Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | JTRC | ||
| Relator: | CHANDRA GRACIAS | ||
| Descritores: | AÇÃO DE SEPARAÇÃO E RESTITUIÇÃO DE BENS RESOLUÇÃO EM BENEFÍCIO DA MASSA EFICÁCIA RETROATIVA APRECIAÇÃO DA PROVA | ||
| Data do Acordão: | 09/16/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Tribunal Recurso: | JUÍZO DE COMÉRCIO DE COIMBRA DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA | ||
| Texto Integral: | N | ||
| Meio Processual: | APELAÇÃO | ||
| Decisão: | CONFIRMADA | ||
| Legislação Nacional: | ARTIGOS 123.º, N.º 1, E 126.º DO CÓDIGO DA INSOLVÊNCIA E DA RECUPERAÇÃO DE EMPRESAS | ||
| Sumário: | I – Os factos não são dados como provados apenas porque houve testemunhas que se lhes referiram; com efeito, os testemunhos produzidos têm que ser ouvidos na sua íntegra, não desgarrados, nem escolhidos, devendo ser apreciados conjugadamente e cotejados com todos os outros meios probatórios.
II – Para além disso, intervêm os princípios da livre apreciação da prova (isenção, credibilidade, grau de conhecimento dos factos em discussão, tipo de relacionamento com os demais envolvidos, postura aquando das declarações/depoimento, etc.), as regras da normalidade e experiência, as presunções, deduções e outros argumentos de lógica jurídica, os ditames sobre a repartição do ónus de prova, as normas de direito probatório, etc. III – A resolução em benefício da massa compete ao administrador da insolvência, e deve ser promovida contra as ambas as partes do negócio que se pretende resolver, tendo eficácia retroactiva, determinando a reconstituição da situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado ou omitido, consoante o caso. (Sumário elaborado pela Relatora) | ||
| Decisão Texto Integral: | Recurso de Apelação
Tribunal a quo: Tribunal Judicial da Comarca de Coimbra/Juízo de Comércio de Coimbra (J1) Recorrente: AA
Sumário (art. 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil): (…).
Acordam na 1.ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra[1]:
I. Em 6 de Setembro de 2023, AA instaurou[2], por apenso à acção de insolvência – dando origem ao presente Apenso G –, a denominada acção de separação e restituição de bens contra Massa Insolvente de BB, A..., S.A., CC, Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, e BB, todos ali melhor identificados, a final, peticionando «… deve ser a presente ação julgada procedente por provada e, em consequência: 1. Seja anulado o ato de resolução do contrato de compra e venda praticado no processo de insolvência, nos termos e para os efeitos do artigo 195.º do Código de Processo Civil; e em consequência 2. Seja o mencionado imóvel separado da Massa Insolvente de BB e restituído ao autor, nos termos e para os efeitos do artigo 146.º do Código de Insolvência e Recuperação de Empresas; 3. Sejam os RR condenados a pagar as custas do processo, incluindo as de parte, honorários do mandatário e procuradoria condigna.».
Por Sentença cuja prolação ocorreu em 11 de Dezembro de 2024, decidiu-se: «a. julgo a presente ação improcedente, por não provada, absolvendo consequentemente os réus do pedido, mantendo-se, assim, a eficácia, na ordem jurídica, da resolução do negócio jurídico atinente à venda da fracção F do imóvel inscrito sob o art.º 3004 da União de Freguesias ... e ... efectuada por carta ao autor. b. julga-se inútil o pedido reconvencional.».
II. Inconformado, o A. interpôs Recurso de Apelação, extraindo-se das suas alegações as seguintes «CONCLUSÕES (…)».
III. Contra-alegou a 1.ª R., respigando-se estas «CONCLUSÕES (…)».
IV. Na esteira de despacho proferido neste Tribunal da Relação, o Tribunal a quo julgou extemporâneas, ex post, as contra-alegações apresentadas pela credora B..., S.A., em 12 de Fevereiro de 2025.
V. Questões decidendas Além da apreciação de questões que sejam de conhecimento oficioso, são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o âmbito da apelação (arts. 608.º, n.º 2, 635.º, 637.º, n.º 2, e 639.º, n.ºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil): - Da impugnação da matéria de facto (provada n.ºs 16 a 18, 25, 30 a 32, 36 e 46, e toda a não provada). - Da insuficiência de factos para a decisão, pela não verificação dos pressupostos para a resolução (v.g., má-fé, nulidade da notificação para entrega da fracção).
VI. Dos Factos Vêm provados os seguintes factos (transcrição, sublinhando-se os impugnados): 1º BB residente em Rua ..., ..., ... ..., tendo-se apresentado à insolvência a 23/01/20217, foi, por sentença proferida no dia 03.02.2017 declarada insolvente, nomeando-se como Administrador de Insolvência, o Dr. DD, aqui representante da Massa Insolvente (conforme petição inicial dos autos principais e sentença junta como doc. n.º 1 na petição inicial e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido e proferida nos autos principais). 2º A sentença foi publicada e dada a conhecer ao público através da publicação de anúncios no Portal Citius e afixação de editais. 3º No âmbito do Processo de Execução Fiscal com o número 35.../....7 instaurado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em que figuraram como executados os pais da insolvente, encontrava-se penhorada a fracção inscrita na matriz sob o art.º ...04... da União de Freguesias ... e ... e descrita sob o n.º ...26 na Conservatória do Registo Predial ... (cfr. Doc. n.º 2 junto com a petição inicial e que se considera integralmente reproduzido). 4º Aquando do acto da venda da aludida fração, a insolvente BB exerceu o direito de remição conforme certidão do título de aquisição emitido pela Administração Tributária (cfr. Doc. n.º 2 junto com a petição inicial e que se considera integralmente reproduzido). 5º Tal exercício ficou registado nas Finanças (cfr. Doc. n.º 2 junto com a petição inicial). 6º A insolvente BB, no exercício do direito de remição na venda do respetivo imóvel, depositou logo o preço à ordem do competente Chefe da 1.ª Repartição de Finanças do concelho ..., a funcionar em ... e pagou o imposto municipal de sisa que era devido (cfr. Doc. n.º 2 junto com a petição inicial). 7º Aquando da penhora do imóvel e consequente tentativa de venda por leilão, a proposta mais elevada foi oferecida por EE (cfr certidão junta na petição inicial como Doc. n.º 2). 8º BB e, à data, marido FF constituíram seu bastante procurador, GG, por procuração irrevogável outorgada em 21.06.2002, no Cartório Notarial ..., perante HH, Ajudante Principal do referido Cartório, nos seguintes termos:
(cfr. doc. 3 junto com a petição inicial). 9º Pela Ap. n.º ...26 de 12.04.2016, à descrição n.º ...26 na Conservatória do Registo Predial ..., a fracção inscrita na matriz sob o art.º ...04... da União de Freguesias ... e ..., encontrava-se registada em nome da insolvente (conforme Certidão do Registo Predial junta por fotocópia como doc. 2 com a contestação e junta ao apenso D). 10º Após obter crédito bancário na Banco 1..., por contrato de compra e venda e mútuo com hipoteca celebrado no dia 22.08.2016 em que GG, outorgando na qualidade de procurador e em representação de BB e marido FF, declara vender a referida fração ao autor AA, que declara que a aceita, pelo preço de €67.200,00 (sessenta e sete mil e duzentos euros), que a parte vendedora já recebeu e deu ali quitação (Cfr. doc. n.º 16 junto com a petição inicial e que se considera integralmente reproduzido). 11º Pela AP. ...77 de 22.08.2016 foi registada na Conservatória do Registo Predial a aquisição a favor do autor (conforme Certidão do Registo Predial junta por fotocópia como doc. 2 com a contestação e certidão junta ao apenso D). 12º E pela Ap. ...78 de 22.08.2016, encontra-se registada a hipoteca voluntária para garantir o empréstimo no montante de €65.000,00 (sessenta e cinco mil euros) a favor da Banco 1... (conforme Certidão do Registo Predial junta por fotocópia como doc. 2 com a contestação e certidão junta ao apenso D). 13º Encontra-se junto extrato de movimentos históricos de conta bancária no Banco 1..., de que é titular o autor onde consta transferência, em 22/08/2016, para GG o valor de €64.389,00 (cfr. doc. 16 junto com a petição inicial). 14º Por razões não concretamente apuradas a empresa de condomínio do prédio onde se insere o imóvel apreendido nos autos comunicou e solicitou ao pai do autor, GG, a regularização das quotas de condomínio referentes à fracção 2º esq. Situada na Rua ..., ... (cfr. documentos 4 e 5 na petição inicial). 15º A referida fracção foi e é destinada a habitação. 16º Foi enviada ao autor carta de resolução em benefício da massa insolvente relativamente ao imóvel referido do seguinte teor: “(…) 2. Na Conservatória do Registo Predial ... encontra-se descrita, sob o artº ...26, da freguesia ..., a fracção autónoma designada pela letra “F”, a que corresponde o segundo andar esquerdo, destinado à habitação, do prédio urbano construído em propriedade horizontal e inscrito na matriz predial urbana da freguesia da União de Freguesias ... e ... sob o artº ...04º com as seguintes inscrições: 2.1. No dia 17-05-1980. Encontra-se registada a aquisição de II e seu marido, JJ, por compra a KK e LL, pela Ap. ...1; 2.2. Com a mesma data, de 17-07-1980, pela Ap....2 e sobre a mesma fracção, incidiu hipoteca voluntária para garantia do empréstimo 1.100.000$00 (escudos) a favor da Banco 2..., que veio a ser cancelada oficiosamente pela Ap....26, de 12-04-2016; 2.3. No dia 12-04-2016, pela Ap....26, encontra-se registada a aquisição da mesma fracção, por arrematação por proposta em carta fechada, a favor de BB, casada com FF; 2.4. Desde o dia 22-08-2016, pela AP. ...77, encontra-se registada a aquisição da mesma fracção autónoma, a favor de AA«, por compra feita a BB, casada com FF; 2.5. E, desde o dia 22-08-2016, pela Ap. ...78, encontra-se inscrita uma hipoteca voluntária para garantir o empréstimo no montante de 65.000,00€ a favor da Banco 1...; 3. A venda da citada fracção autónoma a AA foi feita pelo preço igual ao do valor patrimonial, ou seja, por 66.720,00€, conforme consta da liquidação do imposto de SELO, QUE AQUI SE reproduz na íntegra. Doc. 2 4. Sendo certo que, a referida fracção autónoma, com 4 assoalhadas, e 92,175m2 de área bruta privativa, acrescida de 10m2 de área dependente, localizada na Quinta ..., na ..., valia pelo menos, 90.000,00€, no ano de 2016. 5. O preço da venda por valor mais baixo ao valor real do mercado constitui um acto prejudicial ao património da massa insolvente. Para além disso, 6. Quer na data da aquisição da citada fracção autónoma, a 12-04-2016, que na da data da venda 22-08-2016, a BB, já se encontrava numa situação de insolvência ou de iminente insolvência. 7-. A venda da fracção autónoma foi concretizada dentro dos 2 anos anteriores à data do início do processo de insolvência e a 6 (seis) meses da declaração de insolvência. Tal acto diminui, frustra, dificulta, impossibilita ou põe em perigo a satisfação dos direitos dos credores da insolvência. 9. Os factos indicados são demonstrativos que o procurador da insolvente, a própria insolvente e o comprador da fracção autónoma agiram em conluio, de má fé e com plena consciência do prejuízo provocado (artº 120º nº 1 e nº 4 do CIRE). 10. Pelos motivos expostos, na qualidade de Administrador da Insolvência cabe-me recorrer aos mecanismos de resolução em benefício da massa insolvente, a que respeitam os artºs 120º, 121º, 123º, 124º e 126º do Código da Insolvência e Recuperação de Empresas (CIRE), e DECLARO RESOLVIDO O CONTRATO DE COMPRA E VENDA CELBRADO NA DATA DE 22/08/2016 ENTRE BB e seu marido FF e MM EM BENEFICIO DA MASSA INSOLVENTE.” (cfr. Doc. 3 junto na contestação onde consta a carta e o registo NN do seu envio para o autor-fls.61 verso a 66 e fls.67). 17º A referida carta de resolução seguiu por correio registado com A/R para a Rua ..., ...., ... ... (cfr. doc. n.º 4 junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por reproduzido). 18º A carta de resolução foi recebida, a 28/06/2017, pela avó do A., que, à data vivia no referido 3.º andar esquerdo, de seu nome, OO (cfr. doc. n.º 4 junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por reproduzido). 19º No referido contrato de compra e venda do imóvel apreendido nos autos de insolvência, é exarado que o autor reside na referida Rua ..., ... (cfr. doc.16 junto com a petição inicial). 20º O A. indicou esta morada também para efeitos fiscais, incluindo para efeitos de pagamento dos impostos (Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis-IMT- e Imposto de Selo-IS), aquando da celebração do contrato de compra e venda, o 2.º andar, que corresponde ao art.º 3004-F (cfr. Declaração de IMT e de IS, a primeira junto com a contestação-fls.66- a segunda junto como doc. n.º 5 também na contestação, cujo teor aqui se dão por reproduzidos). 21º Também GG, procurador da insolvente, indica no contrato de compra e venda a mesma morada, na Rua ..., ... (cfr. doc. 16 junto com a petição inicial). 22º No âmbito do processo de divórcio por mutuo consentimento do Sr. GG, que correu termos pela Conservatória do Registo Civil ..., em sede de acta de conferência de divórcio do GG, realizada o 08 de maio de 2007 é indicada como residência habitual em Bairro ..., Lote ... ..., ..., ... (junta com o requerimento a 28/02/2024). 23º Encontra-se junta a 28/02/2024 cópia da carta de condução de GG com indicação de morada na Rua ..., ... ... e caderneta predial urbana com ano de inscrição na matriz a 1998/Mod.1 do IMI, entregue a 2012/02/08, tendo como titular PP, tendo como morada R. da ... Bairro ..., ... .... 24º O autor foi notificado, por carta registada com aviso de recepção datada de 04.08.2023, emanada pelo Sr. Administrador de Insolvência, Dr. DD, rececionada pelo próprio, pelo menos, no dia 22.08.2023, para proceder à entrega da fração autónoma designada pela letra “F” do imóvel urbano descrito sob o n.º ...26 na Conservatória do Registo Predial ... (cfr. carta junta como Doc. n.º 1 no requerimento de 01/02/2024-referência 93316543 e doc. 17 junto com a petição inicial). 25º Justificava o ali signatário que, por sentença proferida no processo n.º 602/17.6T8CBR, havia sido declarada a insolvência de BB e que o imóvel em questão era propriedade da Massa Insolvente (cfr. carta junta como Doc. n.º 1 no requerimento de 01/02/2024-referência 93316543 e doc. 17 junto com a petição inicial). 26º A mencionada missiva foi remetida para a morada Rua ... ... (cfr. carta junta como Doc. n.º 1 no requerimento de 01/02/2024-referência 93316543 e doc. 17 junto com a petição inicial). 27º Por despacho proferido nos autos principais datado de 12.09.2018 foi considerado que foi efetuada a resolução em benefício da massa insolvente do negócio de venda do imóvel realizado pela insolvente em 2016, considerando assim que a notificação da referida resolução foi validamente efetuada. 28º A carta de resolução seguiu também para o Banco 1..., (cfr. doc. n.º 6 junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). 29º De acordo com o auto de apreensão e certidões prediais juntos no Apenso D foram apreendidos: a- (½ do) prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial ..., sob o nº ...01 e inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...52 com o valor patrimonial de €147.518,40; b- (½ da) Nua propriedade de prédio urbano descrito na Conservatória de Registo Predial sob o número ...41 e inscrito na matriz predial, respectiva sob o artigo ...95 com o valor patrimonial de €20.247,21; E após a aludida resolução através de carta enviada ao autor, em 19 de dezembro de 2022: c- a fração autónoma, designada pela letra “F”, que corresponde ao segundo andar esquerdo, destinada a habitação, sito na Rua ...., ... ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ... sob o n.º ...26 da freguesia ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ...04 da União de Freguesias ... e ... com o valor patrimonial de €66.720,00 (conforme auto de apreensão junto a 05/07/2023 no apenso D). 30º O autor como pessoa conhecida e, pelo menos, o pai como amigo próximo da família da insolvente, e da sua confiança com a insolvente como se extrai da procuração, a data dos factos que levou à condenação da insolvente quanto no montante a pagar à credora B..., S.A., e tendo conhecimento das dificuldades económicas que a insolvente teria passado, não podiam ignorar da situação que levou à insolvência da insolvente. 31º A celebração do contrato de compra e venda deixou os credores sem possibilidade de verem ressarcidos os seus créditos, pelo menos, no montante da venda e o valor da venda do imóvel foi inferior ao da avaliação referida no contrato de compra e venda e ao do relatório junto a 29/02/2024 como doc. n.º 2 (cfr. doc. 16 junto com a petição inicial e relatório junto a 29/02/2024 como doc. n.º 2). 32º Como resulta dos autos, após a carta referida nos pontos 16º, 17º e 18º, o autor não apresentou impugnação à aludida resolução no prazo de 3 meses, tendo a presente acção entrado em juízo a 06/09/2023. 33º À data da aquisição do imóvel, a agora insolvente era casada com FF, facto que consta do Título de Transmissão emitido pela Administração Fiscal (cfr. doc. 2 junto com a petição inicial, doc. 7 junto com a contestação e certidão de assento de nascimento da insolvente junta aos autos principais a 0/02/2017). 34º O casal que foi constituído pela aqui insolvente e por FF, dissolveu-se por divórcio (cfr. certidão de assento de nascimento junta aos autos principais de 01/02/2017). 35º No processo de inventário subsequente ao divórcio, destinado à partilha dos bens do dissolvido casal, foi relacionada sob a verba n.º 16 da Relação de Bens, a fracção em causa nos autos, como bem comum do casal (cfr. doc. n.º 7 junto com a contestação e cujo teor aqui se dá por reproduzido). 36º No referido processo de inventário (nº 2205/18) não foi apresentada Reclamação contra essa verba da Relação de Bens (Cfr. Acta da Conferência de Interessados junta na contestação como doc. n.º 8 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido). 37º Encontra-se junto com a petição inicial pedido junto do Chefe do Serviço de Finanças ... efectuado por GG, na qualidade de procurador de BB de certidão de teor do título de aquisição para poder efetivar os respetivos registos na conservatória do registo predial (doc. 2 junto com a petição inicial). 38º Tal pedido foi recebido por QQ em 03/05/13, conforme carimbo aposto e foi objecto de despacho a 2003/05/14 (doc. 2 junto com a petição inicial). 39º Encontra-se junto a 29/02/2024 como doc. n.º 2 cujo teor aqui se dá como integralmente reproduzido Relatório de avaliação do imóvel objecto dos actos atribuindo o valor real de mercado da fracção, objecto de resolução nos presentes autos, de 125.000,00€ reportado a 11/03/2023. 40º No contrato de compra e venda junto como documento 16 na petição inicial, a Banco 1..., a favor de quem foi constituída e registada hipoteca sobre o imóvel que tinha avaliado em €84.000,00 (cfr. doc. 16 junto com a petição inicial). 41º Encontra-se junto aos autos comprovativo do pedido efectuado pelo autor de isenção do IMI e respetivo deferimento por três anos, de 2016 a 2018, e bem assim das notas de cobranças de IMI relativas aos anos 2019, 2020, 2021 e 2022 (junto a 28/02/2024-referência 8705787). 42º Foi junto aos autos um documento com data de 9 de Fevereiro de 2007 denominado acordo assinado por GG, residente no Bairro ..., Lote ... ..., 2625 ..., ... e ex-mulher RR residente na Rua ..., ... ..., do seguinte teor: “1ª O outorgante marido e a outorgante mulher são proprietários da fraçcção autónoma designada pela letra “F”, correspondente ao segundo andar esquerdo do prédio urbano sito na Quinta ..., ..., freguesia ..., concelho ..., descrito na ... Conservatória do Registo Predial ..., sob o número ...83, do livro B-setenta e sete da aludida freguesia e inscrito na matriz predial urbana da mesma freguesia sob o artigo ...34º. 2ª Todavia a fracção descrita na cláusula anterior encontra-se em nome de BB e marido, FF. 3ª A aludida fracção será objecto de compra e venda, existindo para o efeito uma procuração em nome do Outorgante marido a conferir poderes para efectuar a referida venda., de que se junta cópia que fica parte integrante do presente acordo. 4ª O Outorgante marido compromete-se a dividir, em partes iguais com a outorgante mulher, o montante obtido com a venda do referido imóvel deduzidas que sejam as despesas e encargos resultantes da referida transacção.” (cfr. doc. 6 junto com a petição inicial). 43º Pelo menos nos anos de 2013, 2014, 2015, GG teve alguns problemas e dificuldades financeiras e de tesouraria com as suas empresas (cfr. docs. 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13, 14 e 15 juntos com a petição inicial). 44º Foi sugerido por bancário que o mesmo procedesse à alienação e ou hipoteca de bens que possuía para que o produto da venda fosse aplicado no pagamento das dividas das suas sociedades. 45º O Mandatário do autor apresentou requerimento para consulta de processo e respectivos apensos no âmbito do artigo 27º, nº 4 da Portaria nº 280/2013, tendo sido disponibilizado a consulta dos autos na plataforma electrónica citius no dia 29/08/2023. 46º Encontra-se junto aos autos principais requerimento datado de 07.08.2017, com a referência 3525075, emanado pelo Sr. Administrador de Insolvência, Dr. DD, informando os autos de que notificou, por carta registada com aviso de receção, os Srs. AA, BB e FF, informando-os da resolução do contrato de compra e venda celebrado no dia 22.08.2016 da fração em apreço (cfr. requerimento datado de 07.08.2017, com a referência 3525075 junto aos autos principais). 47º O autor veio arguir nulidade do acto de notificação da resolução do contrato de compra e venda do imóvel em apreço a 29/08/2023 nos autos principais. 48º Por apenso ao processo de insolvência foram reclamados os seguintes créditos: - €264.941,88 por A..., S.A., a título de indemnização em que a insolvente foi condenada (em primeira instância a 28-4-2016 e confirmada pelo Tribunal da Relação) no âmbito do processo nº 8304/11.... que correu termos na instância central cível de Sintra, na sequência de acidente de viação ocorrido em 7 de dezembro de 1992 (cfr. sentença de condenação junta com a petição inicial ns autos principais); - €12.575,28 por CC, referente a metade do valor de letra de câmbio subscrita pela insolvente e autor, vencida em 30 de janeiro de 2016; - €1.297,00 pelo Estado Português, a título de custas em que a insolvente foi condenada no âmbito do processo nº 8304/11.... que correu termos na instância central cível de Sintra.
Factos não provados (transcrição, sublinhando-se os impugnados): - Que, apesar de não ter ficado reduzido a escrito no supramencionado título aquisitivo, o preço do imóvel, quantia necessária para o exercício de direito de remição à insolvente, tenha sido pago pelo pai do autor, GG, através de cheque seu e relativo a fundos provenientes de uma sua conta bancaria; - Que tal facto tenha sido o motivo pelo qual a insolvente nunca tenha chegado a registar a aquisição na conservatória do registo predial, confiando que o registo na Autoridade Tributária era suficiente para demonstrar a sua aquisição e a propriedade do imóvel e assim evitar mais gastos, atento o facto de que o imóvel passaria para GG. - Que tenha ficado acordado verbalmente com GG de que este tendo pago o preço do imóvel seria este o “verdadeiro” proprietário do imóvel e que posteriormente este último faria a transmissão do imóvel para seu nome, tendo este na sua boa-fé, permitido que a mãe da insolvente morasse no imóvel até esta se reformar, e que tal tenha ocorrido em finais de 2013. - Que, aquando da penhora do imóvel e consequente tentativa de venda por leilão no processo executivo nas Finanças, GG, já houvesse apresentado uma proposta de aquisição. - Que a outorga da procuração irrevogável em 21/06/2002 tenha sido para garantir a referida transmissão do imóvel para GG. - Que pelo facto de GG estar a passar, na altura, um período incerto na sua vida, não só sentimental, mas também empresarial – início de um processo de divorcio e também o inicio da sua atividade enquanto empresário do ramo do marisco congelado – este nunca tenha efetivado a transmissão do imóvel para a sua esfera jurídica, nem nunca tenha procedido ao registo da propriedade a seu favor na conservatória do registo predial, acreditando sempre que o documento que tinha na sua posse seria bastante para garantir a aquisição, até porque na mesma procuração era referido o facto de que não caducaria. - Que perante vizinhos e comerciantes, o Sr. GG tenha passado a ser referenciado como o proprietário do imóvel em causa na exata medida em que tudo o relativo ao mesmo era comunicado e com este conversado e que o mesmo agisse e se comportasse perante terceiros como tal. - Que as despesas inerentes ao imóvel tivessem passado a ser asseguradas por GG. - Que, entretanto, ocorrendo a data para a reforma da mãe da insolvente, o imóvel em causa tenha ficado desabitado, tendo GG começado a preparar o respetivo imóvel e toda a documentação inerente para iniciar o processo de venda do mesmo. - Que na data dos factos o critério perfilhado para a venda do imóvel, foi o de se obter no mais curto espaço de tempo, o maior montante possível pela venda de tal imóvel e que o melhor critério seria o de junto dos Bancos verificar aquele que maior financiamento seria obtido através de venda e hipoteca de tal bem. - Que o Sr. GG, se tenha socorrido do seu filho, ora autor, que conseguindo obter crédito bancário na Banco 1..., tenha comprado o imóvel, uma vez que o próprio não logrou obter crédito bancário em nenhum banco, de forma a conseguir ejetar capital nas suas empresas. - Que o autor tenha começado a residir na fracção logo após a outorga do contrato de compra e venda, e que já antes a tivesse ocupado com alguns bens e pertences pessoais seus e ali passando esporadicamente alguns dias. - Que desde 2016 que o imóvel em causa fosse a casa de morada de família do autor, onde este, toma as suas refeições diárias com os demais membros da família, nomeadamente, companheira e filha, a morada e residência que o mesmo e os membros da sua família identificam para receber e enviar correspondência, para serem notificados, onde podem ser localizados no seu dia a dia, onde passam os dias, pernoitam e onde centralizam o seu raio de ação enquanto família perante todos os demais amigos e familiares. - Que o autor, detendo as chaves, tenha acesso exclusivo ao interior do imóvel o mesmo se diga relativamente à sua companheira, com exclusão de qualquer outra pessoa. - Que o mesmo assegure o pagamento de condomínio, de contratos de fornecimento de bens e serviços, nomeadamente água, eletricidade e outros. - Que, pelo menos desde 2002, GG perante terceiros, assume a qualidade de proprietário e possuidor da fração supra mencionada. - E que assim fosse visto perante terceiros sejam eles vizinhos, sejam eles comerciantes. - Que o autor e pai desconhecessem a existência de credores da insolvência. - Que à data em que a missiva de resolução foi remetida para a morada Rua ... ..., o autor residisse na Rua ...., ... .... - Que por ser um prédio pequeno, apenas com três pisos o senhor carteiro relativamente à carta referida nos pontos 24º, 25º e 26º tenha deixado um aviso de recepção no seu receptáculo do 2º Esquerdo e que o autor não tivesse percecionado tal troca de andar. - Que o pai do autor, GG, tenha deixado a mãe da insolvente habitar a fracção apenas por boa-fé e pela boa relação de amizade que mantinha com a família, tendo-se, no entanto, responsabilizado pelas despesas do imóvel. - Que a sociedade que administrava o condomínio tivesse conhecimento da qualidade de proprietário e possuidor da fração mencionada, e que, por tal se responsabilizava pelas despesas do imóvel. - Que a conservatória do registo civil, no âmbito do processo de divórcio de GG e da sua ex-mulher, tenha reconhecido que o imóvel ora em crise seria propriedade de ambos e que seria posteriormente partilhado no âmbito das partilhas por divórcio, e que tenha reconhecido o direito de posse de GG. - Que em meados de 2016, com a perspetiva de compra e venda de um imóvel e, de iniciar a vida em comum com a sua ainda atual companheira, a Sra. SS, o requerente tenha decidido ir morar com esta última, na casa desta, na Rua ...., ..., ... .... - Que o requerente e a sua namorada tenham morado na morada supra mencionada enquanto o requerente efetivava a compra e venda do imóvel em apreço e realizava algumas obras de melhoramento ao imóvel, entre os anos de 2016 e 2017. - Que o requerente tenha deixado de viver, efetivamente, na Rua ... ..., apesar de não ter alterado logo a sua morada fiscal, uma vez que a sua residência era, ainda, temporária. - Que com o início de uma vida em comum, o requerente se tenha afastado gradualmente da sua família, nomeadamente da sua mãe e da sua avó, com quem os contactos foram ficando muito reduzidos ou quase, inexistentes. - Que não existisse à data qualquer tipo de contacto, quer presencial, quer telefonicamente, entre o autor e a Sra. OO, pessoa que assinou o Aviso de Receção. - Que a Sra. OO nunca tenha chegado a entregar a carta ao autor, e que que dela nunca tenha tido conhecimento. - Que só após o nascimento da sua filha, TT, nascida em ../../2017 é que o requerente foi efetivamente viver para o imóvel que tinha comprado. - Que ao autor nunca tenha sido comunicado pela Sra. OO da receção de uma carta em seu nome e que o mesmo desconhecesse na totalidade qualquer notificação de resolução do contrato de compra e venda e do respetivo prazo para a impugnar. - Que o A. não era nem nunca tenha sido próximo da insolvente nem da mãe desta, tendo apenas uma relação de vizinhança cordial. - Que a única relação de proximidade que existiu com a insolvente foi desta com o pai do A., o Sr. GG e num concreto período de tempo. - Que esta relação de proximidade remonte apenas aos anos de 2000-2002 e que na altura da compra e venda, o Sr. GG não mais tinha uma relação de proximidade com a insolvente nem com a mãe desta, não tendo contatos recorrentes, quer pessoalmente quer telefonicamente. - Que à data da compra e venda do imóvel, a insolvente não tenha tido qualquer intervenção na mesma. - Que a insolvente não tenha chegado a ter conhecimento imediato da referida compra e venda e que a sua mãe já tivesse desabitado o imóvel. - Que a insolvente não tenha comunicado ao A. ou ao Sr. GG de que estava numa situação de iminente insolvência. - Que o A. não tivesse conhecimento da situação de insolvência da Sra. BB nem dos problemas financeiros que esta tinha e que o mesmo não pudesse ter conhecimento de que o ato prejudicava financeiramente a massa insolvente ou os credores da insolvente, porque o A. não tinha conhecimento da existência de credores. - Que desde a data da separação que o Sr. GG não frequente o bairro onde o imóvel se situa, o que faz com que deixasse de ter uma relação próxima com os vizinhos, nomeadamente com a insolvente, que também já não morasse na Rua ... e com a mãe desta. - Que durante as obras de melhoramento ao imóvel, o autor não se cruzasse com a pessoa que assinou o aviso de recepção. - Que ao Sr. GG não tenha sido comunicado pela Srª OO de uma carta em nome do autor, e que desconhecesse qualquer notificação de resolução do contrato de compra e venda e do prazo para a impugnar. - Que o Banco 1... nunca tenha chegado a contactar o autor sobre tal facto ou para proceder a alteração contratual. - Que com o valor da compra, o autor tenha disponibilizado de imediato o valor para que este Sr. GG fizesse face aos pagamentos que tinha pendentes com fornecedores, entre outros.
VII. Do Direito A análise desta instância recursiva principia, logicamente, pela matéria atinente à impugnação da predita factualidade que, na perspectiva do Recorrente, foi circunscrita aos factos provados n.ºs 16 a 18, 25, 30 a 32, 36 e 46, e a todos os não provados. Estabilizados os factos, empreender-se-á a apreciação do mérito da causa, com a discussão sobre os pressupostos ínsitos à resolução em benefício da massa insolvente do bem imóvel apreendido nos autos e sua eventual restituição ao Recorrente. Relativamente à impugnação da matéria de facto, observada a previsão normativa do art. 640.º do Código de Processo Civil – ónus de especificar obrigatoriamente, no requerimento recursivo, sob pena de rejeição, os concretos pontos de facto que tem por incorrectamente julgados, os concretos meios probatórios que servirão para proferir nova decisão, e a decisão substitutiva sobre a matéria de facto que deverá ser proferida[3] –, impõe-se ao impugnante que demonstre em que medida é que os documentos ou os testemunhos, por si sós ou conjugados, foram postergados ou apontam em sentido diverso ao decidido, a si favorável, para que o Tribunal da Relação possa formar uma convicção autónoma e própria sobre a factualidade (art. 662.º do Código de Processo Civil), reiterando-se que a mera discordância dos factos e das conclusões deles emergentes retiradas pelo Tribunal de 1.ª Instância, não sendo contrariados em termos efectivos, não legitima a prolação de decisão diferente.
Eis como o Tribunal a quo motivou os factos: «(…)». A prova consistente em depoimentos de parte e testemunhal, desenrolou-se nas duas sessões em que se desdobrou a Audiência de Discussão e Julgamento, que tiveram lugar em 24 de Setembro e em 23 de Outubro, de 2024, devendo ser concertada com o abundante suporte documental inserto nos autos (Principais e Apensos). No tocante aos factos provados n.ºs 16, 17 e 18 – carta junta com a contestação –, há que destrinçar duas realidades: uma, o Recorrente poder não concordar com o seu conteúdo, outra, a circunstância da sua efectiva remessa e recebimento, comprovada pelo registo postal, tal como bem se enuncia na parte final da redacção desses factos, e que não foi abalada pelo depoimento de parte do mesmo e testemunhos produzidos, não tendo a própria avó do Recorrente querido depor. A objecção do Recorrente ao teor dos factos provados n.ºs 25, 36 e 46 resulta assaz incompreensível porquanto se trata da mera reprodução parcial de uma carta, um requerimento e uma Acta de diligência, oportunamente carreados aos autos, como retrata a plataforma informática Citius. Identicamente a data da propositura desta acção – facto provado n.º 32 – está espelhada na plataforma informática e, bem assim, a inexistência de impugnação num determinado período temporal, formulada pelo Recorrente. No que ao facto n.º 31, 1.ª parte, diz respeito, é a conclusão lógica que flui da sua 2.ª parte, objectivada e densificada no relatório que corporiza o doc. n.º 2, por contraposição ao valor escriturado do bem imóvel. O facto n.º 30 resulta inequívoco das declarações proferidas por todos («uma ligação forte», «eram como família»), não só os directamente envolvidos e com interesse nesta causa (v.g., a insolvente, sua mãe, o Recorrente e seu pai), mas também de UU, VV e WW, na qualidade de vizinhos e clientes/sócio do café. Contrariamente ao que parece pressupor o Recorrente, os factos não são dados como provados apenas porque houve testemunhas que se lhes referiram; com efeito, os testemunhos produzidos têm que ser ouvidos na sua íntegra, não desgarrados, nem escolhidos, devem ser apreciados conjugadamente e cotejados com todos os outros meios probatórios. Para além disso, intervêm os princípios da livre apreciação da prova (isenção, credibilidade, grau de conhecimento dos factos em discussão, tipo de relacionamento com os demais envolvidos, postura aquando das declarações/depoimento, etc.), as regras da normalidade e experiência, as presunções, deduções e outros argumentos de lógica jurídica, os ditames sobre a repartição do ónus de prova, as normas de direito probatório, etc. Destarte, não se antevê qualquer razão para a pretendida passagem deste núcleo de factos para o conjunto dos não provados. Na parcela destes últimos, impugnados em bloco, também a audição da gravação da prova e os documentos a que o Recorrente faz alusão não têm a virtualidade de os abalar. Certo é que a insolvente e o Recorrente – e o pai deste, enquanto detentor da procuração daquela que habilitou a venda do bem imóvel ao filho, aqui Recorrente – apresentaram-se na Audiência a sustentar uma perspectiva que lhes é directamente favorável, numa tese descrita na petição inicial, mas repleta das contradições e hesitações que a Sentença descreve. Seja porque a avó do Recorrente não se expressou, seja porque não há documentos que façam prova plena, seja porque os demais testemunhos não se revelam credíveis e densificados o suficiente, seja ainda porque os depoimentos de parte e o depoimento do pai do Recorrente expressam um interesse próprio na procedência da causa, a conclusão é que não existe prova sólida e robusta que questione o elenco dos factos não provados. Improcede, desta feita, a impugnação da matéria factual.
O Recorrente insurge-se contra a improcedência da acção, por se ter reputado estarem verificados os pressupostos para a resolução do negócio – a referida compra e venda de bem imóvel que fôra apreendido –, em benefício da massa insolvente. Invoca a nulidade da notificação (carta resolutiva) que lhe foi dirigida pelo Administrador da Insolvência. Neste conspecto o Tribunal a quo teceu as seguintes considerações que aqui se acompanham: «No caso em apreciação é posto em causa o recebimento da carta resolutiva e por isso é peticionado que seja anulado o acto de resolução do contrato de compra e venda praticado no processo de insolvência, nos termos e para os efeitos dos artigos 195.º do Código de Processo Civil. Vejamos. Conforme referido, resultou provado que foi enviada ao autor carta de resolução em benefício da massa insolvente relativamente ao imóvel aprendido nos autos e objecto do contrato de compra e venda resolvido pelo administrador judicial A referida carta de resolução seguiu por correio registado com A/R para a Rua ..., ...., ... .... A carta de resolução foi recebida, a 28/06/2017, pela avó do A., que, à data vivia no referido 3.º andar esquerdo, de seu nome, OO. No referido contrato de compra e venda do imóvel apreendido nos autos de insolvência, o autor indica como residente na referida Rua ..., .... O A. indicou esta morada também para efeitos fiscais, incluindo para efeitos de pagamento dos impostos (IMT e IS), aquando da celebração do contrato de compra e venda, o 2.º andar, que corresponde ao art.º 3004-F. O autor foi notificado, por carta registada com aviso de recepção datada de 04.08.2023, emanada pelo Sr. Administrador de Insolvência, Dr. DD, rececionada pelo próprio, pelo menos, no dia 22.08.2023, para proceder à entrega da fração autónoma designada pela letra “F” do imóvel urbano descrito sob o n.º ...26 na Conservatória do Registo Predial .... A mencionada missiva foi remetida para a morada Rua ... .... A declaração resolutiva em benefício da massa insolvente tem natureza receptícia, sendo-lhe aplicável o disposto no art.º 224.º do CCiv., pelo que a sua eficácia depende da sua chegada ao poder do destinatário ou do seu conhecimento por ele (n.º 1), sem prejuízo das situações em que só por culpa dele a declaração não foi recebida (n.º 2). Neste último caso (n.º 2), é necessária a demonstração, pela contraparte/declarante, de que o declaratário não recebeu oportunamente a declaração por razões que lhe são exclusivamente imputáveis. A culpa deve ser apreciada em concreto, à luz das circunstâncias de cada caso, segundo o critério estabelecido no art.º 487.º, n.º 2, do CCiv. (diligência de um bom pai de família). Se a carta com aviso de recepção contendo a declaração resolutiva foi enviada para o declaratário, chegando à morada indicada pelo mesmo em documentos recentes e para entidades oficiais, desde logo, Autoridade Tributária e Aduaneira e recebida pela avó, é de concluir, em tais circunstâncias e segundo as regras da normalidade do viver em sociedade, que a carta é do conhecimento do autor, considerando-se eficaz a declaração. Assim, e como resulta dos autos, o autor não apresentou impugnação à aludida resolução no prazo de 3 meses, tendo a presente acção entrado em juízo a 06/09/2023, pelo que, conforme já despacho proferido nos autos principais datado de 12.09.2018, foi efetuada a resolução em benefício da massa insolvente do negócio de venda do imóvel realizado pela insolvente em 2016 através do procurador, considerando, assim, que a notificação da referida resolução foi validamente efetuada, e não tendo sido impugnada, não se verifica a arguida nulidade do acto de resolução do contrato de compra e venda praticado no processo de insolvência, e em consequência é a presente acção extemporânea no que concerne à impugnação do acto resolutivo, devendo manter-se eficaz, na ordem jurídica, a resolução do negócio jurídico atinente à venda da fracção F do imóvel inscrito sob o art.º 3004 da União de Freguesias ... e ..., conforme requerido pelas contestantes.». A carta foi enviada para uma morada que o Recorrente mantinha activa, pelo menos para efeitos fiscais, onde residia a sua avó, e não logrou demonstrar que a carta, apesar de recebida, não lhe foi entregue, sem culpa sua. Não cumpriu com o ónus de prova a que estava adstrito e mantendo-se intocada a factualidade provada, dúvidas não restam que improcede este fundamento recursivo.
Novamente revertendo aos factos assentes, também não está adquirido nos autos que tenha havido actos materiais correspondentes ao exercício do direito de propriedade, nem inversão do título que legitime que se afirme que o detentor passou a comportar-se como proprietário da coisa. Paralelamente, o Recorrente objecta ao requisito da má-fé, olvidando não ter demonstrado, inter alia, desconhecimento das datas dos factos em questão; da situação de insolvência; que o valor da aquisição foi inferior ao valor avaliativo e de mercado e que, por conseguinte, a aquisição da fracção foi prejudicial à Massa Insolvente. Também neste aspecto soçobra a razão.
Por último diga-se que no regime jurídico da resolução em benefício da massa insolvente, é o risco de insolvência de um determinado devedor que se visa acautelar, por estarem em causa actos do devedor/insolvente que, por terem sido praticados nos dois anos anteriores ao início do processo de insolvência, fazem perigar o legítimo direito dos credores perderem a sua garantia patrimonial. Por isso, construiu-se este mecanismo mediante o qual se permite à massa insolvente recuperar e reintegrar no seu património o bem indevidamente alienado, assegurando a satisfação dos interesses dos credores; num caso como o vertente, em que o acto é oneroso, incumbe ao terceiro restituir à massa os bens e valores objecto dessa resolução (art. 126.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas). Promana do art. 123.º, n.º 1, que a resolução em benefício da massa compete ao administrador da insolvência, e que deve ser promovida contra as ambas as partes do negócio que se pretende resolver, tendo eficácia retroactiva, determinando a reconstituição da situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado ou omitido, consoante o caso[4]. Por conseguinte, em vista dos factos assentes nos autos e seu enquadramento jurídico, mantém-se a eficácia jurídica da resolução aqui operada. Improcede a pretensão recursiva, confirmando-se a decisão recorrida.
Em função do vencimento, o Apelante suporta o pagamento das custas processuais (arts. 527.º e 607.º, n.º 6, este ex vi 663.º, n.º 2, todos do Código de Processo Civil, por remissão do art. 17.º, n.º 1, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas).
VIII. Decisão: Nos indicados moldes, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida. Incumbe ao Apelante o pagamento das custas processuais. Registe e notifique. (assinatura electrónica – art. 153.º, n.º 1, do Código de Processo Civil)
[4] Menezes Leitão in, Direito da Insolvência, Almedina, 2009, p. 220, menciona que a resolução «faz cessar ex tunc os efeitos do acto praticado em benefício da massa, surgindo uma relação de liquidação, nos termos da qual se determina a restituição das prestações já realizadas». |