase fixa e ausência de reflexos corneanos…”, o que só por si não preenche os critérios da morte cerebral (Declaração da Ordem dos Médicos prevista no artigo 12.º da Lei 12/93, de 22 de Abril e Lei 141/99 de 28 de Agosto).
Por outro lado nada nos revela que tivesse entrado imediatamente após o acidente em coma profundo, o que constituiria essa sim uma alteração do estado de consciência.
Acresce que sabe-se igualmente que o respectivo acidente ocorreu pelas 6,15 horas, isto é, cerca de três horas antes.
Assim a violência do embate sofrido não conduziu a uma morte instantânea, sem sofrimento, antes pelo contrário, a vítima esteve durante 3 horas em sofrimento.
Daí que à luz da experiência comum seja de admitir que a vítima, não só no momento do embate e nos instantes que o precederam, sofreu um grande susto e receou pela própria vida, como tomou consciência durante aquele período de que havia sofrido lesões susceptíveis de lhe causar a morte.
Por isso nenhuma censura merece a decisão recorrida quanto a este ponto.
Por último entende igualmente a recorrente que face à prova documental junta pela interveniente e aos esclarecimentos prestados pela testemunha D, o facto dado como provado no ponto 37 tem de ser modificado, de modo a que aí passe a constar o seguinte:
"As pensões mensais por acidente de trabalho pagas, desde 27/11/2007, pela interveniente AX à viúva A e ao filho J eram inicialmente do montante, respectivamente, de € 362,10 e de € 241,40, pagos 14 vezes por ano e actualizáveis anualmente, tendo, no presente, o valor de € 381,54 e de € 254,90".
Mas, salvo o devido respeito não tem razão.
Desde logo porque o montante das pensões devidas já constam dos pontos 35 da matéria de facto provada, sendo o montante da pensão actual o constante do ponto 37.
Por outro lado, como se alcança da audição da gravação, o contributo dado pela testemunha em causa no seu depoimento mais não é do que o reconhecimento dessa matéria, a qual por sua vez assentou na documentação de fls. 432 e ss, limitando-se a testemunha, no que concretamente aos factos diz respeito a confirmar o conteúdo dos recibos, o montante das pensões que foram pagas através de cheque e espelhadas no documento de fls. 441, rematando, por último, que aquilo que pagam “ foi aquilo que foi fixado pelo tribunal de trabalho”, e cuja cópia constitui o documento de fls. 432.
Daí que se conclua que face àquela matéria de facto provada, nada mais haja a acrescentar.
Nestes termos, não se vislumbrando na mesma, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, a existência de qualquer um dos vícios a que alude o artº 410º nº 2 CPP, por assente se considera toda a matéria de facto dada como provada.
B) Da indemnização
Chegados aqui, verifiquemos se os valores que foram fixados a título indemnizatório merecem a censura que a recorrente lhes aponta.
Comecemos pela indemnização que foi fixada pelos danos intercalares traduzidos no sofrimento suportado pela vítima durante o período que antecedeu a morte e que constam do ponto 20 da matéria de facto provada.
Neste particular a única divergência situa-se, não relativamente ao seu montante, mas apenas porque a demandada entende não ter ficado provado que a vítima tenha tido qualquer sofrimento.
Ora já vimos no ponto anterior que não é assim, pelo que sem outras considerações sobre este assunto nada mais há a acrescentar.
Por isso a indemnização a título de danos não patrimoniais sofridos pela vítima que foi fixada em € 7.500,00, manter-se-á.
E que dizer quanto ao montante fixado a título de perda de direito à vida ?
A Srª juiz fixou-a em € 65.000,00.
A recorrente entende que deve ser reduzida para € 50.000,00.
Será exagerado o montante fixado, como pretende a recorrente ?
Nos termos do artº 496º nº 3 CC “ o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no artigo 494º”, isto é o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.

“ O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado em qualquer caso ( haja dolo ou mera culpa do lesante) segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e às do lesado e do titular da indemnização (artº 496º nº 3) aos padrões de indemnização geralmente adoptados na jurisprudência, às flutuações do valor da moeda, etc.. ( A. Varela, das Obrigações em Geral, Vol. I, 5ª ed., pág. 567).
E acrescenta o referido autor que “ a indemnização reveste, no caso dos danos não patrimoniais, uma natureza acentuadamente mista: por um lado visa reparar de algum modo, mais do que indemnizar, os danos sofridos pela pessoa lesada; por outro lado, não lhe é estranha a ideia de reprovar ou castigar, no plano civilístico e com os meios próprios do direito privado, a conduta do agente” ( obra citada, pág. 568).
Ora o direito à vida é na nossa civilização e na nossa sociedade o mais elevado dos direitos de personalidade.
O Prof. Leite de Campos Estudo publicado no BMJ 365, pág. 5 e ss., considera-o como um “direito ao respeito da vida perante as outras pessoas, é um direito “excludendi alios” e só nesta medida é um direito. É um direito a exigir um comportamento negativo dos outros. Eis o único conteúdo do direito à vida – expressão incorrecta, mas que não rejeitaremos, utilizando-a a par “de direito ao respeito da vida”, por causa da dignidade que obteve em mil combates ao serviço do homem.
Atentar contra o direito ao respeito da vida produz um dano – a morte – superior a qualquer outro no plano dos interesses da ordem jurídica.”
E continua “ O dano da morte é o prejuízo supremo, é a lesão de um bem superior a todos os outros”...” A morte é um dano único que absorve todos os outros prejuízos não patrimoniais. O montante da sua indemnização deve ser, pois, superior à soma dos montantes de todos os outros danos imagináveis.”.
Por morte da vítima, o direito à indemnização por danos não patrimoniais cabe, em conjunto, ao cônjuge não separado judicialmente de pessoas e bens e aos filhos e outros descendentes; na falta destes, aos pais ou outros ascendentes; e, por último, aos irmãos ou sobrinhos que os representem ( artº 496º nº 2 CC).
Assim conjugando os referidos critérios legais com os factos dados como provados e, tendo em conta as circunstâncias como ocorreram o acidente, a idade ( 40 anos), profissão, situação familiar e condição sócio-económica da vítima, entende-se que o montante fixado a título de indemnização pela perda do direito à vida se considera exagerado, considerando-se antes mais equilibrada, justa e de harmonia com os valores da jurisprudência, a sua fixação em € 50.000,00, montante esse para que se reduz.
E avancemos para a apreciação da indemnização fixada pelos danos não patrimoniais sofridos pela viúva e pelo filho.
Aqui o tribunal fixou esses valores em € 30.000,00 para aquela e € 35.000,00 para este.
A recorrente entende que devem ser reduzidos para € 15.000,00 para cada um.
E desde já se avançará dizendo que também nós pensamos que tais valores são francamente excessivos.
Na verdade tal indemnização visa compensar o sofrimento e a angústia sentida por aqueles que ficaram subitamente privados do marido e pai, respectivamente, em consequência do brutal acidente de viação para o qual em nada contribuíram.
Ora é evidente que essa dor e o sofrimento da viúva e filho no caso vertente, revestem-se de tal gravidade que merecem a tutela do direito, sendo certo que no seu cálculo ter-se-á de ter em consideração não só o grau de culpabilidade do causador do acidente mas também a situação económica deste e dos titulares da indemnização (artº 496º nº 3 CC).
Por isso, parece-nos que o enorme desgosto e profunda dor sofridos pela viúva com a brutal perda do marido, encontrarão a sua compensação com o pagamento da indemnização de € 20.000,00, montante este para o qual se reduz a quantia anteriormente fixada.
Por outro lado entende-se que o montante fixado para o filho, pelas dores e sofrimentos suportados com o desaparecimento do pai, justificará igualmente uma redução para € 15.000,00, já que a angústia e desgosto por este sofridos, atenta a sua pouca idade se repercutirão apenas para o futuro, não sendo, por isso comparáveis ao sofrimento da viúva, que viu desfeito no imediato um projecto de vida.
Por último há que verificar se a indemnização fixada a título de lucros cessantes é a adequada.
Concretamente no que concerne a esta questão a recorrente seguradora entende que o montante referente aos referidos danos de natureza patrimonial deverá ser fixado em € 41.000,00 para a viúva e € 9.000,00 para o filho.
Entremos na sua análise.
Estabelece o artº 562º CC que “ Quem estiver obrigado a reparar um dano deve reconstituir a situação que existiria, se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação”.
Tendo em vista o disposto no artº 563º CC, tal obrigação só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão. É a consagração da teoria da causalidade adequada que, assim, abrange danos patrimoniais e danos não patrimoniais e ainda que os danos patrimoniais se traduzem em danos emergentes e lucros cessantes
Tal dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão (artº 564º nº 1 CC).
Aqueles correspondem aos prejuízos sofridos, ou seja, à diminuição do património ( já existente) do lesado, e os benefícios que deixou de obter correspondem aos prejuízos que lhe advieram por não ter aumentado, em consequência da lesão o seu património Pires de Lima e Antunes Varela, CC Anotado, Vol. I, pág. 548..
Por sua vez estabelece-se no nº 2 do artº 564º CC que “ na fixação da indemnização pode o tribunal atender aos danos futuros, desde que sejam previsíveis; se não forem determináveis, a fixação da indemnização correspondente será remetida para decisão ulterior “.
E consagra-se ainda no nº 3 do artº 566º daquele diploma que, se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos, o tribunal julgará equitativamente dentro dos limites que tiver por provados.
Como escreve Vaz Serra RLJ 113, pág. 326. “ Para que o tribunal possa atender a danos futuros, é necessário que eles sejam previsíveis com segurança bastante, porque, se o não forem, não pode o tribunal condenar o responsável a indemnizar danos que não sabe se virão a produzir-se; se não for seguro o dano futuro, a sua reparação só pode ser exigida quando ele surgir”.
Daí que se possa afirmar que os lucros cessantes, designadamente os danos futuros, desde que os mesmos sejam previsíveis e determináveis, são indemnizáveis.
Dito isto diremos que os requerentes, na qualidade de cônjuge supérstite e filho, têm direito ao quantum indemnizatório correspondente ao lucro cessante da vítima, até ao fim da vida média activa, isto é, até que perfizesse setenta anos, a primeira e pelo menos por mais 20 anos o segundo, isto é até perfazer os 25 anos de idade, sendo certo que aquele tinha 40 anos de idade à data da ocorrência do infeliz acidente que tão violentamente lhe tirou a vida.
Não entram pois no cálculo dessa indemnização os rendimentos autónomos que eram e são auferidos pela beneficiária da indemnização, no caso a viúva, como pretendia a recorrente.
É que o que está aqui em causa são apenas os rendimentos do falecido de que a viúva e o filho deixaram de poder beneficiar em consequência da sua morte.
É evidente que o cálculo dos referidos danos não é tarefa fácil na medida em que assenta sempre numa previsão sobre dados futuros.
Contudo a jurisprudência vem entendendo que essa indemnização deve ser calculada em atenção ao tempo provável de vida do lesado por forma a representar um capital que com os rendimentos gerados e com a participação do próprio capital o compense até ao esgotamento AcSTJ99.03.16, CJSTJ 1/99, 167., lançando frequentes vezes mão das tabelas usadas no foro laboral, tabelas financeiras ou outras fórmulas, sempre, e de uma maneira geral, como meros instrumentos de trabalho básico.
Assim, lançando mão dos referidos critérios, e sem aderir a fórmulas ou tabelas matemáticas, haverá que considerar:
- a idade da vítima – 40 anos;
- estava empregado, ganhando € 1.156,09 mensais, a que acresciam € 500,00 mensais provenientes de trabalhos agrícolas;
Ora considerando que consumia consigo seguramente cerca de 30%, daquilo que auferia, o restante constituiria o seu contributo para as despesas dos demais elementos do casal, pelo que fazendo apelo a um juízo de equidade, entendemos que os montantes fixados na sentença recorrida deverão ser reduzidos para € 150.000,00 para a viúva e € 100.000,00 para o menor.
Termos em que procede parcialmente o recurso da seguradora.

DECISÃO


Pelo exposto e sem necessidade de mais considerações, acordam os Juízes desta Relação, em conceder parcial provimento ao recurso interposto pela recorrente …. Companhia de Seguros, e em consequência alteram a sentença recorrida nos seguintes termos:
a) Fixam a indemnização a atribuir aos demandantes, em conjunto, pela perda do direito à vida em € 50.000,00 ( cinquenta mil euros);
b) Fixam a indemnização pelos danos não patrimoniais próprios sofridos pela viúva, em € 20.000,00 ( vinte mil euros) e os sofridos pelo filho, em € 15.000,00 ( quinze mil euros);
c) Fixam os danos patrimoniais traduzidos em lucros cessantes em € 150.000.00 ( cento e cinquenta mil euros) para a viúva e € 100.000,00 ( cem mil euros), para o filho;
d) No mais confirmam a sentença recorrida.
Custas a cargo de demandantes e demandada na proporção do decaimento.
Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artº 94º nº 2 CPP).
Coimbra, 21 de Abril de 2010.